Onde a magia acontece

[SÉRIES] HOW I MET YOUR MOTHER (ou aproveitando para falar mal de Friends, porque alguém tem que faze-lo)

| sexta-feira, 31 de maio de 2019
... TO BE CONTINUED »
 

As pessoas frequentemente comparam Friends com "How I Met Your Mother", e eu acredito que é uma comparação bastante válida. São duas séries com o tom mais ou menos parecido, tem mais ou menos a mesma duração, tem o mesmo feel (a ideia de registrar o que é ser um nova yorkino na sua decada) e que são estruturalmente bastante similares. Todos estes são pontos bastante válidos, porém eu gostaria de falar sobre como as duas séries tem um problema bastante parecido e é um problema tão grande que quase inviabiliza assisti-las, só que uma sabe lidar com isso e a outra não.

Seus protagonistas são insuportaveis.

Entenda, quando eu digo "insuportavel" não é em um sentido de "meh, poderia ter sido feito melhor" e sim que se colocar essas pessoas em um fusquinha 76 repleto de gasolina e atira-los de um barranco, bem, esse seria um grande desperdício de ferrugem. Mas bem, vamos ver como isso funciona mais de perto.

Para propositos deste texto, eu estou considerando Ross e Rachel como os protagonistas de Friends, embora isso seja mais aberto a debate, enquanto acho que não precisa ser dito muito sobre qual o ponto principal de HIMYM.

Então, vamos começar com Ross, o que tem de errado com ele?



Deus. Oh, Deus. Mais fácil tentar dizer o que tem de certo com ele! Não, espera... não, isso não é fácil. Eu não consigo pensar em nada realmente. O melhor que que eu posso sintetizar a respeito do Ross é que ele é básicamente o Facebook dos anos 90.

Você conhece o Facebook, né? Aquele lugar onde as pessoas normais se reunem para cagar regra sobre o que ser normal significa e buscar instruções como uma pessoa normal deveria se comportar. Nos anos 90, Ross fazia esse papel cagando regras sobre como e o que o cidadão de bem da família tradicional americana deve ver o mundo. Ele tem um pacotinho de verdades inquestionaveis prontas e nunca, jamais, sob hipotese alguma considera questionar que os seus valores não sejam universalmente corretos.

O ápice disso é quando, por mais de uma temporada, o objetivo do personagem é tentar fazer o seu casamento dar certo. Não que tenha algo errado nisso, o problema é porque ele esta tentando fazer isso: não porque ele ama sua esposa - ele claramente não poderia cagar mais para ela, que ele mal conhece na verdade, ao ponto que até disse o nome de outra no altar - e sim porque ele já tem um casamento fracassado e ele não pode falhar com a sagrada instituição do casamento uma segunda vez. Sim, esse é todo o ponto, a sagrada instituição do casamento é o que realmente está em questão aqui, não pessoas ou sentimentos.

Ah meu filho, imprime um calhamasso de imagens do Bolsonaro e do Trump se pegando e enfia no rabo, faça-me o favor. Aqui, deixa eu te ajudar:




Existem outras dezenas de coisas que me incomodam sobre ele e eu poderia fazer um texto inteiro sobre a atitude "boo-hoo, pobre de mim, as mulheres me DEVEM sexo porque eu digo que sou um nice guy quando na verdade sou  um psicótico controlador obsessivo". Em primeiro lugar, ninguém te deve merda nenhuma. Em segundo lugar, você é o "nice guy" que dá piti porque a sua namorada quer usar um biquini. Você é esse tipo de cara. Uau, super nice, realmente naõ entendo realmente como as mulheres não estão pegando senha para ficar com você, de fato...

Enfim, eu realmente poderia passar algum tempo falando de tudo que há de errado com ele, mas você já pegou meu ponto aqui.



Sua contraparte romatica, Rachel, não é tão melhor que isso realmente. Ela tem um arco de personagem terrivelmente complexo que vai da garota mimada que nunca teve NENHUMA dificuldade porque ela é incrivelmente rica para a mulher mimada que não tem NENHUM dificuldade na vida porque ela é inumanamente bonita. Tirando os problemas que ela deliberadamente decide criar para si mesma, tudo acontece para ela do jeito que ela quer, na hora que ela quer e na quantidade que ela quer porque ela é muito, muito, mas muito bonita mesmo. Boo-hoo, pobre você, Rachs.

Verdade seja dito, entretanto, que todos os kudos do universo tem que ser dados a Jennifer Anniston porque ela sai no braço contra o roteiro que lhe é entregue e torna a personagem muito mais palatavel do que o que está escrito no papel para ser. É necessário uma quantidade de talento desumanamente grande fazer o que ela faz, e eu não tenho elogios suficientes a atriz nesse sentido. A personagem, no entanto, da forma como ela é escrita é uma lixeira pegando fogo.

Verdade seja dita, todas as personagens feminas de Friends são dolorosamente mal escritas. Monica não conseguiria ser interessante por 5 minutos seguidos nem com uma arma apontada para ela, e eu ainda sonho ver um episódio escrito em 2019 onde a Phoebe defende que ser anti-vacinas e a Terra é plana são pontos de vista igualmente válidos e que devem ser tão respeitados quanto ciência.

Resumo da história: se você consegue assistir uma temporada inteira de Friends sem ter um ataque de úlceras ao ver tanta coisa errada em tão pouco tempo, então talvez a gente não devesse ser amigos.

Não que How I Met Your Mother seja muito melhor nesse departamento, infelizmente, já que Ted Mosby é um dos maiores sociopatas narcisistas que eu já vi na televisão. O Dr. House não tem nada perto desse cara.


Ow, fofo, né?

... yeah, about that, buddy...

... estamos falando de um cara que stalkeya uma mulher que obviamente não quer nada com ele por mais de 20 anos, destruindo todo e cada relacionamento que ele jamais teve por causa disso. A unica vez que ele conseguiu realmente ter um relacionamento foi com alguém que era exatamente igual a ele. Diz muito sobre você o fato que você só consegue se relacionar com alguém que é tão apenas uma projeção da sua pessoa que nem nome tem, não?

Com efeito, a "mãe" de quem Ted está contando a história é tão apenas uma manic pixie dream girl para justificar o seu amor por si mesmo que o nome da personagem título da série é dito apenas duas vezes durante a série INTEIRA. Ela é tão uma não-pessoa, tão apenas uma objetificação do amor de Ted por si mesmo que nem nome ela tem!

Escuta, amigo, buddy, parça, chapa, pal, eu sei que na sua cabeça isso é amor... mas não é. É psicose. Quando sua definição de amor é ter um checklist de tudo que uma pessoa tem que ser ANTES  de conhecer ela e depois chutar ela por não ser a "The One" quando ela falha em atender cada um dos itens (que apenas descreve você mesmo), isso não é bonito. Isso é doentio. E potencialmente perigoso. Eu considero o fato de nenhuma mulher ter saído dessa história esfaqueada em um beco escuro uma vitória, pessoalmente.

