Onde a magia acontece

[TOP 5] HISTÓRIAS REAIS DO ESPORTE QUE DARIAM ÓTIMOS FILMES

| segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
... TO BE CONTINUED »

Noite passada, 5 de agosto de 2016, tiveram inicio oficialmente as Olimpíadas no Rio de Janeiro, logo após o episódio de Esquenta mais caro da história, na qual a pira
de dinheiro públicoolímpica foi acesa. Os maiores astros do esporte mundial saberão o que é pegar um BRT lotado, e ter que se abaixar na Linha Vermelha por causa de bala perdida. Minha rabugentice à parte, a verdade é que ocasionalmente o esporte proporcional momentos de pura emoção e magia, dignos das melhores produções da cultura pop.

Verdade, em 90% do tempo nada relevante acontece, mas quando as estrelas estão certas o esporte nos brinda com momentos inacreditáveis. Às vezes inacreditáveis de tão magníficos, às vezes inacreditáveis de tão improváveis, mas essa é a magia da coisa, não?

Então, sem mais delongas, o NGF entra em ritmo olímpico. u reuni 5 momentos mágicos do esporte que, de um jeito ou de outro, dariam excelentes filmes!



5) A GUERRA DO FUTEBOL

Uma guerra que resultou em 2000 mil mortos, mais de 50 mil militares envolvidos, e um tratado de paz que só foi assinado dez anos depois. Por causa de uma partida de futebol.

Guerras nunca são bonitas de se ver, mas quando é entre os dois países mais pobres das Américas a coisa fica realmente feia. Entretanto, não se pode negar que, por piores que sejam as coisas, a história por detrás da guerra entre Honduras e El Salvador em 1969 é muito interessante.

Na verdade, a partida em si não foi tanto o problema. Havia na época uma tensão bastante grande entre os dois países, aliada a uma política nacionalista bisonha de ambos os lados (ainda bem que isso não acontece mais hoje em dia). Bastava apenas uma fagulha para iniciar essa fogueira, e em 1969 ventou forte na América Central, quando Honduras e El Salvador disputaram uma vaga nas eliminatórias para a Copa de 1970 no México (sim, a mesma do Tri).

As três partidas entre os dois times se tornaram assunto de segurança nacional entre seus governos, gente se suicidou por causa do resultado (mais por causa da insanidade nacionalista instaurada naqueles países, do que pelo esporte em si), e quando tudo estava dito e feito, os pipocos voaram pra todo lado.

Parece insano que uma guerra de verdade tenha começado por causa de futebol e, olhando de perto, não foi bem isso que aconteceu realmente, mas ainda assim é o que entrou pra história.

Quem assistiu os 7×1 em 2014 viu claramente que os alemães não fizeram 15×1 por pura pena. Na verdade eles estavam evitando uma guerra.





4) A SELEÇÃO PARAOLÍMPICA ESPANHOLA DE 2000


Essa história parece daquelas comédias sem vergonha que você veria estrelada pelo Will Ferrell, mas aconteceu de verdade. Nas Paraolimpíadas de Sidney, em 2000, a seleção de basquete para deficientes mentais da Espanha ganhou a medalha de ouro de forma avassaladora. Pelo menos 15 pontos de vantagem em todos os jogos.

Voltaram para casa com ouro e como heróis. Bela história, não?

Bem, não exatamente… Alguns meses depois estourou um escândalo – denunciado por um dos próprios jogadores – que nenhum daqueles atletas tinha deficiência nenhuma. Eles apenas FINGIRAM ser deficientes para competir e ganhar o ouro (e patrocínios), tudo com aval da federação espanhola de basquete, que organizou a mutreta toda.

A história do esporte é repleta de picaretagens malucas (em 1904 um maluco venceu o Tour de France de ciclismo… porque pegou carona em um trem, huehuehue!), mas, puta merda, nessa eles se superaram. Vou repetir o que aconteceu aqui: um bando de imbecis se fingiram  deficientes para disputar as paraolimpíadas contra pessoas que tinham deficiências reais. Uau. Apenas uau. Esse é um nível de picaretagem e cara de pau que conseguiu me assustar, e olha que eu sou brasileiro!



3) BARBADOS VS GRANADAA PARTIDA DE FUTEBOL MAIS LOUCA DE TODOS OS TEMPOS

O futebol tem muitas cenas insólitas, mas para mim nenhuma é mais impressionante que a medonha partida realizada entre as seleções de Barbados e Granada pela Copa Shell Caribenha de 1994.

Acontecia que o regulamento da competição previa que não houvessem empates, todos os jogos terminados empatados iriam para  a prorrogação com morte súbita (não, não o filme do Van Damme que eu devo ser o único que ainda lembra). Até aí tudo bem, normal.

Entretanto, havia uma regra estranha nessa morte súbita: o gol feito na prorrogação valia por dois. Estranho, né? Mas calma que piora.

Quando Barbados e Granada jogaram, Barbados precisava ganhar por dois gols de diferença para se classificar (e Granada precisava só não perder por dois gols de diferença para seguir no campeonato). Barbados fez 2×0 e estava se classificando feliz e contente. Até aí tudo bem, magrão.

Só que aos 38 do segundo tempo Granada descontou, e o placar ficou 2×1. Ora, esse placar não servia para Barbados, porque só vencer por dois gols adiantaria para eles. Aí nossos heroicos campeões tentaram desesperadamente fazer um gol, já que 3×1 classificava Barbados também. Quando viram que não ia rolar, alguém teve uma ideia genial: fazer um gol contra, deixando o jogo em 2×2, e levar o jogo para a prorrogação. Aí, com meia hora de jogo a mais, se eles fizessem um gol na prorrogação (que valia por 2) eles venceriam por 4×2 e estava tudo certo.

Foi o que eles fizeram. Aos 44 do segundo tempo, Barbados fez um gol contra para levar o jogo para a prorrogação. Isso por si só já é bizarro pra caralho, mas aí é que vem o momento mais mágico da história do futebol: Granada se ligou do plano dos caras e TENTOU FAZER UM GOL CONTRA TAMBÉM! Porque se eles fizessem um gol contra, eles perderiam por 3×2 e perder só por um gol tava tudo certo pra eles!

Então Granada tentou fazer um gol contra para perder a partida só por um gol… mas Barbados se ligou na ideia dos caras e PASSOU A IMPEDIR QUE OS ADVERSÁRIOS FIZESSEM O GOL CONTRA! E como eles também não podiam tomar um gol (porque aí sairia do empate e foderia para eles), ELES PASSARAM A DEFENDER AS DUAS GOLEIRAS! E Granada tentando fazer gol EM QUALQUER UMA DAS METAS!

Caralho eles inventaram um novo esporte até! Puta que pariu, amor de Cristo nos uniu, juro que isso aconteceu!


Como mérito pela bricolagem mais maluca da história do futebol, eles tiveram sucesso, e o jogo foi para a prorrogação, onde Barbados fez o gol que precisava (que valia 2) e assim venceu por 4×2, se classificando.


2) KERRI STRUG – Saltando para a dor

Você já torceu o tornozelo? É uma dor horrível. Parece que sua alma está sendo arrancada por um hokage senil em um anime propenso a enrolação. Você fica sem conseguir caminhar direito por DIAS, na melhor das hipóteses. Agora imagine, com o tornozelo torcido, ter que correr e fazer um salto que 99.9998% da raça humana jamais conseguiria fazer nem que a sua vida dependesse disso. Parece coisa de filme, mas aconteceu de verdade.

Nas olimpíadas de Atlanta em 1996, o time americano de ginástica não era o favorito a competição. Na verdade, nunca uma norte americana havia vencido qualquer medalha em ginástica até aquele momento – o esporte era completamente dominado pelas soviéticas (russas, romenas, ucranianas e outras terras que fazem mulheres tão lindas que dão vontade de chorar).

