Onde a magia acontece

[FILMES] EVANGELION 3.0 + 1.0 THRICE UPON A TIME

| quarta-feira, 20 de outubro de 2021
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Neon Genesis Evangelion é, discutivelmente, um dos animes mais importantes de todos os tempos. Ele mudou mundialmente a forma que toda industria é percebida, e mudou a própria forma com que os estúdios pensam suas obras. É tão relevante que é até dificil fazer uma comparação a altura, eu consigo pensar no que Final Fantasy 7 foi para os RPGs ou Avengers Endgame foi para o filme de Super-Heróis, Evangelion é grande assim.

A história do anime pode ser literalmente dividido em basicamente duas grandes eras: antes de Neon Genesis Evangelion e depois de Neon Genesis Evangelion. Pra vc ter uma ideia, antes de Neon Genesis Evangelion ser transmitido, não havia uma abundancia de animes originais na televisão, e definitivamente não na programação noturna - os que tinham eram basicamente animes infantis.
Até então, a maior partes das animações originais (ou seja, que não são adaptações de manga ou visual novel) assim como os animes produzidos para nicho, como para os fãs menos casuais e a audiência mais velha (sim, otakus são um nicho no Japão, pro japones médio anime é só mais uma coisa que passa na TV igual a qualquer outra) estava sendo produzido em OVAs (séries de no máximo 4 ou 6 episódios lançadas diretas em vídeo) ou filmes.


As produções para a TV de anime geralmente era séries bem mais compridas com um atrativo mais abrangente ao público. Animes de esporte baseados em mangas já consagrados como "Ashita no Joe", séries de ação com mechas com franquias de nome bem estabelecido como Gundam e, claro, um amontoado de animes shounen com vários mais de cem episódios como Dragon Ball  e Saint Seiya. O meu ponto aqui é que até 1995, os animes na TV trabalhavam com uma regra bem simples: baseado em um manga famoso e no minimo 50 episódios. Qualidade individual dos episódios não era tão importante quanto a quantidade deles,

Com efeito, era bastante comum essas histórias sequer terem uma conclusão, era apenas 200 e poucos episódios e depois termina do nada, como foi o caso de "Ranma ½" por exemplo, era bem comum isso. Com raras exceções, anime na TV era isso. 



E então teve esse anime, um anime bem estranho para os padrões da televisão japonesa: um anime voltado para um publico mais velho que não apenas não era baseado em nenhum manga famoso, como era um projeto relativamente curto (de apenas 25 episódios) e com uma direção de arte completamente experimental. 

Se você já assistiu anime na vida, sabe o quanto os japoneses presam por respeitar generos. Classificar tudo certinho em shounen, shoujo, esporte, slice of life, romcom, essas coisas são muito importantes em como os animes são estruturados.

Evangelion meio que não tem muito um genero. Quer dizer, ele começa como um anime de mecha/harem tipico como vc poderia esperar: um garoto de 14 anos pilota um robo gigante e vive cercado de waifus. Mas então a coisa degringola para uma desconstrução de genero como poucas vezes se havia visto na história dos animes. 



Quer dizer, o anime aborda uma ideia interessante: o que acontece com a cabeça de um moleque de 14 anos, que já tem um quadro de depressão, quando você coloca ele pra enfrentar aberrações lovecraftianas em uma base diária? 

Muitos anos depois Madoka Magika fez o mesmo com o genero Mahou Shoujo (tendo uma grande inspiração em Buffy também), mas antes disso houve Evangelion desconstruindo o genero de mechas.

Para grande surpresa de todos, Evangelion bombou de tal forma que que as portas se escancararam para não apenas séries originais para a televisão, mas séries com menos episódios. A partir de Evangelion passou a ser norma séries de 26 episódios, as vezes de 12, porém bem mais produzidos do que animes de 200 episódios que vão do nada a lugar nenhum. Alias não apenas séries originais, mas também animações mais experimentais voltadas para uma audiência mais adulta.

Sério.



