[CINEMA] CARROS 3 (ou parece que a Pixar faz, sim, continuações)

| terça-feira, 21 de maio de 2019


Eu sei que eu sou minoria quando digo que gosto da franquia Carros, mas é verdade. Não que eu seja um aficcionado por carros – nunca vi o apelo deles além de sua utilidade como veículo de transporte. Então meu deleite com o primeiro filme foi apenas no nível da sua mensagem e do humor. Quase um remake de Dr. Hollywood (o filme do Michael J. Fox, não o programa do Dr. Rey), ele tratou do tema sobre ego e humildade quando Relâmpago Marquinhos descobre que, às vezes, é mais importante parar e apreciar a viagem do que correr para o destino em si.

Carros 2 pode pode ter resultados mais … questionáveis… mas tentou algo diferente, projetando um gênero de entretenimento diferente (suspense de espionagem) em seu mundo. E se você… de alguma forma… desconsiderar seu protagonista irritante, vale por ver mais “carrorização” do mundo… eu acho… sorry pal, é difícil te defender nessa.

Mas, então, como a Pixar dificilmente faz continuações apenas por fazer, sem ter uma boa ideia por trás, eu fiquei pensando que coelho eles tirariam da cartola para Carros 3?

 

Oh my…

Como todos vocês, acho, eu fiquei intrigado quando o material de marketing do filme mostrou uma aura bem mais sombria por vir. Os cartazes e teasers mostraram McQueen sofrendo um acidente grave, dizendo às crianças que seu carro esportivo vermelho favorito poderia ter morrido ou ficado aleijado (ou como quer que seja o equivalente para carros de ficar paraplégico). Foi corajoso, chocante, e chamou atenção de quem não estava prestando muita atenção no filme, como eu. O que será que a Pixar estava cozinhando dessa vez?

Para a minha grande surpresa, a grande ideia por trás de Carros 3 era… nada. Absolutamente nada.
Para começo de conversa, sabe essa cena do acidente? Ela foi feita apenas para pegar-trouxa (aka eu) no teaser mesmo. O acidente acontece no filme, mas é uma cena sem importância ou consequência nenhuma para a história. Zero mesmo. Depois de cinco minutos, essa cena sequer é mencionada novamente. Eu sei, você deve estar realmente duvidando de mim porque a Pixar não nos passaria um cachorro desse tamanho, não a Pixar. Honestamente, nem eu acreditaria que eles fizeram isso se eu não tivesse visto com meus próprios olhos, mas eu vi. Meninos, eu vi.




Eu vivi o bastante para ver a Pixar se encaixar nessa frase. Nada mais é sagrado.

Só esse pega-trouxa do teaser já deixa claro que muitas coisas estranhas aconteceram durante a produção do filme, mas, mesmo sem isso, ele te deixa um gosto muito estranho na boca. Desde que eu assisti Carros 3, eu estava com com a irritante sensação de que alguma coisa tinha me incomodado muito no filme, só que eu não sabia dizer exatamente o que era. Sabe aquela sensação de querer espirrar e não conseguir? Carros 3 tinha causado mentalmente isso em mim.





Das coisas que um filme pode ser acusado, ter o Nathan Fillion no seu elenco e subaproveitá-lo terrivelmente é uma das mais graves

Quer dizer, a animação é visualmente de uma boa qualidade, como os filmes da Pixar geralmente são. Melhor ainda, na verdade, e as corridas são de longe as coisas mais interessantes e emocionantes do filme. Em alguns cenários é fácil esquecer que você está assistindo uma animação.

A história é redondinha: tem começo, meio e fim. E o alivio cômico não é o protagonista (o que quase nunca dá certo) e automaticamente já torna o filme melhor que Carros 2. A nova personagem apresentada, a Cruz Ramirez (Aston Martin), também não é um problema – pelo contrário, ela é uma das coisas genuinamente boas do filme.

Então o que, em nome dos bigodes do Mestre Karin, estava me incomodando tanto? Bem, eu levei três dias pensando sobre isso para descobrir. Devo estar ficando velho, assim como Relâmpago Mcqueen. Ou dizem que ele está, e esse é todo o problema do filme aqui.

Toda ideia central do filme é que Relâmpago Marquinhos está ficando velho e ultrapassado. No caso de um carro de corrida, literalmente ultrapassado. Isso é repetido várias e várias vezes durante o filme. São feitas piadas recorrentes em cima disso. A HQ do filme podia se chamar “Old Car McQueen”, você entendeu. Só que tem um problema: Mcqueen não parece velho, e certamente não soa velho. O filme fica constantemente me dizendo uma coisa que eu não estou vendo acontecer na tela.
Uau, isso é um erro crasso de narrativa que eu esperaria ver, sei lá, em um episódio de Malhação (nunca vou esquecer o dia que quiseram fazer um arco sobre bullying com uma menina gorda em que a menina “cheinha” tinha, no máximo, 70 kg e olhe lá – porque ninguém quer REALMENTE ver gente gorda na TV, né?), mas da Pixar?

Ok, eu sei que existe muito pouco que a Pixar pode fazer a respeito desses personagens porque, afinal, estamos falando de uma marca que vende mais de 5 BILHÕES DE DÓLARES EM BRINQUEDOS POR ANO. E os diretores dos filmes têm que tomar muito cuidado para não fazer os personagens parecerem comercialmente desinteressantes para as crianças. Muito cuidado mesmo.

