[ANIMES] GHOST STORIES (ou o The Room dos animes)

| terça-feira, 7 de maio de 2019


A este ponto da minha vida, eu já assisti muitos animes ruins. Alias, corrijo: eu já assisti animes apenas ok, animes ruins, e já assisti Elfen Lied/Mirai Nikki/Eromanga Sensei. Nessa ordem de ruindade.

Agora, o que faz um anime ser ruim? O que faz qualquer coisa ser ruim? Bem, existem basicamente duas formas: pode ser por questões tecnicas ou por escolhas infelizes. A primeira é uma questão objetiva: o personagem é mal desenhado, a trilha sonora é tão genérica que possivelmente foi tirada do background de um podcast bem bosta, a CG foi feita com o orçamento e o tempo de um comercial do Dollynho... você sabe, é bater o olho e saber que você está assistindo merda.


Outra forma de um anime ser ruim é ele fazer escolhas ruins em varios campos, porém esse é um campo totalmente subjetivo. Eu me sinto fisicamente mal em assistir coisas como Elfen Lied, Mirai Nikki e Eromanga Sensei porque eles fazem coisas muito, muito, mas MUITO erradas mesmo para os padrões dos animes. Tem gente que não se importa e até gosta, vai entender. 

O melhor exemplo dessa categoria são os filmes do Zack Snyder: ele entende pra caralho sobre como compor uma cena de ação, sobre estética de movimento, ele manja pacas disso tudo. O problema é que ele tem um mal gosto do caralho e deliberadamente usa todo esse seu conhecimento para empilhar dor em cima de dor.

O que eu não suspeitava, no entanto, é que existe um terceiro tipo de anime ruim. Uma categoria inteiramente nova que eu jamais tinha pensado a respeito, um maravilhoso mundo de ruindade que eu jamais havia contemplado a respeito: um anime que é ruim porque os produtores não sabem fazer animes.

Veja, não é que eles fizeram escolhas criativas ruins ou tentaram fazer alguma coisa que não deu certo - seja por falta de talento ou falta de orçamento. Não. Estou falando de não saber fazer mesmo. É tipo uma cirurgia: ela pode dar errado por equipamentos ruins ou  porque o médico cometeu um erro, isso acontece. Agora se EU fosse me meter a fazer uma cirurgia ela sairia errado simplesmente porque eu não faço a mais remota ideia de como começar!

Entendeu onde eu quero chegar? Bem, foda-se então. Porque é aqui que entra Ghost Stories.


A abertura de um anime normalmente é o momento que tem os maiores valores de produção. Quando a abertura do anime são basicamente ciclos de animação de 2-3 frames repetidos para economizar dinheiro, sabemos que se pode esperar grandes coisas desse anime

Eu não estou dizendo que Ghost Stories tem arcos de personagens ruins, tem batalhas com pouca lógica ou mal condução da história. O que eu estou dizendo é que esse anime sequer faz ideia de como se faz essas coisas! Não parece que a equipe de produção é ruim, parece é que eles jamais haviam assistido um anime na vida!

Estou falando de cenas em que os personagens deduzem de uma forma bem tosca que precisam de uma tocha para exorcizar o fantasma, então alguém apenas puxa uma tocha de dentro de um armario e pronto, tá na mão. Ou quando um fantasma decide do nada que ele agora controla todas as pessoas da cidade que não são os protagonistas... e depois apenas desiste disso e desaparece, para o assunto nunca mais ser tocado novamente.

Nos primeiros episódios o anime ainda tenta fazer algum sentido e temos algo como um feeling de Scooby-Doo com crianças resolvendo o "fantasma da semana", mas rapidamente isso degringola para cenas aleatórias parodiadas de filmes por razão nenhuma e tá mais que bom. Prepare-se para ver a maior quantidade de quibadas de The Ring, The Grudge e  Sleepy Hollow sem contexto algum que você verá na sua vida.



Eu realmente não tenho palavras para descrever o quão mal feito e desconjuntado esse anime é... oh, não espere, eu tenho sim: esse anime é da Pierrot.

Agora, provavelmente você deve conhecer a Pierrot por animes que você gosta, como Tokyo Ghoul ou Naruto. E se você já assitiu esses animes na integra, sabe que eles são capazes de níveis de vagabundagem que empalidecem até um vendedor de carros usados brasileiro!

Não, sério, estou falando de um estudio que faz um episódio de 20 minutos e desses 20 minutos, ONZE são apenas o episódio anterior reprisado. ONZE. Ninguém me contou, eu contei no relógio!



