[OSCAR 2018] THE ROOM (ou o maior filme de todos os tempos)

| quinta-feira, 31 de outubro de 2019


Seguindo nossa programação cinematográfica do ano, o filme dessa semana seria "O Artista do Desastre". Seria, porque o filme baseado no livro escrito por Greg Sesteros conta a história da produção daquele que viria a ser o maior filme de todos os tempos. Por este motivo, eu sei que vocês vão me entender quando eu deixar de lado o filme justamente indicado ao Oscar e falar sobre a obra prima de todos os tempos.

Afinal, para falar sobre a réplica quando podemos falar sobre THE REAL DEAL, não é mesmo?


Ok, então provavelmente você já ouviu falar do filme de 2003 "The Room", que é considerado por muitos como o pior filme jamais feito. Dirigido, produzido e estrelado pelo então estreante Tommy Wiseau, foi um fracasso de bilheteria quando lançado mas se tornou um fenonemo cult com o passar dos anos, com salas lotadas no mundo todo e trocentolhões de DVDs vendidos.

Claro, a maior parte das pessoas faz isso para rir do humor involuntário do filme, mas o que você pode não ter se dado conta é que todas estas pessoas estão erradas. Muito erradas. The Room não é um filme ruim, na verdade é um ótimo filme. Na verdade, é uma obra prima.


Vamos ver melhor sobre isso.

Muitas pessoas reclamam que The Room tem uma trama incompreensível, mas na verdade é muito simples. Conta a história de um homem de aparência totalmente normal chamado Johnny, cuja vida perfeita desmorona quando sua futura esposa Lisa começa a ter um caso com seu melhor amigo Mark. Infidelidade é, obviamente, um topico tabu no cinema e um filme que decide explorar um assunto tão pouco discutido na sétima arte merece todo meu respeito.

Mas é claro que o filme não para aí. Tommy povoa o filme com uma miriade de personagens secundários interessantes, que trazem uma perspectiva única, cada qual com seu próprio subplot que adiciona um novo nível de profundidade psicologica e dramatica ao filme, ao mesmo tempo que trabalha o mensagem tema do filme.

Por exemplo, vejamos o personagem  Danny. Ele representa a inocencia da infancia, porém durante o curso do filme descobrimos que Danny na verdade está envolvido com drogas - então representando a corrupção da inocência. Corrupção da inocencia é o tema do filme, da mesma forma que acontece com Johnny ao ser traído por sua noiva e seu melhor amigo. BAM! Tema recorrente! MINDBLOW!

E, ao mesmo tempo, esse subplot mostra o quão Johnny é bom e generoso (Danny é um órfão que Johnny se dispõe a criar), exponenciando o impacto que sofreremos com a traição que ele sofre. BUM! Interligação! Obra-prima!

Literalmente, cada personagem serve a um propósito integrante a trama central, como Peter - o psicologo que num minuto adora Lisa e no instante seguinte a odeia, ou Michelle e seu namorado Mike que apontam que chocolate é o simbolo do amor - simbolizando a voracidade da nossa sociedade consumista, para não mencionar trazer a tona a questão das roupas debaixo, frequentemente fruto de trabalho escravo infantil. Toda aquela cena aparentemente sem conexão com nada sobre o sujeito ter suas cuecas exibidas, na verdade é sobre a verdade das condições de trabalho na confecção desse produto. Uma discussão social relevantíssima E, preste atenção, MÃO DE OBRA INFANTIL = CORRUPÇÃO DA INOCENCIA.



ARTE! NA SUA CARA!

Meu ponto é que Wiseau podia ter enchido esse filme com personagens unidensionais genéricos como tantos outros filmes fazem, mas aqui cada personagem tem uma história interessante que nos faz importar com eles.

Algumas pessoas, por exemplo, tem problemas com essa cena:


Lisa descobre que sua mãe tem cancer de mama e isso nunca é mencionado novamente. E é por isso que esse filme é brilhante: uma coisa que eu repito frequentemente aqui é que uma caracteristica de um personagem não pode ser o que o define. Tipo quando um personagem é gay, o filme NÃO PRECISA ser sobre um personagem homossexual enfrentando problemas relacionados ao tema e ser sobre isso. Não, ele pode - e deve - ser um personagem normal cuja uma das caracteristicas é ser homossexual - porque é isso que homossexuais são, pessoas normais que tem uma característica mas não são APENAS isso.

Wiseau compartilha da minha visão, ao colocar no filme uma personagem com cancer que não é definida por isso. Mais do que ser uma portadora de cancer, ela é um ser humano complexo!

