Onde a magia acontece

[GAMES] GRIS (ou arte com cinza maiúsculo)

| quinta-feira, 30 de janeiro de 2020
... TO BE CONTINUED »


E então, o mundo era um lugar cinza e sem som. Sem esperança, gosto ou sabor. Um mundo preenchido apenas por vazio e dor. Um mundo de perda. 

E então, diante de um mundo tão opaco e deseperançado, a deusa fez a única coisa que ela poderia fazer: ela caiu de seu céu, e assim começa a jornada da deusa para salvar não a este mundo que ela criou, mas sim a si própria.



A coisa que as pessoas não entendem sobre a arte, no entanto, é que o ponto dela não é o que ela fisicamente representa. Uma estátua muito bem feita é um trabalho manual admirável, mas por si só ela não é arte. Arte é uma coisa a mais, é um passo além. É sobre evocar uma ideia, um sentimento, um conceito através de forma e som. E nesse sentido, Gris é uma obra de arte. Não o adjetivo que é usado a toda hora, mas sim o sentido literal da palavra.

Mas... o que é Gris?

Gris é um jogo bonito. Muito bonito. Essa é a primeira impressão inevitável. A arte excepcional só fica mais e mais bonita conforme você avança. Céus em aquarela; cavernas luminescentes; videiras e flores flores que desabrocham como em um sonho. Sério, esse é o jogo mais bonito que eu já joguei na minha vida.

E por trás de tudo isso, tem uma trilha sonora igualmente linda. Trilhas de piano pacíficas se transformam em cantos tempestuosos. Em uma fase, um poderoso vento vermelho golpeia seu personagem enquanto você atravessa um deserto de outro tom de vermelho. O único aviso que você recebe é quando a música começa a mudar, ficando mais sombria e ameaçadora. À medida que a música aumenta, os vendavais tornam a tela inteira um vermelho escuro. À medida que a música diminui, o vento diminui.

A combinação de gráfico e música é algo de tirar o folego. É um espetáculo sensorial, mas isso não é tudo que Gris é.



A princípio, a única maneira de evitar os efeitos desses vendavais poderosos é encontrar abrigo. O vento não vai te matar, é claro. Lutar, matar, morrer. . . estas coisas não têm lugar em Gris. Há um vilão na história, mas você só pode fugir dele (e usá-lo como elemento nas partes de plataforma. Este não é um jogo de luta, Gris é uma outra coisa.

Gris é muito um jogo, no entanto. Este não é um walking simulator, nenhum filme interativo - embora com a sua apresentação visual, pudesse ser. Seria o caminho fácil. Gris é um jogo de plataforma com muitos quebra-cabeças muito inteligentes e, mais importante que isso, que em nenhum momento subestima a sua inteligencia.



Você descobre o que tem que fazer não através de tutoriais ou dialogos, este jogo não tem uma única linha de dialogo na verdade, mas sim devido a construção do cenário que não parte do pressuposto que você é um idiota. A forma como uma plataforma balança quando você cai sobre ela te dá uma dica do que deve ser feito com ela. O chão que tem um som diferente quando pisado te dá uma dica do que deve ser feito ali.

O mais perto de um tutorial que Gris tem é que quando sua personagem ganha um novo poder, aparece que botão ativa ele. E isso é tudo. Como você vai utiliza-lo para resolver puzzles não precisa explicado, porque é lógico, é harmonioso, é um fluxo, uma conversa entre você e o level design sem intermediários no meio.



A melhor comparação que eu posso fazer com esse jogo é aquele que talvez seja o maior momento da história do level design dos videogames. Gris me levou de volta a 1984. O terrível ano em que os videogames estão mortos no ocidente, uma modinha que deu errado. Então essa empresa japonesa que ninguém nunca ouviu falar, essa tal de Nintendo, te pede uma chance, uma oportunidade de tentar um videojogo novamente. E então temos essa tela.


Lembre-se que as pessoas tem conhecimento de videogames apenas com o Atari, e isso não é dizer muita coisa. Então por qualquer motivo que elas tenham ligado esse console, tem essa tela. O que e faz aqui? Como se joga isso? Bem, seu personagem está a esquerda da tela, então é justo supor que o objetivo é ir para a direita. Você faz isso.


