[ANIMES] DARLING IN THE FRANXX (ou hoje sim, hoje sim... hoje não!!!)

| segunda-feira, 21 de outubro de 2019


"Darling in the Franxx" é um anime sobre sexo. "Dã, jura?", você responderia ao saber que nesse anime um casal de adolescentes pilota junto um robo gigante desde que atinja sincronização mental - exatamente como em Pacific Rim - mas para isso... a menina fica de quatro e o cara "pilota" a bunda dela.
Qualquer um olha para essa cena e diz "Seu oligoblasto deficitário, É ÓBVIO que isso é um simbolismo para sexo. Parece que temos um Xerox Rolmes aqui, hã?". Bem, sim, claro. Mas não foi isso que eu quis dizer realmente.


Eu quero dizer que DinF REALMENTE é um anime sobre sexo, em um sentido mais profundo do que você poderia esperar. E é aqui que as coisas ficam interessantes.


Em um futuro distante, tudo que sobrou da humanidade reside em cidades-fortalezas móveis devido ao medo do ataque de animais selvagens conhecidos como "urrossauros". O show segue o Esquadrão 13, um grupo de crianças-soldado criadas geneticamente para defender sua casa pilotando mechas gigantes chamados “FRANXX” - que tem esse nome porque foram criados pelo doutor Werner Frank, urrando em piada interna. Para usar o FRANXX efetivamente, cada piloto faz um par com outro do sexo oposto. O que imediatamente se destaca na primeira visualização são as insinuações sexuais desenfreadas. O show joga em torno de termos como "pistilos" e "estames" - os nomes dos órgãos genitais feminino e masculino das plantas - e os pilotos assumem posições incrivelmente sugestivas para operar seu mecha. Como esperado do estúdio Trigger, esse show está longe de ser sutil. Muito longe.

No entanto, em vez de ser sexual apenas  prazer de ser sexual para se aproveitar do publico alvo onanista de animes, FRANXX faz um trabalho fantástico de tecer seu serviço de fãs na narrativa mais ampla. Por isso quando o anime está fazendo uma metafora sobre sexo, isso é dentro dentro do contexto da adolescência desajeitada e de um mundo surpreendentemente desenvolvido.

Me permita dar um exemplo: no vestiário os garotos ficam falando sobre pilotar pela primeira vez e um mais metido a descoladão inventa que ele já pilotou várias vezes com sua parceira, ao que ela imediatamente fica com a fama de "ser fácil de compatibilidade". Enquanto isso, no vestiário das meninas, elas conversam entre si que os garotos são afobados demais quando sobem para pilotar, e a menina que já pilotou um Franxx diz para as outras que é uma sensação estranha e até meio incomoda no começo, como ter algo se mexendo dentro dela.

Aquele momento constrangedor em que seus amigos ficam te zoando pq acham que você inventou que pilotou com a 10/10 e ela diz isso na frente de todo mundo. VIRE BAIXO PRA QUE, TCHURU TCHURU

Quando um dos casais dá aquela falhada básica em operar o seu Franxx devido a problemas de compatibilidade, a menina fica toda grilada que o rapaz falhou por causa dela, enquanto o rapaz imediatamente adota uma postura defensiva-agressiva para esconder sua insegurança que a "falhada" foi realmente por culpa dela e ela que não está "pilotando" direito.

Agora você entende o nível de metafora para sexo que eu estou me referindo aqui?

Esse nível de metafora é ainda mais importante do que podemos dar conta numa sociedade como a japonesa, onde não se fala abertamente sobre esse tipo de coisa. Japoneses não são dados a demonstrações publicas de afeto, e muito menos a falar tão intimamente sobre isso. Mesmo nos - poucos - animes onde personagens são oficialmente namorados, pouco se vê além de segurar as mãos ocasionalmente quando não tem ninguém olhando. Isso é muito mais profundo do que pode parecer a um primeiro momento, e se os casais de japoneses fazem sexo em qualquer posição além do que é considerado tradicional e "normal", ninguém realmente fala sobre isso.

