Sabe uma coisa que eu gosto? Mas adoro de verdade, que sempre terá minha atenção em qualquer formato que for feito? Ficção especutaliva. Bem, legal, mas o que é isso?
Então, o termo é meio vago, na verdade, e usado por muitas pessoas de muitas formas diferentes. Mas a definição que eu uso é a seguinte: é um cenário de ficção onde se presume que X é verdade, e se explora todas as ramificações disso.
Por exemplo, muitos dos nossos valores modernos como sociedade vem do cristianismo. Ok, agora imagine uma realidade alternativa onde nenhum judeu que de alguma forma era loiro de olhos azuis foi crucificado por dizer que as pessoas deviam ser menos babacas umas com as outras. Todas as regras do jogo são diferentes a partir do momento que não temos uma formação cultural de séculos de uma igreja com a mão muito forte. Então, que tipo de sociedade nasceria desse cenário? Uma bem diferente do que temos hoje, isso eu posso te garantir.
Como um russo de nome muito dificil de pronunciar escreveu certa vez, "Se Deus não existe, tudo é permitido".
Por isso que é tão dificil representar aliens na ficção cientifica, porque em 95% das vezes eles são apenas seres humanos com outra cor de pele ou geleia no lugar dos olhos. Eles pensam como a gente, tem os nossos valores, a nossa formação cultural e ética, só divergindo em pontos muito especificos e mesmo assim olhe lá. Sabe quem realmente conseguiu acertar nesse sentido, que escreveu aliens tão alieniginamente alienescos cuja alienicidade sequer podemos começar a compreender?
Eduardo. Sim, o próprio. Mais precisamente, Eduardo Filipe Lovecraft. Porque esse é o tipo de resultado que você tem quando começa a imaginar seres que não jogam com as nossas regras. E isso é o que me fascina tanto na ficção especulativa, que pode ir desde os minimos detalhes (como no filme Jumper, quando o protagonista pode teletransportar a vontade e por consequencia até esqueceu de como portas funcionam), até uma construção macro de mundo.
Para este ultimo caso, realmente recomendo você assistir Shinsekai Yori, a propósito.
Tá, agora que você entendeu o que é ficção especulativa... e o que Deadpool 2 tem haver com isso? Apenas tudo.
Como todo mundo deve saber, Deadpool é um filme de super-herói com classificação etária acima de 18 anos (não vou discutir as tecnicidades de classificação etaria dos governos). O que isso significa? Bem, que eles podem colocar qualquer quantidade de violencia que eles quiserem no filme.
Tá, certo, mas o que isso REALMENTE significa? Ora, significa que eles podem colocar QUALQUER quantidade de violencia no filme. E quando você começa a entender essa premissa, as coisas ficam realmente diferentes. Porque se X é outro, levará a um resultado Y completamente diferente!
E foi exatamente o que eles fizeram aqui!
Vê, um dos meus maiores problemas com o primeiro filme do mercenário tagarela foi que eles tinham liberdade para explorar isso o quanto conseguissem imaginar... e fizeram um filme absolutamente comum que podia colocar absolutamente qualquer personagem no lugar do Deadpool que não mudaria nada. Porra, aí tu me fode o meio campo, abiguinhu!
Não, pensa comigo: o Deadpool é, para efeitos práticos, praticamente imortal. Então porque lutaria igual a todos os outros heróis que tem que se preocupar com bobagens como não morrer ou evitar ter todos os ossos do corpo moídos tal que caberia em um saleiro? Uma vez acostumado com a sua imortalidade, o Deadpool teria necessariamente um estilo bem único de lutar, certo?
Pois então, é exatamente o que vemos aqui. As cenas de ação são realmente interessantes de se assistir porque é algo único, algo que nenhum outro herói poderia exercer na tela. Isso quer dizer que ele luta, por exemplo, considerando ter o seu braço quebrado em quatro partes diferentes como parte da estratégia. Aí sim, aí senti firmeza!
Eu comecei falando justamente das cenas de ação, porque é justamente esse o espirito que os produtores tiveram para esse filme: contar uma história que só poderia ser contada com o Deadpool. E foi exatamente o que eles fizeram.
O filme começa com nosso herói fazendo o que faz de melhor: matando caras maus por sacos de dinheiro, feliz com sua cutie pie Morena Baccarin... hm, talvez até feliz demais. Logo no começo do filme? É, todo mundo sabe o que inevitavelmente acontece em seguida.