Surpreendentemente, a equipe de 1996 ainda assim estava indo bastante bem. Até que a ginasta Dominique Moceanu (que estava se recuperando de uma fratura na tíbia, e foi para as olimpíadas no sacrifício) caiu duas vezes dos aparelhos. As russas já estavam separando o espaço na bagagem para levar mais medalhas para casa.

Como desgraça pouca é bobagem, a melhor saltadora do time, Kerri Strug, torceu o tornozelo em seus primeiros saltos. Apesar de ter se machucado, ela ainda conseguiu a nota 9.1, que foi o suficiente para manter os Estados Unidos na disputa.

Infelizmente não bom o bastante, no entanto: no final da rodada, os Estados Unidos precisavam de pelo menos uma nota 9.7 para ganhar a medalha. O que já é absurdamente alto para uma atleta saudável, para quem não conseguia nem colocar o pé no chão era qualquer coisa perto de um  milagre.

O fato dessa história estar nessa sessão já dá uma dica de como ela termina:




Vinte anos depois, assistir isso ainda dói até em mim. Essa menina demonstrou níveis de macheza com os quais os filmes de ação dos 80 apenas poderiam sonhar!



1) O DEUS DA CHUVA – GP do Brasil de 1991

Em 1991, Ayrton Senna já era bicampeão mundial, porém, tinha um sonho ainda a ser realizado: vencer uma corrida no seu próprio país. Empilhando um fracasso atrás do outro, em seu oitavo ano na Fórmula 1, vencer a corrida diante da sua torcida era uma obsessão. Parecia que em 1991 finalmente ia dar. Parecia.

Faltando vinte voltas para o fim de uma corrida perfeita, o cambio da McLaren começou a travar. Em menos de dez voltas, toda hidráulica do carro tinha ido para o saco, e a sensação era de dirigir um caminhão com o freio de mão puxado. Com efeito, Senna tinha que fazer tanta força para conseguir fazer as curvas que ele teve CÂIMBRAS E FEBRE! Você já teve febre de tanto esforço físico? Pois é, foi o que eu pensei.

Mas desgraça pouca é bobagem: faltando cinco voltas para o final, o carro só tinha a 1ª e a 6ª marchas funcionando. Para quem não sabe dirigir, explico que, se você dirigir em uma marcha mais alta e diminuir demais (como para fazer uma curva, por exemplo), o carro apaga. Carros de Fórmula 1 não têm ignição nem chave. Se apagar, tudo que o piloto pode fazer é sentar e chorar. Então, como Senna conseguiu dirigir em sexta marcha sem deixar o carro morrer, e sem sair da pista por estar indo rápido demais, está além de mim explicar.

Como ele conseguiu fazer isso enquanto tinha que praticamente dar uma porrada no volante para fazer uma simples curva, está além de qualquer um explicar.

Como ele fez isso durante mais de meia hora na chuva, em uma pista escorregadia, e vencer a corrida (porque não é como se os outros pilotos tivessem ido pra casa assistir TV Colosso), é a matéria do que as lendas são feitas.



Quando Senna subiu no lugar mais alto do pódio em São Paulo, naquele 24 de março de 1991, ele não teve forças para levantar a taça. Mesmo para conseguir ficar em pé ele precisava de ajuda. Até hoje eu tenho comigo o som do grito dele, quando a corrida terminou, incapaz de acreditar na coisa INUMANA que ele havia realizado. Esse é o som de um sonho se realizando.


Bons jogos a todos!

[TOP 5] HISTÓRIAS REAIS DO ESPORTE QUE DARIAM ÓTIMOS FILMES

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POSTADO EM:segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
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[ANIMES] Re:Zero − Starting Life in Another World (ou quem é Rem?)

| terça-feira, 7 de novembro de 2017
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O maior número de que conheço o nome é o unvigintilhão, que é o 1 seguido de 66 zeros (se você conhece um maior, deixe-me saber nos comentários, vou precisar dele, e logo você entenderá porque). Saber o nome desse número é importante para expressar o número de vezes que eu já vi um anime com o seguinte plot: um loser japonês é convocado para um mundo de fantasia (às vezes magicamente, às vezes através de um jogo), e lá ele abre mão de toda sua loserice para ser o pica das galaxias fodelão, e ter uma horda de menininhas afim dele, cujas idades somadas não são suficientes nem para tirar a carteira de motorista.

Quer dizer, eu entendo porque esse gênero existe. Quando sua maior chance de ser importante é contar com um apocalipse zumbi, e sua única oportunidade de tocar em um membro do sexo oposto, sem ela chamar a polícia, é usando a canetinha em algum jogo do 3DS, é muito tentador consumir esse tipo de produto, onde o jovem rapaz pode se imaginar tendo uma vida menos patética do que a dele próprio.

Mas existem tantos, tantos desses animes, que eu fiquei muito surpreso quando vi Re: Zero direto nas listas de melhores animes de 2016. Tá bom gente, é importante pra vocês bater uma bronha e sonhar que você é algo mais que o super loser-kun, mas tanto assim?

Foi só quando eu assisti o anime que eu entendi o que ele tem de tão especial.



SUPER LOSER-KUN E O DIA DA MARMOTA

Nosso herói aqui, Natsuki Subaru, é um hikikomori (o ponto mais baixo da cadeia alimentar social japonesa) que é transposto para um mundo de fantasia. Sendo um rapazinho esperto que só, imediatamente tem a mesma reação que eu ou você teríamos em uma situação dessas: “eu já assisti uma tonelada de animes sobre essa coisa, sei como saporra funciona”.

Subaru apenas espera que uma garotinha, cujos peitos compõe 2/3 da sua massa corporal, esbarre nele e ele a salve usando seus poderes ocultos de protagonista. A primeira parte acontece (embora a meia-elfa Emilia, que é a sua “garotinha especial”, não seja tão bem dotada assim), mas estranhamente a segunda não. Subaru descobre que não tem nenhum super-poder, ki, cosmo, mana, chakra, conhecimento estratégico avançado, item lendário ou porra nenhuma. Ou seja, ele não é o “chosen one da profecia”, ele é apenas um personagem de nível 1 em um cenário de fantasia igual a todo mundo ali. Ué, estranho…


Quando a loli é a melhor personagem do anime, alguma coisa diferente está acontecendo aqui, eu suponho.

Mas tudo bem. Subaru vai descobrir que ele tem uma grande aptidão mágica, vai treinar na sala mágica, e se tornar um espadachim foda do dia pra noite ou algo assim, certo? Então… não exatamente. Embora Subaru tenha, de fato, uma aptidão mágica acima da média, essas coisas levam ANOS para se dominar… como qualquer coisa na vida, quando você quer se meter com os melhores do mundo em uma área.

… espera, então quer dizer que o protagonista que descobriu magia a dois dias atrás não tem chance de competir contra os caras que praticam isso A VIDA INTEIRA? Estou chocado.

No início, isso é usado como um tipo de meta-humor para debochar dos mundos de fantasia que falham em responder a pergunta “se é tão simples, porque qualquer um não faz isso?“. Inicialmente, porque depois de um tempo a fraqueza de Subaru deixa de ser engraçada e rapidamente se torna problemática.

Ao contrário do que poderíamos esperar de um anime, em vez de superar os obstáculos contra todas as probabilidades usando o poder do protagonismo, ao entrar em contato com um inimigo sério, Subaru (que nunca sequer brigou na vida) é brutalmente assassinado. Porque, sério, o que você esperava que acontecesse aqui, Subaru? De verdade, o quê?





