[GTA V] Parte I: Sobre o que GTA não é e sobre o que foi pela primeira vez.

| quinta-feira, 23 de maio de 2019
 

Trinta anos de videojogos (e contando) e eu tenho uma confissão a fazer a todos vocês: eu nunca entendi porque GTA é tão popular. Não, corrijo: eu entendo porque GTA se tornou popular, o que eu não entendo é qual é o apelo do jogo em 2019 (onde GTA V ainda é um dos jogos mais vendidos todo ano mesmo tendo já seis anos de idade).

Quando foi lançado, GTA era um grande sandbox com um grande diferencial. Até aquele tempo, normalmente você jogava jogos que tentavam emular o mundo real como um agente de operações especiais super foda salvando o mundo ou algo do tipo. Você é o agente Pirocão trabalhando para a agência secreta XYZ do governo e a última esperança que o mundo tem,  ou algo assim.

GTA tinha uma proposta... diferente. Você é o grande ladrão de carros e não segue nenhuma lei - podendo matar NPCs e causar caos nas ruas porque você é o cara mau da história aqui porque... heh hehe fuck the system, yeah!


Ok, eu entendo o apelo disso. Realmente entendo. O ano é 1997 e todas as crianças que cresceram jogando os jogos family friendly do Super Nintendo (a Nintendo é tipo da Disney dos videogames, quando você pensa sobre isso) agora eram adolescentes repletos de hormonios e raiva contra absolutamente porra nenhuma.

Estive lá, fiz isso. Então eu entendo o apelo que os jogos do primeiro Playstation davam de jogar com o bandido e tocar terror apenas porque você pode. Fazer as missões na ordem que você tiver vontade, SE você tiver vontade, e se você quiser ficar só bagunçando a caixa de areia virtual tudo bem também porque fuck you, COROA!

Em 2019 continuam existindo adolescentes (eu acho, não é como se eu saísse muito de casa para conferir), então suponho que essa sensação continua válida e ALGUÉM tem que dar aos jovens essa opção de libertinagem. O meu problema com GTA não é esse.


O meu problema com GTA é que a série nunca foi particularmente incrível em nada e desde os primórdios sempre houveram jogos que fizeram mais ou menos o que GTA faz só que bem melhor.

Em Driver, dando um exemplo da mesma época, você também dirige por uma cidade fazendo bagunça e pegando missões... só que com a diferença de que as missões de pilotinagem são mais criativas, tem mais variedade (para a época, claro) e se esforça mais para oferecer um gameplay interessante.

Se você quer história, personagens e fazer as missões porque quer saber como isso vai terminar, então o que você quer é Mafia, Yakuza e Sleeping Dogs. GTA nunca teve nada disso.

Se a sua coisa é um cenário grande com muitas coisas interessantes para se fazer, então você provavelmente está pensando em Saint's Row. Claro, atropelar NPCs e fugir da policia é interessante em GTA, mas se é para avacalhar, GTA permite você lutar de volta contra a policia usando uma espada-vibrador gigante roxa?

Pois é. Foi o que eu pensei.


Se a sua coisa é um sandbox com mecanicas interessantes e controles bons, então você também está latindo para a arvore errada. Mesmo os fãs da Rockstar admitem que fazer jogos bons de serem jogados nunca foi o forté (imagine que eu disse isso com um sotaque francês para parecer chique) da empresa e controlar os bonequinhos a pé em GTA sempre foi terrível. 

Apesar de ser o carro-chefe um gênero inteiro, Grand Theft Auto nunca realmente estabeleceu uma forte identidade em termos de mecânica, nem executou particularmente incrível as que apresentou. Saint's Row é um parque de diversões onde você e sua arma disparadora de dildos saltam de um desafio para o próximo, pegando qualquer atividade que parecer divertida. Sleeping Dogs e Yakuza tem a coisa de ser meio que um beat'm up,se focando em mecanicas de combate corpo a corpo. Watch_Dogs tem a coisa de hacking que permite você resolver as missões de forma criativa. Assassin's Creed tem a furtividade e os assassinatos.


Mas e GTA? Se alguma coisa, o elemento recorrente mais iconico da série é que a série tem essa tradição pavorosa de bloquear qualquer ideia criativa que você tenha para resolver uma missão porque ela tem que ser feita do jeito que o programador pensou para ela ser feita senão a missão falha.Por exemplo, você precisa matar um cara no alto de um prédio. O jogo quer que você lute com todo mundo no canteiro de obras, pegue o elevador, lute com todo mundo e então mate o NPC.

Tá, mas e se eu subir em um prédio vizinho e atirar nele com um sniper rifle ao invés disso? A missão falha.
E se eu pegar um helicoptero e ir saltar para o alto do prédio? A missão falha.
E se eu roubar um avião e ir full Bin Laden jogando ele contra o prédio? A missão falha.
E se eu colocar C4 suficiente nas bases do prédio e tentar derrubar o prédio inteiro? Não funciona. E provavelmente a missão falharia.

O que o programador quer é que você atire em todo mundo no patio da construção, pegue o elevador, e atire em mais gente. E não encha o saco porque tem que ser desse jeito e acabou!


Eu queria ganhar um dolar por cada missão de perseguição que eu vi em GTA que o alvo era aprova de balas e capotagens, ou que o carro dele tinha um turbo magico para sempre se manter a frente porque o programador queria que a perseguição durasse exatos cinco minutos e nada do que eu fizesse para abreviar isso jamais funcionaria.

Se alguma coisa, para mim GTA sempre foi sobre calar a boca e fazer o que um programador (não muito criativo) disse para você fazer MESMO o jogo tendo ferramentas para você fazer de outras maneiras.