O jogo avança. Seguindo adiante você encontra duas coisas na sua frente: um ponto de interrogação brilhando em dourado e um baixinho com sobrancelhas muito sérias vindo na sua direção. Os instintos que o jogador tem são bastante claros e até hoje eu não conheci uma única pessoa (por menos habituada a videogames que estivesse, e nessa época não havia quem estivesse porque os videogames estavam renascendo) que não entendesse o ponto aqui: o ponto de interrogação é um segredo a ser explorado e o carinha com sobrancelhas do Peter Capaldi é encrenca.

Você bate na interrogação e ganha uma moeda com um som agradável, você não sabe ainda o que as moedas fazem, mas todas dicas visuais dão a entender que isso é bom. E também sabe que encostar no nanico ali é ruim, mesmo que provavelmente você descubra isso do jeito dificil. 

Mas tudo bem se você encostar nele, Mario morre e o jogo recomeça alguns passos atrás. Ou seja, o jogador aprende uma lição sem perder nada, porque são apenas alguns centímetros de “progresso” perdido. Agora você aprendeu (provavelmente do jeito difícil) que o jogo também é sobre desviar das coisas.


O segundo ponto de interrogação, no entanto, não tem uma moeda e sim um cogumelo. Mas o que significa o cogumelo? A esse ponto ninguém sabe, você só sabe que encostar nas coisas é ruim - conforme sua experiencia com o inimigo anterior provou. Seu primeiro instinto, logo, é desviar do cogumelo. 

Acontece então uma sacada genial: ele se move para a direita, cai, bate no cano e volta na direção do Mario. Como o Mario está baixo dos tijolos e trancado pelo deslocamento da tela, não tem como escapar do cogumelo. Ótimo, porque o jogo não quer que você escape.Seu instinto natural seria: acabei de matar o primo dele (o Goomba), essa coisa não deve ser do bem. Mas aí o cogumelo bate em você, que não tem como escapar, e… o Mario melhora. Ele cresce, pode quebrar tijolos agora e pula mais alto. PODER ILIMITAAAAADOOOOOOOO!!!!

E assim, em apenas uma tela, sem usar uma única palavra, Mario ensina todas suas mecanicas a alguém que nunca jogou videogames antes. Gris é basicamente uma versão moderna disso, com mecanicas levemente mais complexas que o correr e pular do Mario, mas não menos intuitivas, fluídas e organicas por conta disso.



Muito dessa fluídez e coerencia do design vem por conta dos recursos modernos que o jogo usa para tornar sua experiencia mais fluída, como afastar ou aproximar a camera para que você sempre veja tudo que precisa ver, e ver os detalhes da arte quando não precisa. Não apenas o jogo não tem saltos de fé, como você mal percebe o movimento que a camera está fazendo. Como um bom garçom ou um bom juíz de futebol, ela é invisivel.

E acredite, você vai querer que a camera te permita ver o máximo que puder desse jogo porque cada tela é uma obra de arte. Em ambos os sentidos da palavra.

E olha só, arte. Taí essa palavra denovo.

Mas sobre o que esse jogo é, de verdade?



Bem, Gris conta uma história. Não com palavras falados ou ou texto. Não há diálogo. Não há escolhas a fazer além de como você resolve cada quebra-cabeça e estágio. Mas há uma história, uma que é contada através de sentimentos. O que conta a história de Gris não é uma narrativa, e sim a coleção de sentimentos que você vai tendo em cada uma das seis fases do jogo.

Até esse dia, eu nunca tinha entendido como funciona uma exposição de arte moderna. O artista diz que quer fazer uma exposição sobre o tema "inveja", e então apresenta um vaso retorcido, uma tela amarela com riscos vermelhos e uma bicicleta quebrada. Agora que eu entendo como isso funciona. Não é sobre a representação visual de nada, é sobre a sensação que cada mundo evoca. A primeira fase de Gris é sobre a solidão em um mundo sem cor, a segunda é sobre dar um jeito de seguir em frente quando o mundo (literalmente) te empurra pra trás e assim por diante.



E quando você junta todos esses sentimentos que você teve durante o jogo, uma história se forma na sua cabeça. Ou uma interpretação dela, pelo menos, embora eu duvide que duas pessoas terão exatamente a mesma interpretação desse jogo. E se isso não é a mais pura e verdadeira definição do que é arte, então eu não sei mais o que seria.

A comparação mais obvia a ser feita desse jogo é que ele seria tipo uma versão 2D de Journey, mas não é exatamente isso. Não me entendam errado, Journey é possivelmente a maior obra de arte emocional já feita em um videogame, mas isso é tudo que ele é. Ele é todo coração, não tanto substancia quando você quebra para analisar o level design do jogo.