Foi nesta introdução inicial que os primeiros sinais da grandeza de Re: Zero começaram a surgir para mim. Mas é claro que Subaru não morreu para sempre, tem, sim, algo especial sobre ele, afinal. Muito parecido com qualquer outro protagonista de animes sobre “transportado para outro mundo”, Subaru possui uma habilidade especial: nesse caso é o “retorno da morte”.


Ok, Subaru recomeça o dia no exato lugar que ele estava e… bem, é só isso realmente. Ele continua sendo apenas ele mesmo.

Ao contrário de outras séries, retornar da morte não dá absolutamente nenhum super poder ou conhecimento para Subaru. Ele só retorna novamente e novamente para um “checkpoint” anterior, para tentar, de alguma forma, salvar o dia usando o poder do protagonismo, mas Subaru continua sendo apenas um cara comum. Ele não sabe lutar, não sabe fazer magia, não é o mestre das táticas militares nem nada. Continua sendo só um cara comum tentando fazer as coisas darem certo.

Na parte inicial do show, essa mecânica de retornar e tentar de novo as coisas é o que mantém o anime interessante (e posso dizer que sou fã de Feitiço do Tempo), enquanto Subaru tenta descobrir o que ele poderia fazer diferente para se manter vivo. No entanto, é o efeito que essas mortes freqüentes têm no Subaru, a longo prazo, que realmente utiliza esse conceito em seu máximo potencial. Cada vez que o Subaru morre, qualquer progresso que ele fez com os outros personagens também é reiniciado no “checkpoint” anterior.

Isso significa que, no ponto de vista dele, ele, Emília e os outros se conheceram fazem semanas, até meses. Do ponto de vista das outras pessoas, elas conhecem Subaru há alguns dias, no máximo.
Este retorno das interações dos personagens ao zero, juntamente com o trauma da morte (morrer não é agradável ou algo que se faça levianamente), começa a afetar Subaru bastante. Não é fácil voltar depois de morrer mortes horríveis, repetidas e não ter conquistado nada com isso. Pior do que isso, como ele sabe muito mais sobre os personagens do que deveria saber (do ponto de vista deles, eles só o conhecem há alguns dias, ou mesmo horas), Subaru parece estar sempre agindo com um propósito obscuro, mesmo quando ele os avisa do perigo. Para piorar, parte do pacote da sua maldição é que ele não pode contar a ninguém sobre o retorno através da morte, então, cada vez que ele morre, ele realmente tem que começar do zero.





Imagine o quanto isso faz bem para a sanidade de alguém, eu suponho.


Em muitas situações, Subaru tenta desempenhar o papel do herói confiante, apenas para fracassar, devido à falta de habilidade para o papel desejado. Em vez de ter uma grande epifania nestes momentos de que vai resolver tudo, Subaru, frequentemente, em vez disso, insiste nos seus erros, na sua tentativa de representar seu papel de protagonista de fantasia.

Eu sei, pode parecer pura burrice da parte de Subaru continuar insistindo em se comportar como um protagonista de anime, quando ele claramente não é, mas se você pensar bem, não é tão simples assim.

Como um humano que foi abandonado em um mundo de fantasia, e forçado a sofrer eventos brutais e emocionalmente traumatizantes, Subaru manteve sua sanidade ancorando-se a este modelo de herói ideal. Subaru ancorou-se a uma crença central: “Somente eu posso salvar Emilia”. Para registro, ele está tecnicamente correto, na medida em que, sem suas repetidas tentativas, Emilia certamente morreria. Dito isto, Subaru está completamente obcecado com essa noção, porque é a única justificativa que ele consegue encontrar para sua existência naquele mundo. A única outra real opção é aceitar que ele é o mesmo loser patético que era na Terra. Você pode realmente culpa-lo por não querer encarar isso?

Meu ponto é que a série usa o protagonista como metalinguagem para mostrar que a vida em um mundo de fantasia seria menos do que ideal sem a “aura do protagonismo”, tão presente nos animes. Isso é o que torna toda essa série e seus eventos tão atraentes para mim: a desconstrução incrivelmente efetiva do protagonista do gênero “perdido em um mundo de fantasia” através da demolição sistemática do que Subaru acredita.


Essa imagem é mais real do que deveria para um anime desse gênero

Isso é particularmente evidente nos exemplos que eu dei, mas é realmente um tema consistente ao longo da história. Subaru não tem as habilidades de um protagonista de anime, ele não é capaz de ter sucesso em situações que um personagem supostamente similar deveria. Ele não ganha habilidades, ele não é muito bom em se expressar, e ele enfrenta um devastador trauma de mortes repetidas em um mundo que não tem piedade para com os fracos.

Subaru não é um personagem muito simpático, às vezes, para a maioria das pessoas, e ele realmente não deveria ser. Você não é obrigado a odiá-lo, mas as ações de Subaru são as ações de um homem que não foi talhado para o mundo em que ele está. E a melhor coisa é que, no fundo, realmente no fundo, ele sabe – nos brindando com um episódio genial, onde Subaru faz um análise profunda e crua da sua própria pessoa – é quase um episódio inteiro só com ele falando sobre si mesmo, e é a coisa mais honesta e verdadeira que eu lembro de ter visto em um anime em muito, muito tempo.

UM MUNDO DE FANTASIA COMPLEXO (ou eu jogaria RPG com Tappei Nagatsuki – o autor da Light Novel no qual o anime se baseia)

Como já deve ter ficado claro a esse ponto, o mundo de Re: Zero não gira em torno do protagonista. Com efeito, ele não poderia se importar menos com o protagonista e tem várias engrenagens girando, várias forças maiores, e às vezes muito poderosas, em movimento. Como um sólido cenário de RPG, possui segredos e monstros Lovecraftianos de nível 20, que estão muito além das capacidades das pessoas comuns, assim como tem suas figuras proeminentes com suas próprias agendas.

Com efeito, o cenário de Re: Zero me lembra a sensação de estar jogando no cenário de Forgotten Realms: existem já todas aquelas figuras proeminentes e consagradas no cenário (Elminster, Drizzt, etc), e cabe ao jogador conseguir lugar na mesa dos adultos para poder interagir com as grandes figuras.



Uma BALEIA BRANCA VOADORA SELVAGEM APARECE! Onde está o seu protagonismo agora?

Do mesmo modo, Subaru precisa conquistar, por seu próprio mérito, um espaço em uma sociedade muito orgânica e funcional, com sua própria realidade consolidada.

Existem pelo menos 4 grandes eventos em andamento no reino de Lugunica, cada um deles movimentando diversas facções e classes sociais. E todos eles conversam entre si, constituindo um cenário bastante crível de fantasia. Com efeito, a temporada termina com Subaru (mais ou  menos) resolvendo um desses eventos – o que dá uma sensação satisfatória de conclusão da temporada – mas existem muito mais coisas a serem feitas nesse cenário antes da campanha realmente terminar.

O sistema de magias e as regras do mundo, enquanto não explicadas claramente, parecem consistentes, e nada parece “tirado da bunda só porque ficaria legal nessa cena”, que é uma coisa que me irrita muito em animes.

VAMOS FALAR SOBRE WAIFUS AGORA

Eu já falei bastante sobre o protagonista, mas é importante falar sobre os outros personagens também. Porque a impressão inicial que eles passam é ruim, muito ruim. Melhor dizendo, elas passam – porque Re: Zero funciona meio que como um anime de harém, e inevitavelmente sua primeira reação a isso é pensar “aff, já vi onde isso vai dar”.