Acesse o My Anime List, vá para os arquivos da tabela por temporadas e veja os anos da década de 90. Antes de Evangelion você ira ver quase exclusivamente shows infantís e adaptações de mangás
Mas no segundo que aparece Neon Genesis Evangelion do nada, a segunda metade dos anos 90 muda completamente. Imediatamente em seguida de Evangelion vem a série "Escaflowne", um anime original do estúdio Sunrise mais uma vez que tenta misturar elementos de shoujo em uma série mecha de fantasia.

Mais tarde naquele ano vem "Martian Sucessor Nadesico" que é uma paródia dos animes de batalhas espaciais com um divertido, disfuncional e excêntrico elenco de garotas super fofas e alguns twists bem sombrios e imprevisíveis durante a narrativa - além de um final bem extravagante. Um que, como o  próprio final de Evangelion, parece quebrado e insatisfatório. 



A seguir nós temos "Revolutionary Girl Utena" que é uma quebra de tudo que se esperava de um anime shoujo, em que não apenas o romance não é o foco da animação e sim o world building, como a protagonista é lésbica - algo totalmente sem precedentes para uma animação japonesa até então. Utena, diga-se de passagem, foi liderado por Kunihiko Ikuhara, que era bom amigo do criador de Evangelion Hideaki Anno na época - os dois trabalharam juntos em alguns episódios de "Sailor Moon" no qual Ikuhara foi o diretor chefe durante a terceira e quarta temporadas.

"Revolutionary Girl Utena" tem muitas das mesmas intenções que Evangelion, os temas densos e o foco no simbolismo para contar a história, além das tentativas de subversão em toda parte. Os criadores pretendiam fazer tudo que pudessem para criar o que eles gostariam de poder ter criado com Sailor Moon e não conseguiram. Pra você ter uma ideia, Utena termina com um filme que conclui sua história, "Revolutionary Girl Utena: Apocalypse of Adolescence", que é conhecido pelos fãs "The End of Utena", uma referencia ao filme que conclui a série de TV "The End of Evangelion"

E daí pra frente não parou mais. Quando a Sunrise disse ao diretor Shinichiro Watanabe que ele poderia basicamente fazer o que quisesse (desde que tivesse naves espaciais das quais eles poderiam vender brinquedos) pra ver se eles teriam "o seu Evangelion", ele criou uma das mais ecléticas, originais e memoráveis series animadas de todos os tempos chamada "Cowboy Bebop".


Enfim, o meu ponto foi que a partir de 95 e Evangelion, os estúdios perceberam não apenas que havia publico para isso como havia muito dinheiro a ser feito dando liberdade a artistas e essa é uma regra que não parou mais. segue até hoje. 

"Serial Experiments lain", uma adorada série cult que compensa a sua falta de orçamento para animação com uma arte incrível, e um texto que explora uma visão distópica da internet em em 1998 (quando isso nem era uma coisa ainda). Em 1999 nós tivemos "Legend of Black Heaven", um anime com um valor de produção merda, mas uma história realmente interessante sobre um cansado e velho rock-star que se tornou um engravatado e que está preso em um limbo entre tentar reviver os seus dias de gloria e cuidar de sua mulher e seu filho. 

E o melhor é que ainda hoje isso é uma coisa! É claro que existem animes que são apenas adaptações de manga que nunca terminam apenas para servir de propaganda, mas graças ao monstruoso sucesso de Evangelion temos também séries altamente autorais e profundas com níveis variáveis de atrativos para adultos. Séries como Kill La Kill que começa parecendo que os caras só encheram a cara de drogas e tão tacando qualquer merda aleatória na tela... até você ver que tudo isso se costura numa história. Ou então Devilman Crybaby, que até hoje é pra mim a expressão máxima do que acontece quando um artista tenta se expressar através de um anime.



Animes mais originais são algo que nós temos agora e a maioria deles não está tentando copiar elementos de Evangelion. A equipe que produziu Evangelion já segui em frente pra trabalhar em outros projetos, montes de estúdios abriu e fechou, equipes trocaram, gente começou e gente se aposentou nessa industria. E ano após ano animes seriados vem se tornando um negócio maior e maior a medida que mais e mais shows são lançados todas as temporadas para plataformas de streaming mundialmente. Gente grande como a Netflix, a Sony (que é dona do Crunchyroll) e agora até a Disney estão metendo grana violenta em animes. 