Quando você diz para sua namorada que ela tem que se livrar dos cachorros dela porque eles fazem te lembrar os ex dela, você tem mais problemas do que a psiaquiatria vai poder te ajudar pelos próximos dois séculos. E você é um ser humano desprezível.
Enfim, tal qual como Ross e Rachel, Ted é um caso perdido e que serve para pouca coisa senão estudos de toxidade em relacionamentos.

Isso sendo dito, How I Met Your Mother faz uma coisa que Friends não faz, e essa é a diferença que torna a primeira assistivel enquanto a segunda é apenas um exercicio de te lembrar porque você não tem redes sociais (e se tem por favor vá embora, não é para você que eu estou escrevendo isso).



O truque aqui é que HIMYM é inteiramente auto-ciente do quão errado e problemático o seu protagonista é, enquanto Friends não parece achar nada de errado com o acidente de trem que eles estão colocando a frente da sua série.

Durante o curso da série, os amigos de Ted lhe dizem inúmeras, incontaveis vezes o quanto a forma com que ele vê o mundo e como ela age é pouco saudável, mas mais importante que isso, a série mostra na prática os efeitos de ser dessa forma. As pessoas crescem e evoluem ao redor dele enquanto Ted se pergunta porque só a vida dele não vai a lugar nenhum.



E deveria, porque mesmo Barney, que começou a série apenas como um meme se torna um ser humano plenamente desenvolvido - não em pouco mérito por causa do ator, que é incrível, Mas também porque diferente do que aconteceu com Jennifer Anniston que lutou sozinha uma luta inglória contra um personagem pavoroso, Neil Patrick Harris trabalhou junto com os roteiristas para evoluir o seu personagem.

Ted entende que tem algo que esta dando errado com a sua vida, mas não está disposto a fazer as mudanças necessárias para isso - mesmo com seus amigos reiteradamente tentando lhe ajudar com isso. Mas Ted não aprende lição nenhuma com os tombos que leva - se alguma coisa, no máximo que ele está fazendo tudo certo e que o universo lhe deve algo por isso (ele diz com essas exatas palavras, na verdade). Ele não evolui, ele não aprende, ele apenas se apega a sua listinha da mulher perfeita (que é descrição dele próprio) para ser a "The One" e espera que o universo lhe entregue isso magicamente.

Aos 35 a vida de todo mundo seguiu adiante, mesmo o desastre nuclear de ser humano que era o Barney, e Ted ainda está batendo cabeça com a sua maldita listinha.

Então, como você faz uma série de 9 temporadas com um protagonista assim? Simples, não faz.



E eis o truque aqui, crianças: ao contrário de Friends, HIMYM percebeu que eles haviam escolhido o cavalo errado para lutar sua batalha e gradualmente desiste de ser uma série sobre o Ted e passa a ser sobre os personagens muito melhor desenvolvidos que o cercam. A partir da metade HIMYM é uma série sobre Barney e Robin, ocasionalmente sobre Marshall e Lilly e muito eventualmente tem um episódio ou outro sobre o Ted - e mesmo assim apenas para contar uma estrulia engraçadalha que aconteceu com ele perseguindo a sua listinha da "The One". O que era basicamente o que o Barney fazia no começo da série, que era ser o personagem golfinho da série (que aparece na superficie, faça uma graça e afunda de novo).

Essa foi uma sacada genial que Friends não teve. E o que eu chamo de "sacada genial", muitas pessoas chamariam apenas de bom senso em não colocar como centro da história um personagem com o qual o único relacionamento que você gostaria de ter é uma ordem judicial de restrição contra ele.

Isso é ótimo, mas não vem sem um preço, infelizmente. Este sendo que faz o final de HIMYM muito, muito, mas muito ruim.



How I Met Your Mother começa como uma sitcom de Nicholas Sparks em que um jovem sonhador espera encontrar a "The One". Só que ao longo do tempo, com a reação do publico e com o próprio input dos atores, HIMYM se tornou algo maior do que isso.

Se me perguntarem hoje, HIMYM é uma série sobre como os relacionamentos são dificeis, complicados e imperfeitos. Relacionamentos são, muitas vezes, coisas terríveis que exigem sacrificio e doação que vão além do que o "felizes para sempre" mostra porque é assim que as pessoas são.

Embora Lily e Marshall sejam basicamente um dos casais mais perfeitos de todos os tempos, eles nem sempre se entendem. Eles brigam. Eles tem que abrir mão de coisas um pelo outro. Eles se ajeitam. Eles fazem isso de novo e de novo. Estar apaixonado não significa ser "perfeito". Se você tem medo de ter discussões, tudo vai se acumulando até o ponto em que fica insalubre, o ressentimento torna completamente tóxicas e explosivas. O fato de que a maioria dos casais no show são mostrados batendo cabeça em seus relacionamentos regularmente nos lembra que, como eles, somos apenas humanos tentando fazer o nosso melhor. 

E não apenas sobre relacionamentos, mas sobre tudo na vida. Sobre emprego. Sobre ter filhos. Se você já teve, ou conhece alguém que acabou de ter filhos, sabe como não tem nada de romantico nisso em ver um farrapo de ser humano sem dormir direito desejando que aquele projeto de macaquinho desapareça apenas por algumas horas pra você poder ter uma vida. HIMYM é uma das poucas séries que eu lembro de ter visto fazer isso (de cabeça, é a única). 

Ted is the best woo-hoo girl


Tem muitas lições verdadeiras e humanas ali sobre amizade, relacionamentos e sobre si mesmo. Os personagens crescem e se tornam pessoas melhores (exceto o Ted), a série cresce junto com eles. E justamente por isso que é tão danoso que o final da história já estivesse escrito desde o primeiro episódio - literalmente, as cenas com os filhos do Ted já estava gravadas desde o começo.

Toda evolução não apenas dos personagens e dos relacionamentos entre eles mas próprio do propósito da série - de uma novela de Nicholas Sparks para algo bem mais ao estilo Master of None - é descartada em poucos minutos para usar o roteiro que já estava escrito desde o primeiro episódio. É até mesmo ofensivo como a série passou várias temporadas construindo o relacionamento do Barney e da Robin e uma  ultima temporada especificamente sobre isso, é jogador fora em uma de 45 segundos que não faz nenhum sentido.

Barney, obviamente, nunca ouviu falar de animes


Quando você escreve, é apenas natural que ao longo da escrita os personagens e as situações vão adquirindo voz e se desenvolvendo de formas que você não planejou originalmente. 

