Onde a magia acontece

[OSCAR 2018] THE ROOM (ou o maior filme de todos os tempos)

| quinta-feira, 31 de outubro de 2019
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Seguindo nossa programação cinematográfica do ano, o filme dessa semana seria "O Artista do Desastre". Seria, porque o filme baseado no livro escrito por Greg Sesteros conta a história da produção daquele que viria a ser o maior filme de todos os tempos. Por este motivo, eu sei que vocês vão me entender quando eu deixar de lado o filme justamente indicado ao Oscar e falar sobre a obra prima de todos os tempos.

Afinal, para falar sobre a réplica quando podemos falar sobre THE REAL DEAL, não é mesmo?


Ok, então provavelmente você já ouviu falar do filme de 2003 "The Room", que é considerado por muitos como o pior filme jamais feito. Dirigido, produzido e estrelado pelo então estreante Tommy Wiseau, foi um fracasso de bilheteria quando lançado mas se tornou um fenonemo cult com o passar dos anos, com salas lotadas no mundo todo e trocentolhões de DVDs vendidos.

Claro, a maior parte das pessoas faz isso para rir do humor involuntário do filme, mas o que você pode não ter se dado conta é que todas estas pessoas estão erradas. Muito erradas. The Room não é um filme ruim, na verdade é um ótimo filme. Na verdade, é uma obra prima.


Vamos ver melhor sobre isso.

Muitas pessoas reclamam que The Room tem uma trama incompreensível, mas na verdade é muito simples. Conta a história de um homem de aparência totalmente normal chamado Johnny, cuja vida perfeita desmorona quando sua futura esposa Lisa começa a ter um caso com seu melhor amigo Mark. Infidelidade é, obviamente, um topico tabu no cinema e um filme que decide explorar um assunto tão pouco discutido na sétima arte merece todo meu respeito.

Mas é claro que o filme não para aí. Tommy povoa o filme com uma miriade de personagens secundários interessantes, que trazem uma perspectiva única, cada qual com seu próprio subplot que adiciona um novo nível de profundidade psicologica e dramatica ao filme, ao mesmo tempo que trabalha o mensagem tema do filme.

Por exemplo, vejamos o personagem  Danny. Ele representa a inocencia da infancia, porém durante o curso do filme descobrimos que Danny na verdade está envolvido com drogas - então representando a corrupção da inocência. Corrupção da inocencia é o tema do filme, da mesma forma que acontece com Johnny ao ser traído por sua noiva e seu melhor amigo. BAM! Tema recorrente! MINDBLOW!

E, ao mesmo tempo, esse subplot mostra o quão Johnny é bom e generoso (Danny é um órfão que Johnny se dispõe a criar), exponenciando o impacto que sofreremos com a traição que ele sofre. BUM! Interligação! Obra-prima!

Literalmente, cada personagem serve a um propósito integrante a trama central, como Peter - o psicologo que num minuto adora Lisa e no instante seguinte a odeia, ou Michelle e seu namorado Mike que apontam que chocolate é o simbolo do amor - simbolizando a voracidade da nossa sociedade consumista, para não mencionar trazer a tona a questão das roupas debaixo, frequentemente fruto de trabalho escravo infantil. Toda aquela cena aparentemente sem conexão com nada sobre o sujeito ter suas cuecas exibidas, na verdade é sobre a verdade das condições de trabalho na confecção desse produto. Uma discussão social relevantíssima E, preste atenção, MÃO DE OBRA INFANTIL = CORRUPÇÃO DA INOCENCIA.



ARTE! NA SUA CARA!

Meu ponto é que Wiseau podia ter enchido esse filme com personagens unidensionais genéricos como tantos outros filmes fazem, mas aqui cada personagem tem uma história interessante que nos faz importar com eles.

Algumas pessoas, por exemplo, tem problemas com essa cena:


Lisa descobre que sua mãe tem cancer de mama e isso nunca é mencionado novamente. E é por isso que esse filme é brilhante: uma coisa que eu repito frequentemente aqui é que uma caracteristica de um personagem não pode ser o que o define. Tipo quando um personagem é gay, o filme NÃO PRECISA ser sobre um personagem homossexual enfrentando problemas relacionados ao tema e ser sobre isso. Não, ele pode - e deve - ser um personagem normal cuja uma das caracteristicas é ser homossexual - porque é isso que homossexuais são, pessoas normais que tem uma característica mas não são APENAS isso.

Wiseau compartilha da minha visão, ao colocar no filme uma personagem com cancer que não é definida por isso. Mais do que ser uma portadora de cancer, ela é um ser humano complexo!

Isso é uma narrativa inovadora e ousada! O filme não precisa ficar nos lembrando que ela tem cancer, essa informação já foi plantada e está ali para jogar uma nova luz em todas as ações da personagem. Ou vocês querem o que, os filmes bosta do Christopher Nolan onde literalmente tudo que está acontecendo na tela é narrado por um personagem porque ele acha que sua audiencia é composta por completos imbecis?

Isso é profundidade, isso é cinema em seu melhor!

Muitos apontam que esse filme apresenta um retrato misogino e ultrapassado das mulheres, mas eu não vejo dessa forma. Não, sério, o que é que tem nesse  filme que soe remotamente sexista? Sim, claro, todas as mulheres desse filme estão em algum nível tentando tirar vantagem de algum homem inocente (seja usando o dinheiro de Tommy, seja fazendo sexo na casa dos outros), mas isso é realmente ofensivo?

O publico não reclama quando as mulheres são relegados a papeis secundários, sem iniciativas proprias e apenas elementos de cena para os homens brilharem? Bem, aqui elas são a força motivadora do filme! Tudo acontece nesse filme porque uma mulher decide que fará as coisas do seu jeito! Ora, isso é empoderamento em seu melhor! Lisa decide que quer usar a grana do Mark e dar uns pegas no seu amigo gostoso, e é isso que acontece! O que Lisa quer, Lisa tem! Way to go, girl!

Sério, eu não vejo como alguma mulher poderia ter algum problema com esse filme.

Na progressão do filme, Lisa revela para sua amiga Michelle sobre seu caso com Mark e muitas pessoas apontam nessa cena o distraente detalhe do pescoço da Lisa mexendo como um tipo perturbador de tumor vivo. 


O que é isso? Bem, eu passei muito da minha vida com profissionais de saúde... embora eram profissionais de saúde mental, então isso não vai ajudar muito... Mas o ponto NARRATIVO é que essa glote do capeta é uma manifestação física da culpa de Lisa, e então eu te pergunto: quantos filmes tem atores que entregam essa fisicalidade toda? 

Ou então quando Mark decide raspar a barba, uma cena dramática e poderosa que denota sua resolução em ser um novo homem... apenas para na cena seguinte ser seduzido novamente. Drama, tentativa de novo recomeço fracassada, conflito. Arte.

Logo após a cena do barbear, alias, os personagens decidem jogar uma partidinha rápida de futebol americano, embora para isso eles tenham que convencer Peter a faze-lo - mostrando que ele é mais facilmente persuadido do que alguns dos psiquiatras que eu frequentei - e eventualmente ele cede.


Sobre essa cena, alias, as pessoas frequentemente se perguntam porque eles jogam futebol americano num espaço tão pequeno e usando ternos, mas então eu tenho que te lembrar do tema recorrente do filme: corrupção da inocencia. Os espaços urbanos foram reduzidos, diferente de um tempo mais pueril, ao mesmo tem em que representa Mark e seus amigos estão brincando com suas vidas ao ceder as tentações. Peter cedeu a provocação para jogar, e termina com a cara no chão.

Como será que isso vai acabar para você e seu caso com Lisa, heim Mark?

O filme é todo permeado por pequenas nuances assim, que subconcientemente vão levando o espectador a conclusão do inevitavel desfecho. Um item que funciona muito bem nesse sentido são os estranhos pilares gregos na parede.



Bem, os pilares na parede tem algumas funções metanarrativas muito relevantes para história:

1) Em algumas cenas eles simplesmente desaparecem, transmitindo a mensagem que o futuro não está escrito em pedra e somos responsaveis por nossos proprios destinos. 

2) Transmitir realismo a cena, afinal seria praticamente ofensivo com a realidade a qual nos acostumamos não ver um pilar sem função estrutural alguma na parede de um apartamento (que pode ser uma casa também).

3) Remeter as tragédias gregas, grande fonte de inspiração desse filme. Ou, melhor ainda,evocar o ambiente de uma arena romana, onde a inocencia e os bons sentimentos de Johnny são sacrificados á leonicidade de Lisa.

Toda esse nível de detalhe na composição de cena é o que torna The Room realmente grande. Sério, o que dizer de um filme que tem retratos emoldurados de colheres de prata? Se emoldurar objetos do cotidiano, meus amigos, não é arte, então eu decreto que a arte simplesmente não existe nesse mundo.


Mas caso a genialidade da coisa toda tenha passado por você, me permita então compartilhar as palavras de sabedoria do homem, da lenda, do mito sobre o assunto:


Uau. Apenas uau. Eu não lembro de ter visto um filme com tanto detalhe e atenção as pequenas coisas na minha vida!