A coisa é, no entanto, que Deadpool 2 não é um filme de vingança. Qualquer herói, não herói ou Dalmata de 3 patas (momento piada Rafinha Bastos) pode perder alguém e sair em busca de sangue, morte e vingança. Meh. O que faz de Deadpool 2 realmente único é que o filme não é sobre isso, e sim que Wade Wilson é imortal e não tem a opção de se juntar a ela. Não que ele não tenha tentado, acreditem.
Preso nessa vida, e com ajuda de alguns X-men que são segundo escalão o demais para não aparecerem nos filmes da Fox, ele começa a cogitar que talvez sua vida talvez deva ter um propósito maior. Sem mentira, lembra muito Blade of the Immortal em alguns aspectos e isso é legal, esse é exatamente o tipo de história que você precisa especificamente do Deadpool para contar e esse é o tipo de coisa que eu esperaria ver em um filme do Deadpool.
Claro, Deadpool sendo Deadpool isso necessariamente envolve viagens no tempo, a formação da pior equipe de super heróis de todos os tempos (ou, como descrito pelo Deadpool, "personagens jovens o bastante para levar a franquia para frente pelos próximos 10, 15 anos") e da Yukio. Oh, hi Yukio!
Mas quer saber? Isso é coisa boa, e todas as escolhas funcionam muito bem porque nós nos importamos com os personagens, importamos com o resultado das lutas, importamos se vai dar certo ou não. Isso faz as piadas boas serem ótimas, e as piadas ruins serem engraçadinhas. Porque é assim que funciona e isso FAZ diferença.
Imagine, por exemplo, o The Rock contando uma piada ruim. Ora, é impossível, a gente adora esse cara, então mesmo a pior piada do mundo ainda seria, no mínimo, bacana. Conexão emocional com os personagens ajuda o humor, ajuda a ação e ajuda as consequencias. Nós relevamos os erros de quem gostamos e lembramos com mais cor dos seus acertos - indiferença é uma reação do publico infinitamente pior do que ódio, por exemplo.
Falando em piadas, Deadpool 2 pode ser descrito, em muitos aspectos, como mais do mesmo. Wade Wilson esmaga a quarta parede enquanto conta uma história de cliches de gênero levemente distorcidos, mas o que a distingue é um senso consideravelmente maior de propósito. A sequência é muito do que muitas pessoas esperavam do primeiro, mas que não conseguiu.
Em um nível granular, as piadas específicas são mais fortes - o Wolverine é mais espetado que na luta contra o X-24, as piadas sobre a Marvel precisam de mais contexto para entender (como quando ele diz para o Cable "Sossega aí, Thanos", não é todo mundo que entendeu a piada), a situação do DCEU é brutalmente abordada e por aí vai.
Para ter uma ideia do quão meta são as piadas desse filme, sabe quem é o ator que "interpretou" o Vanisher, o homem invisivel? Ora, apenas fucking Brad Pitt. Não, sério, a piada é essa: você consegue Brad Pitt para fazer um cameo no seu filme e ele é o homem invisivel! Isso tão é tão imbecil quanto genial, e esse é um tom de piada com o qual eu me sinto muito confortavel em presenciar.
Então entrei para ver Deadpool 2 totalmente preparado para me sentir excluído, mais que o Gavião Arqueiro em Infinity War. Mas o Deadpool 2 é mais do que apenas uma sequência feita de qualquer jeito porque, hey, vai dar dinheiro, né? (já falo com você, Jurassic World, espera tua vez). É uma sequencia "que foi feita porque vai dar dinheiro" que quer genuinamente ser boa. É um filme com uma profundidade emocional surpreendente e, especialmente em como ele lida com a história de um certo personagem adolescente.
Mas então, o que mais você poderia esperar de David Leitch, o homem que substituiu Miller na cadeira do diretor depois que Miller se desentendeu com Reynolds, e que é descrito nos créditos como "um dos caras que mataram o cachorro de John Wick?". Basta dizer que é o filme de super heróis com o melhor super poder já apresentado em um filme (quem não ficou com vontade de ver "Domino vs Final Destination", hã? Olha a dica, Hollywood), tem a melhor cena pós-créditos de todos os tempos e tem o Terry Crews. Foda pra caralho.