Em um cenário fiel ao personagem, por exemplo, Hermione não deveria terminar com ninguém que ela conheceu na escola. Ela deveria terminar seus estudos, viajar o mundo, aprender algumas coisas sobre a vida e então fazer uma escolha. Mas mesmo que seja absolutamente vital que ela ficasse com alguém da escola por qualquer razão narrativa que fosse, ela claramente deveria ter ficado com Harry ao invés de Rony. Porque não aconteceu? Porque JK Rowling seguiu o que já estava escrito no guardanapo original dela (logo acima de "Nagini é uma mulher asiatica na verdade"), mesmo contrariando a verdade que se desenvolveu ao longo da narrativa.

O que, alias, não é bullshit da minha cabeça. Quem disse foi a própria autora:


Uma história longa, uma boa pelo menos, é uma coisa viva que cresce junto com os personagens além do controle do autor. O Thor que vemos em Endgame não é o mesmo que Kevin Fage imaginou em 2011. Foi algo que foi crescendo com o tempo, evoluindo como algo vivo e verdadeiro. E os fãs sentem esse tipo de coisa. 

Até porque existem dois caminhos que um personagem pode tomar em uma narrativa longa: ou ele evolui consigo mesmo, ou ele "flanderiza". Flanderizar é uma expressão que nasceu com os Simpsons e que consiste em pegar um único traço de um personagem relativamente completo e o transformar em sua única característica definidora.

No exemplo que dá nome ao termo, Ned Flanders inicialmente é o cidadão modelo que faz Homer Simpson parecer mais perdedor em comparação. Ele tem filhos que o amam, tem um emprego que o satisfaz, é um bom cristão e uma pessoa respeitada na comunidade. Com o derror da série, ele lentamente escorrega para não ser nada senão um fanatico religioso carola.



Friends faz isso terrivelmente com todos seus personagens (talvez exceto Rachel, mas novamente merito muito mais a Jeniffer Anniston do que ao roteiro). Joey começa a série como um cara sem muita instrução formal e meio desligado, mas que sabe se virar no dia-a-dia. Em algum ponto ele passa a ser só o burrão do grupo. Chandler é o cara comum que não é tão macho-alfa assim, em algum ponto é blatante as piadinhas que ele é gay enrustido (porque é anos 90 e é super hilário sugerir que tem algo errado em alguém ser homossexual e que isso é motivo de piada). E assim vai.

HIMYM faz o melhor dos seus esforços para não cair nessa armadilha, e mesmo o fato de Ted se tornar mais e mais obsecado com a pilha de verdades idiotas que ele tirou da bunda não é ignorado pelo roteiro - e sim usado como um elemento de construção da série. Ted não foi o ultimo da galera a se casar porque ele estava esperando a "chosen one", e sim porque ele vê o mundo de uma forma tóxica e pouco saudavel. Que ele tenha encontrado sua cópia carbono com tetas (e sem nome) é meramente uma conveniencia do roteiro, mas se fosse na vida real seria muito mais sorte do que juízo. Mas muito mais mesmo.



Essa coisa de aderir ao final Nicholas Sparks inicialmente planejado não apenas trai o que a série se tornou, mas acaba se sabotando próprio conceito dela. A série é sobre o que, exatamente? Um pai contando aos filhos que a mãe deles foi o prêmio de consolação mas não o que ele realmente sempre quis a vida toda? Mas oi? Quem é que faz uma coisa dessas?! Sério, quem?

É apenas estúpido e joga fora toda uma construção genuinamente verdadeira de quase dez anos. Olha, caras, eu sei que vocês realmente gostaram da ideia que vocês tiveram: gravar o final da série no primeiro dia para usar dez anos depois é realmente uma saca única, apenas... não foi isso que a série acabou se tornando. Todo relacionamento necessariamente envolve sacrificio e abrir mão de coisas, porque é assim que nós seres imperfeitos somos, e foi justamente isso que faltou aos criadores da série. A ideia inicial para o final de vocês era muito legal, mas chegou um ponto em que vocês deveriam te-la deixado ir. Faltou comprometimento e capacidade de doação que os relacionamentos que vocês construíram tão bem mostraram ao longo dos anos.

Não foi legendário, caras. Nem adianta esperar por isso. E nem me deixe começar sobre a Lilly...


[SÉRIES] HOW I MET YOUR MOTHER (ou aproveitando para falar mal de Friends, porque alguém tem que faze-lo)

THE STORY SO FAR:   As pessoas frequentemente comparam Friends com "How I Met Your Mother", e eu acredito que é uma comparação bastante válida....
POSTADO EM:sexta-feira, 31 de maio de 2019
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[GAMES] THIEF (ou o rio mais fedorento do universo)

| quarta-feira, 29 de maio de 2019
... TO BE CONTINUED »
Algo errado não está certo...
Abrimos já com um grande spoiler: em Thief você joga com um ladino. Oh.  Brutal. E isso, é claro significa guerra que você encontrará dezenas de guardas patrulhando a Cidade (esse é o nome dela mesmo). Alias a Cidade é a cidade (?) mais segura do  universo já que até onde eu pude contabilizar a proporção de guardas para civis é de algo como 10 guardas para cada pessoa comum. Apesar disso o jogo insiste que a Cidade é um lugar perigoso e sem leis, vai entender...

Seja como for, eu dizia que a Cidade é o lugar mais policiado do universo. Infelizmente tem o rio mais fedegoso do cosmos também.

Você sabe disso porque quando os guardas patrulham (e 90% da população da cidade são guardas) eles usualmente falam uma de suas quatro frases aleatórias de dialogo. Thief tem poucas frases de dialogo, mas as mesmas frases foram gravadas diversas vezes pela mesma pessoa e distribuídas a diferentes guardas em diferentes áreas da cidade Cidade.

Você ficaria surpreso em quantas maneiras diferentes existem para se dizer "Dá pra sentir o cheiro do rio daqui". "Dá pra SENTIR O CHEIRO do rio daqui", diz um guarda parecendo surpreso que você possa fazer do que provar e tocar. "Dá pra sentir o cheiro do RIO daqui", aparentemente impressionado que de que todas as coisas que você pode sentir o cheiro daqui, o rio é uma delas. "Dá pra sentir o cheiro do rio DAQUI", diz um terceiro, refletindo sobre o quão longe se consegue sentir o cheiro desse rio.

Eventualmente eles se cruzam e você ouve diálogos como:
- Dá pra sentir o cheiro do RIO daqui.
- Dá pra sentir o cheiro do rio DAQUI.

Imagino que falar sobre o cheiro do rio é o equivalente local a comentar sobre o clima.

Adicionalmente, você ouve esse dialogo em todas as áreas do jogo. Absolutamente todas mesmo, porque o jogo tem um pequeno problema de áudio: o som sempre sai como se a pessoa que falou estivesse no mesmo comodo que você. Mesmo que ela esteja na rua. A três andares abaixo. E que o jogo tenha carregado duas telas de loading para abrir aquele mapa - imagine o quanto isso ajuda na imersão em um jogo de furtividade, pois é.