Escolher as imagens para esse texto foi a coisa mais fácil que eu já fiz na vida, literalmente qualquer tela desse jogo é um papel de parede pronto
Gris não, Gris é algo mais. E enquanto Gris tem tanto coração e arte (no sentido verdadeiro da palavra) quanto Journey, Gris ainda é um jogo incrivelmente bom enquanto jogo, as mecanicas do jogo são fundamentais para passar a sensação que o jogo quer passar e essa integração fundamental é algo sem preço.

Parece um jogo desenhado pela Nintendo com a direção de arte da Thatgamecompany. 

Es una puñetera obra de arte




[GAMES] GRIS (ou arte com cinza maiúsculo)

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POSTADO EM:quinta-feira, 30 de janeiro de 2020
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[ANIMES] MADE INTO ABYSS (ou no buracão da loli)

| sábado, 4 de janeiro de 2020
... TO BE CONTINUED »


Existe uma coisa, e é uma coisa muito específica que toda boa história baseada na jornada do herói precisa responder. E é vital a qualquer obra que essa coisa seja bem respondida, senão a obra morre ali, pum, cai dura na hora. Sem exceções. E a pergunta coisa que qualquer obra tem que responder é a seguinte: um protagonista sai e muda o mundo, resolve um problema, derrota uma força do mal, o que quer que seja. Ok, certo.

A pergunta de um bazilhão de dolares é: porque ele fez isso e não qualquer outro? Não, sério, porque literalmente qualquer pessoa DO MUNDO não foi lá e resolveu aquele problema? 

Porque foi o Naruto que quebrou o ciclo de guerra e vingança do mundo ninja e não qualquer um dos outros milhares de ninjas que existiram antes dele? Porque Harry Potter tinha que derrotar o Lorde Valdemar e não qualquer outro bruxo? Como Luquinhas Andacéu derrotou o Imperador e não qualquer um dos jedi muito mais treinados que tentaram e falharam antes dele?

Porque o herói faz algo que ninguém mais faz? Essa é a pergunta que realmente importa ser respondida. E quanto maior o desafio, quanto mais perigosa e épica for a jornada, mais complexa precisa ser essa resposta.



Naruto é um jinchiryuki e foi treinado pelos melhores ninjas do mundo ao longo de anos. Harry teve seu destino ligado ao de Valdemar por uma magia tão antiga e tão ancestral que os bruxos não podem intencionalmente reproduzir (o que é uma das poucas coisas em Harry Potter que parece com magia de verdade pra mim). Luke nunca derrotou o Imperador, ele foi treinado por Yoda e Obi Wan Kenobi (dois dos melhores jedi ever) o suficiente apenas para chegar vivo até o Imperador, e então foi o pai dele, ninguém menos que Darth Fucking Vader, que derrotou o Imperador por causa dele.

Faz sentido dentro do mundo proposto porque levou 6 mil anos até surgir Estevão Universo e poder peitar as Diamonds, e porque TINHA que ser o Estevão Universo e não qualquer cascalhozinho que sofreu por milênios no sistema fodido de Homeworld. Feitos extraordinários exigem explicações extraordinárias, afinal.

Isso é algo tão importante, algo tão vital, que mesmo obras RUINS se importam com isso e tentam responder essa pergunta. A nova trilogia da Disney, por exemplo, tentou responder porque a Rey é tão incrível, espetacular, maravilhosa e o xixi dela cura enfisema pulmonar: porque a Força escolheu ela. A Força foi full "whatever, i do what i want", que é o que você deveria esperar de um entidade transcendetal misteriosa. Ok, essa é uma explicação que funciona dentro do universo proposto... que depois foi alterada para uma tão retardada que eu não citarei aqui, mas ainda sim tenta ser uma explicação.

E quando uma obra falha em fazer isso, a suspensão da descrença vai ladeira abaixo junto. Por exemplo, em D&D você precisa matar 30 ratos (300 XP) para subir do nível 1 para o nível 2. Não ao mesmo tempo, você ganha 10 XP por rato. Pergunta: em D&D, porque TODO E QUALQUER campones já não matou os seus 30 ratos ao longo da vida e tem um nível de classe? Não, sério, se as regras do mundo são essas, então porque qualquer um não faz isso?



