[GAMES] SOUTH PARK (ou nunca peide nas bolas de um homem)

| domingo, 2 de junho de 2019


Ok, aqui vai algo interessante sobre mim: eu não sou, exatamente, o que se pode chamar de "maior fã de South Park". Sim, isso é a parte interessante sobre mim, imagine o resto, mas divago. Até jogar "O graveto da verdade", tudo que eu poderia dizer de ter visto de South Park é UM episódio que eu não lembro nada senão que o Kenny morre jogando volei e o filme de 1999 no SBT - o qual eu lembro de ter gostado.

Não é que eu tenha nada contra South Park em si, exceto pelo fato de que a animação está na temporada 22 e eu não estou tão motivado assim para assistir 22 anos de desenho animado atrasado - o que é mesmo problema que eu tenho com One Piece que todo mundo fala bem, por exemplo, a qual eu não duvido que seja bom... mas provavelmente não 875-episódios-bom.

Acho que esse disclaimer é importante para estabelecer o quanto eu não sou fã da série, porque se alguma coisa isso exponencia o quanto eu me diverti jogando esse jogo. Vê, a coisa é que eu não fazia o menor tipo de humor que South Park era, e o fato de eu ter entendido isso jogando esse jogo diz muita coisa boa sobre ele. Se um jogo baseado em alguma coisa consegue passar o feeling do que aquela coisa é a respeito, eu diria que temos um excelente produto licenciado aí.



MAS SOBRE O QUE É SOUTH PARK, ENTÃO?

Na minha cabeça inculta, eu achava que South Park era da mesma linha de desenhos asquerosos da Nick dos anos 90. E quando eu digo "asquerosos", eu não estou fazendo juízo de qualidade  e sim dizendo que o objetivo tácito dos cartoons era despertar asco e incomodar. Embora eles sejam adjetivamente asquerosos também.

Ren e Stimpy é o melhor exemplo que eu consigo pensar desses cartoons que me incomodam tanto, desenhos animados feitos única e exclusivamente com o propósito de ver o quanto alguém poderia chocar e ofender na televisão antes de ser demitido e nada além disso.

Permitam-me fazer minhas as palavras do Blog do Amer:




 Eu odeio esse tipo de desenho animado e uma coisa que você jamais precisará se preocupar em me dar de presente é uma coleção de DVDs da Vida Moderna de Rocko. Até porque quem dá DVDs hoje em dia? Tome rumo na vida e compre presentes decentes!

Então, o ponto é que eu achei que South Park era um desses desenhos asquerosos e feitos apenas para chocar por chocar. A que conclusão eu cheguei depois de jogar esse jogo? Bem, tecnicamente, é. Dificilmente você vai encontrar alguma animação com tanta coisa politicamente incorreta e/ou visualmente agressiva em um desenho animado.

Mas ao mesmo tempo, não é ESSE  tipo de cartoon. O truque aqui está no tom do humor e, para minha grande surpresa, South Park é bastante o meu tipo de humor.


Não me entenda errado, South Park é tão moralmente e visualmente ofensivo quanto seus criadores conseguem imaginar ser, mas o que o diferencia dos desenhos profanos que eu citei anteriormente é POR QUE ele é ofensivo e incomodo. 

Não é porque seus criadores são adolescentes revoltados com o mundo que querem chocar por chocar porque é o que caras descolados fazem SEU COROA QUADRADÃO. Não é assim que funciona. O humor de South Park se assemelha muito mais ao de Cards Against Humanity onde você ri não porque aquilo está fazendo piada de algo que você odeia secretamente, mas porque é algo tão errado, mas tão errado que é engraçado!



Um exemplo que eu uso bastante é o humor brasileiro dos anos 90: quando um humorista fazia piada sobre gays, negros ou mulheres, a reação que o humorista está buscando do seu publico é "hey, eu odeio esses caras, olha só uma chance de externar meu ódio com alguma coisa socialmente aceita!". Isso não é engraçado, isso é triste e doentio.