Isso é uma narrativa inovadora e ousada! O filme não precisa ficar nos lembrando que ela tem cancer, essa informação já foi plantada e está ali para jogar uma nova luz em todas as ações da personagem. Ou vocês querem o que, os filmes bosta do Christopher Nolan onde literalmente tudo que está acontecendo na tela é narrado por um personagem porque ele acha que sua audiencia é composta por completos imbecis?

Isso é profundidade, isso é cinema em seu melhor!

Muitos apontam que esse filme apresenta um retrato misogino e ultrapassado das mulheres, mas eu não vejo dessa forma. Não, sério, o que é que tem nesse  filme que soe remotamente sexista? Sim, claro, todas as mulheres desse filme estão em algum nível tentando tirar vantagem de algum homem inocente (seja usando o dinheiro de Tommy, seja fazendo sexo na casa dos outros), mas isso é realmente ofensivo?

O publico não reclama quando as mulheres são relegados a papeis secundários, sem iniciativas proprias e apenas elementos de cena para os homens brilharem? Bem, aqui elas são a força motivadora do filme! Tudo acontece nesse filme porque uma mulher decide que fará as coisas do seu jeito! Ora, isso é empoderamento em seu melhor! Lisa decide que quer usar a grana do Mark e dar uns pegas no seu amigo gostoso, e é isso que acontece! O que Lisa quer, Lisa tem! Way to go, girl!

Sério, eu não vejo como alguma mulher poderia ter algum problema com esse filme.

Na progressão do filme, Lisa revela para sua amiga Michelle sobre seu caso com Mark e muitas pessoas apontam nessa cena o distraente detalhe do pescoço da Lisa mexendo como um tipo perturbador de tumor vivo. 


O que é isso? Bem, eu passei muito da minha vida com profissionais de saúde... embora eram profissionais de saúde mental, então isso não vai ajudar muito... Mas o ponto NARRATIVO é que essa glote do capeta é uma manifestação física da culpa de Lisa, e então eu te pergunto: quantos filmes tem atores que entregam essa fisicalidade toda? 

Ou então quando Mark decide raspar a barba, uma cena dramática e poderosa que denota sua resolução em ser um novo homem... apenas para na cena seguinte ser seduzido novamente. Drama, tentativa de novo recomeço fracassada, conflito. Arte.

Logo após a cena do barbear, alias, os personagens decidem jogar uma partidinha rápida de futebol americano, embora para isso eles tenham que convencer Peter a faze-lo - mostrando que ele é mais facilmente persuadido do que alguns dos psiquiatras que eu frequentei - e eventualmente ele cede.


Sobre essa cena, alias, as pessoas frequentemente se perguntam porque eles jogam futebol americano num espaço tão pequeno e usando ternos, mas então eu tenho que te lembrar do tema recorrente do filme: corrupção da inocencia. Os espaços urbanos foram reduzidos, diferente de um tempo mais pueril, ao mesmo tem em que representa Mark e seus amigos estão brincando com suas vidas ao ceder as tentações. Peter cedeu a provocação para jogar, e termina com a cara no chão.

Como será que isso vai acabar para você e seu caso com Lisa, heim Mark?

O filme é todo permeado por pequenas nuances assim, que subconcientemente vão levando o espectador a conclusão do inevitavel desfecho. Um item que funciona muito bem nesse sentido são os estranhos pilares gregos na parede.



Bem, os pilares na parede tem algumas funções metanarrativas muito relevantes para história:

1) Em algumas cenas eles simplesmente desaparecem, transmitindo a mensagem que o futuro não está escrito em pedra e somos responsaveis por nossos proprios destinos. 

2) Transmitir realismo a cena, afinal seria praticamente ofensivo com a realidade a qual nos acostumamos não ver um pilar sem função estrutural alguma na parede de um apartamento (que pode ser uma casa também).

3) Remeter as tragédias gregas, grande fonte de inspiração desse filme. Ou, melhor ainda,evocar o ambiente de uma arena romana, onde a inocencia e os bons sentimentos de Johnny são sacrificados á leonicidade de Lisa.

Toda esse nível de detalhe na composição de cena é o que torna The Room realmente grande. Sério, o que dizer de um filme que tem retratos emoldurados de colheres de prata? Se emoldurar objetos do cotidiano, meus amigos, não é arte, então eu decreto que a arte simplesmente não existe nesse mundo.