Isso tudo é o legado de Evangelion nos animes.



E mesmo as animações que são adaptações de manga deixaram de ser "taca qualquer merda ae pra ter 200 episódios" e passaram a ser vendidos como produtos de temporadas. Hoje vc não tem "faz 200 episódios desse manga e tanto faz", temos uma temporada feita com carinho de Kaguya-sama, de Mob Psycho 100, de Konosuba ou, abençoados sejam todos os deuses, Jojo's Bizarre Adventure. Dar um tratamento de "série original" a adaptações passou a ser uma coisa após Eva também. 

Hoje nós temos animes igualmente grandes que são conhecidos mesmo por gente que não acompanha regularmente animes como "Death note", "Attack on Titan" ou "Sword Art Online". Todos esses são animes uma influencia no cenário de animes mesmo anos após eles terem sido. Mas nada pode ser comparado à magnitude da diferença entre o que estava na TV antes e depois de Neon Genesis Evangelion.



Agora se você reparar, eu disse que Evangelion é um dos animes mais importantes de todos os tempos, não necessariamente o melhor. Por mais que eu ame o conceito, os personagens e as cenas, não tem como não abordar o elefante branco na sala: o anime é uma puta de uma bagunça, misturando na mesma panela um diretor que estava numa crise profunda de depressão (como dá pra notar) com problemas sérios de relacionamento com o estúdio, envolvendo até mesmo desfalques financeiros que a Gainax teve que se explicar com a Receita Federal japonesa algum tempo depois.

Agora imagine, apenas imagine, se Evangelion fosse feito adequadamente. Com calma, com o orçamento e a liberdade criativa que o diretor precisava. Alias o próprio diretor não é mais um novato deprimido, agora é um profissional com mais de 40 anos de carreira que entende muito mais que a sua versão mais jovem não apenas sobre o seu oficio, mas sobre a vida, o universo e tudo mais.


Imagina uma versão de Evangelion que tira a gordura das coisas constrangedoramente anos 90 (a Asuka foi praticamente refeita do zero e agora é um personagem legal, graças a Lilith) e foca em desenvolver o que era realmente o ponto da história. Imagine deixar a bagunça que foi o terço final da série e recontar essa história com a maturidade e um certo otimismo de quem sobreviveu a varias crises de depressão, para saber que enquanto as coisas podem ser terriveis e opressivas, eventualmente você sobrevive a isso e o mundo não é tão ruim assim.

A série de filmes Rebuild of Evangelion ainda é Evangelion em sua raíz: espere depressão, robos gigantes que não são robos enfrentando abominações lovecraftianas, fanservice e muitos termos religiosos jogados em cima de uma história de ficção cientifica a beira do incompreensível. Com efeito, provavelmente você não vai entender a maior parte das coisas que é dito, apenas pegar uma vaga noção do que elas querem dizer - e está tudo bem, Evangelion é suposto ser assim mesmo.

E é aqui que está a coisa realmente importante: em todos esses anos, eu finalmente entendi sobre o que Evangelion é. Veja, Evangelion não é sobre robos gigantes, não é aliens, não é sobre bullshit pseudo-religioso, não é sobre nada disso. É apenas e simplesmente sobre pessoas quebradas tentando fazer o melhor que elas podem em um mundo que elas não entendem completamente. Como eu e você estamos fazendo agora, e faremos até o fim de nossos dias. Fazer o melhor que pode ser feito em um mundo que constantemente está te jogando bolas curvas. É sobre isso que Evangelion é, e é sobre isso que Evangelion sempre foi no fim das contas.



Mas tem algo novo nessa equação: agora também é uma história sobre otimismo, sobre empatia e esperança. É a história contada por alguém que apanhou severamente para a depressão por anos e anos e anos, mas que de alguma forma sobreviveu e que agora olha para trás com um sorriso cansado, marcado pelos golpes da vida, mas não menos um sorriso por conta disso. 