Os detalhes, é claro, não se limitam apenas aos aspectos narrativos da história. Tommy Wiseau insistiu em filmar o filme simultaneamente em formato digital e em pelicula de 35mm. Não alternando entre os dois estilos, e sim literalmente amarrando juntas duas cameras completamente diferente para filmar o filme todo. Cada tipo de camera, saiba você, tem sua própria equipe especializada, requer iluminação customizada e varios outros aspectos tecnicos que fazem com que, em termos de equipe e produção, Tommy na verdade tenha pago por dois filmes ao mesmo tempo.



Esse é um dos principais motivos pelos quais o filme custou mais de 6 milhões de dolares, mas é o custo da perfeição, da inovação tecnologica, DA ARTE! Onde cineastaas menores cortariam suas despesas pela metade escolhendo um formato antes de começar a filmar, NÃO TOMMY WISEAU!

Mas porque Tommy escolheu fazer dessa forma? Porque ele é burro? Não, pelo contrário, ele é um gênio. Porque o filme esta para ele tal qual Lisa está para Johnny,e o que acontece no filme? Lisa o trai mesmo depois de tudo que ele investiu (financeira e emocionalmente) nela. No equivalente da vida real, o filme o apunhala pelas costas ao ser um fracasso de bilheteria.


Essa é uma mensagem metalinguistica de TRÊS MILHÕES DE DOLARES! Quantos filmes podem se orgulhar de gastar TRÊS MILHÕES DE DOLARES para passar uma metamensagem que provavelmente ninguém perceberia? Não Cidadão Kane, eu te digo!

Claro que a VERDADEIRA ARTE não vem sem um preço, e passaram três diferentes cinematografos, além de várias equipes  que simplesmente desistiram durante os seis meses de produção (que deveria ter levado dois). Mas os resultados finais falam por si mesmos.

A equipe de produção não foi a única a faltar visão, contudo, já que o ator que interpretava o psicologo Peter simplesmente desistiu no meio das filmagens (o que prova seu compromentimento com o papel, já que eu tive mais de um psicologo que desistiu de mim também) e teve que improvisar um "novo amigo" chamado Stephen para as cenas finais do filme. Afinal, o que é a arte sem desafio, não é mesmo?

Quer dizer, porque as pessoas reclamam da ausencia de Peter mas não da ausencia de Paul Walker nas últimas cenas de Velozes e Furiosos 7? Aparentemente só é ok você não comparecer para terminar de gravar o filme se você é um queridinho do publico, mas enfim...

Falando em terminar, poucos filmes possuem um final mais concatenantes, coesos e épicos do que o final desse filme. Em uma sequencia de eventos que abrange toda jornada de ruína de Johnny em uma única cena, ele dá uma sarrada no vestido que ele comprou para Lisa no começo do filme e então se mata com a arma que tomou do traficante que ameaçava Danny.

BANG, MOTHERFUCKER! TUDO ESTÁ CONECTADO!

Não apenas a honestidade intelectual do filme nos pega de surpresa, como a intensidade de suas atuações derradeiras - deixando em todos nós uma marca emocional que jamais será apagada. Sério, quem um dia esquecerá momentos como esse?


The Room atinge uma profundidade emocional que poucos filmes sequer ousam tentar, e o faz com uma naturalidade jamais vista antes. Eu genuinamente acredito que o principal motivo pelo qual The Room tenha uma fama tão ruim é que as pessoas ficam tão chocadas ao se dar conta que tudo mais que elas assistiram na vida é puro lixo em comparação, que acaba desencadeando um mecanismo de auto-defesa tentando justificar que não jogamos nossa vida fora até o momento de assistir The Room.

É a mesma coisa, por exemplo, que faz alguém dizer que Cavaleiros do Zodíaco é um bom anime. Porque admitir a verdade, que é uma bosta fedorenta aquecida a temperatura ambiente, seria o mesmo que admitir que a sua infancia foi um bosta. E isso é mais do que as pessoas tem maturidade para fazer.

Mas se, apenas por um momento, você se libertar da vergonha - e do que os psiquiatras dizem para fazer, no meu caso, aqueles cretinos se achando melhor do que eu, eu vou mostrar só pra eles - e assistir The Room com a mente aberta, será recompensando uma regojizante sensação de "ahahaha, mas que história!".

[OSCAR 2018] THE ROOM (ou o maior filme de todos os tempos)

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[FILMES] OS INCRIVEIS 2 (ou o dia de folga do Sr. Incrível)

| terça-feira, 29 de outubro de 2019
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Nos anos 50, após uma série de animações "documentários" curtas o Pateta foi transformado em um homem de família passando pelas provações da vida cotidiana, representando as dificuldades do cidadão comum com coisas como fazer dieta, deixar de fumar, o stresse de trabalhar demais, como as pessoas se comportam no transito e os problemas de criar filhos.

Claro que muitas confusões acontecem, mas a ideia dos desenhos era apresentar confusões com que os espectadores pudessem se identificar. Isso é particularmente verdade no episódio "O dia de folga do papai", onde a senhora Pateta sai para... fazer alguma coisa... e o Pateta fica em casa cuidando das coisas. "Trabalho de casa é moleza", ele diz. "Para quem administra uma empresa, manter uma casa em ordem é praticamente um dia de folga", ele diz.

E, como se poderia esperar, ao voltar para casa a senhora Pateta encontra o caos instalado. Para quem não está ligando o nome a pessoa, esse é aquele famoso episódio do beijo do leiteiro - uma piada que só fui entender 65 anos depois que esse episódio foi feito.


 Bem, sim, eu disse 65 anos porque esse episódio foi ao ar em 1953. Agora, porque eu estou falando de um desenho do pateta satirizando situações cotidianas de 65 anos atrás? Porque "Os Incríveis 2" é um filme de 2018 que trata sobre esses mesmos assuntos como se fossem uma discussão super séria.



Aqui, o grande tema do filme é que a Mulher Elástico tem que levar seus quadris que roubam a atenção em toda e cada cena para trabalhar e o Sr. Incrível fica em casa cuidando das crianças. E é isso, a piada é essa.

Esse quadril é meu maior poder e minha maldição, amirite or amirite?


Quer dizer, eu não sei, talvez isso realmente seja uma questão relevante para muita gente - eu me importo tão pouco com o que as pessoas pensam que só descobri essa semana que o Instagram é a nova rede social do momento - mas eu não consigo deixar de achar isso profundamente idiota.

Ok, a mulher vai trabalhar e o homem fica cuidando da casa e tal. E...? Alguém que não tenha uma barra de césio 137 enfiada no nariz vai dizer que isso tem alguma coisa demais? Estamos em 2018, pelo amor dos Naaru, e eu assisto um filme que aborda um tema que era relevante para a sociedade de 1953?

Mas enfim, o grande grosso do filme é sobre o Sr. Incrível sendo "homi" enquanto sua esposa pega no batente - que são cenas de ação muito boas, na verdade, e usos muito criativos dos poderes dela (o que meio que me deixa triste porque me lembra que jamais veremos um filme decente do Quarteto Fantástico pelos próximos dez anos, pelo menos!). As crianças foram reduzidas a apenas gags para as trapalhadas de "homi" do Sr. Incrível e mal tem um arco de personagem (Flecha realmente não tem nenhum, e Violeta é sobre impressionar um boyzinho e como o pai dela lida comisso). Zezé continua sendo o alivio comico, agora com superpoders. De fato, com quase todos eles (inspirado em Franklyn Richards, porque o filho do Sr. Fantástico e da Mulher Insivel acontece de ser O mutantes mais apelão e poderoso do universo!).



Acho que foi isso que mais me decepcionou, na verdade. O primeiro filme termina com todos os personagens concluindo seus arcos em trabalharem juntos como um time, e você apenas espera ver mais dessa dinamica, certo?

Bem, não. Não no turno de Brad Bird, não senhor! Tudo como dantes no quartel de abrantes, acho até que regredimos um pouco aqui!

De fato, Incríveis 2 está longe de ser um filme tão bom quanto o original e nem de perto ser considerado a melhor sequência da Pixar (que ainda é quase certamente Toy Story 2 depois de todos esses anos depois), mas também está longe de ser Carros 2 quando se trata da impressionante lista de "sequencias ruins da Pixar".

E, no entanto, dado o pedigree único que a saga de super-heróis de Brad Bird detém no estúdio, que Incredibles 2 chega (talvez inevitavelmente) como uma decepção significa que o filme está sobrecarregado sob uma distinção duvidosa que ninguém teria desejado : a mais decepcionante continuação da Pixar.

Isso não quer dizer que o Incredibles 2 é como um filme ruim - até mesmo os raros detratores admitirão com entusiasmo que ela apresenta inigualável animação, uma trilha sonora impecavel de Michael Giacchino, e o bem-vindo retorno a estética retro-futurista dos anos 60 e um punhado de cenas de ação individuais (uma batalha de abertura e brutalmente brutal entre Elastigirl e o novo vilão The Screen Slaver em particular) tão impressionantemente encenadas que por si só re-justificam a reverência para com o escritor / diretor Brad Bird. E é claro, para fãs nostálgicos cujo principal interesse é ver uma nova aventura com o Sr. Incrível, o Elastigirl e sua família, o filme mais ou menos oferece isso.Mais ou menos.