Saber responder isso é o que diferencia um mestre bom de um ruim. Ou então, porque qualquer um dos 88 cavaleiros de Athena não consegue matar deuses como Seiya e seus amigos fazem? Porque a unica explicação que o Kurumada dá é que eles conseguem porque eles querem muito, muito, muito isso. Uau, que pedaço de bosta flamejante, não? Quer dizer que ninguém mais NO MUNDO INTEIRO quer muito muito muito muito mesmo? Ah vapaputaqueopariu, seu Kurumada, na moral. Vai ser ruim assim lá no colo do JJ Abrams, que desgraça...

E porque eu estou falando tudo isso? Bem, porque eu não teria outra chance de falar em primeiro lugar, mas principalmente porque Made Into Abyss coloca diante de si uma tarefa muito dificil que é justamente não foder todo o worldbuilding tendo como protagonistas crianças.

Mas suponho que para entender minha afirmação, é necessário um pouco de contexto aqui.

Existe no mundo (não é dito qual, provavelmente não é o nosso mas isso não é importante para a história) um abismo. E por abismo eu quero dizer um PUTA DUM BURACÃO DA PORRA que ninguém sabe até onde vai, mas se disser que vai até o inferno e dá duas voltas eu não duvido. Mas é buraco pra nego nenhum botar defeito mesmo. Meu deus que buraco.


Só que o Abismo não é apenas um mero buraco no chão, não. Ele é praticamente seu próprio mundo, porque cada uma das camadas do abismo possui seu próprio ecossistema e até mesmo suas próprias leis da física. E, mais importante que isso, cada uma das camadas possui sua própria versão da Maldição do Abismo.

O que é a Maldição do Abismo? Bem, sabe quando uma pessoa está mergulhando no oceano e ela pode descer o quanto seu corpo aguentar a pressão, mas na hora de subir de volta ela tem que tomar muito, muito cuidado para não ter embolia no sangue e até morrer? Então, tipo isso. Você pode descer o quanto quiser no Abismo, mas se subir mais do que dez metros de uma vez a coisa pega. Na primeira camada do abismo você só tem tontura e nausea, talvez vomite um pouco. Mas conforme vai descendo, cada camada os efeitos vão ficando cada vez mais e mais perigosos e... pouco naturais. Basta dizer que a partir da quarta camada, morrer não é a pior coisa que pode te acontecer. Mas nem de perto.

Tentando pegar o busão das 18h be like


Então, é, explorar o Abismo não é algo que possa ser feito levianamente. Em adição a isso, como eu já disse cada camada tem seu próprio ecossistema, com criaturas perigosas de habilidades progressivamente estranhas capazes de esfacelar um homem adulto como se manteiga no pão. Novamente, a coisa vai ficando progressivamente mais perigosa conforme se desce, e se disserem que no fundo do buraco (supondo que exista um) dorme o próprio fucking Cthullu, eu não vou duvidar disso. Para piorar, a ambientação é um cenário mais ou menos steampunk, então não espere grandes armas a disposição dos personagens. Ninguém vai puxar uma metralhadora, um rifle de sniper, um escudo tático e chamar o dia. É dificil mesmo.

Aqui tem que ser notado o trabalho enorme e dedicado que o autor do manga colocou em criar ecossistemas verossimeis e interessantes. Sério, em alguns momentos Made Into Abyss parece estar assistindo um episódio de "A Prova de Tudo", só falta os protagonistas dizerem que se beberem o sangue do Sapo Roncador do Inferno poderão viver por mais duas horas. E eu estou dizendo isso da forma mais elogiosa possível, como camada do Abismo funciona é um dos pontos mais interessantes do show.



Ok, então já estabelecemos que o Abismo é um lugar fantástico tanto quanto muito, muito, MUITO perigoso. Porque as pessoas apenas não colocam uma rolha nessa joça e vão para o mais longe possível dele? Bem, porque não é só desgraça que tem no abismo: os exploradores encontram relíquias de uma civilização perdida, itens que ninguém no mundo entende como funcionam ou podem reproduzir, mas tem utilidade inegável. Sabe nos filmes da Marvel quando pilhar os restos de tecnologia alien se tornaram a base de toda tecnologia moderna? Então, aqui as relíquias do Abismo são mais ou menos isso.

Tanto que uma cidade se formou ao redor do Abismo para fomentar essa exploração, por mais perigosa que seja é algo economicamente viavel. E, claro, quanto mais fundo no Abismo, mais poderosas as reliquias são. Essa é a cidade de Orth.


Orth cresceu ao redor do Abismo, e seu maior (e único) produto de exportação são as relíquias recuperadas do Abismo. Em um lugar assim não é de espantar que toda sociedade, cultura e até mesmo religão gire em torno do buracão da porra. Como por exemplo, não é tão estranho que os orfanatos na verdade sejam escolas para ensinar as crianças a serem exploradores do abismo.