E assim como Hideaki Anno, eu também não sou hoje a pessoa que eu era 25 anos atrás - assim como você não é - quando eu assisti Eva pela primeira vez. Felizmente não estou no mesmo estado mental que eu estava naquela época. Eu segui adiante com a minha vida, resolvi alguns problemas antigos, novos surgiram, enfim, a vida aconteceu e eu cresci. Algumas cicatrizes ficaram pelo caminho, mas de alguma forma eu cheguei até aqui. Melhor, mais sábio, mais experiente. Eu sou uma versão melhor do eu mesmo de 25 anos atrás, em dias que eu achava que não havia esperança alguma ou futuro nenhum.

E por isso mesmo é estranhamente reconfortante ter um closure adequado para Evangelion. É como reencontrar um amigo de infancia e após todos esses anos sem se falar, descobrir que no fim ele ficou bem e teve uma boa vida. É sobre isso.



"Closure" é uma das palavras mais profundamente satisfatórias da língua inglesa. Encerramento, conclusão, desfecho, porém com um sentido de completude. De que tudo fez sentido ao fim e ao cabo. Um filme, um poema, uma música, uma empreitada, um romance, uma vida, tudo tem uma finalização, nem tudo tem closure. Muitos dizem que a palavra saudades, por exemplo, é única em português, que não tem tradução. Claro que tem, mas o sentido fica espalhado em construçãoes sintáticas ao seu redor. Closure pertence a essa classe de vocábulos, em que as línguas às vezes condensam significados de um jeito que outras línguas os dispersam. Para além de desfecho, seja ele bom ou ruim, closure implica o contentamento em perceber que uma jornada teve sentido intrínseco, que justifica ter sido percorrida.

Essa é a sensação que Hideaki Anno quis passar com esse último filme, de que esse capitulo da vida dele terminou. E é o que ele consegue, Evangelion agora terminou, e com isso eu sinto que se fecha um capitulo que não estava totalmente resolvido da minha vida também. É uma sensação agridoce se despedir de algo que foi tão importante na sua vida durante tantos anos, mas ao mesmo tempo é satisfatório saber que agora a história foi contada como ela deveria ter sido.


Então esse capitulo se encerrou, e isso é satisfatório. O que virá a seguir? Eu não faço ideia, mas tenho certeza que será um mais incrível ainda e eu mal posso esperar para fazer essa viagem. Sem Evangelion dessa vez, mas tudo bem, ele já fez o que veio fazer nesse mundo, sua missão está cumprida.

Ao receber One Last Kiss (como tão bem encerra a música da monstra Utada Hikaru), podemos finalmente dizer com alivio, porém tristeza ao mesmo tempo,  Sayonara, subete no Evangelion!

GOODBYE, ALL OF EVANGELION!



[FILMES] EVANGELION 3.0 + 1.0 THRICE UPON A TIME

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Trailers da e3 2021

| quarta-feira, 14 de julho de 2021
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Unbeatable (Já disponível)


Tinkertown (Já disponível)

Idol Manager (07/2021)

Final fantasy pixel remaster (07/2021)

Soup Pot (08/2021)

12 Minutes (08/2021)

Encased (09/2021)

life is strange: true colors (09/2021)

Behind the Frame (09/2021)

Monark (10/2021)

Onsen Master (2021)


Road 96 (2021)

Garden Story (2021)

Core Keeper (2021)

Hitman sniper: the shadows (2021)

Redfall (2022)

Palworld (2022)


Vokabulantis (2024)

Contraband (sem data)




Trailers da e3 2021

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[ANIMES] JUJUTSU KAISEN (ou o The Witcher 3 dos animes shonen)

| quarta-feira, 23 de junho de 2021
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Tem uma frase do Isaac Newton que eu considero uma das melhores coisas já dita na história da humanidade: "Se eu vi mais longe, foi por estar apoiado sobre os ombros de gigantes". Com isso ele quis dizer que tudo que ele sabe, tudo que ele descobriu ele não tirou magicamente da bunda e sim foi construido ao longo de séculos e séculos de conhecimento humano. Eu acho isso realmente fascinante, porque quanto você pensa sobre isso tudo na história da humanidade é o resultado de um longo e infindo processo de evolução do conhecimento que vai ficando mais e mais refinado a cada geração. As crianças de hoje são mais inteligentes e entendem mais coisas do que eu entendia na idade delas, assim como eu era mais inteligente e entendia mais coisas do que os meus pais na mesma idade e assim infinitamente.