Então por que o film acaba se parecendo ser muito menos do que a soma de suas partes?

Bem, em primeiro lugar, é dificil ser a sequencia de um filme tão bom quanto "Os Incríveis": uma animada homenagem ao gênero super-herói (antes de super heróis serem o que são hoje para o cinema) que também usou o contexto do gênero para explorar grandes questões sobre individualismo, sociedade, liberdade e responsabilidade. Em um enredo simples e direto. Em um mundo onde é ilegal os Supers usarem seus poderes para combater o crime, o ex-herói Sr. Incredible descobre um esquema de um ex-fanboy descontente para eliminar o último deles e desencadear um desastre superescalonado para que ele possa parecer um super-herói. Há subtramas extras, com certeza - principalmente centradas no resto da família e em seus relacionamentos -, mas tudo isso remete aos temas centrais da reconciliação da alegria (e também do fardo) de ser um indivíduo dotado com a responsabilidade de alguém (mas também apreensão de) todos os outros.

Mas desta vez, a história principal vêm com complicações extras e histórias paralelas que realmente não se ligam tematicamente ao arco principal e, ao invés disso, acabam se sentindo como um punhado de ideias de "continuação" do estágio de planejamento que ficaram na versão final. Em outras palavras, o tipo de problemas que se espera de seqüelas obrigatórias de grana instantânea logo após um grande sucesso (aka Jurassic World 2), mas não de uma continuação feita 15 anos depois, que demorou tanto que muitos acharam que jamais seria feita.

Onde o filme original elevou a barra a um novo patamar a Pixar e para todo o gênero de super-herói animado ou não, sua sequência parece mais um episódico generico de meio de temporada ("esta semana no The Incredibles ... ") onde nada particularmente notável ou importante ocorre na história. 

Incriveis 2 não tem nada realmente a dizer.



Isso seria ok se fosse um filme lançado apenas um ano ou dois depois do original, como uma seqüência típica do gênero nos dias de hoje. Mas chegar aos cinemas com tão pouco a dizer e ao mesmo tempo ser tão carente de gravidade dramática (ou emocional) depois de estar sendo cozinhado por quinze anos? É assim que você entrega uma super desilusão (trocadilho intencional) mesmo que você evite fazer um filme ruim.

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[ANIMES] K-ON! (ou no Japão, ser brasileiro é piada)

| domingo, 27 de outubro de 2019
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Humor é uma coisa engraçada. Hm, bem, essa frase não saiu bem como eu esperava, vou tentar de novo: humor é uma coisa mais interessante de se analisar do que parece, porque depende de vários fatores muito dificeis de explicar e mais ainda de acertar.

Tem muito haver com o timming, com a bagagem cultural de quem ouve e com quem você odeia. Por isso videogames, animes e o humor brasileiro de antes dos anos 90 tem tenta dificuldade em serem engraçados. Por exemplo: quando o Costinha contava uma piada (e ele executava isso magnificamente bem) sobre uma bichinha, um negro ou um nordestino, a graça não era tanto no conteudo da piada mas sim do conceito que aquela classe de ser humano era motivo de chacota e todos se sentiam bem pisando um pouquinho mais nela.

Era um tempo que se usava tranquilamente "viado" como xingamento, por exemplo, pq ser homossexual era a pior insinuação que alguém poderia sofrer. Hoje, eu evito contato com pessoas que pensam dessa forma, mas se necessário for eu recomendo o cidadão procurar ajuda médica porque ele pode ter um tumor pressionando seu cerebro e diminuindo suas faculdades mentais, ou é um completo imbecil. O primeiro tem uma chance de ser curado.

Em outra categoria, videogames tem enormes dificuldades em serem engraçados porque o jogo não tem controle absoluto do timing de sua execução. Com efeito, eu não consigo lembrar do topo da minha cabeça algum jogo que seja realmente engraçado, que eu tenha dado risada jogando. Posso lembrar de jogos que me fizeram chorar, jogos épicos e jogos que me fizeram refletir, mas engraçado, de verdade?

Com muito esforço eu posso lembrar de... Monkey Island e momentos bem especificos de Undertale e os jogos da Behemot (Castle Crashers e Battleblock Teather), mas não muito que isso. Então, é, jogos dificilmente são engraçados.

Animes, por sua vez, sofrem de todos os problemas citados acima (nós não odiamos as mesmas pessoas que os japoneses, e não temos a mesma noção de timing para comédia) com o adicional de que a bagagem cultural deles simplesmente não funciona para a gente. Isso porque grande parte do humor vem da inversão da expectativa, e um exemplo bem claro que eu posso dar é que o Rafinha Bastos construiu a carreira inteira dele em cima da mesma piada: ele dá dois exemplos sérios e então um terceiro absurdo.

Tipo: "Coisas que não funcionam: bandaid usado, astrologia e ... esperar ser abduzido enfiando uma banana na bunda". Se duvida, quando assistir um video dele repare que ele certamente vai fazer essa piada do "sério, sério, inversão de expectativa com nonsense".

O problema com os animes é que o que os japoneses esperam é algo completamente alienígina para quem não vive aquela cultura. No Brasil, por exemplo, perder o prazo para preencher um formulário não é sequer engraçado, é como nós fazemos as coisas por padrão e as autoridades já partem desse pressuposto tabelando uma prorrogação de prazo antes mesmo da coisa ser lançada. No Japão, isso é uma coisa tão impensavel, tão fora da realidade que chega a ser engraçado alguém sugerir isso.

Ou então tente explicar para um japones o que é um flanelinha (basicamente, um cara que decide que da cabeça dele que aquela rua é DELE e que vai foder o seu carro se você não pagar uma "taxa de proteção" pra ele e está tudo certo, todo mundo aceita isso como super normal), e tente convence-lo de que isso não é uma piada. Boa sorte com isso.

Eu tenho uma tese que o que define o limite entre o que é engraçado de tão absurdo esta diretamente ligado com o quão boca-braba um lugar é, o quanto mais cascudo ele exige que seus habitantes sejam. Uma cena que seria bizarra no Japão (digamos, alguém sair na rua constantemente olhando por cima do ombro para evitar que um trombadinha leve sua bolsa), seria totalmente "ué, super normal isso" no Brasil, da mesma coisa que coisas que nós brasileiros achamos exageradamente comicas não são nem rodapé de jornal na Africa ocidental.

Mas porque eu estou falando tudo isso sobre um anime de menininhas fofinhas? Porque K-on é justamente sobre isso: para os japoneses as meninas desse anime são hilarias de tão absurdas. Para nós brasileiros, elas seria apenas brasileiras tão comuns que é até dificil entender onde está a piada aqui.

 E como isso funciona?


Bem, o K-on (que vem de "keion", que é mais ou menos o equivalente japones para o smooth jazz americano) é o pior clube de atividade extracurricular da sua escola. Suas integrantes são todas cabeças-ocas, com a capacidade de atenção de um gato diante de um laser e elas basicamente se reunem apenas para lanchar e bater papo, apenas em situações muito especificas elas fazem coisas como ensaiar ou tocar música... num clube de música.

Tá, e daí? Bem, se você for brasileiro, nada. É absolutamente comum perverter a função de uma organização apenas para ficar batendo papo, ganhando créditos curriculares e lanchando. Isso é até esperado! Mas para os japoneses? Loucura, loucura, loucura, maestro Vini!



Grande parte do "humor" de K-On vem justamente da "brasileirice" das personagens. Elas são irresponsaveis, usam roupas inadequadas e tem um habito de ficar tocando nas pessoas o tempo todo. Os japoneses, saiba você, detestam esse tipo de comportamento e apenas muito recentemente o aperto de mão se tornou algo mais ou menos socialmente aceitavel por lá. As meninas ficam constantemente se abraçando e tocando nos rostos (quando não peitos) umas das outras, e para os japoneses isso é tão bizarro que chega  a ser engraçado.

Para salientar ainda mais esse ponto, depois da segunda metade do anime chega uma integrante nova no clubinho que é uma tipica japonesa, e ela se sente extramamente desconfortavel com toda essa "brasileiragem" onde as outras meninas ficam constantemente dando apelidos, pegando nela e fazendo ela usar roupas ridiculas. Chegaria até configurar bullying, não fosse deixado claro o suficiente que as meninas do clube são idiotas demais para haver alguma maldade no que elas fazem.



O ponto aqui é que, mais uma vez, para nós que estamos acostumados a esse tipo de coisa (bem, eu odeio isso e se pudesse tinha uma ordem de restrição judicial de 50m de toda raça humana, mas digo enquanto sociedade), não tem nada realmente demais nesse tipo de comportamento. O que tem demais a presidente do clube ser irresponsavel demais a ponto de entregar um formulario importante depois do prazo e pedir para uma amiga dar um "jeitinho" da inscrição delas valer assim mesmo?

Aqui, absolutamente nada. Na verdade você vai ser visto como um esquisitão se não esperar que as coisas funcionem desse jeito. No Japão... ARE YOU FUCKING CRAZY MODAFOCKA?!? HILARIOUS LOL LOL LOL.