Pense comigo: porque não existem animes sobre gravidez na adolescencia, ou sobre as inseguranças e dificuldades de manter um relacionamento - não apenas toda a epopeia para começar e então viveram felizes para sempre - ou incertezas sobre o futuro, ou não saber o seu lugar no mundo? Enfim, problemas reais que os adolescentes enfrentam com mais frequencia do que pilotar robos gigantes ou viajar no tempo, porque não temos muitos animes sobre isso?
Darling in the French


Certamente não é porque os jovens japoneses não tem esses problemas, essas ansiedades ou duvidas. Eles apenas não falam sobre isso, porque os japoneses nunca falam abertamente sobre assuntos pessoais ou delicados. Em foro familiar, com seus amigos, é claro que sim - japoneses são seres humanos, afinal - mas em aberto, assim? Na na. E existe uma sensação crescente, um desejo não dito abertamente pela geração atual de avançar nessa direção. De falar sobre coisas que realmente importam para os adolescentes, e Darling in the Franxx é um passo bastante ousado nessa direção.

Porque embora o sexo seja o aspecto de venda mais chamativo, DitF é sobre várias questões que te atormentam quando você é adolescente transforamdas em metáforas pela construção de mundo do anime. Quando eu vou "virar adulto"? É ok eu ser o que os adultos me dizem para eu me tornar mesmo que eu sinta que não é exatamente isso que eu quero? Meu parceiro gosta de mim como eu gosto dele, e se eu tomar um pé na bunda como eu recomeço do zero?

E por aí vai.

O ponto de quebra, o aspecto que mais joga luz nessa discussão sobre o que é "normal" e o que é "adequado" para a sociedade é a protagonista do anime, a hibrido humano-urrossauro Zero Two - assim, em inglês mesmo. Zero Two não é uma garota que se comporta como as outras garotas, ainda mais em uma sociedade com expectativas como a japonesa. Ela fala alto, ela se veste como dá vontade, ela senta onde ela quiser - no refeitório do alojamento existe a mesa das meninas e a mesa dos meninos, e a Zero Two está pouco se fodendo para essa distinção social - e ela beija na boca mesmo e não tá nem aí pro que os outros pensam.


Ela é essa força, esse id selvagem da adolescencia que a sociedade japonesa reprime tanto. E é claro, a Zero Two não "pilota" como as outras meninas. Na primeira vez que ela pilota com o protagonista ela não fica de quatro para ele usar ela, não senhor. "Você que vai sentar no meu colinho, e vai ser do meu jeito", ao ponto que em determinado momento um dos meninos diz para o parceiro da Zero Two que aquilo "não conta porque não é pilotar de verdade", porque na sociedade japonesa "pilotar de verdade" é apenas papai e mamãe ... e se não for você apenas não fala sobre isso, muito menos trata como se fosse uma coisa natural!

Nos primeiros episódios, muito espertamente, nunca é mostrado EXATAMENTE como a Zero Two pilota, apenas que não é como qualquer outra garota e os homens tem medo dela.
Isso nem é um meme fora de contexto, essa é a real metafora da cena


MANIC PIXIE DREAM GIRL AO RESGATE DA SOCIEDADE TRADICIONAL JAPONESA

Digamos que você seja um herói masculino cheio de boas intenções e valores que ninguém reconhece, porém está vivendo uma existência tediosa e sem emoção. Oh, se alguém pudesse aparecer e abrir seu coração para a grande e maravilhosa aventura da vida ... Não tenha medo, a Manic Pixie Dream Girl está aqui para dar um novo significado à vida, meu caro herói masculino meio depressivo!