Então não existe lugar nessa cidade, literalmente, que o cheiro do rio não te alcance. Você pode correr e pode tentar se esconder, pode ir as profundezas dos esgotos ou ao topo da torre mais alta da cidade, SEMPRE vai ter uma voz como se estivesse a menos de dois metros de você dizendo o quanto esse rio é fedorento.

Puta merda, esse rio deve feder pra caralho mesmo. Mas nem de perto tanto quanto esse jogo, como você pode deduzir por essa minúscula amostra.


DOS CRIADORES DE DEUS EX, VOS APRESENTO LIXO EX

Deus Ex: Human Revolution, como eu havia comentado, é um ótimo jogo. Perdeu uma oportunidade de ouro para ser imortal e lendário mas isso não o faz ser um jogo menos do que bom. E uma coisa que li muito pesquisando sobre o jogo é que ele se inspirava muito no clássico Thief.

Thief é um jogo de 1998 com uma proposta muito diferente: você joga com um gatuno e deve se comportar como tal. O sistema de combate é propositalmente hediondo para não incentivar tal tratativa, em compensação o sistema de iluminação, movimentação e ruído é muito trabalhado para ser o jogo definitivo de ladinagem. Em 1998 isso realmente era muita coisa.

Para felicidade geral da nação a Eidos, a mesma empresa que lançou Deus Ex, resolveu fazer um reboot moderno de Thief em 2014. Como a trilogia original não foi feita com suporte joystick em mente (e eu não jogo com mouse e teclado), parecia a oportunidade perfeita para conhecer essa franquia com uma proposta tão diferente.

E o prologo do jogo não é ruim realmente. Apesar de ser chato como todo tutorial, mostrava que Thief tinha potencial para ser uma experiência muito divertida - ainda mais se aprendesse com os erros de Dishonored.

No tutorial você conhece seu personagem (jura?), Garret, que está correndo com sua aprendiz de roubarias impaciente. Garret diz que roubar é uma arte e matar é apenas um último recurso, sua assecla novinha não quer esses papos ultrapassados não, tá ligado, coroa? Ela quer é ser fodona e matar tudo, chegar chegando mesmo, morou?

Parece uma dinâmica interessante para uma história.

Mecanicamente o prologo parece uma mistura de Assassin's Creed  com Mirror's Edge. Isso quer dizer que é em primeira pessoa e envolve muito parkour, mas os telhados da cidade tem um design de fase bons para uma movimentação fluída.

Se isso é uma amostra do que vai ser o jogo, ok, eu posso gostar disso.

E então o prologo termina de uma forma misteriosa, e nosso protagonista acorda um ano depois sem memória do que aconteceu. Ok, protagonista sem memória, lá vamos nós né...

Mas pior do que o roteiro do jogo descambar para algo tão desinteressante que eu até parei de conferir se estava lá mesmo (se os diálogos do jogo a partir de 20 minutos no game foram todos substituídos por "blablabla whiskas sache blablabla" é algo impossível determinar, embora muito provável), em nenhum momento o jogo conseguiu ser tão fluído nos minutos iniciais do tutorial, que é o único momento em que Thief funciona de alguma forma.

Dali para frente o horror, apenas o horror.

Eu nem vou tentar...
BLABLABLA WHISKAS SACHÊ - THE GAME

A única coisa realmente extraordinária sobre o plot do jogo é o quanto ele é sem graça. Parece muito simplista dizer que nada interessante acontece em Thief, mas eu juro que sentei lá, forcei meus miolos o máximo que eu pude para achar um elemento da história que se destacasse minimamente que fosse e eu não consegui.

A narrativa de Thief varia entre o lento até o "considerado crime pela convenção de Genebra", e em nenhum momento consegue criar um personagem ou situação com a qual é possível se importar. A própria dublagem de Garrett soa apenas vagamente interessada no que ele tem a dizer, e o script nunca destaca alguém o suficiente para chamar sua atenção. Isso torna mmentos que deveriam ser satisfação, como a mal desenvolvida rivalidade dele com o melhor policial corrupto da cidade, ou a súbita revelação das motivações do vilão em algo maçante e tedioso.

No papel o jogo tenta misturar Akira e F.E.A.R. em um cenário steampunk. Como eles conseguem fazer isso ser chato e sem sentido é digno de uma tese.


LADRÃO. LADRÃO. SEU LADRÃOZINHO. LADRÃO!

A história ruim não seria um problema se o jogo fosse bom de se jogar. Deus Ex, por exemplo, tem uma história mais fraca que somaliano com anemia mas é um jogo gostoso. Esse não é o caso aqui.

Não ajuda muito que o próprio jogo não pareça muito interessado nas habilidades ladineiras de Garret. Claro, o design das fases foi (mal) projetado com furtividade em mente mas definitivamente o jogo não é o que você pode esperar.

Quando apresentamos a proposta de jogar com um mestre ladino imaginamos algumas coisas. Roubos impossíveis em locais inacessíveis passando por desafios que testam sua inteligência, preparação e acrobacias

Entre na mansão do Conde Pilafius, protegida 24 horas por dia por cães que disparam abelhas assassinas das suas bocas quando latem, roube o último ovo Faberger Belga e saia sem ser percebido, esse tipo de coisa é o que esperamos ao poder jogar com um MASTER THIEF.

Ao invés disso, nosso MASTER THIEF é só um ladrãozinho cracudo com cleptomania que coleta objetos brilhantes por onde passa. Sério, é só isso. Não tem nada de épico ou desafiador nos "roubos", você apenas anda por uma série de corredores sem vida e de vez em quando algo brilha na tela, você pega apenas porque sim. É tão emocionante quanto entrar na casa das pessoas em Skyrim e roubar a comida delas, afinal é por carregar 156 tomates e 237 fatias de queijo que jogamos Skyrim, afinal.

Nada de tesouros lendários, itens mágicos ou roubar de um filho da puta apenas para lhe ensinar uma lição. Não, nada disso. Você apenas rouba porque está no seu caminho e "Oooh, SHINY!". Aparentemente roubar 15724 porta-retratos (cada um valendo 1G) de pessoas miseráveis deve ser mesmo mais interessante que roubar o lendário ovo Alpino (sério, sabe quanto custa essa coisa?) do Lord Heartstonesson, o que eu sei sobre game desing afinal?

Eu talvez conseguisse imaginar uma abordagem mais brochante para o jogo, mas teria que me esforçar muito.
- A gente avisa pra ele que a cabeça ta aparecendo?
- Não dá, temos ordens de ignorar o cara até que ele pise nesse circulo de
luz com menos de 1m a nossa volta.