Mas caso a genialidade da coisa toda tenha passado por você, me permita então compartilhar as palavras de sabedoria do homem, da lenda, do mito sobre o assunto:


Uau. Apenas uau. Eu não lembro de ter visto um filme com tanto detalhe e atenção as pequenas coisas na minha vida!

Os detalhes, é claro, não se limitam apenas aos aspectos narrativos da história. Tommy Wiseau insistiu em filmar o filme simultaneamente em formato digital e em pelicula de 35mm. Não alternando entre os dois estilos, e sim literalmente amarrando juntas duas cameras completamente diferente para filmar o filme todo. Cada tipo de camera, saiba você, tem sua própria equipe especializada, requer iluminação customizada e varios outros aspectos tecnicos que fazem com que, em termos de equipe e produção, Tommy na verdade tenha pago por dois filmes ao mesmo tempo.



Esse é um dos principais motivos pelos quais o filme custou mais de 6 milhões de dolares, mas é o custo da perfeição, da inovação tecnologica, DA ARTE! Onde cineastaas menores cortariam suas despesas pela metade escolhendo um formato antes de começar a filmar, NÃO TOMMY WISEAU!

Mas porque Tommy escolheu fazer dessa forma? Porque ele é burro? Não, pelo contrário, ele é um gênio. Porque o filme esta para ele tal qual Lisa está para Johnny,e o que acontece no filme? Lisa o trai mesmo depois de tudo que ele investiu (financeira e emocionalmente) nela. No equivalente da vida real, o filme o apunhala pelas costas ao ser um fracasso de bilheteria.


Essa é uma mensagem metalinguistica de TRÊS MILHÕES DE DOLARES! Quantos filmes podem se orgulhar de gastar TRÊS MILHÕES DE DOLARES para passar uma metamensagem que provavelmente ninguém perceberia? Não Cidadão Kane, eu te digo!

Claro que a VERDADEIRA ARTE não vem sem um preço, e passaram três diferentes cinematografos, além de várias equipes  que simplesmente desistiram durante os seis meses de produção (que deveria ter levado dois). Mas os resultados finais falam por si mesmos.

A equipe de produção não foi a única a faltar visão, contudo, já que o ator que interpretava o psicologo Peter simplesmente desistiu no meio das filmagens (o que prova seu compromentimento com o papel, já que eu tive mais de um psicologo que desistiu de mim também) e teve que improvisar um "novo amigo" chamado Stephen para as cenas finais do filme. Afinal, o que é a arte sem desafio, não é mesmo?

Quer dizer, porque as pessoas reclamam da ausencia de Peter mas não da ausencia de Paul Walker nas últimas cenas de Velozes e Furiosos 7? Aparentemente só é ok você não comparecer para terminar de gravar o filme se você é um queridinho do publico, mas enfim...

Falando em terminar, poucos filmes possuem um final mais concatenantes, coesos e épicos do que o final desse filme. Em uma sequencia de eventos que abrange toda jornada de ruína de Johnny em uma única cena, ele dá uma sarrada no vestido que ele comprou para Lisa no começo do filme e então se mata com a arma que tomou do traficante que ameaçava Danny.

BANG, MOTHERFUCKER! TUDO ESTÁ CONECTADO!

Não apenas a honestidade intelectual do filme nos pega de surpresa, como a intensidade de suas atuações derradeiras - deixando em todos nós uma marca emocional que jamais será apagada. Sério, quem um dia esquecerá momentos como esse?


The Room atinge uma profundidade emocional que poucos filmes sequer ousam tentar, e o faz com uma naturalidade jamais vista antes. Eu genuinamente acredito que o principal motivo pelo qual The Room tenha uma fama tão ruim é que as pessoas ficam tão chocadas ao se dar conta que tudo mais que elas assistiram na vida é puro lixo em comparação, que acaba desencadeando um mecanismo de auto-defesa tentando justificar que não jogamos nossa vida fora até o momento de assistir The Room.

É a mesma coisa, por exemplo, que faz alguém dizer que Cavaleiros do Zodíaco é um bom anime. Porque admitir a verdade, que é uma bosta fedorenta aquecida a temperatura ambiente, seria o mesmo que admitir que a sua infancia foi um bosta. E isso é mais do que as pessoas tem maturidade para fazer.

Mas se, apenas por um momento, você se libertar da vergonha - e do que os psiquiatras dizem para fazer, no meu caso, aqueles cretinos se achando melhor do que eu, eu vou mostrar só pra eles - e assistir The Room com a mente aberta, será recompensando uma regojizante sensação de "ahahaha, mas que história!".
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