Ela é incrivelmente atraente, enérgica, tem uma perspectiva completamente diferente sobre a vida, cheia de excêntricidades estranhos e idiossincrasias (normalmente uma inocencia até meio infantil), muitas vezes com um toque de tintura em seu cabelo selvagem. Ela é inexplicavelmente obcecada com o nosso herói que até então nenhuma outra mulher daria a minima, em quem ela vai focar suas palhaçadas até que ele aprenda a viver livremente e amar loucamente. Quer ele queira, quer não.

E claro, a Manic Pixie Dream Girl não liga a minima para aparencia ou para "o que as garotas normais acham importante", mas mesmo assim é uma sólida 10/10 sem nenhum esforço. Ou seja, MPDG é aquela personagem que você totalmente imagina sendo interpretada pela Zoey Deschannel.



Isso é o que rola com a Zero Two aqui, ela é uma força da natureza, uma sucubus que cai de paraquedas do céu no colo do protagonista para mudar a vida dele e a visão dele sobre o mundo. A coisa sobre MPDG, no entanto, é que se uma obra for inteligente o bastante, se ela ficar por perto o suficiente, vai acabar mostrando que do outro lado dessa "magia" existe um ser humano de verdade, não apenas uma garota que magicamente veio ao mundo fazer um loser se sentir especial e era isso.

O melhor exemplo dessa desconstrução que eu consigo pensar é em "Scott Pilgrim vs The World", onde Scott passa o filme todo tratando Ramona como se ela fosse um unicórnio mágico três patamares acima da pobre existencia dele, e no fim Ramona era só uma garota. Com qualidade, defeitos, e que pegou o Capitão América, mas apenas uma pessoa.

Zero Two, no caso, não é uma pessoa. Ela é - para propositos narrativos - uma sucubus, e forçada por razões da história a "ser parte do grupo" e como tal ela vai definhando como um animal selvagem posto em cativeiro porque era exótico e interessante demais. É realmente muito interessante ver que, conforme Zero Two é integrada ao Esquadrão 13 e forçada a "brincar de casinha" com os outros adolescentes, como ela vai murchando e se apagando até o ponto em que ela passa de salvadora do dia badass que tem o mecha mais foda de todos... a uma garota que precisa ser salva.

Você pode dizer que isso é outra metafora, sobre como a sociedade quebra o nosso ID para se encaixar nas suas regras até que sejamos outro borrão de tinta e quando você vê já tem uma tatuagem de estrela genérica no ombro igual a todas as outras garotas "únicas". Existe um ditado japones que reflete bem como a sociedade pensa: "O prego que se destaca é o primeiro a ser martelado", e Zero Two é muito martelada para se tornar uma "garota normal" ao longo da série. Esse é outra das poderosas metaforas visuais desse anime, que tem muitas outras.
E aqui temos uma Manic Pixie Dream Girl em seu habitat natural, em todo seu explendor diante de um loser virjão... e  a mesma criatura após meses de criação em cativeiro.


Após um primeiro ato a moda louca, com uma lenta exposição de mundo que te deixa intrigado sobre "o que diabos aconteceu ali" e a Zero Two tocando o terror no mundinho perfeitamente planejado dos adultos - esse termo é usado literalmente no anime, e tem um motivo para isso na ficção - o Ato 2 examina o lado mais sombrio dos personagens e entra de cabeça no mundo em que eles vivem.

O segundo ato do anime é mais focado em explicar a construção de mundo e o que move os personagens. O desejo da Zero Two de se tornar humana e a necessidade de Hiro de pertencer se sobrepõem e se entrelaçam, resultando em atrito emocionalmente carregado que vale a pena na melhor das maneiras. O resto do Esquadrão 13 também recebe um bom screentime. Ichigo chega a um acordo com seus próprios sentimentos e passa por eles, assim como Goro tem que lidar com o fato que sua parceira de Franxx é obviamente apaixonada pelo melhor amigo dele. Ikuno descobre que ela gostaria de pilotar com outra menina, mas isso é negado selvagemente pela sociedade. Futoshi tem que lidar com a dura verdade da vida que sua parceira de Franxx prefere pilotar com outro rapaz que tem muitos quilo a menos. Mitsuru, Zorome e todas as outras crianças tem também seu desenvolvimento.
It's funny because he is fat

Os episódios de slice of life que mostram as crianças tentando levar uma vida por conta própria sem a interferencia dos adultos, mas sem ter muita certeza de como se faz as coisas - que é o que rola quando você é adolescente - é de um desenvolvimento de personagens e sinceridade que honestamente eu lembrei de uma versão positiva de Senhor das Moscas. É realmente muito bem escrito.