ISSO, MERGULHA NAS SOMBRAS, BOM, BOM...

O esqueleto de um grande jogo de furtividade está lá. A mecanica é sólida, o sistema de iluminação e som (tem garrafas no chão que fazem barulho se você chutar elas, por exemplo) dão indícios que era esse o caminho que o jogo queria seguir. O arsenal de movimentos de Garret é interessante, ele tem um em particular chamado "Swoop" que é meio como que se ele mergulhasse para a frente e te dá uma sensação muito gostosa de ser um predador nas sombras.

Está tudo lá... só o jogo não usa isso.

Não bastasse Garret ser um ladrão de galinha Zé Droguinha (eu não sei mais quem iria entrar na casa das pessoas para roubar seus talheres), o jogo se esforça o máximo que pode para ser o mais genérico possível no design de suas fases.

Em dado momento temos que invadir um bordel para roubar um livro valioso - bom. Momentos depois, o bordel se revela uma série de ruinas subterrâneas sem inimigos - péssimo. E isso que essa é uma das poucas missões de ladinagem mesmo, na maior parte das missões você tem que reunir pistas (no sentido de coletar do chão mesmo) para resolver o grande plot sobrenatural do jogo com o qual ninguém se importa.

Em algumas missões secundárias o jogo quase lembra do que deveria ser: você tem que invadir uma casa, desativar armadilhas e roubar um quadro. Em outra você tem que seguir um bêbado furtivamente para descobrir onde ele guardou uma coisa importante, mas essas missões são incidentais e certamente a pessoa que as escreveu foi sumariamente demitida (foi provavelmente o mesmo cara que escreveu os e-mails em Deus Ex). Em raros momentos o jogo te pede para usar as habilidades de Garret, e cada um desses momentos é seguido horas maciças e maçantes de gameplay ruim de ir do ponto A ao ponto B em um dos piores design de fase que eu já vi na minha vida.

Lembra quando eu disse que o prologo do jogo era fluído? Pois é tudo que o resto das fases de Thief não é. Olhe, apenas olhe, o mapa de uma das sessões da Cidade:


O mundo de Thief é uma série de corredores que não se conectam uns aos outros de forma intuitiva, ir do ponto A ao ponto B na Cidade não é uma aventura: é uma tarefa que seu chefe lhe passou as 17:45 de sexta-feira.

Eu não posso estressar o suficiente o quanto é burocrático e chato andar por estes mapas. O jogo tem uma fixação muito grande em fechar coisas atrás de você. Para abrir uma porta ou uma janela você tem que fazer um QTE e assim que você abre a maldita ela logo se fecha automaticamente. Então para sair você tem que faze ro QTE denovo. Na quinta casa "entravel" que eu passei eu já deixei pra lá, não valia tanta burocracia para roubar um par de abotoaduras e um isqueiro,

Como em Deus Ex, existem algumas maneiras diferentes de entrar em algum lugar. Diferente de Deus Ex, você não sente que nenhuma delas é realmente diferente. Garret entra no lugar (e a porta/janela/portinhola/alçapão fecha atrás dele, claro), ele anda por algumas salas, embosca alguns guardas (que tem a inteligência artificial de um crocodilo empalhado), as vezes tem um puzzle que se resolve sozinho - sim, o personagem te diz o que fazer antes que você tenha tempo para pensar - e é isso jogo.

Não há nada vagamente satisfatório ou divertido em Thief.

- Kylo Ren, você toma 86 de dano
- Eu sou um MASTER THIEF, eu sempre ando esperando
armadilhas!
O QUARTETO FANTÁSTICO DOS VIDEOGAMES

Esse reboot de Thief tem uma história de desenvolvimento medonha e quando você lê sobre ela entende porque não deveria ter esperado grandes coisas em primeiro lugar. O jogo mudou de mãos, de equipe criativa, de foco e de data de lançamento tantas vezes que você não poderia esperar que qualquer equipe fizesse um trabalho sério com esse jogo.

Assim como Quarteto Fantastíco é um filme interessante até o momento que você percebe que acabou o tempo e o orçamento (e dá para apontar exatamente no filme que momento é esse), Thief tem uma base sólida mas é coberto por infelicidade e dor.

Não apenas os bugs de áudio que eu descrevi no começo (que já serviriam para arruinar o jogo), mas existem tantas pontas mal polidas nesse jogo que é uma surpresa que ele sequer tenha sido lançado.

Apenas falando dos guardas eu poderia fazer um capitulo inteiro sobre eles. A IA dos guardas consegue ser pior do que Dishonored, não há consistência alguma. Os guardas não se importam se você salte e derrube metade do mundo na frente deles, mas vão investigar (sempre sozinhos) se você jogar o "item que faz barulho". Eu também recomendaria que a Cidade parasse de contratar guardas com déficit de atenção, levou apenas 15 segundos para um guarda desistir de me procurar depois de o corpo inconciente de seu colega (talvez ela deva ter aulas com o Coringa de como se contrata capangas). E eu ainda não descobri o que tem de tão interessante em ficar olhando paredes por vários minutos a fio, parece que todos os guardas tiveram uma infância muito similar a do Rei do Crime.

Todos os dois tipos de guardas, alias. Só existem dois tipos de inimigo nesse jogo (o guarda da espada e o guarda da besta).

E como eu disse, isso é só sobre os guardas. Cada aspecto do jogo tem uma lista tão longa quanto de coisas que faz errado.

Sim, Garret diz que o botão é praticamente invisível.


O que mais eu posso dizer? Thief é um péssimo jogo que sequer tenta ser sobre "ser um ladrão" já que a única coisa que Garret consegue realmente roubar é o seu tempo.



[GAMES] THIEF (ou o rio mais fedorento do universo)

THE STORY SO FAR: Algo errado não está certo... Abrimos já com um grande spoiler: em Thief você joga com um ladino. Oh.  Brutal. E isso, é claro signific...
POSTADO EM:quarta-feira, 29 de maio de 2019
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[FILMES] BIRD BOX (ou o filme que o Demolidor não achou nada demais)

| segunda-feira, 27 de maio de 2019
... TO BE CONTINUED »


"Uma gestante arretada tenta sobreviver numa situação apocalíptica babilônica em que alguma coisa misteriosa faz o povo que olha pra ela ficar despirocadinho das idéias e se altos estropiar-se a si mesmos", esta é a premissa (Sessão da Tarde style) do filme que por algum motivo viralizou no fim de 2018 e deu origens a mais memes do que a Gloria Pires comentando o Oscar.


