[GAMES] MY FRIEND PEDRO: Blood, Bullets, Bananas (ou Pedro, as coisas não são bem assim)

| quinta-feira, 2 de janeiro de 2020


A pior coisa que um estúdio indie pode fazer é tentar bater de frente com um lançamento triplo A, porque não tem como você vencer essa luta. Você não tem o tempo e o dinheiro para fazer igual. Se a sua ideia é fazer um "Assassin's Creed de pobre" ou um "Gears of War barato", dificilmente isso vai acabar bem.

Mas então o que um estúdio pequeno pode fazer? Ser criativo. Fazer jogos que ninguém mais faz e que não necessariamente precisam ser caros para isso. Jogos como THE SEXY BRUTALE, por exemplo. Ninguém fez isso, é novo, é brilhante e não é um jogo particularmente caro de ser feito.

E nesse aspecto, a Devolver Digital é uma publisher que entende perfeitamente o que jogos indies devem e podem ser. O trabalho dela é revirar o mundo atrás de estúdios pequenos e lhes dar o dinheiro e exposição para que eles levem a cabo seus projetos. Não é atoa que quase todos os jogos indies que ganham premios são publicados por ela: Gris, Gato Roboto, The Messenger, etc. Eles tem um faro realmente bom para achar jogos que você não veriam em outro lugar porque eles são diferentes ou estranhos demais para isso.

Quer dizer, eles publicaram Genital Jousting e o jogo é exatamente o que o titulo sugere. De modo geral, eu costumo confiar na curadoria da Devolver Digital, se eles estão colocando tempo e dinheiro em um jogo indie, é porque esse jogo tem alguma coisa a dizer.

E por isso mesmo eu fiquei bastante interessado quando Meu Parça Pedro foi anunciado na E3 de 2018 (alias a Devolver Digital sempre tem as melhores apresentações da E3 que não envolvem o Keanu Reeves).


Uau, um personagem tão louco que ele literalmente recebe ordens de uma banana falante (chamada Pedro), em um balé de tiros, piruetas e caras maus morrendo? Esse é basicamente o jogo o Deadpool que até hoje nós não sabiamos que precisavamos!


Em termos de gameplay, My Friend Pedro é claramente inspirado naqueles jogos de flash do Newgrounds do Stickman, e eu sempre achei esse um conceito muito legal para se fazer um jogo. De fato, MFP era um jogo de flash do Newsgrounds! Então, em uma escala de 1 a John Wick, quão assassino você está se sentindo hoje?


A próxima pergunta a ser feita então é, o jogo entrega o que promete?

Bem, sim, mas não exatamente.

Embora seja tecnicamente possível fazer tudo que o um Stickman faz, não é nada fácil ou intuitivo e grande parte do problema são os controles.

Pra começar, esse é um twin-stick shooter. O que quer dizer que você movimenta o personagem com uma alavanca do analogico e mira com a outra, e isso é só o começo. Jogos desse tipo não costumam ser de plataforma por uma boa razão: em um jogo de plataformas com dois analogicos para cuidar, ter que tirar o dedo do analógico para apertar A para pular e ficar indo e voltando é terrível. É uma versão em miniatura de ter ficar levando a mão de um bitocão pro outro no controle do Nintendo 64.



Mas calma que tem mais. Você tem um botão para travar a mira em um oponente enquanto mira manualmente em outro, permitindo assim que você atire em duas pessoas ao mesmo tempo como no trailer. Para isso você tem que ficar segurando LT. Então vai anotando aí: duas alavancas analógicas, um botão de pulo e um gatilho para dividir a mira.

Obviamente que tem um botão de tiro, então você aperta o gatilho RT para atirar. A maior parte das armas não é automática, no máximo semi, então você tem que ficar apertando o botão uma vez para cada bala que você quiser disparar. Desnecessário dizer que os inimigos não morrem com um tiro, então prepare-se para apertar muito RT nessa vida.

Aí então você tem um botão para esquivar de balas, esse sendo por padrão o LB. Porque é claro que os inimigos atiram de volta em você, então você tem esse botão de pirueta que deixa invencível por um segundo - o que é exatamente o que o jogo espera que você faça para pular no meio dos inimigos mandando bala como se estivesse sendo pago para isso.



Acabou? Oh, minha doce criança do verão, sua inocencia me comove. Ainda tem um botão para desacelerar o tempo, permitindo que você jogue em bullet time e consiga mirar nos inimigos antes que eles te transforme em um sabonete Phebo de balas. Usar o bullet time é muito, muito importante só que as vezes os inimigos não estão em posição para você fazer sua sinfonia de morte numa tacada só - então você tem que ficar entrando e saindo do bullet time.