Esse, basicamente, é o ponto de venda de K-On enquanto comédia e como parece ter ficado claro até aqui, não é uma comédia tão engraçada se você não foi criado com os valores culturais japoneses.

Mas isso quer dizer que o anime é ruim?



Não totalmente. Afinal, estamos falando de um anime da fodenda KYOTO ANIMATION e se tem uma coisa que eles não fazem é anime mal feito. O que significa que a fluidez da animação é espetacular, a composição dos backgrounds tem tantos detalhes que implodiriam o Kurumada e a dublagem é alguma coisa espetacular.

Sério, tem um episódio que a protagonista fica rouca de um ensaio doido que ela tentou e a dubladora dubla ela o episódio todo com uma voz avacalhada, onde dá pra sentir que ela (a dubladora) deve ter parado a cada cinco minutos para explodir de rir  de tanto que ela estava se divertindo fazendo isso. 




Aproveitando para falar das personagens um pouco, não tem nada particularmente inovador ou profundo aqui. Da formação inicial do clube, Yui é a preguiçosa, lerda e meio idiota. Ritsu é enérgica e meio sem noção, tipo da Rainbow Dash. Mio é a menina timida que fica assustada ou envergonhada extremamente fácil. Tsumugi é a garota rica, legal e porém sem a menor noção de como o mundo funciona quando você não é podre de rico.

Como dito, elas têm em comum serem idiotas em variados niveis. Na verdade, apenas dois personagens deste programa parecem ter cérebro funcional: Ui, a irmã mais nova de Yui (uau, a irmã mais nova que é responsavel, hilario se você for japones), e Nodoka, a melhor amiga de Yui.

Tem também Sawako, a professora conselheira do clube de música. Quando você a conhece pela primeira vez, aprende que ela é vista como o auge da feminilidade gentil entre seus alunos e até mesmo seus colegas. Seu passado é, na verdade, uma das pouquíssimas brincadeiras engraçadas que o programa tem a seu favor. Você vê, há muito tempo atrás, ela confessou seu amor a um cara que ela gostava, apenas para ser rejeitada por ser muito tímida e retraída.
Então, o que ela fez? Ela se juntou ao clube de música suave ... como uma musicista de rock de metal punk, rugindo, rosnando e tocando violão com os dentes com a mesma frequência que suas mãos. Naturalmente, ao confessar seu amor mais uma vez, ela foi informada de que estava levando a coisa toda longe demais, e toda a comédia de flashback é deixada assim, com as garotas usando seu passado para pressioná-la a se tornar conselheira do clube. Infelizmente, esse não é o humor que Sawako fornece nesta série depois de tudo dito e feito. Em vez disso, quando ela não está passando seus dias tomando chá no clube de música, ela está assediando as garotas (principalmente Mio) contra sua vontade e submetendo-as a seus fetiches de fantasia! Hilário. É.


Sure, keep telling yourself that...

K-on é baseado em uma tirinha de jornal, então é muito mais uma coleção de esquetes de slice-of-life das meninas vadiando do que uma narrativa progressiva. E pela metade inicial da série não é uma coisa ruim de assistir apenas pela qualidade Kyoto Animationesca que eles colocam nessa produção. Sim, claro, não é assim "minha nossa, é uma Violet Evergarden", mas para o orçamento que a série parece ter, é de um capricho e sinceridade muito além do que se pode esperar.

As meninas são bonitinhas (no sentido cute, não no sentido loli), e as patuscadas delas são satisfatóriamente interessantes a principio. Muitos animes funcionam sem um main plot, apenas confiando em esquetes para seguir (como Sakamoto Desu Ga ou Soredemo Machi Wa Matteiru), porém o principal problema é que as piadas acabam rápido e depois da metade da série vemos apenas uma reciclagem das mesmas piadas de novo e de novo.

E, como já previamente mencionado, sequer são gags engraçadas fora do Japão. Ok, eu sei que estou parecendo meio grumpy com o anime, mas eu realmente achei a primeira metade bastante assitivel dos qualidade da execução mais do que o conteúdo. De verdade, eu não me importo de ter que desligar meu cérebro para gostar de um anime, mas espero ser compensado por isso, seja me fazendo rir, aquecendo meu coração, ou me deixando com algo para lembrar. K-ON, após o seu começo satisfatório, esplendidamente falhou em todas as três maneiras várias vezes ao seu decorrer

Como uma série moe de slice-of-life é frequentemente desprovida de qualquer enredo em curso de importância significativa, ela deve confiar nas circunstâncias do dia-a-dia dos personagens, apresentando-os de maneiras novas e inventivas, ainda que familiares, a fim de manter atenção. Surpreendentemente, K-ON! segue uma história linear, embora frouxamente conectada, mas nada interessante acontece na rotina delas.

Não surpreendentemente, os melhores episódios do anime são os que acontecem alguma coisa realmente, como elas se apresentando no evento da escola, ou o último episódio que elas vão tocar em uma casa de shows de verdade e episódio todo é sobre os preparativos para isso (passar o som, preencher os formularios para pedir como quer a iluminação e efeitos sonoros, etc). Isso acontece com pouca frequencia, entretando.

Falando em música, eu realmente preciso falar sobre isso. Em teoria, o show deveria ser sobre música (afinal o clube que elas se reunem é sobre isso), porém a música em si é sonoramente relegada a um terceiro ou quarto plano aqui. Não só porque as meninas são preguiçosas demais para se dedicar a isso, como a produção do anime corta valores justamente nesses momentos.

Então se você está esperando pelo mesmo tipo de animação durante as sessões de música, como naquele episódio de The Melancholy of Haruhi Suzumiya (que também foi feito pela Kyoto Animation, é uma das melhores cenas de música da história dos animes), você está sem sorte.


 A Melancolia de Haruhi Suzumiya é um desperdício incrível de um conceito genial, mas puta merda que cena de música bem animada


A animação durante esses segmentos é preguiçosa. (e sim, definitivamente eu estou dizendo isso de um anime da Kyoto Animation, pasmén!) Por alguma razão desconhecida, K-On, com raríssimas exceções, se recusa a mostrar que as garotas tocam seus instrumentos até o último episódio. Sempre que as garotas tocam seus instrumentos, elas quase sempre cortam para outra coisa: uma estátua, o chão, do lado de fora, multidões de pessoas, uma mesa, uma foto de uma rocha. Ou, melhor de tudo, as torneiras de água fora da escola, porque, sim, nós estamos REALMENTE querendo ver isso agora. Qualquer coisa EXCETO elas tocando seus instrumentos.

E se você conseguir vê-las "em concerto", é do pescoço para cima ou de uma grande distância. Eles não podem nem tê-las animadas em um ciclo repetitivo de animação, o que é indesculpável para um anime supostamente sobre música! É como assistir Captain Tsubasa e o show cortando para o céu toda vez que alguém dá um chute que desafia as leis da física, ou Dragon Ball Z animando espectadores assustados durante todas as lutas. Somente no último episódio nós conseguimos ver a banda, de perto e pessoal, enquanto eles estão tocando. Não é a pior coisa de todas, mas é definitivamente muito pouco e tarde demais. Esse é o tipo de atitude que o show deveria ter tido com seus personagens desde o começo, ou pelo menos até - e depois - do primeiro show que elas tocaram.

Essas são as "cenas" que passam durante as músicas, sem mentira
Se assistir K-On fosse o equivalente a ir a um show de verdade, então seria um dos shows mais decepcionantes que você iria. Você começaria com uma grande quantidade de antecipação, até perceber que pagou muito dinheiro por um lugar na parte de trás do estádio. E antes que você perceba, acabou. Tudo o que você teria para são as pessoas à sua frente, todas mais altas do que você (e a maioria delas carregando suas namoradas nos ombros). 

A primeira metade do K-On! é realmente ok, mas é no meio do show que os sinais de alerta ficam altos demais para serem ignorados, e sua única esperança é basicamente se entreter assistindo meninas bonitinha fazendo coisas fofas. Me deixe colocar dessa forma: o anime basicamente se vende para otakus de uma forma que faz Haruhi Suzumiya parecer sutil. E isso é muito ruim, porque se os personagens fossem mais detalhados, e os segmentos musicais realmente tivessem animação neles (ou que eles tivessem mais a ver com música de verdade), K-On! poderia ter sido outro vencedor para a Kyoto Animation. 

Infelizmente, as únicas partes que desfrutamos depois da metade inicial do show (que é quando as piadas se esgotam e as situações apenas se repetem) são os pequenos momentos entre toda a loucura desinteressante é o charmoso relacionamento de Yui com sua irmã mais nova. Esses são os raros momentos em que o K-On! consegue levantar sorrisos, se não necessariamente riso. Mas como um todo, isso simplesmente não funciona como um show de música do tipo "construindo uma carreira musical", e como uma comédia ainda menos. 

Pensando bem, sabe, eu realmente acho que a Kyoto Animation fez um pequeno milagre aqui, toda as coisas consideradas. Pensa comigo: o elenco não é particularmente interessante, a música é ultra socada pra debaixo do tapete, pouca coisa interessante acontece, é basicamente sobre "moe girls doing moe things", o humor simplesmente não funciona se você não for japonês e... eu realmente não odiei esse anime tanto assim, sabe?