Bem, quando quando eu terminei de ver Birbrox, além de todos os mistérios que o filme apresentava uma pergunta maior estava acesa na minha mente: porque semióticas a internet ficou tão fascinada por esse filme? Certo, a netflix sabiamente tem investido em premissas que buscam chamar a nossa curiosidade e assim tem conseguido chamar atenção com projetos ... não tão bem executados.
Não que esse seja o caso aqui, Birubiru é um bom filme.
Mas eu dizia que o que a Netflix faz (ou tenta fazer, pelo menos) são histórias que intrigam imaginário do espectador fazendo as pessoas sairem do filme pensando sobre e querendo conversar sobre aquilo que acabou de assistir. Quem gosta quer recomendar, e quem não gosta vai fazer divulgação espontânea falando mal até que as pessoas ao seu redor fiquem curiosas para ver o que diabos é aquilo 
Alie a isso nomes respeitados como sandra bullock e John Malkovich e pronto, a isca esta armada. Ok, mas e quanto a Biguligo, isso funciona? Acredito que sim. Eu estou com a maioria que se divertiu mas não viu nada de tão espetacular assim. Não vai ganhar o Oscar, mas é divertido - e isso meio que é o suficiente, não? Bribox tem tanto aceitos que empolgam tanto como fragilidades que não dá pra ignorar. 
Desde o início a forma como o filme apresenta a premissa é muito eficiente para fazer a gente se interessar pelo que vem a seguir. As vendas deixam a gente encucado perguntando qual o motivo de tudo aquilo e as forma intensa que a Sandra Bullock abre o filme passando instruções para as crianças nos vendem a ideia de como aquelas regras são sérias (em um plano sem cortes, diga-se de passagem, o que deixa a situação mais intensa ainda). E justamente por se tratarem de crianças, isso já abre o filme dando um nervousor porque, seja lá o que esteja acontecendo, são crianças então a chance de dar merda é muito grande.
Mas então o filme volta para o passado e nos apresenta melhor os primeiros personagens enquanto dá uma contextualizada rápida através de suaves expositividade mascarada pelos diálogos dinâmicos e pelo talento das atrizes. Já nas primeiras cenas o filme adianta um pouquinho sobre o que vai ser a temática através do bom e velho recurso do noticiário. 
Agora, se por um lado são coisas que poderiam ser introduzidos mais organicamente, sendo construída mais sutilmente com tempo, por outro ao menos essas opções mais "ó, essa é a história vai vai vai" lançam o filme pra frente de uma vez para logo introduzir o que todo mundo veio assistir.
A este ponto as personagens já estão devidamente apresentadas e meio que prontas para o que vão enfrentar, o que permite que a gente acredite que elas foram capazes de sobreviver ao caos inicial. É muito bom que o filme não nos faça sentir que elas sobreviveram aos primeiros  momentos apenas pelo poder do protagonismo, palmas a diretora Susanne Bier que conseguiu estabelecer com perfeição a problemática e ao mesmo tempo cenas tão bizarras, intrigantes e chocantes
A premissa de Binbinbin é uma mistura de Fim dos Tempos (deus, que filme horroroso), com algumas coisas de "Ensaio sobre a cegueira" e "um lugar silencioso", embora este último tenha sido feito depois que o livro que foi adaptado tenha sido escrito - embora a adaptação cinematografica certamente foi influenciada.

Bem, depois disso o filme fica jogando para frente e para trás na linha do tempo, entrecalando em mostrar a Sandra Bullock sobrevivendo no presente, e ela descendo rio abaixo com as crianças no futuro. Ou no passado e no presente, depende de como você vê. Ou não vê, porque está vendado.


Essa ideia de alterar entre dois momentos temporais por um lado traz benefícios, como manter o ritmo da ação constante sem parecer que os personagens estão em um episódio de 24 Horas onde tudo acontece uma coisa atrás da outras, assim como evita um terceiro ato com um salto anticlimático que aconteceria se seguisse a cronologia dos fatos fosse contada em ordem.
Por outro lado, também acaba gerando um efeito adverso que dá previsibilidade a trama porque desde a primeira cena você já sabe o que vai acontecer e quem vai sobreviver ou não. Quando aparece outra grávida para se juntar ao grupo de sobreviventes então, o filme já está escrito
Não ajuda muito a essa previsibilidade que os personagens sejam praticamente todos unidimensionais, suas personalidades resumidas a simples adjetivos e plantadas na história apenas para servir a um propósito pré definido e depois vazar (em alguns casos, literalmente). Isso deixa a experiência mais artificial e menos intensa. 
Exceção feita a, justamente, os dois melhores atores desse filme - Sandra Bullock e John Malkovich - que, ou ganharam personagens melhores porque são atores mais caros, ou consertaram os personagens que tinham porque são bons mesmo. Qualquer que seja o motivo, o resultado final é que tirando eles todo mundo está ali para fazer uma coisa na história, pegar seu boné, peidar e sair.

Outro ponto sensível do filme é o drama meio vazio as metáforas ironia sobre o isolamento e a dificuldade de se relacionar com outras pessoas, acentuados por uma situação de pressão. São questões presentes em todos os filmes sobre confinamento apocalíptico e são poucos os que conseguem dar profundidade e merecem alguma reflexão maior sobre o assunto
Talvez isso tenha isso tenha sido melhor abordado no livro, ok, talvez o livro seja sobre questões cotidianas abordadas através de um apocalipse, mas o filme é sobre o apocalipse com questões cotidianas como pano de fundo bem no fundo mesmo.
AH MAS OS PASSAROS PRESOS REFLETEM A CONDIÇÃO DOS SOBREVIVENTES PORQUE NA VERDADE ELES SÃO OS PASSAROS EM UMA CAIXA!
Gente, isso é superficial tão superficial que é até a letra da música de abertura de Attack on Titan. É uma mensagem tão óbvia, tão lugar comum, tão estampada... Além da metáfora ser qualquer coisa os pássaros ainda são mal explorados dentro da trama. O filme diz que eles são importantes mas na prática a gente não vê tanto isso não. 