Todos os clichés de anime de harém estão lá: a menina tomboy sem peito (sim, isso é uma coisa recorrente em animes), a loli, o menino que parece menina para fazer piadas de “it’s a trap!”, a menina tímida que fala pouco, a outra que gosta do protagonista, mas demonstra isso de forma violenta, a mocinha principal sem noção de relacionamentos e por aí vai. Para adicionar ofensa a injúria, elas se vestem de forma a satisfazer os otakus pagando pelos DVDs do anime, e assim temos uma personagem vestida de empregada o anime inteiro, apenas por motivos meramente fapisticos.
Vou te dizer que é um pouco difícil superar a impressão inicial ruim que o visual das personagens passa (meio que como Final Fantasy X, cuja imersão na história, para muita gente, é arruinada pelo character design imbecil dos personagens), mas se você conseguir fazer isso, verá que as personagens também são mais complexas do que se costuma dar o crédito em animes.


Vamo que eu não estou ouvindo os travesseiro de waifu se vendendo sozinhos!

Me permita pegar um exemplo: a “mocinha da história”, Emilia, é a clássica menina absurdamente bonita que é solitária e não tem amigos … porque tem que ter espaço para o protagonista poder chegar nela e satisfazer as fantasias do espectador. Quer dizer, em que caralhos de mundo uma menina tão bonita assim seria isolada e solitária? Como pode ser ESSE o drama da personagem, que apenas o protagonista pode preencher? Não faz o menor sentido.

MAS em Re: Zero faz. Existe um motivo muito razoável pelo qual Emilia é, de fato, solitária, e nenhum de TODOS OS OUTROS CARAS DO MUNDO se esforça tanto para investir nela como Subaru faz. É um motivo que eu consigo acreditar, não apenas “ela estava reservada para o protagonista por razões puramente roteirísticas”.

O mesmo vale para a empregada tímida subserviente. Ela não é só uma menininha tímida submissa porque aqueles travesseiros de waifu não vão se comprar sozinhos, mas, sim, existe um motivo bastante crível e razoável dentro do cenário, e na história da personagem, para ela ser como ela é. E, ainda assim, isso não é TUDO que ela é. Rem tem sua própria agenda e interesses, ao ponto de que o seu visual de puro material de fanservice chega a ser disruptivo.

Ou a loli do anime, que apesar do seu visual idiota pra agradar otaku pedófilo, na verdade é um espirito tão antigo quanto a própria raça humana, e sua capacidade de estar pouco ou nada se fodendo para tudo que não esteja especificamente citado em seu contrato mágico é brilhante.

Pode parecer estranho, mas o visual das personagens faz um enorme desserviço a elas, as reduzindo a estereótipos masturbativos para os otakus. Só que, se você conseguir deixar isso de lado, vai ver que são personagens muito interessantes em seus próprios modos.




Vai tentando, soldado, que se não der nessa vida na próxima vai!

Quando você terminar de assistir Re: Zero, provavelmente estará se perguntando se a viagem valeu a pena. Eu diria que a desconstrução de um show típico de fantasia é evidente, à medida que cada episódio avança. Temos uma quantidade bastante adequada de caracterização no elenco principal. Temos um cenário de fantasia realmente interessante, com tramas políticas, monstros darksoulinianos, e seitas religiosas insanas no sentido mais literal da palavra. Todo episódio oferece algo para os fãs se importarem, mesmo que seja passar raiva com o protagonista – o que é bom, pois se a obra não te faz sentir nada, aí sim que é um problema.

Se isso não for suficiente, então não sei mais o que poderia ser pra você.

[ANIMES] Re:Zero − Starting Life in Another World (ou quem é Rem?)

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[GAMES] A HISTÓRIA DOS VIDEOGAMES: FIGHTING FANTASY I (ou o RPG mais importante de todos os tempos)

| quarta-feira, 24 de maio de 2017
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Em janeiro de 1986 havia um jovem japonês sentado à porta de seu apartamento alugado. Ele havia desafiado todas as convenções, havia largado a faculdade de engenharia elétrica (algo impensável para um japonês dos anos 80) apenas para seguir o seu sonho de programador de jogos. E havia falhado miseravelmente.

Hironobu Sakaguchi não havia conseguido emplacar nenhum jogo de sucesso, tampouco desenvolver o jogo que sempre havia sonhado. Havia pouca esperança no seu horizonte senão voltar para a faculdade com o rabo entre as pernas, enterrar seu sonho no fundo do poço e ter um emprego merda das 07:00 às 22:00 como qualquer outro japonês de sua época.

Essa seria apenas mais uma história entre tantas de sonhos engolidos pela dura realidade da vida. Seria, o caso desse japonês abatido e sem esperanças, porque as coisas estavam realmente ruins para ele. O quão ruins, você pergunta? Bem, ele estava tão quebrado que ele literalmente estava morando no escritório da empresa pq lá ele tinha ar-condicionado e banho quente - duas coisas que ele não conseguia pagar no seu apartamento. Sakaguchi tava naquela vibe de reaproveitar a água do miojo pra passar o café, e ele tinha que fazer aquele miojo durar pelo menos três dias.

Isso porque não apenas ele tava mais quebrado que arroz de quinta, a empresa que ele trabalhava estava com a papelada de falência encaminhada já. E o motivo era bem simples: eles eram uma empresa de videogames que não era muito boa em fazer jogos, isso costuma ser algo bem deletério, sabe?

Quer dizer, eu duvido muito mesmo que você já tenha ouvido falar de Cruise Chaser Blassty ou The 3-D Battles of World Runner, mas saiba que você não realmente está perdendo grande coisa - eles realmente não eram muito bons no seu trabalho. Ergo, a empresa estava falindo, Sakaguchi tava tão quebrado quanto e as perpectivas eram basicamente nulas.

Vendo que a vaca tava indo pro brejo, ele então propos aos seus superiores desenvolver o jogo que ele sempre quis fazer, o jogo que ele entrou nessa indústria para fazer antes que a empresa fechasse as portas para sempre. O problema é que o jogo que ele queria fazer era... muito ambicioso para a época. Sua ideia era fazer um RPG em forma de videogame. RPG, sabe, tipo Dungeons and Dragons, de rolar dado, ter um mestre e etc?


Pode não parecer algo muito fora da caixa hoje, até corriqueiro, mas em 1986 o top de linha da tecnologia dos videogames era o NES – o popular Nintendinho, cujos jogos tinham algo em torno de 30k de memória. Veja bem, eu não estou falando 30GB ou 30MB, e sim 30k de memória. Essa foto da Miley Cyrus de fralda gasta mais memória do que TODA COLEÇÃO DE JOGOS DO NES junta! Na verdade centenas, milhares de vezes mais.



Então socar um RPG aí com sistema de combate, história, música e personagens, bem, era uma ideia muito fora do possível mesmo. Ou não daria para fazer, ou tanta coisa teria que ser cortado que seria praticamente injogável. Ainda mais para uma empresa que estava muito mal das pernas, como era o caso da Square. Por isso eles categoricamente mandaram um "ahã, senta lá Claudia" pro maluco.

Tudo parecia ir de mal a pior, sem esperança ou luz no fim do túnel. Então um milagre aconteceu: as esferas do Dragão se reuniram e atenderam o pedido de Sakaguchi. Quase literalmente. Isso porque uma empresa rival, a Enix, lançou um jogo que era mais ou menos nos moldes que Sakaguchi queria, e foi um sucesso inacreditável no Japão. Chamava-se Dragon Quest, e um dos segredos do seu sucesso estava na parte artística do jogo, que era desenhada por um mangaka novato que tinha um mangá em ascensão na época, um tal de Akira Toriyama e seu manga Dragon Ball. Pobre menino, acho que esse rapaz não vai muito longe na vida não, hein…

Sabe, aqui no ocidente a gente não tem muita noção do tamanho de Dragon Quest (exceto talvez pelo anime que passou no SBT, "Fly - o pequeno guerreiro" que é a adaptação em anime do manga de Dragon Quest), mas a melhor comparação que eu posso fazer é imaginar dia de jogo da Seleção na Copa do Mundo. Sério, o Japão para em dia de lançamento de Dragon Quest.