Eu sei que eu deveria, mas eu não odiei. Recomendo além do sexto episódio? Não, definitivamente não, mas também não é a pior coisa que você verá em sua vida - o que, pela descrição, deveria ser. Ou seja, como dizem os japoneses: "como esperado da KyoAni!"

[ANIMES] K-ON! (ou no Japão, ser brasileiro é piada)

THE STORY SO FAR: Humor é uma coisa engraçada. Hm, bem, essa frase não saiu bem como eu esperava, vou tentar de novo: humor é uma coisa mais interessan...
POSTADO EM:domingo, 27 de outubro de 2019
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[FILMES] CLOUD ATLAS (ou A Viagem, porque nada que eu escrever aqui será mais sem noção que o titulo brasileiro...)

| sexta-feira, 25 de outubro de 2019
... TO BE CONTINUED »


Cloud Atlas é uma bagunça desgraçada ou uma obra prima? A resposta é sim.

Explicar o que acontece em Cloud Atlas é surpreendentemente simples. Explicar porque merece ser amado e admirado é um pouco mais complicado. A história (baseada em um romance de David Mitchell) é na verdade seis histórias separadas. Em 1849, um advogado moribundo atravessa o Oceano Pacífico. Um aspirante a compositor encontra trabalho como amanuense para uma lenda musical na Escócia dos anos 1930. Uma jornalista de San Francisco em 1973 está envolvido em uma conspiração obscura. Em 2012, um editor foge depois de uma briga com gângsteres. Um clone escravizado luta por sua liberdade em uma versão distópica da Coréia do século 22, e em uma ilha havaiana pós-apocalíptica um pastor ajuda um membro de uma civilização avançada a alcançar o topo de uma montanha.

Tomados por conta própria, cada um desses contos é uma jóia. Como um todo, eles são uma peça de cinema corajosa, brilhante e transcendentalmente bela que leva tudo o que sabemos sobre narrativa e gênero e a transforma completamente em sua cabeça. Não só as Wachowskis e Tom Tykwer conseguiram filmar um romance supostamente não-fílmavel - eles realmente melhoraram o material original.


O romance original de Mitchell apresenta este sexteto de histórias como um conjunto de bonecas russas, cada uma empilhando umas sobre as outras em ordem cronológica antes de serem descompactadas novamente. Essas histórias, que a principio parecem completamente diferentes umas das outras, repetem os mesmos temas sob diversas abordagens diferentes. A história é sobre as diversas formas de escravidão, canibalismo, esperança, o poder de um individuo fazer a diferença. E quando eu digo "abordagens diferentes", é exatamente isso que eu quero dizer.

Vamos-nos a robar 2 puñeteros billones de euros


Falemos sobre canibalismo, por exemplo - taí uma frase que não se diz todo dia. Em uma das histórias é feita uma piada sobre Soylent Green, em outra há a participação de canibais literais embora isso não seja o cerne da história e em uma terceira o canibalismo é todo o ponto da coisa toda. De certa forma, e talvez essa seja uma comparação estranha  a se fazer, lembra aquele quadro dos Barbixas onde uma mesma história é contada várias vezes com diferentes quantidades de tempo disponiveis.

As mensagens morais que estão presentes no romance são aumentadas pela edição do filme - embora às vezes até o ponto em que você tem flashbacks das "lições de moral do He-man sobre livre-arbítrio" que lembra muito os monologos toscos de The Matrix Reloaded. Como muitas outras coisas que as irmãs Wachoswki fazem, as mensagens do filme são ao mesmo tempo maravilhosas e horríveis.



E enquanto o livro é linear de uma história para outra, a edição do filme, por outro lado, as trata mais como um mosaico. Somos apresentados a cada história em uma introdução quase perfeita de cinco minutos, antes de cruzar a linha do tempo de um lado para o outro quase ao acaso. É apenas quando cada história se desenrola e nos afastamos cada vez mais da pintura, que a verdadeira majestade do quadro completo e a habilidade da edição são reveladas.

Enquanto eles saltam loucamente de thriller para ficção científica, para drama de época e até comédia escrachada, as mensagens no coração de cada sequência são quase idênticas. Estas são histórias sobre lutar pela liberdade (seja liberdade de pensamento ou liberdade do cativeiro); sobre as maneiras como mudamos como sociedades e como pessoas, e sobre a busca de redenção em muitas formas diferentes. O que é mais surpreendente é como todas as seis histórias são absolutamente essenciais - tirar qualquer uma delas e o castelo de cartas cair completamente. Até mesmo a história de 2012, que é uma paródia de "Um estranho no ninho", é um testemunho de quão soberbamente escrito é o roteiro.

As frases que parecem apenas soltas, como a referência solta a Soylent Green, assumem uma pungência inesperada quando colocadas ao lado dos motivos recorrentes do filme: "Os fracos são carne e os fortes comem."

Não são apenas os temas que unem as partes do Cloud Atlas - o filme tem um aspecto meio teatral dado o seu elenco pequeno, mas perfeitamente formado, que desempenha vários papéis com uma maquiagem incrível e transforma o que poderia ter sido o truque mais ridículo do filme em sua maior força. Atores como Tom Hanks, Halle Berry e Hugo Weaving mudam de idade, raça e até mesmo gênero para interpretar meia dúzia de papéis cada, e ainda é claro quem está por baixo (na maior parte do tempo: ver quem Halle Berry foi no segmento de Neo-Seul ainda me pega toda vez).


É uma jogada que gerou alguma controvérsia na época e de forma alguma seria feita em 2018. Por que, os chatos das "redes sociais" argumentam, não poderiam ter contratado atores coreanos para os papeis coreanos? Bem, porque fazer isso seria perder todo o sentido do Cloud Atlas. Idéias de reencarnação e recorrência são tão vitais para o enredo, a mesma história contada pelas mesmas pessoas de diferentes formas é a essencia da coisa toda. Esses personagens renascem e, no entanto, cometem os mesmos erros repetidas vezes. Eles são diferentes, mas fundamentalmente o mesmo - algo que as irmãs Wachowski, sem dúvida, entendem enquanto transexuais.

Como Joseph Campbell definiu tão bem, todas as histórias do mundo são fundamentalmente a mesma - mas jamais exatamente a mesma. E esse filme é a forma mais elaborada que eu já vi de ilustrar esse ponto.

Como eu me sinto toda vez que começo a assistir um anime sem pesquisar antes quantos episódios vai ter. Toda. Vez.


Isso, quando tudo está dito e feito, é o motivo pelo qual Cloud Atlas é um marco cinematográfico. Não pela atuação, ou a escrita, ou o visual - embora cada uma dessas coisas individualmente seja incrível, e eu não exagero quando te digo que cada uma das seis histórias seria um filme bastante competente por seu próprio mérito - mas pelo simples fato de que essas loucas realmente conseguiram consegui-lo. Elas deram um salto impossível de fé ao juntar todas essas histórias em um único filme e, ao fazê-lo, fizeram algo como ninguém jamais visto antes. Quando os ganhadores de Melhor Filme da década seguinte desaparecerem de nossa memória, o Cloud Atlas ainda será lembrado como um dos filmes mais ambiciosos e importantes já feitos. 

And dats the true-true.

[FILMES] CLOUD ATLAS (ou A Viagem, porque nada que eu escrever aqui será mais sem noção que o titulo brasileiro...)

THE STORY SO FAR: Cloud Atlas é uma bagunça desgraçada ou uma obra prima? A resposta é sim. Explicar o que acontece em Cloud Atlas é surpreendentem...
POSTADO EM:sexta-feira, 25 de outubro de 2019
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[FILMES] SOLO: A STAR WARS STORY (ou apenas ok na hora errada)

| quarta-feira, 23 de outubro de 2019
... TO BE CONTINUED »


Contexto é uma coisa muito interessante. É dificil lembrar exatamente depois porque as coisas aconteceram do jeito que aconteceram, então eu acho que é um papel relevante das críticas situar o cenário que alguma coisa aconteceu para as gerações futuras.

Enslaved: Journey to West, por exemplo, é um jogo que vendeu apenas ridiculas 75 mil cópias no seu lançamento. O que é um número ofensivo quando você pensa que o jogo tem roteiro escrito por Alex Garland - Dredd, 28 Dias Depois - e atuação de Lindsey Shaw - 10 Coisas que Eu Odeio em você - e ANDY FUCKING SERKIS. As notas do jogo na crítica foram de um sólido 8 pra cima. O que possivelmente deu errado? Bem, foi muito menos o jogo e muito mais uma longa discussão sobre a situação dos games na época, e é uma discussão bem longa que eu não farei agora.

Estudo de caso B: apesar de não haver nada de fundamentalmente errado com ele, Solo, A Star Wars Story é o primeiro filme de Star Wars a não dar lucro - na verdade, escapou de dar prejuízo apenas por muito pouco - e quando você leva em conta que para uma empresa como a  Disney gastar seu tempo com algo de resultado zero implica em tempo não gasto em algo que geraria bilhões, bem, é muito ruim. E o filme, eu te garanto, não é nada tão abismalmente ruim assim. Não é uma obra prima, certo, mas até então os filmes de Star Wars nunca foram nada espetacularmente brilhantes.