Os passaros ficarem agitados poderia servir como instrumento para gerar tensão, mas parece que o poder de percepção deles desliga e só liga quando precisa que a cena seja dramática. Como quando tem um cara infectado na casa por alguns dias e o passaro só começa a dar piti no momento que a música de suspense sobe. Essa inconsistencia na construção de mundo é algo que me tira muito da narrativa.
Porém isso não quer dizer que o filme seja ruim, porque se ele erra nos adereços da construção de mundo, ele acerta na mosca nas coisas realmente fundamentais: na ameaça externa. Não dá para ter um filme de apocalipse se o apocalipse não for bom, temos que concordar, e Bigulim é excelente nesse sentido.
As vendas são o grande diferencial da identidade visual desse filme e uma que é bem utilizada através de diferentes formas, seja através de explorar a possibilidade ou não de enxergar os bichos de forma indireta, ou o inteligente uso de objetos para guiar o outro como sinos e cordas para não se perder são satisfatoriamente bem empregadospela direção mesmo que o suspense do filme
Mesmo que a gente consegue prever para onde a trama vai, nos pequenos detalhes aí a gente não sabe COMO isso vai acontecer, e isso mantém o filme interessante de se assistir. Grande parte do que faz a tensão nesse filme funcionar é que ele joga tudo nas costas da Sandra Bullock e ela tem cacife suficiente para carregar o filme nas costas - o que nos faz se importar com ela, torcer e por consequencia fazer com que a tensão funcione. 
Agora o grande, verdadeiro e magistral acerto desse filme são as criaturas que causam o apocalipse porque... elas não são mostradas em momento algum. E isso é a melhor decisão que eles poderiam tomar! 
Tudo que se sabe a respeito dos "monstros" que causam o apocalipse é que a visão deles faz com que as pessoas se suicidem. Porque? Não se sabe, todo mundo que viu morreu oras. Isso permite que cada espectador possa imaginar que a resposta seja o que ele conseguir pensar de mais tenebroso. 
As únicas pessoas que não se suicidam são aquelas que, já meio pancadas da cabeça antes disso, veem um horror tão indescritivel, tão inenarravel, tão cosmico que veem a beleza em tamanho desespero puro e se tornam adoradores do que quer que seja aquilo.

Agora... espera, espera, espera aí... Então temos algum tipo de entidade(s) tão terrível, tão desesperadora que cuja mera compreensão do que ela é pode destruir a mente de alguém, ao passo que algumas pessoas enlouquecem ao ponto de ver a beleza nesta sinfonia de abjetancia? 

Onde eu já vi alguma coisa assim antes?

De nada.
Badouken não é sobre um apocalipse de zumbis, sobre a rebelião das máquinas ou um fenomeno natural. É um apocalipse sobre o dia em que as estrelas estiveram certas e coisas mais antigas do que a nossa noção de tempo despertaram de seu sono maldito. É um fucking apocalipse lovecraftiano, é bem feito! (essa parte pelo menos)

E isso é lindo! É algo que vocês precisam ver, porque é maravilhoso, é de uma belez...

... caham, digo, claro, essa é a minha interpretação. Talvez as "coisas" sejam aliens que compartilham conhecimento sobre a verdade da vida, do universo e de tudo mais... o que faz as pessoas perceberem que a vida é um erro que deve ser corrigido (Sargeras aprova!), talvez eles sejam algum tipo de Bicho-Papão (sim, os do Harry Potter mesmo) que fazem a pessoa ver a coisa mais horrível que ela poderia ver ao ponto que viver não é mais uma opção (como em The Song of Saya, que o protagonista passa a ver o mundo como se ele fosse um banheiro de rodoviaria depois as 18h).
 Pode ser várias coisas, e o filme é bom o bastante para não ser  vago demais para que você tenha a sensação que foi escrito pelo JJ Abrams (o mestre do "ah, eu não pensei em nenhuma explicação, só queria que parecesse legal"), porém não fechado demais para que não haja mais de uma explicação possível. É um equilibrio muito dificil de acertar, e Batráquio faz isso surpreendentemente bem!

Eu sei que pode parecer meio frustrante se chocar com tanto mistério sem resposta, mas se você parar para refletir vai perceber que o filme te convidou a ser um personagem e não ter uma resposta é a grande resposta pra poder até seguir em frente e chegar no final. Ou você vai dizer que preferiria encarar algo que quase certamente vai te matar só porque está com curiosidade?
Não né? (Bem, espero que não...)

[FILMES] BIRD BOX (ou o filme que o Demolidor não achou nada demais)

THE STORY SO FAR: " Uma gestante arretada tenta sobreviver numa situação apocalíptica babilônica em que alguma coisa misteriosa faz o povo que olh...
POSTADO EM:segunda-feira, 27 de maio de 2019
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[LIVROS] DOCTOR WHO: SHADA (resenha)

| sábado, 25 de maio de 2019
... TO BE CONTINUED »




Quando eu escrevi sobre as razões para amar o Doutor, eu disse que a melhor forma de entender Doctor Who era imaginar como se Jornada nas Estrelas fosse escrito por Douglas Adams (autor da série Guia do Mochileiro das Galáxias, a propósito).


O que talvez você não saiba é que o Doutor já foi de fato escrito por Douglas Adams. Entre os anos de 78 e 79, Douglas Adams foi roteirista para a BBC, e escreveu alguns episódios de Doctor Who. Um destes episódios jamais veio a ser filmado na época, e este roteiro inacabado de Douglas Adams veio posteriormente a ser completado por Gareth Roberts, que é atualmente roteirista da série, tendo escrito episódios como “The unicorn and the wasp” e “Planet of the Dead“.


EU NÃO FAÇO IDEIA DE QUEM SEJA ESSE “DOUTOR QUEM”, E AGORA?

Obviamente eu não preciso pregar aos convertidos. Você, amigo whoviano, sabe que PRECISA ler esse livro. Mas e você, que nunca assistiu nem meio episódio dessas parada loka ae, comofas\\\\
A coisa é, o que você precisa saber de Doctor Who para ler o livro é… absolutamente nada!

O livro é inteiramente autossuficiente, e todos os termos, expressões e nomes usados são explicados no próprio livro. Claro que apressa as coisas bastante saber o conceito básico da série, mas nem isso é realmente obrigatório.

Vários nomes aleatórios e citações são jogadas, porque esse é o estilo do Douglas Adams escrever, e metade deles são referencias à série, e outra metade Douglas Adams inventou na hora – mas o fato é que isso não faz realmente diferença. Sabe no “Guia do Mochileiro” quando ele inventava um planeta ou raça do nada, e fazia um parágrafo engraçado sobre eles? Tipo isso, nesse sentido lembra bastante o “Guia do Mochileiro“.

De qualquer forma, aí vai: o Doutor é um alien do planeta Gallifrey, pertencente a uma raça conhecido como “Senhores do Tempo”. Os Senhores do Tempo possuem uma tecnologia que os permite viajar para qualquer lugar do tempo e do espaço (naves conhecidas como TARDIS, que são muito maiores por dentro), mas usualmente não o fazem, porque têm uma politica de não se envolver (tipo os Vigias da Marvel, saca?).

Com exceção deste jovenzinho rebelde aqui, o Doutor, que roubou uma TARDIS para dar umas bandas no universo, e acabou se engraçando por este planetinha azul. Ao chegar na Terra, o Doutor acabou parando na Londres dos anos 60, onde a TARDIS se disfarçou como uma cabine de policia azul – o mecanismo de camuflagem deu defeito, e ela continua com essa aparência (externa, porque ela é praticamente infinita por dentro) até hoje.

De igual forma, como o livro foi escrito para ser um episódio dos anos 70, se você ainda estiver assistindo a série, não precisa se preocupar com spoilers também.