Eu acho isso maravilhoso, isso me dá uma esperança sempre renovada que o amanhã será melhor do que foi ontem.

E quando eu digo que isso se aplica a todos os aspectos da vida humana, eu quero dizer todos mesmo. Como videogames por exemplo. Lançado a quase uma decada agora, The Witchter 3 foi o paragão de uma evolução nos videogames que começou a quase quarenta anos atrás e felizmente nunca vai terminar. The Witcher 3 é a obra prima de tudo que videogames podem ser, é a culminação magnífica de tudo que havia sido construído nos jogos até então, todas as lições que foram aprendidas, todos os erros que foram cometidos, enfim tudo. E por isso mesmo, por ser essa obra colossal criada sobre o ombro de gigantes, The Witcher 3 mudou tudo, se tornou a nova barra de comparação, se tornou a régua pela qual medimos jogos pois ele é a magnum opus da industria, um filho gestado com carinho ao longo de decadas.


Mas eu acho que você sabe disso. Então porque eu estou falando disso? Bem, porque eu genuinamente sinto que estamos presenciando outro momento desses. Quando as estrelas se alinham e uma obra prima nasce, uma daquelas que é o fruto de anos e anos de conhecimento humano acumulado em determinada area.

Jujutsu Kaizen é o The Witcher 3 dos animes shonen.

Mas para entender o que é Jujutsu Kaizen é, é necessário primeiro entender a história do próprio Japão. Veja, embora essa ideia pareça estranha para um brasileiro, a verdade é que a vida no Japão não foi nada fácil. É uma terra não tão grande assim, praticamente sem recurso natural nenhum senão montanhas e mar (boa sorte tirando algo disso), e com vizinhos bem barra pesada como Russia, China e Coreia do Norte. Só gente tranquila, né?



Essa realidade geográfica do Japão moldou a própria essencia do seu povo. Para sobreviver no Japão aquelas pessoas precisavam ser disciplinadas, discretas e simples. Existe um ditado japonês que resume bem a ideia da coisa que é "o prego que se destaca é o primeiro a ser martelado", simplesmente porque não existem recursos suficientes para inventar muita moda: é fazer o simples e viver de uma forma frugal, ou morrer. Não tinha outra opção.

O aspecto negativo é que isso levou a criação de um sentimento isolacionista de que a ilha do Japão não fazia parte do mundo e tudo que vinha de fora não era pra lhe fazer bem (o que não estava correto, realmente), que infelizmente levou ao sentimento nacionalista que deu origem ao Império Japonês da segunda guerra mundial e... bem, coisas realmente terriveis foram cometidas nesse tempo. Humanos quando acreditam que não estão lidando com iguais são capazes de justificar os crimes mais horríveis e infelizmente esse foi o caso.

O resultado, como todo mundo sabe, terminou pessimamente para o Japão:

Aqui viviam 200 mil pessoas que literalmente desapareceram em segundos

Porém não foi apenas as bombas nucleares o legado de guerra que o Japão sofreu: a fome era um quadro generalizado, e as sansões políticas e culturais que o Japão sofreu após a guerra foram igualmente pesadas. Tanto que até hoje o Japão não tem um exército próprio, as bases militares que existem no Japão e defendem o país são bases norte americanas.
Então adicione a toda aquele arquetipo de uma vida de durezas do Japão feudal a vergonha dos crimes hediondos cometidos pelo Japão na guerra e a humilhação de uma derrota com rendição incondicional e você consegue imaginar que a cultura japonesa toda é muito pesada, rigida, dura. Repare que mesmo no entretenimento toda cultura japonesa é engessada em formulas, existem modos de fazer as coisas, existem padrões a serem seguidos.

É um espetaculo em si mesmo ver o quão criativos os japoneses conseguem operando dentro dessas formulas, mas as linhas da grade ainda estão lá do mesmo jeito. Quando você vê um shonen, um shoujo ou um tokusatsu, você sabe de antemão quais batidas serão tocadas - mesmo que elas variem enormemente entre si. Porque, como eu disse, existe um metodo de fazer as coisas, existe uma forma correta. É assim que o Japão rola.