E aqui você já começa a imaginar o problema que eu tenho senti com esse anime, né?


Os protagonistas do anime são essas crianças de 12 anos. Que são desenhadas como se tivessem 8, basicamente porque o autor do manga gosta de desenhar crianças peladas. Eu não estou brincando, e embora não sejam sexualizadas de forma nenhuma, é mais de uma forma inocente como crianças, mas ainda sim se ver crianças peladas é um problema pra você pare agora. Isso é muito sério.

Isso é o básico, é daí pra baixo
Enfim, a heroína da história é Riko, uma órfã treinando para ser saqueadora do Abismo que não é apenas uma reles órfã aleatória, mas sim filha da exploradora mais lendária e pica das galaxias de toda Orth: Lyza, a Aniquiladora. Não, sério, esse é o nome dela.

E sendo Riko uma órfã, você pode imaginar que fim Lyza levou. Um dia foi pro Abismo e não voltou mais, babaus. Certo. As coisas começam a mudar quando Riko, em uma missão de treinamento (apenas passear alguns poucos metros pra dentro da primeira camada do Abismo) encontra um menino-robo. Não é claro se ele é uma pessoa com tecnologia da civilização perdida do Abismo, ou se ele é um robo inteiramente artificial. Mas enfim, Riko o chama de Reg e trás ele de volta para o orfanato como uma criança porque se ela dissesse que ele é uma reliquia do Abismo ele seria desmantelado e estudado.


Tudo bem até aí. O problema começa quando chega uma mensagem vinda do abismo (exploradores mandam balões para a superficie como forma de comunicação, é assim que se sabe alguma coisa a respeito das camadas que não tem mais como voltar), com uma mensagem supostamente de ninguém menos que a própria Lyza, a Aniquiladora, dizendo que está está esperando no fundo do abismo. Riko fica com a bacurinha em chamas e decide que vai porque vai até o fundo do abismo encontrar a mãe dela, e Reg decide que vai junto porque ele supostamente veio de lá e talvez assim ele recupere suas memórias ou algo do tipo.

Então, a este ponto, definitivamente temos um problema narrativo aqui. O Abismo foi muito bem estabelecido que é um lugar perigoso, mortal, animal, e que mesmo os exploradores veteranos levam ele muito a sério. Então o anime é sobre duas crianças fazendo essa jornada que já seria impossível na mão de profissionais? 


Entenderam agora meu ponto do começo do texto?

Do jeito que é colocado, é muito dificil acreditar que duas crianças vão sequer chegar a segunda camada do Abismo, quanto mais ao fundo - mesmo que uma delas seja um robo. Entretanto, felizmente o criador de MIA não é um idiota e teve as mesmíssimas preocupações que eu tive assistindo esse anime.

Uma grande quantidade de força e tempo é colocada em construir uma forma que essa jornada improvavel não seja apenas possível, como plausível. Reg, por exemplo, não é apenas um garoto-robo que precisa se preocupar com o Dr Pedo, mas ele é efetivamente melhor do que qualquer adulto. Ele tem braços que disparam como os grappling hooks de Attack on Titan, um canhão de plasma que pode ser disparado uma vez por dia e pele indestrutível. Ok, é plausível que ELE sobreviva no Abismo, e o trabalho dele é muito mais manter a Riko viva do que deixar uma criança solta por aí.



Apenas para provar o ponto de que não é um completo abilolado da cabeça, o anime tem um episódio inteiro em que Riko tem que se virar sem o Reg e ela por muito pouco não roda por causa de um desafio que seria trivial para um explorador adulto ou para o menino-robo.

Então, sim, o anime tem completa noção do que está propondo, e se esforça bastante para fazer isso ser possível. Riko não é nenhuma criança daquelas crianças prodígio insuportáveis de anime, mas ela também não é um peso morto. Ela ajuda tanto quanto uma boa aluna pode ajudar (o que complementa o fato que Reg não tem memória, então ela sabe coisas sobre o Abismo que ele não sabe e que fazem diferença), mas o anime tem sua cota de ideias sobre como ela pode ser util nessa missão.



Made into Abyss não é um anime que insulta sua inteligencia, e isso é mais do que eu poderia esperar.

Mas isso levanta outra pergunta: se MIA não é um anime que ofende sua inteligencia, era realmente necessário que os protagonistas fossem crianças? Quer dizer, eu entendi que o pessoal realmente gosta desenhar crianças peladas, mas não podia ser feito o mesmo com adultos?


