Aqui vai uma pergunta para fazer todos vocês meninos e meninas do meu Brasil baronil pensarem: uma obra deve ser analisada pelo seu valor bruto, intrínseco, ou pelo seu valor contextual? Sei que estou falando chique hoje, mas isso tem um motivo envolvendo videojogos então tudo bem.
Estou falando disso porque "A Story About My Uncle" é, ao mesmo tempo, um jogo bastante simplório e digno de críticas, tanto quanto um jogo que merece ser elogiado por aquilo que entrega. Parece confuso? Bem, me permitam explicar então.
Em primeiro lugar, é claro, é preciso explicar o que é ASaMU. Hmm, a melhor forma de colocar isso é o seguinte: imagine Portal. Sim, o puzzle em primeira pessoa mais delicinha da história das deliciantes deliciosas. Agora substitua a Portal Gun por um Grappling Hook de energia, tire o senso de humor fantástico do jogo e elimine dos puzzles as partes que dependem de racicionio para serem completadas, fique só com quando é uma questão de habilidade manual em executar o que você planejou.
Faça isso e você terá ASaMU.
Então esse jogo é um puzzle baseado em fisica (como Portal) que nunca pede para você pensar realmente, apenas exige que seus dedos tenham reflexos rápidos o suficiente. Pense nele como o irmão pobre e sem talento de Portal.
Não ajuda que a narrativa do jogo esteja ali com propositos meramente protocolares. Neste jogo, um pai sem nome coloca sua filha para dormir e conta para ela na cama "uma história sobre o tio dele", da onde vem todas as aventuras que encontramos no jogo. E isso é executado tão diretamente quanto a proposta sugere. Não existe uma metafora aqui, não existe um proposito narrativo, não tem nada além do essencialmente básico.
A história é simples:
seu tio Fred era conhecido por ser um grande alpinista mesmo com a idade de 52 anos. Você pode ver um jornal em uma parede no epílogo afirmando essa façanha.
Então Fred morreu durante um acidente de escalada. Ele provavelmente caiu em uma fenda ou algo similar e seu corpo nunca foi encontrado (embora, traduzindo os hieroglifos que você encontra dentro do jogo, que ele tenha se suicidado devido a depressão após perder alguém).
A história do jogo é a história que o garoto inventou em sua cabeça (e agora conta para a sua filha) para imaginar como seu tio poderia ter sobrevivido, ele o via como um gênio (ele era especialista em física quântica como os recortes de jornal na casa dele dizem), e imaginou que em seu túmulo de gelo ele sobreviveu com um dispositivo de viagem místico, que ele estava vivendo com criaturas felizes e agradáveis em um pequeno paraíso dentro das montanhas.
É interessante, na teoria, mas na prática apenas não tem o esforço ou a qualidade narrativa para que você realmente se importe com isso, então meh.
Gameplayisticamente, você tem um pool limitado de ações que podem (e serão exigidas) usadas combinadas para avançar no seu objetivo: você tem um salto longo, o grappling hook de energia que pode ser usado até três vezes (então não dá para brincar de Homem-Aranha e sair se balançando por aí para sempre) e um dash no ar. Quando você pisa no chão essas habilidades são recarregadas, mas no ar você só terá 3 raios e um dash para trabalhar. Variações disso cobrem todos os puzzles do game que, novamente, são um desafio muito mais por fisicamente desafiar seus dedos do que intelectualmente te fazer descobrir onde ir.
É um jogo bastante linear, falando a nivel de estrutura de fases.
Bem, lendo até aqui parece que eu não estou muito impressionado com o jogo, certo?
Então, certo. E ao mesmo tempo, errado.
Se formos considerar apenas o seu valor bruto, ASaMU não é um jogo particularmente complexo ou faz nada particularmente notavel. Imagino que o jogo deva ser do balacobaco cagador de vidas de se jogar em VR, mas eu não posso realmente testar isso então né. Como eu disse, é um primo pobre e sem muito talento de Portal - ou um Portal estripado de tudo o que faz ser genuinamente grande, se preferir.
Isso é ruim? Sim.
Agora, se você considerar o contexto em que o jogo foi feito, a analise muda de figura rapidamente.
Isso porque "A Story About My Uncle" não é uma produção AAA feita por um estúdio que forrava sacos com dinheiro para bater nas pessoas porque não tinha mais o que fazer com ele. Nem é um jogo que custou 60 dolares do jogador mais DLCs. Não.
É um título indie tão pequeno que a página deles tem login para os funcionarios logarem e trabalharem. A Gone North Games é um estúdio sueco fundado por 9 estudantes que agora está lançando seu primeiro jogo. A publisher que lançou esse jogo não é tão maior assim, e embora a Coffe Stain Publishing tenha um grande sucesso sob o seu cinturão (Goat Simulator foi lançado por eles), ainda sim o orçamento deles é troco de pinga perto do que uma publisher de verdade deveria investir nos seus desenvolvedores.
Então, basicamente, esse é um jogo feito por um bando de caras sem muita experiencia e sem muitos recursos que acontece de apenas amar o que faz. E quando você considera ISSO, o que eles entregaram é espetacular.
Quero dizer, os controles são absurdamente responsivos. Por mais exigente que o jogo possa ser de seus dedos para apertar botões rapidamente, em nenhum momento você pode culpar o jogo de não fazer o que você mandou ele fazer - e isso é mais dificil de atingir do que você pode imaginar, considerando o tanto de produções TRILHARDÁRIAS falham nesse aspecto tão essencial.
De igual modo, os gráficos são absurdamente polidos e totalmente passam por um título AAA. Tem poucos elementos em tela, verdade, mas o que tem é muito satisfatoriamente bem feito. Esse jogo não parece um titulo indie que custou 20 dolares (eu alias nem paguei nada por ele, ele veio de graça em um bundle que eu comprei por causa de outro jogo). Considerando as restrições da produção do jogo, ele não parecer um jogo barato é absurdamente incrível.
Com efeito, eu diria que é a experiencia mais polida que eu já vi na minha vida para um jogo com essa faixa de orçamento/preço ao consumidor.
Então... como se analisa um jogo assim? O que sentir a respeito dele? Eu sei que a Teoria da Recepção estuda a participação do leitor como parte do sistema de produção literária, será que existe alguma teoria que considera o produtor como parte da analise do produto?
Ó, Academia Brasileira de Letras, me liga!