Com efeito, depois de um tempo Dragon Quest passou a ser lançado apenas em fim de semana para não fazer bagunça na rotina do país. Se vc achou que nunca conseguiria imaginar um japonês metendo um migué pro chefe que pegou virose pra não ir trabalhar pq ele quer matar serviço, é esse tipo de fenomeno que Dragon Quest é. E provavelmente ele encontraria com o chefe dele na fila pra comprar o jogo, pq ele meteu essa também.

Bem, mas o que importa aqui é que o sucesso de Dragon Quest era o milagre que Sakaguchi precisava: ficou provado por A+B que havia público para esse tipo de jogo no NES. Isso significa que ele recebeu luz verde da Square para produzir o seu joguinho ambicioso… com uma condição. Sakaguchi poderia fazer o tal RPG que ele queria... DESDE QUE ele trabalhasse em paralelo em um projeto mais “comercialmente seguro”, um clone do clássico da SEGA Outrun. Como a empresa estava embicando pra afundar, eles acharam melhor não arriscar muito fazendo um jogo ambicioso como um RPG, e a velha tatica de copiar algo já consagrado parecia mais segura: foi assim que nasceu Rad Racer.


Que, aliás, não é um jogo nada ruim, embora não seja nada pra entrar pra história também.

O problema é que a empresa não realmente tava botando muita fé nesse cara, principalmente porque nessa época ele não ostentava o portentoso bigodão que viria a ter posteriormente, então o projeto dos sonhos dele foi tratado como algo de baixissima prioridade. E eu to falando sério: eles eram ao cara uma equipe meia boca com apenas sete funcionários novatos e orçamento de dois Doraemons de pelúcia e uma fantasia suada de monstro do Jaspion. Basicamente empurraram os estagiarios pra ele e "te vira aí".

E quando você pensa que desgraça pouca é bobagem, algo mais deu errado para o cara. Ele descobriu que o nome que ele queria usar, “Fighting Fantasy”, já havia sido registrado, pertencendo a uma série de livros-aventura de RPG (Aventuras Fantásticas no Brasil, do não menos mito Steve Jackson). Foi a gota d’água.



Durante aqueles dias, o desenvolvimento era num apartamento alugado. Eu era tão pobre que ficava com frequência nele porque tinha banho e ar condicionado. Eu nunca ia pra casa…

Sakaguchi estava sem dinheiro, trabalhando quase vinte horas por dia em dois jogos ao mesmo tempo em uma empresa falindo, sendo desacreditado pela sua própria companhia, apenas tendo uma remota lembrança (que cada dia mais ele duvidava ter sido real) do que era uma noite de sono, o programador que lhe deram era um iraniano que mal falava japonês... 

... enquanto isso Rad Racer tinha mais de vinte cabeças dos veteranos da empresa – e sem sequer poder usar o nome que ele queria, Sakaguchi finalmente chutou o balde. Fez o que qualquer um de nós faríamos em seu lugar:


Ele chamou sua equipe, subiu em cima da mesa e disse:

"Senhores, eu não vou mentir para vocês: nós não somos vencedores. Nenhum jogo que a gente fez até hoje foi um grande sucesso, e grandes são as chances de que nunca serão. Daqui a seis meses muito provavelmente nós vamos estar trabalhando em empregos tristes e sem esperança, pessoas amargar para sempre marcadas pelo fato que tivemos uma chance de ser artistas... e falhamos miseravalmente. E sério Amano, eu já provei o sushi que você faz e se você for depender de tocar o negócio da sua família você vai morrer de fome. Mas isso não é importante agora.

O que importa realmente é que nós temos um sonho. Todos nós estamos aqui porque no fundo, nós somos artistas. Nós queremos contar histórias, queremos nos expressar e por isso mesmo, essa vai ser a última chance que teremos de fazer isso. Esse jogo é a última tela em branco que teremos para nos expressar antes de uma vida medíocre, então eu digo para fazermos dele o máximo que podemos fazer. Vamos colocar nossos corações, nossas almas, nossa própria essencia nele para que se falharmos, ao menos poderemos olhar para trás de cabeça erguida e dizer que fizemos o nosso melhor.

Vamos fazer desse jogo mais do que um simples jogo, mas um legado de tudo aquilo que um dia sonhamos ser durante toda nossa vida. E se esse for o último jogo que fizermos, o que tudo indica que será, vamos fazer desse jogo... a nossa fantasia final."

E é por isso que Final Fantasy tem esse nome.

Em seguida conseguiu uma reunião com os cinco kages da Square e meteu a real neles com katana na mesa. Seu argumento era bastante simples: a empresa estava indo pro buraco mesmo, a menos que emplacasse um baita sucesso, mas sucesso pra caralho mesmo, já eras. Então, se tinha alguma hora na vida que era hora de arriscar tudo, a hora era essa. Afinal, o que eles tinham a perder?

Ah, e ele pediu outra coisa enquanto estava em seu berserker mode: Final Fantasy ia ter o dobro de cartuchos à venda do que a Square havia planejado produzir. Quatrocentos mil jogos na prateleira ou não tinha negócio, e tava todo mundo procurando emprego na segunda-feira, inclusive os engravatados do estúdio!


Como acontece nas melhores histórias, as dificuldades só fizeram nossos heróis crescerem. Sakaguchi e seus sete guerreiros da Fantasia Final fecharam em torno de um objetivo: fazer o melhor jogo que poderia ser feito. Se nem a sua própria empresa acreditava neles, eles surpreenderiam o mundo. De alguma forma.

Assim, Sakaguchi e seus caras transformaram todas as suas dificuldades em pequenos milagres para fazer daquele jogo algo único. Por exemplo, seu programador irano-americano Nasir Gebelli jamais havia jogado RPG na sua vida. Então Sakaguchi usou o futebol americano como metáfora para explicar o que ele queria do jogo. Funcionou maravilhas. Se mesmo um leigo em RPG pudesse entender o que o jogo era, então comercialmente qualquer criança poderia pegar e sair jogando. A simplificada nos sistemas de combate de outros RPGs da época, como Ultima e Wizardry, era o que Final Fantasy precisava para ser digerido pelo grande público.

Essa, na verdade, é uma das grandes vantagens de Final Fantasy sobre Dragon Quest. O RPG da Enix é inclementemente difícil, então, se você não jogar “do jeito certo”, ele chuta sua bunda daqui até a Tazmania. Já Final Fantasy, bem, ainda é difícil pra caralho, mas permite uma customização e estilos de jogos diferentes. Imagine que Dragon Quest é como a fase das motinhas de Battletoads e Final Fantasy é como Dark Souls. Ambos são difíceis, mas tipos diferentes de dificuldade, e um deles permite que você cresça como jogador e descubra seu estilo. O outro só te espanca mesmo.

Era um bom começo, mas não o suficiente. Sakaguchi sabia que ele não era tão foda assim programando jogos. Ele sabia que ele não era nenhum Shigeru Miyamoto ou Hideo Kojima, ele era apenas um cara que queria contar uma história. E foi isso que ele fez: sentou junto com sua equipe artística e criou o mundo que ele sempre quis fazer.

A sorte sorriu para Sakaguchi porque a sua “equipe artística” não eram dois artistas quaisquer, e sim dois dos mais brilhantes artistas de sua geração. Eu diria de todos os tempso, na verdade

A arte visual do jogo foi desenhada por Yoshiaka Amano – o qual Sakaguchi rejeitou inicialmente por nunca ter ouvido falar no trabalho do rapaz. Nada pessoal, apenas porque você não pode competir contra Akira Toriyama usando um Zé Ninguém. Porém, quando ele viu as artes conceituais do japa, ele se rendeu.