Não, é realmente importante que sejam crianças porque isso amplifica o impacto emocional das consequencias desse mundo tão perigoso e cruel, ainda que belo, que é o Abismo. Made Into Abyss tem cenas bastante fortes, mas ao contrário de shows como Goblin Slayer, elas são fortes porque elas precisam ser fortes para serem coerentes com o mundo. E quer saber o que mais? Se o anime conquistou esse direito sendo bem escrito o suficiente para que faça sentido crianças soltas em um mundo ultra perigoso, então seria um desserviço não utiliza-lo.

Mas antes que você pense que esse programa se afirma em shock value pelo prazer do shock value, saiba que Made in Abyss é impactante não apenas visualmente, mas emocionalmente também. MIA tem uma narrativa emocionante com tons de horror que sabe como jogar com as expectativas e emoções do espectador. E é realmente mais do que isso; é uma história sobre amizade através de todas as dificuldades e nunca (e quero dizer nunca) passa pano pra o quão insanamente perigosa e destrutiva emocionalmente essa jornada é - o que faz os triunfos serem mais recompensadores ainda.



Isso tudo é amplificado pelo estilo de animação que lembra muito o estúdio Ghibli, e se você sempre quis saber como seria um anime de horror lovecraftiano da Ghibli, bem, isso é o mais perto que você vai encontrar. De certa forma lembra um pouco Madoka Magica, onde um traço adoravel é utilizado para mostrar crianças fofinhas enfrentando abominações saídas de pesadelos.

O que Madoka Magica não tem, entretanto, é a trilha sonora fantástica de MIA. O interessante da trilha sonora de Made in Abyss é que ela não foi composta por um compositor japonês, mas por um compositor australiano chamado Kevin Penkin, e eu serei amaldiçoado se ele não provou alcançar a qualidade de alguém como Yuki Kajiura.

Para descrevê-la em uma palavra: sentimento. A trilha de Penkin consegue se equilibrar entre o maravilhamento de descobrir um novo mundo fantasticamente belo, em uma jornada esperançosa de conseguir o impossível, e ao mesmo tempo de partir o coração. A trilha sonora soa muito mística e alinhada com a atmosfera única do Abismo. Em particular, tem uma faixa chamada "Hanezeve Caradiha", que é linda além das palavras, com sua melodia suave e vocais suaves, mas com uma sensação estranha, é a definição perfeita do que esse anime transmite.

Essa cena vai te fazer chorar. Pelo monstro. Acredite.

Poucos animes conseguem transitar com tanta graça entre ser como um sonho e um pesadelo, entre a esperança de atingir o impossível e o desespero de ser esmagado pela realidade, entre ver o que as pessoas tem de pior dentro dos seus corações, mas também o que elas tem de melhor. 

Made in Abyss é um anime lindamente animado e inteligentemente escrito que merece muito o hype que recebeu durante a sua exibição. Não é perfeito, em grande parte por causa do início lento - leva pelo menos 4-5 episódios até o anime realmente mostrar ao que veio, o que é bastante coisa em um anime de apenas 13 episódios. O tema de abertura também é estranhamente genérico, o que é uma pena em um anime tão bom como esse.



Mas eu diria que, mesmo com seu curto tempo de execução, Made in Abyss atinge níveis que o anime completo de 25 episódios mal consegue arranhar. Seu mundo cuidadosamente bem pensado absorve desde o início, sua história revela alguns temas surpreendentemente pesados, e seu estilo visual simples é usado de maneira eficaz para evocar emoções. Isso para entrar no mérito de que o mistério do que tem no fundo do Abismo (se é que existe um) é muito interessante... alias o que sequer é aquele Abismo já é o suficiente para você querer assistir mais.

Emocionalmente, em tonalidade, MIA lembra bastante Nier Automata. E isso é um dos maiores elogios que se pode fazer. 

[ANIMES] MADE INTO ABYSS (ou no buracão da loli)

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POSTADO EM:sábado, 4 de janeiro de 2020
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[GAMES] MY FRIEND PEDRO: Blood, Bullets, Bananas (ou Pedro, as coisas não são bem assim)

| quinta-feira, 2 de janeiro de 2020
... TO BE CONTINUED »


A pior coisa que um estúdio indie pode fazer é tentar bater de frente com um lançamento triplo A, porque não tem como você vencer essa luta. Você não tem o tempo e o dinheiro para fazer igual. Se a sua ideia é fazer um "Assassin's Creed de pobre" ou um "Gears of War barato", dificilmente isso vai acabar bem.