A cultura japonesa é o produto final do peso incalculavel que seu povo carrega nas costas.

... mas será que é mesmo?

Porque aqui voltamos ao que eu disse no começo do texto: a cultura humana não é nada senão um organismo sempre evoluindo através das suas próprias experiencias, e isso é verdade até mesmo para o Japão - porque japoneses são pessoas também, veja só você. E é aqui que entra o poder maravilhoso da juventude, pois é hora de entrar em cena uma geração inteiramente diferente, que cresceu sob as antigas regras porém cozinha no amago da sua propria alma a vontade, não, a necessidade de se expressar. "Esse é o nosso mundo também, ouçam a nossa voz" diz uma nova geração, e nos ultimos anos eles chegaram as posições de serem ouvidos.

Essa geração millenial japonesa cresceu sob o peso de uma cultura milenar em suas costas, porém ela é mais do que isso. Essa é a geração que não se sente culpada pela guerra (porque não é mesmo), é a geração que cresceu em um contato com o exterior nunca antes imaginado na sua história graças a internet, é uma geração que troca informações e experiencias como nunca antes em sua história.



Essa é a geração do hip hop, das roupas coloridas no centro de Tóquio, é a geração dos fabulosos Phantom Thieves. É uma geração leve, uma geração sem esse peso todo no seu coração. Essa é uma geração cool.

E se você não acredita em mim é só ver o maior termometro de qualquer cultura que existe: sua programação infantil. Nos anos 90, Kamen Rider era uma série super séria que tentava provar seu ponto pelo peso e responsabilidade  de seu herói. Hoje o ponto do Kamen Rider é ser descolado, legal. Esse é o novo Japão do século 21, um Japão muito mais cool.

É nesse ponto que entra Jujutsu Kaizen, a obra prima da geração cool. O fruto de uma geração que cresceu assistindo as sementes de liberdade criativa que vazavam das formulas fixas do manga shonen. É uma geração que conhece Dragon Ball Z e Cavaleiros do Zodiaco, mas que cresceu mesmo é lendo os personagens com mais do que uma camada de Yoshiro Togashi (Yu Yu Hakusho e Hunter x Hunter), que cresceu o manga com proposito de Naruto, uma história que quer chegar em algum lugar no sentido artistico da palavra, uma geração que aprendeu a rir de si mesma com One Punch Man e Gintama.

Melhor besto friendo ever!

E tal qual Witcher 3 é a obra prima de algo que os videogames ja cozinhavam a decadas, Jujutsu Kaizen é o incoporamento carnal dessa nova geração de mangas shonen. E não me entenda errado JK é tão shonen quanto shonen pode ser, até porque a estrutura do manga - se estripada aos seus basicos - é basicamente Naruto: um jovem otimista e de coração bom tem um demonio de poder infinito selado dentro de si em uma sociedade rigida de pessoas onde cada clã tem tradicionais poderes animezisticos. 

Só que Jujutsu Kaizen é um Naruto melhorado, porque ele aprendeu com Naruto e não incorre os mesmos erros naquele mesmo ponto que eu abri o texto falando: a cultura é um processo evolutivo infinito. Por exemplo, uma coisa que me incomoda em Naruto é que um ponto muito importante da série é que Naruto e o Sasuke são amigos. Exceto que eu vejo isso muito mais ser dito do que vejo acontecer, basicamente porque personagens meninos de anime tem que ter uma cintura dura e não se permitem muitas intimidades uns com os outros, é assim que o Japão é. Ou era.

Então você ouve muito o Naruto falar de amizade com o Sasuke, mas você realmente viu muito isso acontecer na prática porque é assim que as coisas eram feitas na época. Jujutsu Kaizen não tem esse problema: Megumi é "o Sasuke desse anime", mas esse anime não tem a mesma cintura dura no relacionamento entre os personagens que seu irmão 20 anos mais velho tem.