Quando o cara é chamado pelo Neil Gaiman para ilustrar Sandman, pode-se afirmar que não estamos falando de um Zé qualquer não

O outro presente dos deuses que ele recebeu foi Nobuo Uematsu compondo a trilha sonora. Sério, eu não tenho palavras para descrever o quão brilhante ele é na história da música. Posso dizer apenas que se dessem o limitadíssimo sintezador do NES na mão de Beethoven, ele não conseguiria tirar muito mais do que isso. Se Uematsu fosse um alemão de 1700 todo mundo pagaria pau pra ele como música clássica, ele é um gênio nesse nível. De verdade.


Se isso não é arte, eu não sei mais o que seria.

Assim sendo, o pequeno time de Sakaguchi era brilhante e trabalhava duro. O resultado disso foi um sucesso estrondoso. A "Fantasia Final" logo se tornou "Fantasia Final 2", depois 3, 4, 5, 6.

E então voltamos para onde começamos a história. Sakaguchi está diante da Sony, propondo levar Final Fantasy 7 para o Playstation. E garantindo que aquele seria o jogo que mudaria as coisas completamente.

E MUDOU?

Então... cara, é até dificil explicar hoje a magnitude do que foi o EVENTO Final Fantasy 7. Foi um acontecimento. Eu não estou dizendo que foi o melhor jogo de todos os tempos, ou mesmo o melhor jogo do Playstation, na verdade eu não diria que não é sequer o melhor Final Fantasy nem próprio PS1 (esse seria Final Fantasy 9, ao que você tem o direito de concordar comigo ou estar completamente errado).

Não é sobre a qualidade, embora o jogo seja incrivelmente bom, mas sobre o que ele representou. A melhor comparação que eu posso fazer é com Avengers Endgame. Alguém pode argumentar que Endgame não é o melhor filme de todos os tempos ou sequer o melhor filme de super-herois, mas essa pessoa estaria perdendo o foco da coisa: o que realmente diferencia Endgame dos outros filme é o evento, o fenomeno.

Quem assistiu uma sala de cinema vibrando no meio da madrugada na pré-estreia como se fosse um estádio de futebol comemorando um gol (e eu quero dizer literalmente, na minha sessão o pessoal vibrou como se fosse gol mesmo, eu incluso), sabe que dificilmente essa experiencia acontecerá novamente. Quem viveu, sabe que foi um evento.

Para você ter ideia do tamanho da coisa, saiba que até janeiro de 97, as vendas do Saturn estavam meio a meio com o Playstation no Japão - o que ainda mantinha Sega respirando por aparelhos, basicamente porque os japoneses gostam muito de arcades (tanto que fliperamas ainda são uma coisa muito forte lá) e as adaptações de arcade para o Saturn vendiam bem. Pelo menos no Japão era uma disputa parelha... até janeiro de 97.

Após 31 de janeiro de 1997, eu não estou dizendo que as vendas do Saturn no Japão não diminuiram, eu estou dizendo que elas ACABARAM. O PS1, de um mes para o outro, por causa de um único jogo, vendia tipo 8/1 sobre o Saturn. O Saturn caiu para trás do Super Nintendo em vendas não pq o SNES passou a vender mais, pq o Saturn realmente parou de vender. Foi esse o tamanho da coisa.

Final Fantasy 7 foi o equivalente videogamistico disso. Quem viveu a época sabe que foi algo completamente diferente de tudo que havia se experimentado até então. Graças a campanha de marketing colossal que a Sony colocou, muita gente que até então sequer sabia o que era um RPG jogou esse jogo. E muita gente que até então achava que videogames eram apenas um brinquedo para apertar botões, pela primeira vez em sua vida riu, se apaixonou e chorou jogando um videogame. Eu incluso.

Outro exemplo que eu posso dar para tentar ilustrar o que foi o fenomeno Final Fantasy 7, é que 1937 já existiam desenhos animados, mas eles eram eram exibições curtas entre as sessões duplas de cinema (desenhos de 5 minutos como Tom e Jerry, Pernalonga, Mickey Mouse, etc). Por isso quando Walt Disney anunciou que pretendia fazer um longa metragem animado, ninguém realmente entendeu do que ele estava falando. Nem mesmo no seu staff.

Quer dizer, ele ia fazer um filme de uma hora e meia só de piadinhas e comédia pastelão? Onde que ele ia arranjar tantas piadinhas visuais e como que isso não ia ficar cansativo? Só tem até determinado ponto que você consegue ver alguém levando uma paulada cartunesca antes de ficar cansativo e cinco minutos eram tudo um desenho animado servia, afinal.

Walt Disney então explicou que ele não queria fazer uma esquete animada de uma hora e meia, ele queria fazer um filme FILME mesmo, de verdade, com personagens, ação, e até mesmo fazer o público chorar. A maior parte da sua equipe ficou olhando pra ele com uma cara "do que é você tá falando, seu doido, como é que alguém vai se emocionar com um desenho animado?".

Ele viu o olhar de incredulidade no olhar de seus funcionários, mas seguiu adiante. Ele sabia que aquele era o futuro e nada o demoveria de realizar sua visão. Nada, nem mesmo a realidade. Para financiar o filme ele se encheu de empréstimos, empenhou sua empresa, hipotecou até mesmo sua casa. Porque era o que ele tinha o que fazer.

E então, em 21 de dezembro de 1937, aconteceu. Sob todo ceticismo de todos os envolvidos, da imprensa até o porteiro do cinema, aconteceu. Mais precisamente, essa cena aconteceu:


Aconteceu. Pela primeira vez na história da humanidade, um desenho animado fez as pessoas chorarem. E as coisas jamais voltariam a ser as mesmas. Walt Disney havia mudado o mundo para sempre.

Final Fantasy 7 foi um acontecimento desse tamanho. Os videogames estavam em outro patamar agora. Se um jogo pode fazer você chorar, não havia mais nada que os videogames não pudessem fazer. Com o sucesso que o primeiro jogo a custar mais de cem milhões de dolares teve, outros criadores começaram a aparecer na porta da Sony querendo essa oportunidade para se expressar artisticamente como ninguém achava que videogames seriam capazes de fazer até então.

Gozo Kitao quis fazer um jogo de terror psicológico que realmente colocasse medo no coração das pessoas. Tipo aqueles filmes japoneses de terror que te fazem passar o resto da semana dormindo com a luz acesa. Nascia assim Silent Hill.

Hideo Kojima quis levar seu jogo de ação-furtividade a um patamar ambicioso de discutir geopolitica e a própria natureza do ser humano, algo que jamais em hipotese alguma rolaria em um console da Nintendo. Nascia assim Metal Gear Solid.

Kazunori Yamauchi quis fazer um ambicioso jogo de simulação de carros. Veja, não um jogo de corrida, mas um jogo que focasse em simular a física do automobilismo tão bem quanto fosse tecnicamente possível. Nascia assim a série Gran Turismo.

Eu poderia passar mais algumas horas dando exemplos de pessoas com uma visão de algo que eles queriam fazer, e que Final Fantasy 7 abriu as portas para atrair esses talentos para o Playstation. Miyamoto podia ser um gênio, mas ele era um só. Mas com artistas, no próprio sentido conceitual da palavra convergindo dia após dia para o Playstation, não havia nada que ele ou a Nintendo pudesse fazer a essa altura.


O Playstation se tornou um behemot que não poderia mais ser parado, e se tornou o próprio sinonimo do que hoje nós entendemos como videogame. E tudo isso começou com uma vendedora de flores prometendo que voltaria quando tudo estivesse terminado.