Mas então o que um estúdio pequeno pode fazer? Ser criativo. Fazer jogos que ninguém mais faz e que não necessariamente precisam ser caros para isso. Jogos como THE SEXY BRUTALE, por exemplo. Ninguém fez isso, é novo, é brilhante e não é um jogo particularmente caro de ser feito.

E nesse aspecto, a Devolver Digital é uma publisher que entende perfeitamente o que jogos indies devem e podem ser. O trabalho dela é revirar o mundo atrás de estúdios pequenos e lhes dar o dinheiro e exposição para que eles levem a cabo seus projetos. Não é atoa que quase todos os jogos indies que ganham premios são publicados por ela: Gris, Gato Roboto, The Messenger, etc. Eles tem um faro realmente bom para achar jogos que você não veriam em outro lugar porque eles são diferentes ou estranhos demais para isso.

Quer dizer, eles publicaram Genital Jousting e o jogo é exatamente o que o titulo sugere. De modo geral, eu costumo confiar na curadoria da Devolver Digital, se eles estão colocando tempo e dinheiro em um jogo indie, é porque esse jogo tem alguma coisa a dizer.

E por isso mesmo eu fiquei bastante interessado quando Meu Parça Pedro foi anunciado na E3 de 2018 (alias a Devolver Digital sempre tem as melhores apresentações da E3 que não envolvem o Keanu Reeves).


Uau, um personagem tão louco que ele literalmente recebe ordens de uma banana falante (chamada Pedro), em um balé de tiros, piruetas e caras maus morrendo? Esse é basicamente o jogo o Deadpool que até hoje nós não sabiamos que precisavamos!


Em termos de gameplay, My Friend Pedro é claramente inspirado naqueles jogos de flash do Newgrounds do Stickman, e eu sempre achei esse um conceito muito legal para se fazer um jogo. De fato, MFP era um jogo de flash do Newsgrounds! Então, em uma escala de 1 a John Wick, quão assassino você está se sentindo hoje?


A próxima pergunta a ser feita então é, o jogo entrega o que promete?

Bem, sim, mas não exatamente.

Embora seja tecnicamente possível fazer tudo que o um Stickman faz, não é nada fácil ou intuitivo e grande parte do problema são os controles.

Pra começar, esse é um twin-stick shooter. O que quer dizer que você movimenta o personagem com uma alavanca do analogico e mira com a outra, e isso é só o começo. Jogos desse tipo não costumam ser de plataforma por uma boa razão: em um jogo de plataformas com dois analogicos para cuidar, ter que tirar o dedo do analógico para apertar A para pular e ficar indo e voltando é terrível. É uma versão em miniatura de ter ficar levando a mão de um bitocão pro outro no controle do Nintendo 64.



Mas calma que tem mais. Você tem um botão para travar a mira em um oponente enquanto mira manualmente em outro, permitindo assim que você atire em duas pessoas ao mesmo tempo como no trailer. Para isso você tem que ficar segurando LT. Então vai anotando aí: duas alavancas analógicas, um botão de pulo e um gatilho para dividir a mira.

Obviamente que tem um botão de tiro, então você aperta o gatilho RT para atirar. A maior parte das armas não é automática, no máximo semi, então você tem que ficar apertando o botão uma vez para cada bala que você quiser disparar. Desnecessário dizer que os inimigos não morrem com um tiro, então prepare-se para apertar muito RT nessa vida.

Aí então você tem um botão para esquivar de balas, esse sendo por padrão o LB. Porque é claro que os inimigos atiram de volta em você, então você tem esse botão de pirueta que deixa invencível por um segundo - o que é exatamente o que o jogo espera que você faça para pular no meio dos inimigos mandando bala como se estivesse sendo pago para isso.



Acabou? Oh, minha doce criança do verão, sua inocencia me comove. Ainda tem um botão para desacelerar o tempo, permitindo que você jogue em bullet time e consiga mirar nos inimigos antes que eles te transforme em um sabonete Phebo de balas. Usar o bullet time é muito, muito importante só que as vezes os inimigos não estão em posição para você fazer sua sinfonia de morte numa tacada só - então você tem que ficar entrando e saindo do bullet time.

Como não pode deixar de ser, tem um ataque corpo a corpo que faz você chutar na direção que sua mira estiver virada, então esse é um jogo que você tem que mirar seu ataque corpo-a-corpo. É. Tem também um botão para recarregar a arma, obvio, e um botão para interagir com o cenário: ativar botões, chutar frigideiras e galões de gasolina para você atirar neles etc.