Considere que publicidade normalmente não é incluida nos valores de orçamento da produção

Então, o que deu errado? Porque ESSE filme falhou tão espetacularmente onde nenhum filme de Star Wars jamais havia falhado antes?




Quase todas as fontes de notícias especulam na mesma pequena lista de possíveis razões:

- Filmes da Marvel que recentemente saíram competindo por atenção
- Uma espera mais curta que o habitual desde o último filme de Star Wars, reduzindo a antecipação
- Problemas de produção nos bastidores, com a demissão dos diretores Phil Lord & Chris Miller - de Lego: o filme, sendo substituidos pelo diretor mais agua com açucar possível Ron Howard, e boatos que Alden Ehrenreich era um ator tão ruim que teve que ter aulas de atuação no set para pelo menos conseguir terminar as cenas.



 O problema é que nenhuma dessas coisa afeta outros filmes de "grande universo". Se as pessoas confiam em uma franquia - ou no nome de um ator, como o caso do The Rock - elas assistem ao filme e fim da história.

 As pessoas viram Batman v. Superman nos cinemas mais do que viram Solo, apesar de acharem que Ben Affleck seria um Bruce Wayne terrível - não foi. Liga da Justiça mudou de direção e teve muitas refilmagens e ainda superou a bilheteria de Solo por anos-luz de vantagem. A Marvel lança dois ou três filmes por ano e nunca é isso que sabota uns aos outros, e muito menos arruinam outros filmes de super-heróis por conta disso.



De fato, a razão mais provável para os números baixos da Liga da Justiça foi o fato de que Batman v. Superman é um filme pavorosamente ruim. E isso nos indica exatamente por que poucas pessoas compareceram para assistir Solo.

The Last Jedi foi um filme historicamente ruim Com o tamanho de seu orçamento, o número de pessoas brilhantes disponíveis e a experiencia de saber o que funciona e não funcionapara a franquia, Rian Johnson tinha todos os recursos necessários para fazer pelo menos um filme mediano, se não um grande. Mas The Last Jedi foi o filme que fez as pessoas dizerem: "Quer saber? Foda-se. Eu não me importo mais com essa merda". Isso é muito, muito, mas muito pior mesmo do que se elas tivessem odiado o filme.

Bem, depois que você assiste um filme decepcionante você não consegue recuperar exatamente o dinheiro do ingresso, tudo que pode fazer é garantir que não invista mais dinheiro nessa marca. E foi o que aconteceu. Claro, TLJ não foi uma desgraça nas bilheterias porque mesmo depois de ouvir comentários negativos, muitos tiveram que “ver por si mesmos” enquanto fãs de Star Wars e pensadores independentes, ajudando a melhorar um pouco o desempenho das bilheterias. Mas no geral, The Last Jedi só trouxe METADE do que o The Force Awakens conseguiu nas bilheterias.

E Force Awakens já foi uma chapuletada na alma de um filme sem alma ou proposito maior do que "lol, vai dar muita grana véiiiii". Mas ok, Star Wars é uma marca tão popular que as pessoas estavam dispostas a darem uma segunda chance mesmo apesar de um filme muito ruim. E essa segunda chance, The Last Jedi, pisou na confiança já abalada das pessoas com um desprezo que você não sentia desde o seu crush no segundo grau. Desnecessário dizer que não existem "terceiras chances". Enough is enough.



Quando as pessoas entenderam que The Last Jedi era horrível, elas não voltaram para vê-lo novamente, e elas certamente não levaram seus amigos junto. Pense comigo: METADE  das pessoas que assistiu TFA saiu do cinema e disse "meh, foda-se essa merda". Agora imagine quantas dirão isso depois de ter passado por não um, mas DOIS filmes chumbregas?

Isso é o que realmente matou Solo. Claro, muitas pessoas vão pelo menos querer ver como essa merda termina, então Star Wars IX não está completamente morto, mas Solo não goza dessa vantagem. Há também os fãs super leais que seguirão cegamente Star Wars em sua descida até uma série de filmes da qualidade de Transformers - o que parece ser o caminho, atualmente. O restante de nós, não viu o Solo em seu final de semana de abertura. A maioria de nós não verá até que esteja na Netflix. Ou no Pirate Bay. Se é que vai ver alguma vez na vida.

Isso sendo dito, para um filme que foi repleto de tantos problemas de produção amplamente “Solo: Uma História de Star Wars” é uma peça de entretenimento que funciona bastante bem. . É mais longo que o necessário, claro, mas Ron Howard, que é o único diretor creditado, e seus roteiristas, Lawrence Kasdan e Jonathan Kasdan, mantêm as coisas funcionando durante a maior parte de suas duas horas ou mais.



Claro, não espere que essa história de origem sobre Han Solo tem alguma razão para ser, exceto como mais uma máquina de fazer moola, dinero, cash, tutu. Não há um proposito ou um desejo autoral no filme, ele não quer te passar uma mensagem ou discutir um ponto - mesmo que seja a paixão por explodir coisas, como no caso do Michael Bay. Esse é um filme que não quer nada de nada, apenas está lá porque... bem, ele está. E a falta de tesão na produção transparece, mesmo que seja uma produção bem feitinha.

Descobrimos como Han conseguiu seu sobrenome; como ele conheceu e se uniu a Chewbacca; como ele ganhou o Millennium Falcon em um jogo de cartas de Lando Calrissian, que é pansexual mas infelizmente não é o capitão Jack Harkness. Aprendemos sobre Qi'ra, o primeiro amor de Han, com quem, quando o filme começa, ele tenta fugir de seu planeta natal Corellia. Nós nos encontramos com Tobias Beckett (Woody Harrelson, maravilhoso como sempre), contrabandista do companheiro de Han inicialmente disfarçado como um soldado do Império. Ele é o tipo de cara que está sempre avisando a todos para não confiar em ninguém. Em outras palavras, ele é um alerta de spoiler ambulante. Paul Bettany, cheio de malícia, aparece como o cabeça do sindicato do crime Crimson Dawn, embora pareça mais um vilão de filme do Jams Bond. E claro, temos uma tentativa realmente criativa de remendar da cagada monumental do George Lucas de que ele não sabia que "parsec" é uma unidade de medida de distancia, não de tempo - quano o Han disse que fez "a Kessel Run em menos de 12 parsecs", Jorginho estava comendo mosca na aula de física.



E nenhuma dessas coisas é particularmente ruim, ou mal executada. Diabos, algumas ideias são até realmente boas, como da onde vem a "alma" da Millenium Falcon.

Demora um pouco antes de afundar no enredo, que tem algo a ver com o roubo de uma remessa do hiper combustível Coaxium. Como um bom filme de espionagem/roubo, traições duplas e triplas são abundantes. Os cineastas não tentam fazer nada muito profundo porque reconhecem, sabiamente, entendem que "inventar" um tema na ultima hora faria mais mal do que bem. Existem easter eggs suficientes para agradar saudosistas do universo expandido e nem uma única menção a Força, pela primeira vez em um filme de Star Wars.

Quaisquer que sejam os outros problemas que o filme possa ter, o roteiro ao menos tenta genuinamente entregar um faroeste divertido que foi filmado com um filme de assalto repleto de ação e tiradinhas - e eu totalmente consigo imaginar isso nas mãos dos caras que fizeram o filme do Lego. Mas você não saberia disso pela da fotografia que às vezes é tão obscura que alguns cinemas precisam recalibrar seus projetores para exibir o filme corretamente. A história deveria ser animada e agitada, mas as cores desbotadas e os cenários escuros fazem com que pareça tão sinistro quanto a última meia hora de Empire Strikes Back.  Exceto por isso, de todos os filmes de “Guerra nas Estrelas”, este é o mais próximo de um filme de Sessão da Tarde jamais feito. 

E não espere mais que isso. Podia ter sido bem pior.

[FILMES] SOLO: A STAR WARS STORY (ou apenas ok na hora errada)

THE STORY SO FAR: Contexto é uma coisa muito interessante. É dificil lembrar exatamente depois porque as coisas aconteceram do jeito que aconteceram, e...
POSTADO EM:quarta-feira, 23 de outubro de 2019
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[ANIMES] DARLING IN THE FRANXX (ou hoje sim, hoje sim... hoje não!!!)

| segunda-feira, 21 de outubro de 2019
... TO BE CONTINUED »


"Darling in the Franxx" é um anime sobre sexo. "Dã, jura?", você responderia ao saber que nesse anime um casal de adolescentes pilota junto um robo gigante desde que atinja sincronização mental - exatamente como em Pacific Rim - mas para isso... a menina fica de quatro e o cara "pilota" a bunda dela.
Qualquer um olha para essa cena e diz "Seu oligoblasto deficitário, É ÓBVIO que isso é um simbolismo para sexo. Parece que temos um Xerox Rolmes aqui, hã?". Bem, sim, claro. Mas não foi isso que eu quis dizer realmente.


Eu quero dizer que DinF REALMENTE é um anime sobre sexo, em um sentido mais profundo do que você poderia esperar. E é aqui que as coisas ficam interessantes.