Meguumi e Yuji são amigos sim, você sente isso sem que ninguém precise dizer isso 238 vezes. Megumi ainda é o mesmo personagem reservado e distante, com um poder foda de um clã foda e uma história pessoal trágica, mas sem todo aquele peso anos 90 que o Sasuke tem. Ele é uma versão cool e maneira do Sasuke, sem perder a sua essencia. Pegar a essencia, corrigir os defeitos, deixar mais cool ainda.

Outra coisa, sabe como o estúdio Pierrot fez o que pode pra cagar Naruto com fillers ao ponto que é praticamente inassistivel se você não estiver vendo uma versão editada? A lição foi aprendida e aqui é justamente o contrário: cada cena é lindamente animada como se ela fosse importante, 24 episódios que valem ouro são uma escolha mais adequada aos dias atuais do que 240 que whatever faz qualquer merda aí.

Ou então sabe quando a personagem feminina do grupo não faz nada de particularmente útil porque eca meninas anos 90 eca eca? Bem, nós não fazemos mais as coisas assim hoje. A Nobara é legal pra caralho, obrigado, de nada.



Pois então, agora imagine que JK faz isso com 40 anos de anime e você entende o que eu quero dizer que é a obra prima de uma geração. Jujutsu Kaizen tem coisas de Naruto, mas corrige seus defeitos e é mais cool. Jujutsu Kaizen tem coisas de Bleach, mas corrige seus defeitos e é mais cool. Jujutsu Kaizen tem coisas de Yu Yu Hakuso, mas corrige seus defeitos e é mais cool. Entendeu meu ponto agora?

Literalmente o ponto do anime é que nesse ano em particular eles estão tento a mais talentosa e promissora de feiticeiros Jujutsu em séculos, o que é uma departure gigante do que obras desse tipo são no sentido de "antigamente houve uma era de glória e poder e agora vivemos com restolhos desses dias maravilhosos". Não, a era é agora, estamos vivendo os dias agora. O momento é esse e a hora é essa.

Ah, sim e quando eu digo "mais leve", eu quero dizer no sentido de livre, não de leviano. Jujutsu Kaizen não é um anime inconsequente, ele aborda temas relevantes (especialmente que nem todos os humanos merecem ser salvos, e nem todos os monstros merecem morrer) mas de uma forma tranquila que só quem sabe o que está fazendo consegue fazer. Jujutsu Kaizen sabe o que está fazendo.


O que nos leva direto ao nosso ponto inicial, Jujutsu Kaisen é o pico de mais decadas de animação (não apenas japonesa) que levaram a sua existencia. Ele sabe ser violento na medida certa, sabe ser perturbador na medida certa, sabe ser heroico na medida certa, sabe usar o tempo de tela na medida certa, sabe rir de si mesmo na medida certa, sabe ser estiloso na medida certa.

Claro, o anime ainda está na sua primeira temporada e nada garante que eles não vão foder a porra toda daqui pra frente. Mas o que temos até o momento é a evolução natural de Naruto, Yu Yu Hakusho e Persona 5, na forma da voz de uma geração que quer ser ouvida.

Imagine Devilman Crybaby, só que shonen e sem induzir ao suicidio por desesperança. Se isso não é material pra ser o melhor shonen de todos os tempos, então eu não sei mais o que poderia ser.


Ou então assista o encerramento, é tudo que você precisa para entender o espirito da coisa



[ANIMES] JUJUTSU KAISEN (ou o The Witcher 3 dos animes shonen)

THE STORY SO FAR: Tem uma frase do Isaac Newton que eu considero uma das melhores coisas já dita na história da humanidade: "Se eu vi mais longe, foi por...
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LISTÃO 2020

| sexta-feira, 1 de janeiro de 2021
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 ANIMES

  1. Persona 5 The Animation
  2. Made into Abyss
  3. Banana Fish
  4. Demon Slayer
  5. Carole & Tuesday
  6. Space Dandy
  7. Konosuba: The Legend of Crimson Demon
  8. Cells at Work
  9. Dororo
  10. Mega Man X Maverick Hunters: Day of Sigma
  11. Recovery of a MMO Junkie
  12. Dragon Ball Z: A Batalha nos Dois Mundos
  13. Initial D
  14. Kaguya-Sama: Love is War
  15. Bastard!!
  16. Digimon Tamers
  17. Ranma 1/2 - Nightmare! Incense of Spring Sleep!
  18. Attack on Titan!
MELHOR:
PIOR:

JOGOS
  1. My Friend Pedro
  2. Celeste
  3. The Talos Principle
  4. FTL
  5. Gris
  6. Frostpunk
  7. The Witcher 3
  8. Indivisible
  9. Yakuza Zero
  10. Danganrompa: Happy Trigger Havoc
  11. Danganrompa 2: Goodbye Despair
  12. Day of Tentacle Remastered
  13. Catastronauts
  14. Final Fantasy VII Remake
  15. Moving Out
  16. Death Stranding
  17. Horizon Zero Dawn
  18. Cities Skylines
  19. Marvel's Spider-Man
  20. Persona 4 Golden
  21. Overcooked 2
  22. SUPERHOT
  23. Far Cry 3
  24. Persona 5 Royal
  25. Star Wars Jedi Fallen Order
  26. Final Fantasy XIV
  27. Fall Guys: Ultimate Knockout
  28. Cyberpunk 2077
MELHOR C:


MELHOR P:



PIOR C:


PIOR P:


SERIES
  1. Steve Universe
  2. Supernatural
  3. Doctor Who
  4. My Little Pony
  5. South Park
  6. Harley Quinn
  7. The Guild
  8. Drive to Survive
  9. Castlevania
  10. Clone Wars
  11. Tiny Toon
  12. Kamen Rider Zero One
  13. Avatar: The Last Airbender
  14. Steve Universe Future
  15. She-Ra and the Princess of Power
  16. High Score
  17. Avatar: The Legend of Korra
  18. The Mandalorian
MELHOR C:

MELHOR P:

PIOR C:

PIOR P:


FILMES
  1. Steven Universe - O Filme
  2. The Man Who Killed Don Quixote
  3. Toy Story
  4. The Irishman
  5. Marriage Story
  6. Parasita
  7. Jumanji: The Next Level
  8. Frozen 2
  9. Bombshell
  10. Little Women
  11. A Beautiful Day in the Neighborhood
  12. Pain and Glory
  13. 1917
  14. Jojo Rabbit
  15. Knives Out
  16. Judy
  17. Toy Story 2
  18. Toy Story 3
  19. Sonic
  20. Birds of Prey (and the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn) 
  21. Toy Story 4
  22. Klaus
  23. Missing Link
  24. Yesterday
  25. Shrek
  26. Shrek 2
  27. Bumblebee
  28. Ocean's 8
  29. Velocidade Máxima
  30. Prenda-me se for capaz
  31. Curtindo a vida adoidado
  32. As Caça-Fantasmas
  33. Demolition Man
  34. The Greatest Showman
  35. Goof Troop - The Movie
  36. Avengers - Infinity War
  37. Onward
  38. Cliffhanger
  39. Beethoven 2nd
  40. Indenpendence Day Ressurgence
  41. High School Musical
  42. Cloverfield
  43. Mowgli - O Menino Lobo
  44. The Lawnmower Man
  45. Valente
  46. Anastacia
  47. Tenacious D: The Pick of Destiny
  48. The Death of Superman
  49. The Reign of Supermen
  50. Bebe's Kids
  51. Kung Pow - Enter the Fist
MELHOR C:


MELHOR P:


PIOR:


LIVROS
  1. Como Treinar Seu Dragão
  2. Como Ser Um Pirata
  3. Como Falar Dragonês
  4. Como Quebrar a Maldição de um Dragão
  5. Como mudar uma história de dragão
  6. Guia do Herói para vencer dragões mortais
  7. Como navegar em uma tempestade de dragão
  8. Como treinar seu viking
  9. Como partir o coração de um dragão
  10. Como roubar a espada de um dragão
  11. Como pegar a Joia do Dragão
  12. Como trair o herói de um Dragão
  13. Duna
MELHOR:


LISTÃO 2020

THE STORY SO FAR:  ANIMES Persona 5 The Animation Made into Abyss Banana Fish Demon Slayer Carole & Tuesday Space Dandy Konosuba: The Legend of Crimson De...
POSTADO EM:sexta-feira, 1 de janeiro de 2021
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