O QUARTO DOUTOR E SUA COMPANION


Na época, o Doutor estava em sua quarta regeneração e era interpretado por Tom Baker – que muitos dizem ser o melhor Doutor de todos os tempos. Eu mesmo nunca tinha assistido um episódio do quarto Doutor antes de ler o livro, mas fiquei absolutamente fascinado. Claramente dá pra ver que ele é o paragon que fundou as bases da personalidade central que vemos no Doutor até hoje, mesmo em suas mais diferentes encarnações.

Este Doutor é bastante alien, e tem uma lógica nonsense que parece muito, oras, um personagem de Douglas Adams. Mas, melhor do que explicar, vou dar um exemplo de diálogo do Doutor:
Chris diz:
-É tão difícil acreditar que viajamos por centenas de anos-luz.
– Por quê? – perguntou o Doutor.
-Sempre aprendi que não era possível viajar mais rápido que a velocidade da luz.
-Segundo quem?
-Segundo Einstein.
– O quê? – O Doutor parou e passou um braço ao redor dos ombros de Chris – Você entende de Einstein?
Chris não estava muito certo de para onde aquilo estava indo.
– Entendo.
– O quê? – espantou-se o Doutor – E de teoria quântica?
– Entendo – respondeu Chris. Ele se deleitou diante do espanto do Doutor.
– O quê? – espantou-se o Doutor – E de Planck?
– Sim.
– O quê? – espantou-se o Doutor – E de Newton?
– Sim!
– O quê? – espantou-se o Doutor – E de Schoenberg?
Chris fez uma pausa. Era uma pegadinha? Ele se lembrava de ler sobre a crise da tonalidade. Achava que tinha uma ideia geral da coisa, então respondeu, orgulhoso:
– Sim, claro.
O Doutor assobiou, aparentemente impressionado. Por fim, disse:
– Você tem muito o que desaprender, Bristol.
Detalhe: Bristol não é o nome dele. Apenas o Doutor decidiu que era e não deu a mínima para as correções do personagem até o ponto que o próprio Bristol, digo, Chris Parson acabou se conformando.

Senhoras e senhores, esse é o Doutor em uma casca de noz.


O Doutor normalmente é acompanhado por uma mocinha, porque viajar sozinho pelo universo sem ter para quem mostrar o quanto você é foda é muito chato, que é chamada de “companion“. Normalmente a companion é uma mocinha da Terra que é maravilhada pelo universo e por coisas que são maiores por dentro (ui), mas especificamente nesta época sua companion era uma Senhora do Tempo como ele, só que muito mais jovem (nem deveria ter uns duzentos anos, se tanto) chamada Romanadvoratrelundar (Romana, para os íntimos).

Romana estava em sua segunda regeneração e era interpretada por Lalla Ward. Isso é importante saber, apenas porque Lalla Ward é uma das mulheres mais lindas que você vai ver na sua vida. Sem brincadeira, são níveis de uau que não podem ser medidos.

Tente não se apaixonar. Falhe miseravelmente.


Algumas cenas de Shada chegaram a ser filmadas na época, mas o episódio nunca foi ao ar

A HISTÓRIA

Eu poderia me alongar mais para explicar a história, mas na real, apenas a orelha do livro já é o suficiente para fazer isso por mim de uma forma que você sabe que precisa ler esse livro:
“Aos 5 anos, Skagra concluiu sem sombra de dúvidas que Deus não existia. A maioria das pessoas que chegam a tal constatação reage de uma das seguintes formas – com alívio ou desespero. Somente Skagra reagiu pensando: “Peraí. Isso significa que existe uma vaga disponível.”
Apenas Douglas Adams sendo Douglas Adams, né?


Como de costume, seu enredo é desconexo mas se conecta de uma forma inesperada, a história é engraçada, e as lógicas apresentadas no livro desafiam a mente de qualquer um. De certa forma, o enredo parece muito essa versão do Doutor: parece apenas zoeira e galhofa, mas por dentro ele está cozinhando algo realmente sério.

De um lado temos o vilão Skagra querendo um artefato proibido dos Senhores do Tempo que o levará a Shada (seja lá o que isso for, nem o Doutor ouviu falar desse lugar), e veio parar na Terra através de um Senhor do Tempo aposentado – o professor Chronotis, que é absolutamente genial como um Senhor do Tempo gagá!


ROMANA: O professor vai morrer?
K9: Prognóstico físico estável, prognóstico mental incerto.

PARSONS: É um robô.
ROMANA: Mas é claro.
PARSONS: Um robô cachorro.
ROMANA: Sim.
PARSONS: Maneiro!
Do outro temos o Doutor sem muita noção do que está acontecendo, mas que aconteceu de estar passando, e no meio humanos comuns mais perdidos ainda com viagens no espaço e no tempo (pobre Bristol…), e tem que ajudar a salvar o universo (quando sua maior preocupação até o momento anterior eram questões absolutamente banais do cotidiano).

Os personagens são muito bem construídos e cativantes, e em poucas páginas você sente como se conhecesse Bristol e sua turma de longa data. Skagra é um vilão extremamente carismático (e totalmente deveria ser interpretado pelo Benedict Cumberbatch) que consegue ser tão gostoso de ler quanto o Doutor:


“Ainda estava usando o prático macacão branco do Think Tank, as acrescentara uma capa prateada e comprida e um chapéu também prateado e de abas largas; nessa civilização remota e não civilizada, o melhor era passar despercebido. E, em seu itinerário a pé nesta pequena conturbação conhecida como Cambrigde, logo notou que tinha tomado a decisão certa. Enquanto andava pelas ruas, vários primitivos chegaram até a exclamar palavras de saudação em sua direção, usando coloquialismos intraduzíveis tai como: “Ei, Disco-Tex, cadê as Sex-o-Letter?” e “Vai, bonitão” e “E aí, belezura!”. Sim, estava obviamente passando por nativo em meio a esses animais”.
O livro é divertido, inteligente e bem escrito. Se eu tivesse que juntar um dream team de sci-fi, eu escolheria o autor de ficção mais divertido (Douglas Adams) escrevendo sobre o personagem de ficção mais divertido (o Doutor) em sua encarnação mais alien e nonsense (o quarto). Shada é basicamente isso.

É como a Romana diz: “Clare, é que o universo é cheio de coisas maravilhosas e oportunidades fantásticas. E você tem que agarrá-las com ambas as mãos. E torcer para que nunca acabem.”

Este livro é uma delas.

[LIVROS] DOCTOR WHO: SHADA (resenha)

THE STORY SO FAR: Quando eu escrevi sobre as razões para amar o Doutor , eu disse que a melhor forma de entender Doctor Who era imaginar como se Jorna...
POSTADO EM:sábado, 25 de maio de 2019
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