A guerra acabou. O Playstation venceu.






[GAMES] A HISTÓRIA DOS VIDEOGAMES: FIGHTING FANTASY I (ou o RPG mais importante de todos os tempos)

THE STORY SO FAR: Em janeiro de 1986 havia um jovem japonês sentado à porta de seu apartamento alugado. Ele havia desafiado todas as convenções, havia larga...
POSTADO EM:quarta-feira, 24 de maio de 2017
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[ANIMES] YURI ON ICE (ou escorregando na queerbaitagem)

| quinta-feira, 4 de maio de 2017
... TO BE CONTINUED »

Da forma como eu vejo as coisas, existem dois tipos de esportes: os que eu conseguiria praticar (mesmo que mal) e os que eu fisicamente não sou capaz de faze-los. Por exemplo, eu consigo jogar futebol. Terrivelmente, mas consigo. Agora salto com vara, nem que os portões do inferno se abram e todas as todas as almas saiam de lá cantando tumbalacatumbatumbata.

Para surpresa de absolutamente ninguém, patinação artística se enquadra no segundo grupo. Adicione a isso que eu sabia tanto sobre o esporte quanto o grupo de whatsapp da sua família sabe sobre os tramites jurídicos do STF, e temos em Yuri on Ice um anime que eu não fazia a mais remota ideia do que esperar.

Como resultado eu aprendi o que “queerbaiting” significa. Louco, né?



VICTOR NIKIFOROV: O HOMEM, A LENDA, O MITO

Em Yuri on Ice temos Victor Nikiforov, a lenda viva da patinação. Cinco vezes campeão do mundo, detentor de todos os recordes imagináveis e ícone absoluto entre os patinadores do Carrefour, Victor é um daqueles personagens que fazem o mundo orbitar ao seu redor com seu carisma. É tipo o The Rock, se o cara pesasse 150kg a menos e fosse pansexual.

O estereótipo do gênio artístico já foi usado muitas vezes na história do entretenimento, e Victor é sua mais perfeita expressão. Nunca dá para saber exatamente o que ele está pensando ou o que ele vai fazer em seguida. Para ser sincero, nem o próprio Victor parece saber muito bem, ele apenas vai e faz. Nesse aspecto ele é tratado mais como uma fada (no sentido céltico de uma força da natureza) do que como uma pessoa, mas é meio que assim que os “gênios” fazem na  cultura pop.

Basta um momento de inspiração e bam, milagre. Só que ele não é o protagonista do anime.

 ENQUANTO ISSO, NO CANTO MENOS GLORIOSO DO RINGUE…
 
… temos Yuri Katsuki. O melhor patinador do Japão, o que em termos mundiais não quer dizer grande coisa realmente. A história começa com Yuri tendo um ano muito, muito ruim. Ele ficou em um humilhante último lugar no campeonato mundial, e daí sua carreira tem ido ladeira abaixo.

Ao ponto que, alguns meses, depois ele está completamente fora de forma e não consegue mais ganhar nem teste de seleção para Timão e Pumba on Ice. Seria a deprimente história do equivalente esportivo a um ex-BBB, não fosse que, um dia, Yuri estava patinando imitando seu grande ídolo Victor, só de zoas. Só que foi realmente bom, inspirado e tal. E alguém filmou aquilo e colocou na internet.

Ao ver aquilo, Victor decidiu imediatamente que não ia comprar uma nova estante para pendurar mais troféus, e sim embarcar para o Japão para ajudar nosso rechonchudinho patinador como treinador. Por quê? Sei lá, coisa de gênio, você não entenderia (mais uma vez, não parece que ele próprio tenha entendido também).

E assim começa a premissa de Yuri on Ice, quando o melhor do mundo decide tirar um ano sabático para bancar o técnico de alguém que não é tão melhor assim.

 UM ANIME DE ESPORTES. EM PARTES…
 
Apesar da grande atração do anime para o público ser o relacionamento entre o divante Victor e o timido Yuri, o anime realmente é um anime de esportes. Segurem seus navios yaoi, meninos e meninas, porque o grande destaque aqui é a patinação em si. Já falo do relacionamento, primeiro me permitam tecer alguns comentários sobre a parte do esporte.

Ao contrário do que normalmente acontece em animes de esportes, nosso protagonista não é  novato ou ruim no seu esporte. Ele pode não ser um “gênio” como Victor, mas está muito longe de ser medíocre também. Apesar do que sua narrativa pessoal pode nos levar a acreditar, ele é essencialmente o melhor patinador do Japão, e talentoso o suficiente para chegar à final do Grand Prix do mundo sozinho. Ele não está aprendendo patinação artística do zero – ele está aprendendo o que ele ama sobre isso, e porque ele patina.

É uma mudança bem vinda.

PATINAÇÃO ARTÍSTICA: EXPECTATIVA


PATINAÇÃO ARTÍSTICA: REALIDADE


A maior parte dos episódios é sobre as competições de patinação, e tem algumas coisas interessantes sobre isso. Em primeiro lugar o anime transmite bem a ideia de como isso é filhadaputamente difícil. Sério. Patinação artística é tão difícil que um patinador com 25 anos já é considerado veterano, porque não é como se os joelhos de um ser humano aguentassem muito mais do que isso. Só de lembrar a sequencia de treinamento do Yuri eu já fico cansado.

Agora, o mais interessante desse mundinho é que ele não é exatamente o que você poderia esperar de um esporte individual de alto nível. Como se pode imaginar, o mundo da patinação profissional é um circuito bastante seleto de indivíduos, e eles meio que se conhecem. Com efeito, eles até mesmo assistem as apresentações uns dos outros, e até torcem por seus colegas.

Muitos animes de esporte se focam na rivalidade e nas tretas entre os atletas. Yuri on Ice tem uma pegada diferente disso. Se eu tivesse que resumir em uma palavra, seria “comunidade”. Diabos, eles até saem para jantar juntos entre um dia de competição e outro.

Muitos patinadores profissionais ao redor do mundo que assistiram Yuri on Ice se identificam com a atmosfera e o cenário representado ali.

Aliás, uma coisa que o anime faz muito bem nesse sentido é retratar o processo mental de um atleta profissional. Ainda mais que patinação artística é um esporte muito único porque é um hibrido entre arte e esporte. Ou seja, você tem que ter controle absoluto das técnicas para conseguir fazer um quadruplo toe-loop carpado of doom, e como se isso não fosse difícil o bastante, você ainda tem que fazer isso enquanto apresenta uma performance.

Não é a toa que, quando um atleta termina sua performance, ele está com dois palmos de língua de fora, porque é um processo física e mentalmente exaustivo.

Infelizmente, no entanto, o anime faz melhor em contar isso do que mostrar. Porque, louvado seja o Soma de Vishnu, a animação desse anime é pavorosa. Sim, eu sei que animes usualmente são mãos de vaca no que tange a animação, mas isso normalmente não é problema.

Só que aqui é, e é um grande. Porque, ao contrário do futebol ou basquete, patinação é um esporte onde a precisão de cada mínimo detalhe importa para poder sequer ser avaliado como esporte. Se o cara deu quatro voltas ou três, qual era a posição da mão dele, como foi o percurso do seu movimento de pernas, tudo isso importa muito para que o público possa ver por si mesmo quem é um bom patinador e quem não é. Seria necessário uma animação de altíssima qualidade para transmitir isso, e o que nós temos é isso:


As únicas referencias para você, como espectador, acompanhar o desempenho do patinador são as reações do narrador da competição (nos meus sonhos, a dublagem brasileira contará com Galvão Bueno narrando o anime), e os monólogos do patinador enquanto ele apresenta.