Porém, quando South Park (ou Cards Against Humanity) está fazendo piada com gays, negros e mulheres, o objetivo não é esse. O objetivo é fazer dizer "uau, isso é tão errado... tão errado..." que não tem como não rir. E os criadores sabem que isso é errado, é justamente por isso que eles estão fazendo a piada em primeiro lugar.

Em uma das cenas do filme de South Park, por exemplo, o general do exército divisa que sua estratégia de combate começará com a fase 1: operação escudo humano. Que é basicamente enviar tropas na frente para que os inimigos gastem toda sua munição. 


 O fato de todos os integrantes do batalhão designado para a "Operação Escudo Humano" serem todos negros é apenas uma coincidencia sem nenhum significado maior, é claro. 

Assim, South Park dança uma dança muito única sua que é entre o humor de "uau, isso é engraçado porque é muito errado" e "uau, isso é muito errado mas é engraçado porque acontece mesmo" sem nunca realmente tomar partido de nenhum lado. É um tipo de humor/sátira muito dificil de fazer, mas justamente por causa disso tão recompensador.

Por exemplo, depois de terminar o jogo eu me senti instigado a assistir um episódio de South Park, que aconteceu de ser aquele com a Jennifer Anniston onde as crianças entram em um coral que tenta conscientizar as pessoas sobre a devastação das florestas tropicais. Eventualmente eles se perdem na floresta, a missionaria do coral passa a odiar aquela merda toda e eles fazem campanha para acabar com essa merda antes que essa merda acabe com a gente.

 

Por um lado, a parte do "isso é tão errado que é engraçado" é bastante óbvia. Ninguém razoavelmente inteligente é realmente a favor de derrubar florestas por razões ambientais muito blatantes, obviamente. Mas então, o episódio faz alguns comentários muito inteligentes de que as pessoas que defendem as florestas o fazem apenas para satisfazer seu próprio ego e nunca estiveram nem perto de uma. É muito fácil ser contra derrubar florestas para criação de gado, mas reclamar se o preço da carne subir 15 centavos ou entrar em panico você ver UM Aedes Egypt. Talvez as pessoas tenham parado de morar nesses lugares por uma razão, sabe? Quer dizer, exceto os manauaras, mas então eles não sabem nem colorir uma cupula, isso já diz muito sobre eles realmente. Ah, esses manauaras...

Vê? Você tem humor através do absurdo porém fazendo pontos bastante válidos sobre o tema abordado. Eu não assisti o suficiente para dizer por quanto tempo eles acertam o tom, mas para entender que a proposta é essa.

Isso posto, o quanto o jogo "South Park: The Stick of Truth" consegue aderir a essa proposta? Deixa eu colocar da seguinte forma: como em legitimo RPG, você pode criar seu personagem como quiser e escolher uma das quatro classes disponíveis – Guerreiro, Ladrão, Mago ou Judeu.
Porque é claro que o jogo tem um comentário preparado para se você escolher thief sem ser negro. Obviamente.
Pois é. Eu acho que dava para encerrar por aqui, porque meio que isso sintetiza muito do humor do jogo e o quanto ele reflete essa proposta da série. Mais do que isso, no entanto, ele permite brincar com coisas inatas ao mundo dos videojogos que a série não poderia faze-lo porque, bem, ele é um videojogo.

Por exemplo: se você jogou RPG nos anos 90, esta familiarizado com a figura do protagonista mudo. Muitos jogos famosos daquela época tem personagens cenários onde, estranhamente, os NPCs falam com o personagem do jogador, o personagem do jogador não responde nada e a conversa continua como se tivesse prosseguido. Não é estranho, quando você pensa a respeito disso?


Algumas franquias tão grandes quanto o próprio conceito de videojogos trabalham sobre esse estilo: Pokémon, Zelda, Doom, Chrono Trigger, Half-Life, e por aí vai. E, no entanto, raras vezes eu vi um jogo abordar este tema ou mesmo fazer piada sobre isso. Pensando bem, a única vez que eu consigo lembrar de algo assim é em alguns momentos de Super Mario RPG e Portal 2.