Então, é, GTA não é um jogo particularmente incrível de ser jogado. Como eu disse, ele não é particularmente incrível em nada, na verdade. Nunca foi. Até que chegamos em GTA V (que na verdade é o 7o da série, se eu não perdi a conta) e que o jogo faz algo definitivamente bom: ele tem personagens interessantes. Oh!


Então, no papel, temos algo realmente interessante aqui: Trevor é a versão mutante e degenerada do tipico redneck americano. Ele é um psicopata perigoso sem o minimo respeito pela vida humana ou higiene pessoal, e de certa forma o mais perto que os videogames já tiveram de um Coringa. Nunca dá para saber o que ele vai fazer a seguir, embora você possa apostar que é algo violento e provavelmente desnecessário. Frequentemente homoerótico também (porque a Rockstar é super madura e dizer que o tipico eleitor do Trump é gay enrustido parece uma provocação totalmente adequada).

No entanto, apesar de toda sua depravação, ele também é um amigo ferozmente leal. Michael, seu parça pra vida, se casou e suas preocupações mudam para se preocupar com sua família mais do que sua carreira de bandido. Trevor não tem tais reservas e só quer continuar roubando pessoas para sempre. Eventualmente, Michael - para salvar sua própria vida e sua família - trai sua gangue e arma um golpe destinado a matar seus associados em troca de uma saída desta vida de crime. Por pura sorte e teimosia, Trevor sobrevive de alguma maneira.


Uma vez que o jogo avança e os dois estão reunidos, Trevor fica dividido entre sua lealdade para com o único amigo que ele já teve, e sua profunda dor pessoal em ser traído por essa mesma pessoa. Ao mesmo tempo, a história mostra que Trevor meio que precisa de Michael. Os esquemas criminais de Trevor são tristes e patéticos, porque sua única habilidade real é matar muitas pessoas. Trevor quer vingança, mas ele também quer fingir que os últimos 9 anos não aconteceram e voltar a cometer assaltos. Adicionando sal na ferida esta o fato de que Michael adotou um novo discipulo, efetivamente substituindo o papel que Trevor originalmente serviu. 

Por mais que você queira implicar com GTA, não tem como não admitir que essa premissa é dinamite pura. Você tem os ingredientes de um filme muito bom aqui. Você tem um forte conflito pessoal entre dois personagens bem desenhados, e toneladas de forças externas os forçando a trabalharem juntos. Temos motivações sólidas, conflitos compreensívels, tensão e drama. Podemos argumentar sobre se esta história funciona em um jogo de 50 horas, mas ninguém pode questionar que daria um filme fantástico de 90 minutos.


Claramente a Rockstar colocou bastante pensamento nos conceitos desse jogo, porque os alicerces iniciais são bastante interessantes. Após uma introdução absolutamente confusa onde um golpe dá errado e alguém morre ... mas supostamente esta fingindo sua própria morte... eu acho, pelo angulo que a cena é mostrada... quer dizer, eu não sei realmente, eu vi esses caras por 5 minutos, eles estavam de mascaras e se chamavam pelas iniciais, eu deveria realmente saber quem morreu e quem está fingindo sua morte? 

Mas enfim, meu ponto é que o jogo abre com um status inicial muito interessante. Franklin é um mano das quebradas enfiado em esquemas bosta porque seus parças pensam muito pequeno. Se você faz um esquema arriscando levar um tiro de verdade na bunda de verdade, você não deveria arriscar isso por coisas maiores do que pagar um boleto ou comprar um kikão sem maionese? Franklin acha que sim, mas seus homies tem essa mentalidade de pobre que a vida é essas merda mesmo que nunca vai levar a lugar nenhum porque é assim que as coisas são e sempre serão. Franklin está insatisfeito, mas suas más companhias continuam o mantendo chinelão.


No lado rico da cidade, Michael está tão insatisfeito quanto e por motivos parecidos, ainda que diametralmente diferentes. Ao invés de ter parças o sugando em um vida bosta e chinelona, Michael tem sua família que, apesar de aparentemente Michael ter dado uma vida de riqueza e confortor para eles, o tratam como um pedaço de bosta e que ele não faz mais do que sua obrigação em prover para eles e nem isso você faz direito, seu merda.

Assim como Franklin, Michael vive em um mundo onde todo mundo tira vantagem dele e ele aceita porque... é assim que as coisa são, não? Quer dizer, família é família, o que ele poderia fazer, né? Mas Michael (e Franklin) tem aquela sensação de que não é assim que as coisas PRECISAM ser.

E então por acaso os dois se encontram e em uma relação incomum de mentor/discípulo, começam a aceitar quem eles realmente são e que tipo de vida gostariam de estar levando... até que Trevor entra quebrando com tudo na equação.

BUM. Dinamite pura. Fogo na bacurinha. Crash. Boom. Bang.


GTA IV, por exemplo, tem um conceito retardado. Você joga com um imigrante do leste europeu atormentado pelos crimes de guerra do seu passado... que então faz missões 20x piores do que qualquer crime de guerra jamais poderia ser. Isso que nem vou entrar no mérito de quando o jogador esta apenas avacalhando pelo mapa.

Mas aqui não. Pela primeira vez em VINTE ANOS, para não dizer desde sempre, GTA faz sentido dentro de sua lógica deturpada. E isso é importante porque é a primeira vez que o jogo tem alguma coisa para mim, afinal GTA nunca teve uma grande história, ideias que não foram melhor executadas em outro lugar ou mesmo boas mecanicas. Mas agora tem personagens que eu sinto que podem dar em algo interessante.

O que possivelmente poderia dar errado?
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