Isso é muito abaixo do que você precisaria para um anime assim funcionar. Quando você precisa explicar ao espectador o que ele acabou de ver, é porque alguma coisa não está funcionando.


 
O ANIME GAY QUE É GAY, PERO NO MUCHO
 
Se você já ouviu falar alguma coisa a respeito de Yuri no Gelo é que o anime é sobre dois rapazes que descobrem a alegria de dar a Elza nazinimiga. Bem, não é. Seria melhor se fosse, mas não é.

Vamos colocar uma coisa aqui: se você é hétero e está escrevendo um relacionamento de outra linha sexual, ainda mais um do sexo oposto, MUITO CUIDADO com o que você faz. As chances de dar merda são enormes. YoI é escrito e dirigido por duas mulheres.

Se uma coisa funciona nesse anime, é o Victor. Ele é tão fora da curva que os rótulos sequer se aplicam nele. Se alguma coisa ele não é gay e sim pansexual: ele ama a arte e a beleza, esteja onde ela estiver. É tipo o capitão Jack Harkness dos animes. Esse foi um grande acerto das autoras do anime, e um muito delicado de se conseguir. Infelizmente meio que é até ai onde elas acertaram.

Vê, eu entendo que japoneses são uma cultura bastante diferente e tratam seus relacionamentos de uma forma diferente, muito mais reservada e intimista do que nós. Isto posto, eu ainda não entendi o Yuri e o relacionamento que ele tem com o Victor.

O relacionamento entre os dois nunca faz muito sentido ou é coerente por mais do que duas cenas consecutivas. Tem meio que um beijo, mas ao mesmo tempo não tem. Eles trocam alianças, mas é só “para dar sorte” (quem diabos troca alianças de ouro para dar sorte?).

E mesmo se acreditássemos que eles estão “comprometidos” em algum momento, as conversas entre Victor e Yuri nos últimos episódios são tão formais, como entre um treinador e seu aluno, não como um noivo falaria um com o outro!

Eu conheço esse sentimento bem demais, Yurio.
Apenas bem demais.
Se alguma coisa, Yuri cai naquele estereótipo chato de anime do adolescente (embora ele não seja adolescente) assexuado que começa a gritar “NOSSO RELACIONAMENTO NÃO TEM DESSAS COISAS” à mera menção de qualquer coisa menos infantil. Certamente você já viu dezenas dessas figuras em animes, que tratam relacionamentos como coisas alienígenas e pecaminosas, e infelizmente Yuri é meio que mais um desses.

O que é muito triste, porque toda a premissa do show é centrada em Yuri encontrando sua maturidade sexual e confiança em si mesmo, além de mostrar seu “amor” por Víctor ao mundo. Só que o comportamento dos personagens destoa enormemente dos temas propostos.

É como se, ao mesmo tempo, quisessem fazer um anime super de boas sobre relacionamentos sem rótulos… só que super família para passar no horário nobre sem incomodar ninguém. Eu entendo isso acontecendo, por exemplo, em um desenho animado infantil como My Little Pony, que tem um casal gay no 100º episódio, embora oficialmente elas sejam “apenas amigas”, caso o pai conservador de alguma criança perguntar. Aliás, ainda vou falar sobre essas ambiguidades de MLP, mas, enfim.

Só que aqui não é um desenho animado da Hasbro passando no Discovery Kids, é um anime que passa em um país que está acostumado com coisas muito menos “família” em suas animações.

Eu honestamente não estava entendendo que porra era essa, até que eu aprendi uma palavra que explica o que aconteceu: queerbait.



ISCA PARA FÃS DE QUEEN DISLÉXICOS?

Não. Queerbaiting é uma expressão usada para nos referimos a uma jogada midiática criada para que se possa lucrar ao promover certa “tensão sexual/romântica” entre dois personagens do mesmo gênero sem a real intenção de fazer com que o relacionamento deles se torne canon.

Tá, mas o que eles ganham fazendo isso? Muito simples, pequeno gafanhoto: o que faz do queerbaiting uma jogada de mestre é o fato de que atrai audiência LGBT sem realmente “incomodar ninguém”.

Tipo, você pode ver uma certa química entre o Dean e o Castiel em Supernatural, se você for propenso a querer ver isso, e até mesmo assistir a série por causa disso. E ao mesmo tempo seu coleguinha bolsonarete não vai deixar de assistir a série “porque tem essas viadage”. De um certo ponto de vista todo mundo sai ganhando, só que não. Yuri on Ice é um dos animes mais populares de 2016 por conta disso, mas poderia ser tão melhor se não se fizesse de desentendido para tentar agradar todo mundo.

 “O quê? Relacionamento gay? Não, não, aqui não tem nada disso não… foi uma aliança de amizade. É, amigos fazem isso o tempo todo, você sabe!”.
 
Talvez isso teria funcionado há dez anos atrás, mas em 2017 eu não tenho mais paciência com esse tipo de estratagema barato. Ainda mais ao custo de uma boa história (Yuri não ser nenhum “chosen one” é uma saudável variante ao gênero de animes esportivos) e de bons personagens. A sensação que passa é que o Victor é um personagem bom demais sendo desperdiçado nesse tipo de história, e nenhuma história, em hipótese alguma, deveria passar essa sensação sobre os seus personagens.

Os outros patinadores igualmente parecem interessantes, mas como a história não sabe muito bem o que quer da vida, também não sabe o que fazer com eles. Nos últimos episódios nós temos um arco de conclusão da história do J.J. King, por exemplo, mas sem o resto do arco. É muito legal a coisa da apresentação dele no mundial, só que eu não faço muita ideia da onde isso veio.

Com efeito, o único personagem que tem mais ou menos um arco bem desenvolvido é o rival de Yuri, o russo adolescente Yuri Plissetski (aka Yurio). Ele tem objetivos claros, barreiras bem definidas, e seu arco de personagem é completo. “Isso é o que eu quero, meus recursos são esses, é assim que eu vou fazer, meus obstáculos são esses”. O Yuri russo tem todas essas coisas.

Além disso, ele interpreta o estereótipo do russo grosso, o que é muito interessante de se ver em um esporte que tem mais relação com o ballet do que ursões de sunga vermelha aplicando piledrivers.

Só que Yuri on Ice não é muito sobre ESSE Yuri. Nós só teríamos a ganhar se fosse. Aliás, a série poderia ser sobre o JJ também. Ele parece ser um personagem muito mais interessante – só que como todos os outros patinadores secundários, jamais saberemos.

DE BOAS INTENÇÕES A PISTA DE PATINAÇÃO NO GELO DO INFERNO ESTÁ CHEIA
 
Yuri on Ice não é um anime ruim, e certamente trata o esporte com uma atmosfera e intimidade que poucos animes de esportes conseguem fazer. 

A escolha do tema, tanto esportivo quanto romântico, é absolutamente perfeita. O fato de Yuri on Ice não forçar um antagonista em um esporte que o seu maior adversário é você mesmo é de uma sensibilidade inspirada.

E justamente por isso é tão frustrante, porque poderia ser tão melhor se soubesse o que quer da vida. Se fosse sobre os personagens não saberem o que querem – ou saberem e não terem coragem de admitir por questões pessoais e sociais – até seria aceitável. Sério, qualquer caminho que o anime tivesse decidido ir estaria ok, mas infelizmente o anime não escolheu nenhum.

Como romance, o anime parece ter medo de sair do armário, e como um anime esportivo, as cenas de patinação parecem repetitivas e desnecessárias depois de um ponto – é realmente necessário socar 6 performances de patinação em um episódio, as quais parecem iguais devido à má animação?



[ANIMES] YURI ON ICE (ou escorregando na queerbaitagem)

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