Em um futuro distante, tudo que sobrou da humanidade reside em cidades-fortalezas móveis devido ao medo do ataque de animais selvagens conhecidos como "urrossauros". O show segue o Esquadrão 13, um grupo de crianças-soldado criadas geneticamente para defender sua casa pilotando mechas gigantes chamados “FRANXX” - que tem esse nome porque foram criados pelo doutor Werner Frank, urrando em piada interna. Para usar o FRANXX efetivamente, cada piloto faz um par com outro do sexo oposto. O que imediatamente se destaca na primeira visualização são as insinuações sexuais desenfreadas. O show joga em torno de termos como "pistilos" e "estames" - os nomes dos órgãos genitais feminino e masculino das plantas - e os pilotos assumem posições incrivelmente sugestivas para operar seu mecha. Como esperado do estúdio Trigger, esse show está longe de ser sutil. Muito longe.

No entanto, em vez de ser sexual apenas  prazer de ser sexual para se aproveitar do publico alvo onanista de animes, FRANXX faz um trabalho fantástico de tecer seu serviço de fãs na narrativa mais ampla. Por isso quando o anime está fazendo uma metafora sobre sexo, isso é dentro dentro do contexto da adolescência desajeitada e de um mundo surpreendentemente desenvolvido.

Me permita dar um exemplo: no vestiário os garotos ficam falando sobre pilotar pela primeira vez e um mais metido a descoladão inventa que ele já pilotou várias vezes com sua parceira, ao que ela imediatamente fica com a fama de "ser fácil de compatibilidade". Enquanto isso, no vestiário das meninas, elas conversam entre si que os garotos são afobados demais quando sobem para pilotar, e a menina que já pilotou um Franxx diz para as outras que é uma sensação estranha e até meio incomoda no começo, como ter algo se mexendo dentro dela.

Aquele momento constrangedor em que seus amigos ficam te zoando pq acham que você inventou que pilotou com a 10/10 e ela diz isso na frente de todo mundo. VIRE BAIXO PRA QUE, TCHURU TCHURU

Quando um dos casais dá aquela falhada básica em operar o seu Franxx devido a problemas de compatibilidade, a menina fica toda grilada que o rapaz falhou por causa dela, enquanto o rapaz imediatamente adota uma postura defensiva-agressiva para esconder sua insegurança que a "falhada" foi realmente por culpa dela e ela que não está "pilotando" direito.

Agora você entende o nível de metafora para sexo que eu estou me referindo aqui?

Esse nível de metafora é ainda mais importante do que podemos dar conta numa sociedade como a japonesa, onde não se fala abertamente sobre esse tipo de coisa. Japoneses não são dados a demonstrações publicas de afeto, e muito menos a falar tão intimamente sobre isso. Mesmo nos - poucos - animes onde personagens são oficialmente namorados, pouco se vê além de segurar as mãos ocasionalmente quando não tem ninguém olhando. Isso é muito mais profundo do que pode parecer a um primeiro momento, e se os casais de japoneses fazem sexo em qualquer posição além do que é considerado tradicional e "normal", ninguém realmente fala sobre isso.

Pense comigo: porque não existem animes sobre gravidez na adolescencia, ou sobre as inseguranças e dificuldades de manter um relacionamento - não apenas toda a epopeia para começar e então viveram felizes para sempre - ou incertezas sobre o futuro, ou não saber o seu lugar no mundo? Enfim, problemas reais que os adolescentes enfrentam com mais frequencia do que pilotar robos gigantes ou viajar no tempo, porque não temos muitos animes sobre isso?
Darling in the French


Certamente não é porque os jovens japoneses não tem esses problemas, essas ansiedades ou duvidas. Eles apenas não falam sobre isso, porque os japoneses nunca falam abertamente sobre assuntos pessoais ou delicados. Em foro familiar, com seus amigos, é claro que sim - japoneses são seres humanos, afinal - mas em aberto, assim? Na na. E existe uma sensação crescente, um desejo não dito abertamente pela geração atual de avançar nessa direção. De falar sobre coisas que realmente importam para os adolescentes, e Darling in the Franxx é um passo bastante ousado nessa direção.

Porque embora o sexo seja o aspecto de venda mais chamativo, DitF é sobre várias questões que te atormentam quando você é adolescente transforamdas em metáforas pela construção de mundo do anime. Quando eu vou "virar adulto"? É ok eu ser o que os adultos me dizem para eu me tornar mesmo que eu sinta que não é exatamente isso que eu quero? Meu parceiro gosta de mim como eu gosto dele, e se eu tomar um pé na bunda como eu recomeço do zero?

E por aí vai.

O ponto de quebra, o aspecto que mais joga luz nessa discussão sobre o que é "normal" e o que é "adequado" para a sociedade é a protagonista do anime, a hibrido humano-urrossauro Zero Two - assim, em inglês mesmo. Zero Two não é uma garota que se comporta como as outras garotas, ainda mais em uma sociedade com expectativas como a japonesa. Ela fala alto, ela se veste como dá vontade, ela senta onde ela quiser - no refeitório do alojamento existe a mesa das meninas e a mesa dos meninos, e a Zero Two está pouco se fodendo para essa distinção social - e ela beija na boca mesmo e não tá nem aí pro que os outros pensam.


Ela é essa força, esse id selvagem da adolescencia que a sociedade japonesa reprime tanto. E é claro, a Zero Two não "pilota" como as outras meninas. Na primeira vez que ela pilota com o protagonista ela não fica de quatro para ele usar ela, não senhor. "Você que vai sentar no meu colinho, e vai ser do meu jeito", ao ponto que em determinado momento um dos meninos diz para o parceiro da Zero Two que aquilo "não conta porque não é pilotar de verdade", porque na sociedade japonesa "pilotar de verdade" é apenas papai e mamãe ... e se não for você apenas não fala sobre isso, muito menos trata como se fosse uma coisa natural!

Nos primeiros episódios, muito espertamente, nunca é mostrado EXATAMENTE como a Zero Two pilota, apenas que não é como qualquer outra garota e os homens tem medo dela.
Isso nem é um meme fora de contexto, essa é a real metafora da cena


MANIC PIXIE DREAM GIRL AO RESGATE DA SOCIEDADE TRADICIONAL JAPONESA

Digamos que você seja um herói masculino cheio de boas intenções e valores que ninguém reconhece, porém está vivendo uma existência tediosa e sem emoção. Oh, se alguém pudesse aparecer e abrir seu coração para a grande e maravilhosa aventura da vida ... Não tenha medo, a Manic Pixie Dream Girl está aqui para dar um novo significado à vida, meu caro herói masculino meio depressivo!

Ela é incrivelmente atraente, enérgica, tem uma perspectiva completamente diferente sobre a vida, cheia de excêntricidades estranhos e idiossincrasias (normalmente uma inocencia até meio infantil), muitas vezes com um toque de tintura em seu cabelo selvagem. Ela é inexplicavelmente obcecada com o nosso herói que até então nenhuma outra mulher daria a minima, em quem ela vai focar suas palhaçadas até que ele aprenda a viver livremente e amar loucamente. Quer ele queira, quer não.

E claro, a Manic Pixie Dream Girl não liga a minima para aparencia ou para "o que as garotas normais acham importante", mas mesmo assim é uma sólida 10/10 sem nenhum esforço. Ou seja, MPDG é aquela personagem que você totalmente imagina sendo interpretada pela Zoey Deschannel.



Isso é o que rola com a Zero Two aqui, ela é uma força da natureza, uma sucubus que cai de paraquedas do céu no colo do protagonista para mudar a vida dele e a visão dele sobre o mundo. A coisa sobre MPDG, no entanto, é que se uma obra for inteligente o bastante, se ela ficar por perto o suficiente, vai acabar mostrando que do outro lado dessa "magia" existe um ser humano de verdade, não apenas uma garota que magicamente veio ao mundo fazer um loser se sentir especial e era isso.

O melhor exemplo dessa desconstrução que eu consigo pensar é em "Scott Pilgrim vs The World", onde Scott passa o filme todo tratando Ramona como se ela fosse um unicórnio mágico três patamares acima da pobre existencia dele, e no fim Ramona era só uma garota. Com qualidade, defeitos, e que pegou o Capitão América, mas apenas uma pessoa.

Zero Two, no caso, não é uma pessoa. Ela é - para propositos narrativos - uma sucubus, e forçada por razões da história a "ser parte do grupo" e como tal ela vai definhando como um animal selvagem posto em cativeiro porque era exótico e interessante demais. É realmente muito interessante ver que, conforme Zero Two é integrada ao Esquadrão 13 e forçada a "brincar de casinha" com os outros adolescentes, como ela vai murchando e se apagando até o ponto em que ela passa de salvadora do dia badass que tem o mecha mais foda de todos... a uma garota que precisa ser salva.