Não que a Pierrot não seja capaz de produzir coisas genuinamente incríveis e talentosas, afinal eles tem Yu Yu hakusho e A Lenda de Korra no currículo, porém dada a opção eles farão da forma mais tosca e barata possível a menos que alguém fique em cima cobrando eles. Naruto, por exemplo, é um dos maiores sucessos da Shonen Jump e tem uma fanbase que literalmente aprenderia latim para invocar demonios dentro das privadas da Pierrot se eles não fizessem os episódios adaptados do manga direitinho.

Como você pode suspeitar, Ghost Stories não tem o apelo popular de Naruto ou Tokyo Ghoul, então eles meio que tiveram carta branca para fazer uma animação tão porca, tão preguiçosa, tão feita de qualquer jeito que os fillers de Naruto parecem Spiderman into Spiderverse em comparação!

Então, estabelecemos que Ghost Stories é um anime pavorosamente mal feito, executado por estagiarios bebados. Certo, mas então como eu vou explicar... ISSO:


Não é uma avaliação tão ruim assim, como pode isso?

Bastante simples: o que salva esse anime é a dublagem americana. Hmm, salva é meio forte demais, vou dizer que o que torna o anime SUPORTAVEL é a dublagem americana. Agora, sim, eu sei: a dublagem americana é notoriamente fraca (ou talvez seja apenas ok e nós estejamos mal acostumados com a dublagem brasileira que é muito boa), mas não dessa vez.

Quando o anime - que foi um fracasso comercial no Japão, obviamente - chegou nos Estados Unidos, a distribuidora Animax teve uma ideia louca. Eles sabiam que o anime que eles tinham adquirido (pelo preço de um autografo do Starlord, aquela anta) era uma sonora e radioativa bosta. A questão era como empurrar essa bosta goela abaixo do publico, e é aqui que entra o truque.



Eles então perguntaram a Pierrot se podiam mudar algumas coisas na dublagem do anime, e a Pierrot - ciente do lixo que eles haviam produzido - não poderia se importar menos. Eles apenas exigiram três coisas:

1) Não mudar o nome dos personagens
2) Não  mudar a forma que os fantasmas são exorcizados, baseado em lendas urbanas e religião japonesas
3) Não mudar o tema geral do episódio.

Isso sendo respeitado, a versão americana podia fazer o que bem entendesse com o anime. E foi exatamente o que eles fizeram:


A dublagem americana fez algo que o original não faz: deu personalidade aos personagens. Apenas que são as personalidades mais politicamente incorretas que eles conseguiram pensar, isso é.

Satsuki - a protagonista de 10 anos de idade - xinga como um marinheiro e tem como maior preocupação na vida o tamanho dos seus peitos. Sua melhor (e única) amiga Momoko é uma fundamentalista cristã evangélica, seu interesse amoroso Hajime é super arrogante e tem um senso de humor lascivo, e seu irmão mais pequeno Keichiiro tem uma ... deficiência de aprendizagem. O que é uma forma elegante de dizer que ele é retardado mesmo, algo que os personagens não se furtam de dizer o tempo todo. 

Motivação para correr: você está fazendo isso... DUDE WHAT?


Tudo isso leva a algumas piadas ofensivas muito relacionadas às mudanças adaptacionais de cada personagem. Todos zombem das crenças hipócritas de Momoko, Leo, o personagem judeu, é regularmente vítima de todos os estereotipos semmitas, e Keichiiro é abertamente tratado como um deficiente mental. E todas as mulheres do anime são lésbicas.

O dublador Greg Ayers (que dubla o judeu Leo) disse que a equipe de dublagem meio que fazia um show de improviso no estudio: um dos dubladores levantava uma cena e o resto da equipe seguia com a piada.


Além de tentar criar Cards Against Humanity - The Animation, a dublagem gasta bastante tempo quebrando a quarta parede, ridicularizando os cliches de anime, o quão sem sentido esse anime é ou o quão mal animado ele é. Em um dos episódios o dublador do Leo diz "Oh-my-god-oh-my-god-what-the-hell-is-happening-here-these-are-the-fastest-lip-flaps-I've-ever-had-to-sync!"

Tem algumas sacadas boas, especialmente se você odeia o Christian Slater desde "O Gênio do Videogame" quando ele aparece na frente quando todos nós queriamos ver imagens inéditas de Mario 3! Maldito seja, Christian Slater!


Em qualquer anime minimamente decente, essa dublagem de Ghost Stories faria do anime uma obra prima a ser assistida. O problema é que GS não é nada sequer perto de decente e a verdade é que a dublagem consegue no máximo fazer o anime ficar assistivel. Não muito mais do que isso, e de forma alguma é imperdivel, porém por outro lado se considerarmos o quão pavorosamente ruim esse anime é... eu diria que deixa-lo "assistivel" já es un fodendo milagre!


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