Say Aple. Aaaaaaple. Say it!
Como não pode deixar de ser, O Graveto da Verdade não se priva de fazer piada sobre o quão pouco sentido faria uma história onde o protagonista é mudo mas todo mundo age como se não fosse.

Hã... conte a eles, garoto. A qualquer momento agora, pode falar pra eles...

Dica do dedão para cima: se o seu jogo está sendo comparado com Portal 2 em alguma coisa, você está fazendo algo muito certo na vida. South Park: The Stick of Truth faz varias coisas certas trazendo o estilo de humor de South Park para o mundo dos videojogos.

Outro exemplo que eu posso dar, é o dos jogos que tem sua ambientação narrada através de itens encontrados pelo cenário. Você sabe, diarios, gravações, pedaços de videos e memórias "deixados para trás" que contam a história do jogo através de itens colecionaveis. Grandes jogos fazem isso, e eu quero dizer jogos realmente enormes mesmo The Last of Us ou Bioshock. Quer dizer, literalmente você não consegue ir muito maior do que isso quando estamos falando de videogames.

SPtSoT, obviamente, também tem um comentário a fazer sobre esse estilo de narrativa.

Sério, quem para para fazer esses diários no meio de uma crise/apocalipse?!

Meu ponto aqui é que o jogo não se furta a fazer as referencias óbvias a videojogos, como você ser conhecido como Dragonborn e ter capacidade de peidar como os antigos dragões, mas também as mais sutis feitas por quem realmente entende do que está falando - o que é o que torna a sátira verdadeiramente engraçada.

Me permita divagar sobre como a sátira, algo que tanto a série quanto o jogo entendem tão bem, funciona em GTA V. Ou ao menos a Rockstar acha que funciona. Enfim, tem um programa de TV que supostamente deveria fazer paródia de animes, o Princess Robot Bubblegum.


Supostamente, essa seria uma sátira dos animes e, de fato, temos uma protagonista menor de idade hypersexualizada usando roupas sumárias. Porque é sobre isso que animes são, não é?

Mas essa esquete no GTA V não soa como anime, não parece com anime, o diálogo não flui como anime, e não tem nenhum dos estereótipos dos animes. Sim, tem garotas em trajes minúsculos que você pode achar que é animezesco, mas nada do resto realmente encaixa. As roupas estão erradas, as formas do corpo estão erradas, as situações estão erradas, os dialogos estão errados (um anime onde a protagonista aceita sua seminudez, mesmo sem fazer nada para impedir como HSotD, soa destoante) e até mesmo o enquadramento de camera está errado. 

Não é muito uma sátira de anime porque não faz piada com as centenas de coisas que podem ser ridicularizadas em animes (porque o mundo tem que ser salvo por adolescentes sem a supervisão de nenhum adulto, as pessoas explicando poderes enquanto usam eles, os monologos inteiros que ocorrem durante o que deveria ser apenas uma fração de segundos e por aí vai). Entretanto, Princess Robot Bubblegum é claramente escrito por alguém que nunca parou para assistir um anime na vida e apenas ouviu falar (ou, mais provavelmente, viu memes na internet) a respeito de como animes devem ser. 


 Isso não apenas é terrível, como é a forma de humor mais preguiçosa e tosca que pode haver. O humor tipo "Otakus são patéticos e ninguém gosta deles, vamos chutar esse cachorro morto gratuitamente hurr-durr". Isso é o mesmo nível de humor preguiçoso e sem talento do tipo portugueses são burros e gays são fresquinhos.

Apenas não é engraçado, é bem tosco na verdade.

Agora, vejamos como South Park faz humor: durante a batalha final, revela-se dramaticamente (e por dramaticamente eu quero dizer que o Morgan Freeman surge do nada para explicar, porque esse é o super poder dele) que a mente por detrás de toda trama não é outra senão o Princesa Kenny em um plano maligno de vingança - e, obviamente, você tem que enfrenta-lo como último chefe.