Como não pode deixar de ser, tem um ataque corpo a corpo que faz você chutar na direção que sua mira estiver virada, então esse é um jogo que você tem que mirar seu ataque corpo-a-corpo. É. Tem também um botão para recarregar a arma, obvio, e um botão para interagir com o cenário: ativar botões, chutar frigideiras e galões de gasolina para você atirar neles etc.

Ufa, acho que acabou... não, espera, ainda tem um botão para você se agachar e rolar. Pronto, agora aca... ah, sim, você ainda usa os direcionais digitais para selecionar armas! Mas ok, agora acabou! Quer dizer, literalmente acabou: os controles modernos tem 12 botões e um direcional digital, e My Friend Pedro usa todos eles, e espera que você use todos eles em uma mesma cena de ação. Puta merda, isso é muita, muita coisa para fazer ao mesmo tempo.



Dá para jogar, claro, mas jogar My Friend Pedro é uma experiencia exaustiva para seus dedos. Mas bem, ao menos quando você consegue fazer essas coisas é satisfatório e recompensador e por algumas frações de segundo você se sente o próprio João Uísque, e por um tempo foi bom.

Problema: por mais acrobático e malabaristico que seja o seu jogo, você não pode contar apenas com o moveset para que o jogador se divirta. Pular no meio dos bandidos e atirar é legal, mas existe apenas um número limitado de vezes. O jogo inteiro não pode ser um corredor aberto para você fazer sua coisa e seguir enfrente. Cabe então ao criador do jogo, bolar um level design que exija mais do jogador, que explore essas possibilidades.

E é aqui que My Friend Pedro se embanana. Entenderam? Banana, pq... bem, deixa pra lá. De qualquer forma, a sensação que você tem jogando esse jogo da metade pro final é de estar jogando Sonic, e essa nunca é uma sensação boa.



Sabe quando a movimentação do personagem foi programada para fazer uma coisa, e o level design tenta fazer outra? Tipo em Sonic, o personagem é suposto ser bom em correr em espaços abertos e gotta go fast... e então o jogo é sobre plataformas, andar embaio dagua e várias coisas fazendo tudo que podem o tempo todo para impedir que você gotta go fast. My Friend Pedro faz mais ou menos isso, assumindo um level design de jogo de plataforma e claramente não é isso que o jogo foi feito para fazer. Isso envolve percorrer todos os clichês do design dos últimos trinta anos: plataformas giratórias, plataformas que desaparecem, saltos, portas com interruptores cronometrados, lasers giratórios, lutas de chefes com pontos fracos brilhantes… Not cool, man, not cool at all.

Mas bem, pelo menos a história do jogo ajuda a amortecer o golpe, não? Quer dizer, você é o Deadpool matando um milhão de inimigos porque uma banana imaginária na sua cabeça chamada Pedro mandou, tem algo legal aí, certo?



Se alguma coisa, esse conceito lembra muito Hotline Miami - outro jogo publicado pela Devolver Digital - onde você também sai matando um milhão de pessoas porque recebeu um telefonema anonimo e a voz no telefone mandou fazer isso. E Hotline Miami é uma excelente narrativa, o jogo mistura ultraviolencia com a vibe sinthwave dos anos 80 com aquela coisa que parece uma mistura de sonho e realidade e você não sabe dizer o que é real e o que não é que o Terry Gillian faz nos tão bem nos filmes dele. My Friend Pedro faz algo parecido?

Não, definitivamente não. Na verdade, sequer há muito de uma história ... ou mesmo pouco dela. Você mata pessoas porque a banana mandou e era isso. No finzinho do jogo tem alguma coisa de história, mas a este ponto já passou a hora de fazermos nos importar com os personagens ou qualquer coisa realmente. É uma baita, enorme, colossal oportunidade desperdiçada.

Enquanto você avança de se acostumar com os controles menos confortaveis que eu já vi em um jogo de plataforma nos últimos anos para um jogo de plataforma genérico, os níveis iniciais do jogo e aquele GIF glorioso de sangue e morte parecem cada vez mais uma memória distante. Meu amigo Pedro permite que você viva a fantasia de conduzir uma sinfonia de balas enquanto fica pendurado de cabeça para baixo em uma tirolesa, mas, como a maioria das fantasias, ele não sobrevive após o impacto inicial da novidade.



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