Então, se contratualmente você não pode fazer seu protagonista parecer velho, fraco e superado, eis minha humilde dica cinematográfica: NÃO FAÇA UMA HISTÓRIA QUE SEJA SOBRE O PERSONAGEM ESTAR VELHO, FRACO E SUPERADO! MAS PUTA QUE ME PARIU, PIXAR! EU VOU TER QUE IR AÍ ENSINAR CINEMA PRA VOCÊS? LOGO PRA VOCÊS, CARALHO? VÃO SE FODER COM UM MAMÃO PAPAYA, A FALTA DE INTERESSE EM SÓ EMPURRAR AS VENDAS DE BRINQUEDO DE VOCÊS É UMA COISA QUE DEIXARIA A TOEI ENVERGONHADA!




Tu era meu truta, Pixanarkin!

… caham, pus pra fora. Mas, como eu dizia, se vocês vão mesmo fazer uma história sobre o ocaso da vida de um atleta – mesmo sem poder representar isso visualmente no cinema – tem muitos caminhos que podem seguir. Eles poderiam seguir o estilo Rocky VI, e mostrar que Mcqueen ainda tinha coisas no porão a resolver e ter uma última grande corrida. Funcionaria.

Ou então eles poderiam seguir a ideia de Creed, e fazer Mcqueen entregar os pontos e se tornar um mentor para um atleta mais novo com algo a provar. Funcionaria também (e eu honestamente preferia a Cruz como protagonista, mas aqueles brinquedos de carros para meninos não vão se vender sozinhos, né?).

Eles poderiam ter feito qualquer uma dessas duas coisas, ou, honestamente, qualquer outra ideia que não envolvesse o Stallone lutando boxe.




E aqui vemos uma cena deletada de Carros 3 que foi dirigida pelo Zack Snyder

O que eles escolheram? Simples: nenhum dos dois. Melhor dizendo, escolheram fazer os dois AO MESMO TEMPO. UAT? MAQUÊ? Sério, eles não escolheram que tipo de história iam fazer, e só foram jogando as duas coisas ao mesmo. Aqui vai outra dica cinematográfica valiosíssima: DECIDAM QUE TIPO DE FILME VOCÊS QUEREM FAZER ANTES DE COMEÇAR A FAZER. Uau, precisei de 15 anos em Harvard pra bolar isso, hein?

Porque o resultado fica tão xoxo quanto soa, e Carros 3 parece que não teve uma única reunião de conceito, só foi decidido na última hora. Desde o começo do filme vemos McQueen corrigindo sua treinadora, dando conselhos que quem já esteve na pista pode dar e tudo mais, e do quanto ela tem um potencial atlético incrível.

Então parecia óbvio: ela corre e ele treina ela, certo? Isso fica muito claro com menos de meia hora de filme. Só que eles ficam arrastando e arrastando e arrastando essa situação até o fim do filme, para esse ser o grande plot twist da história: Ó, McQueen era o treinador o tempo todo, e Cruz Ramirez é que estava aprendendo com ele… Sério, gente? Todas as crianças do cinema já sacaram isso desde as primeiras cenas, e essa é a grande catarse emocional do final do filme?

A coisa foi tão feita no “vamo que vamo”, que a cena final da corrida não faz o mais remoto sentido dentro do universo proposto. Quer dizer, se pode fazer aquilo que a equipe do McQueen fez, então por que TODAS AS EQUIPES não fazem aquilo? Ah sim, porque a Pixar estava ocupada demais não se importando para, ao menos, tentar fazer um final que fizesse sentido.

Sério, Pixar, o que está acontecendo contigo? Eu sei que o teu tesão de fazer esse filme levaria um elogio do Camus de Aquário por se aproximar do zero absoluto, mas isso foi o melhor que tu conseguiu pensar? De verdade?

E não é como se a Pixar não soubesse conciliar as coisas. Up, por exemplo, pegou um conto de aventura de um menino relativamente convencional e aproveitou para colocar no meio uma história sobre perda, sofrimento e renovação plenamente desenvolvida. Mas, bem, parece que temas sutis não dão boas áreas temáticas para os parques de diversão da Disney, e isso é tudo que há.





Pensando bem, o antagonista do filme ser um carro sem personalidade alguma, e que nunca parece realmente estar se esforçando, reflete bem o feeling que esse filme passa…

Poxa gente, é a Pixar! O estúdio que nos deu os 4 minutos iniciais de Up, que possuem mais mais emoção do que a maioria dos dramas indicados ao Oscar em todo o seu tempo de tela. Ou a solidão melancólica do protagonista robótico de Wall-E, deixado na Terra para limpar a bagunça de seus criadores. Ou a crítica sobre críticas de Anton Ego ao fim de Ratatouille. É desse estúdio que eu estou falando!

É claro, nenhum desses filmes mencionados tem uma continuação agendada. Nenhum é particularmente adequado para se tornar uma área temática em um parque da Disney (embora a Disney tenha revelado Ratatouille: The Adventure na Disneyland Paris, é claro). E certamente nenhum destes filmes rende 5 bilhões de dólares por ano em brinquedos.

Todo esse cenário de falta de tesão acaba transparecendo, e os pontos positivos do filme são sufocados pelos negativos. Cruz Ramirez, como eu disse no começo, é a melhor coisa do filme. Suas piadas sobre o McQueen estar velho, suas técnicas de treinamento modernosas para carros, e basicamente qualquer coisa sobre ela são o ponto alto do filme. Claro que um carro fazendo aula de step ao som de Danza Kuduro (oi oi oi!) ser o ponto alto do filme é um problema em si mesmo, mas isso não é culpa da personagem.

Tem também uma parte muito bacana sobre carros antigos falando direitos civis das mulheres e dos negros (sob a metáfora de corridas, claro), e em qualquer outro dia teria sido um grande momento da animação. Mas quando estamos em um filme onde o suposto antagonista SEQUER TEM PERSONALIDADE, aí é difícil mesmo.

Se você quer um filme sobre um herói em fim de carreira, passando o manto para uma jovem latina, envolvendo muitas viagens de carro, apenas assista ESSE FILME então.
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