Mas como essa batalha épica e final é apresentada a nós?



Mas puta que me pariu em chamas alambaricas, isso é engraçado pra caralho! Os criadores do jogo entendem muito do fluxo esperado do combate para fazer uma piada dessas funcionar, mas ela funciona principalmente porque, além de ser colocado com um timing genial, não é uma piada rasteira e sim feita parodiando algo que parece anime, que soa anime e tem a estrutura de anime.

E vai mais além, se você for atrás da letra da música (que certamente soa como música tema de anime) que não está traduzida no jogo, vai se deparar com isso:

Ela não é uma menina fofinha? 
A lula do meu namorado é enorme
Meu hovercraft ou você morre...
... é como eu me sinto!

Se você manja de anime, entendeu a piada aqui. O alvo aqui é a referencia as traduções hediondas e muitas vezes sem sentido de animes que chegam no ocidente, com direito a fazer engrish-reverso.

"Engrish" é como se chama a forma com que muitos textos de jogos e animes são traduzidos para o inglês da forma mais literal possível, sem a menor preocupação com a estrutura gramatical ou mesmo fazer o mesmo sentido.
No caso, a música usa a palavra "purinsesuru" para princess, quando o correto em japonês é "hajime-sama". O japonês errado é intencionalmente utilizado como ponto da piada, e é realmente engraçado quando você entende o que eles estão fazendo aqui. É uma piada de várias camadas para vários niveis de entendimento. Se você não entende nada de animes, só ter uma batalha final com abertura de anime já é engraçado o suficiente. Se você entende dos clichês e um pouco do idioma, fica melhor ainda!

Agora compare isso com a piada preguiçosa de GTA V de "hurr-durr, animes são idiotas e mongoloides, virem homens de verdade seus losers hurr-durr". E eu não estou falando de um jogo de faculdade feito com o orçamento de fim de festa, e sim da maior produção da história em termos de videojogos!

Então, sim, o humor de South Park é engraçado pra caralho. E isso que eu nem sou fã da série, estou julgando apenas pelo humor e pelo uso da estrutura narrativa, imagino que para quem seja adicionar todas as referencias de seus seus episódios favoritos em cima seja uma cobertura de vitória em cima de amor.


South Park é um jogo engraçado e com um excelente senso do humor da série original, mas é um bom jogo? Para esse aspecto a resposta é, felizmente, sim. Em termos de gameplay, o jogo lembra bastante Paper Mario com a difença que o jogo da Nintendo se recusa patologicamente a fazer algo interessante com sua premissa, este não sendo o caso aqui.

O sistema de combate é satisfatoriamente interessante para um jRPG, e o mapa de South Park não é tão grande assim, mas isso é compensado por itens colecionaveis que são conseguidos através das habilidades desbloqueadas. Então, apesar do mapa não se grande sempre tem algo para fazer além da quest principal, e normalmente isso envolve usar os novos poderes ganhos de formas ofensivas para desbloquear novos equipamentos, itens colecionaveis ou fazer sidequests moralmente muito erradas.


Assim que você consegue o poder de ter uma sonda anal que permite teletransporte (?!) você consegue invadir a igreja e encontrar Jesus, como sempre te dizem que acontece. Quer dizer, literalmente. 


Não é nada particularmente complexo, mas o ponto é que sempre tem algo interessante para fazer com recompensas satisfatórias. Neste caso, por exemplo, você ganha a habilidade de summonar Jesus em combate para enfrentar fetos, zumbis, nazistas ou fetos zumbis nazistas. Tenho certeza que foi para coisas assim que Jesus morreu por nós.


Quer dizer, é um jRPG muito redondinho que faz todos os elementos de metroidvania bastante certo e que uma das conquistas é peidar no cadaver de um feto abortado nazista zumbi. Eu não acho que qualquer jogo possa ser mais elogiado do que isso.
Next Prev
▲Top▲