Você pode dizer que isso é outra metafora, sobre como a sociedade quebra o nosso ID para se encaixar nas suas regras até que sejamos outro borrão de tinta e quando você vê já tem uma tatuagem de estrela genérica no ombro igual a todas as outras garotas "únicas". Existe um ditado japones que reflete bem como a sociedade pensa: "O prego que se destaca é o primeiro a ser martelado", e Zero Two é muito martelada para se tornar uma "garota normal" ao longo da série. Esse é outra das poderosas metaforas visuais desse anime, que tem muitas outras.
E aqui temos uma Manic Pixie Dream Girl em seu habitat natural, em todo seu explendor diante de um loser virjão... e  a mesma criatura após meses de criação em cativeiro.


Após um primeiro ato a moda louca, com uma lenta exposição de mundo que te deixa intrigado sobre "o que diabos aconteceu ali" e a Zero Two tocando o terror no mundinho perfeitamente planejado dos adultos - esse termo é usado literalmente no anime, e tem um motivo para isso na ficção - o Ato 2 examina o lado mais sombrio dos personagens e entra de cabeça no mundo em que eles vivem.

O segundo ato do anime é mais focado em explicar a construção de mundo e o que move os personagens. O desejo da Zero Two de se tornar humana e a necessidade de Hiro de pertencer se sobrepõem e se entrelaçam, resultando em atrito emocionalmente carregado que vale a pena na melhor das maneiras. O resto do Esquadrão 13 também recebe um bom screentime. Ichigo chega a um acordo com seus próprios sentimentos e passa por eles, assim como Goro tem que lidar com o fato que sua parceira de Franxx é obviamente apaixonada pelo melhor amigo dele. Ikuno descobre que ela gostaria de pilotar com outra menina, mas isso é negado selvagemente pela sociedade. Futoshi tem que lidar com a dura verdade da vida que sua parceira de Franxx prefere pilotar com outro rapaz que tem muitos quilo a menos. Mitsuru, Zorome e todas as outras crianças tem também seu desenvolvimento.
It's funny because he is fat

Os episódios de slice of life que mostram as crianças tentando levar uma vida por conta própria sem a interferencia dos adultos, mas sem ter muita certeza de como se faz as coisas - que é o que rola quando você é adolescente - é de um desenvolvimento de personagens e sinceridade que honestamente eu lembrei de uma versão positiva de Senhor das Moscas. É realmente muito bem escrito.

Para um elenco tão grande, o estúdio Trigger e o A-1 fizeram um malabarismo bastante hábil. Ainda mais impressionante é como eles conseguiram desenvolver o mundo em conjunto com os personagens. Apenas no episódio 10, “A Cidade da Eternidade”, é que dá aos espectadores uma espiada do que, exatamente, o que as crianças estão protegendo. E eu vou te dizer: não é bonito. A vida dos adultos na cidade parece fascinante à distância, mas o cenário é bastante triste sobre como as pessoas vivem suas vidas. Os tons do cyberpunk e da distopia pintam uma imagem estéril de uma sociedade que foi projetada para ser pura utilidade. Mais uma vez, quando você considera o contexto da sociedade japonesa, essa discussão é mais relevante do que nunca.

E É ASSIM QUE TERMINA, NÃO COM UM ESTRONDO MAS COM UM CHORAMINGO

Bem, se você me acompanhou até aqui deve ter tido uma boa ideia do quão impressionado eu fiquei com esse anime que mistura fan service, robos gigantes, criticas sociais, batalhas fodendamente épicas e desenvolvimento de mundo e personagens poucas vezes vistos em um anime. É, para todos os méritos, um anime para bater em no capô e dizer "isso é o que animes são".

Só faltava uma coisa para esse anime um dos maiores de todos os tempos. Maior que Evangelion até. Apenas uma coisa para entrar para história: um final fodendamente épico. Um final que ficaria na memória por anos a fim - como o final de Evangelion, para esse proposito - e a eternidade seria sua. As ferramentas estavam lá, o cenário estava preparado, os escrivões da história da animação haviam molhado suas canetas-tinteiro para escrever mais um capitulo.

E de fato, o terço final de Darling in the Franxx entrou para a história da animação. Por todos os motivos errados.



Franxx foi muitas coisas ao longo de seu curso, de uma metáfora muito louca sobre puberdade a uma história de amadurecimento movida pelos personagens. O que eu nunca esperei que fosse, no entanto, era... decepcionante.

Eu normalmente não uso essa palavra para descrever muitas coisas, já que eu me esforço ao máximo para julgar algo pelo que isso se propõe a ser e não pelas minhas expectativas. Darling in the Franxx é uma história diferente. Eu estaria disposto a ser mais indulgente de como o show terminou, não fosse por quanto eu gostei dos dois primeiros terços. O que deu errado? Como o Trigger e o A-1 encaminham o seu anime para a estrada do sucesso e estragaram tudo?



E então, do nada, quando  o terço final do anime começa logo depois de episódio final de mid-season tão épico que muitos animes jamais chegarão a sonhar com algo tão bom para o seu proprio final, quando a treta entre a humanidade e os urrossauros receberia suas cores finais... Sem motivo algum, sem nunca ter feito parte da história até aquele ponto, aliens atacam e foda-se, vamos todos ao espaço porque  “Nós temos que parar os alienígenas”.

Se isso parece muito com Gurren Lagann, é porque é mesmo. Só que pior. independentemente de seus próprios problemas, Gurren Lagann trabalhou com suas lutas espaciais exageradas e ação desafiadora da física desde o começo da série. Não foi do nada que eles decidiram "BAM, ALIENS". Foi o curso de como os personagens e a narrativa estavam se desenvolvendo. Isso fazia sentido.Franxx faz qualquer coisa, exceto sentido. Existe uma grave desconexão entre os dois primeiros terços e o último. Ao tirar da bunda antagonistas uma aliens como de Borgs que querem assimilar toda vida organica, a série removeu a agência do Esquadrão 13. Eu não posso estressar o suficiente o quanto isso saiu do nada MESMO.Os fãs há muito especularam que o último ato da série envolveria um arco de rebelião. As crianças perceberiam que tinham o poder de mudar suas vidas e se rebelar contra os adultos, construir uma nova sociedade. Ou então entender porque os adultos fizeram o mundo do jeito que eles fizeram e, a um estilo bem 1984, entender que o sistema vence por uma razão. Qualquer um dos dois caminhos serviria. Ou qualquer outro na verdade, só não uma invasão súbita de alienígenas que arruinou completamente qualquer perspectiva de conclusão baseada no que aconteceu até ali.

Me permita colocar de outra forma: esse final é tão aleatório que poderia ser encaixado em qualquer anime. Partida final do campeonato de Keijo, bam, aliens atacam e as bundas tem que se unir para salvar o mundo. A humanidade luta desesperadamente contra os Titãs encurralada em seu último esforço e... alienas atacam - agora humanos e gigantes tem que unir forças contra um novo inimigo em comum saído do nada.

Isso é tão ruim, mas tão ruim... Não eram mais as crianças ditando o ritmo da história. Todas as suas ações foram simplesmente reacionárias, resultando em uma narrativa fracamente flutuante e sem compromisso. Nada exemplifica isso melhor do que como a batalha final é resolvida. Dando as mãos e enviando a Hiro e Zero Two sua energia espiritual, o Esquadrão 13 salva o dia com o poder da amizade.

Sério.

Eu queria estar brincando. 

Um anime que faz as perguntas certas, taí algo que não se vê todo dia


E se ao menos fosse uma batalha espacial final fodendamente animada, mas não. A animação é preguiçosa a um ponto que Macross - um anime de 1982, pelo amor dos Naaru - tem mais esforço e qualidade. Eu não sei exatamente o que aconteceu aqui, mas isso tem muita cara de produção apressada. Todo backstory do mundo foi simplesmente vomitado em um episódio de flashback, e a última vez que eu vi algo assim foi com o CD 2 de Xenogears. Mas eu não sei.

O que eu sei é que eu estou muito desapontado com esse final. Alienígenas e assassinato de personagens são apenas sintomas de um problema maior que assola o terceiro ato de Franxx: escrita desleixada. Todos esses elementos funcionam bem por si só, ou mesmo em outro anime.

A questão de como eles são usados ​​em Franxx é que o resultado é completamente divorciado de todo resto da narrativa. Se você definir sua história com um conjunto de regras e temas, é melhor você se ater a elas. Franxx foi um anime divertido por causa de seus personagens, uso de fanservice e metaforas bem utilizadas. Depois do episódio 16, esse sabor distinto gradualmente desapareceu, deixando-nos com um show sem graça. Não há mais metáforas sugestivas, grandes construções mundiais ou personagens dinâmicos. E essa é a parte mais frustrante de tudo. Eu não odeio esse anime. Em um ponto, eu até amei isso. Darling no Franxx começou como algo divertido, fresco e excitante. No entanto, ao final da série, ela evitou tudo o que a tornava ótima e optou pela saída mais fácil. Estou decepcionado com o que esse show escolheu, não com o que poderia ter sido.

Você poderia ter sido grande, kid. O maior de todos, mas escolheu não.

[ANIMES] DARLING IN THE FRANXX (ou hoje sim, hoje sim... hoje não!!!)

THE STORY SO FAR: "Darling in the Franxx" é um anime sobre sexo. "Dã, jura?", você responderia ao saber que nesse anime um casal de...
POSTADO EM:segunda-feira, 21 de outubro de 2019
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