Ufa, acho que acabou... não, espera, ainda tem um botão para você se agachar e rolar. Pronto, agora aca... ah, sim, você ainda usa os direcionais digitais para selecionar armas! Mas ok, agora acabou! Quer dizer, literalmente acabou: os controles modernos tem 12 botões e um direcional digital, e My Friend Pedro usa todos eles, e espera que você use todos eles em uma mesma cena de ação. Puta merda, isso é muita, muita coisa para fazer ao mesmo tempo.



Dá para jogar, claro, mas jogar My Friend Pedro é uma experiencia exaustiva para seus dedos. Mas bem, ao menos quando você consegue fazer essas coisas é satisfatório e recompensador e por algumas frações de segundo você se sente o próprio João Uísque, e por um tempo foi bom.

Problema: por mais acrobático e malabaristico que seja o seu jogo, você não pode contar apenas com o moveset para que o jogador se divirta. Pular no meio dos bandidos e atirar é legal, mas existe apenas um número limitado de vezes. O jogo inteiro não pode ser um corredor aberto para você fazer sua coisa e seguir enfrente. Cabe então ao criador do jogo, bolar um level design que exija mais do jogador, que explore essas possibilidades.

E é aqui que My Friend Pedro se embanana. Entenderam? Banana, pq... bem, deixa pra lá. De qualquer forma, a sensação que você tem jogando esse jogo da metade pro final é de estar jogando Sonic, e essa nunca é uma sensação boa.



Sabe quando a movimentação do personagem foi programada para fazer uma coisa, e o level design tenta fazer outra? Tipo em Sonic, o personagem é suposto ser bom em correr em espaços abertos e gotta go fast... e então o jogo é sobre plataformas, andar embaio dagua e várias coisas fazendo tudo que podem o tempo todo para impedir que você gotta go fast. My Friend Pedro faz mais ou menos isso, assumindo um level design de jogo de plataforma e claramente não é isso que o jogo foi feito para fazer. Isso envolve percorrer todos os clichês do design dos últimos trinta anos: plataformas giratórias, plataformas que desaparecem, saltos, portas com interruptores cronometrados, lasers giratórios, lutas de chefes com pontos fracos brilhantes… Not cool, man, not cool at all.

Mas bem, pelo menos a história do jogo ajuda a amortecer o golpe, não? Quer dizer, você é o Deadpool matando um milhão de inimigos porque uma banana imaginária na sua cabeça chamada Pedro mandou, tem algo legal aí, certo?



Se alguma coisa, esse conceito lembra muito Hotline Miami - outro jogo publicado pela Devolver Digital - onde você também sai matando um milhão de pessoas porque recebeu um telefonema anonimo e a voz no telefone mandou fazer isso. E Hotline Miami é uma excelente narrativa, o jogo mistura ultraviolencia com a vibe sinthwave dos anos 80 com aquela coisa que parece uma mistura de sonho e realidade e você não sabe dizer o que é real e o que não é que o Terry Gillian faz nos tão bem nos filmes dele. My Friend Pedro faz algo parecido?

Não, definitivamente não. Na verdade, sequer há muito de uma história ... ou mesmo pouco dela. Você mata pessoas porque a banana mandou e era isso. No finzinho do jogo tem alguma coisa de história, mas a este ponto já passou a hora de fazermos nos importar com os personagens ou qualquer coisa realmente. É uma baita, enorme, colossal oportunidade desperdiçada.

Enquanto você avança de se acostumar com os controles menos confortaveis que eu já vi em um jogo de plataforma nos últimos anos para um jogo de plataforma genérico, os níveis iniciais do jogo e aquele GIF glorioso de sangue e morte parecem cada vez mais uma memória distante. Meu amigo Pedro permite que você viva a fantasia de conduzir uma sinfonia de balas enquanto fica pendurado de cabeça para baixo em uma tirolesa, mas, como a maioria das fantasias, ele não sobrevive após o impacto inicial da novidade.



[GAMES] MY FRIEND PEDRO: Blood, Bullets, Bananas (ou Pedro, as coisas não são bem assim)

THE STORY SO FAR: A pior coisa que um estúdio indie pode fazer é tentar bater de frente com um lançamento triplo A, porque não tem como você vencer ess...
POSTADO EM:quinta-feira, 2 de janeiro de 2020
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