Para um elenco tão grande, o estúdio Trigger e o A-1 fizeram um malabarismo bastante hábil. Ainda mais impressionante é como eles conseguiram desenvolver o mundo em conjunto com os personagens. Apenas no episódio 10, “A Cidade da Eternidade”, é que dá aos espectadores uma espiada do que, exatamente, o que as crianças estão protegendo. E eu vou te dizer: não é bonito. A vida dos adultos na cidade parece fascinante à distância, mas o cenário é bastante triste sobre como as pessoas vivem suas vidas. Os tons do cyberpunk e da distopia pintam uma imagem estéril de uma sociedade que foi projetada para ser pura utilidade. Mais uma vez, quando você considera o contexto da sociedade japonesa, essa discussão é mais relevante do que nunca.

E É ASSIM QUE TERMINA, NÃO COM UM ESTRONDO MAS COM UM CHORAMINGO

Bem, se você me acompanhou até aqui deve ter tido uma boa ideia do quão impressionado eu fiquei com esse anime que mistura fan service, robos gigantes, criticas sociais, batalhas fodendamente épicas e desenvolvimento de mundo e personagens poucas vezes vistos em um anime. É, para todos os méritos, um anime para bater em no capô e dizer "isso é o que animes são".

Só faltava uma coisa para esse anime um dos maiores de todos os tempos. Maior que Evangelion até. Apenas uma coisa para entrar para história: um final fodendamente épico. Um final que ficaria na memória por anos a fim - como o final de Evangelion, para esse proposito - e a eternidade seria sua. As ferramentas estavam lá, o cenário estava preparado, os escrivões da história da animação haviam molhado suas canetas-tinteiro para escrever mais um capitulo.

E de fato, o terço final de Darling in the Franxx entrou para a história da animação. Por todos os motivos errados.



Franxx foi muitas coisas ao longo de seu curso, de uma metáfora muito louca sobre puberdade a uma história de amadurecimento movida pelos personagens. O que eu nunca esperei que fosse, no entanto, era... decepcionante.

Eu normalmente não uso essa palavra para descrever muitas coisas, já que eu me esforço ao máximo para julgar algo pelo que isso se propõe a ser e não pelas minhas expectativas. Darling in the Franxx é uma história diferente. Eu estaria disposto a ser mais indulgente de como o show terminou, não fosse por quanto eu gostei dos dois primeiros terços. O que deu errado? Como o Trigger e o A-1 encaminham o seu anime para a estrada do sucesso e estragaram tudo?



E então, do nada, quando  o terço final do anime começa logo depois de episódio final de mid-season tão épico que muitos animes jamais chegarão a sonhar com algo tão bom para o seu proprio final, quando a treta entre a humanidade e os urrossauros receberia suas cores finais... Sem motivo algum, sem nunca ter feito parte da história até aquele ponto, aliens atacam e foda-se, vamos todos ao espaço porque  “Nós temos que parar os alienígenas”.

Se isso parece muito com Gurren Lagann, é porque é mesmo. Só que pior. independentemente de seus próprios problemas, Gurren Lagann trabalhou com suas lutas espaciais exageradas e ação desafiadora da física desde o começo da série. Não foi do nada que eles decidiram "BAM, ALIENS". Foi o curso de como os personagens e a narrativa estavam se desenvolvendo. Isso fazia sentido.Franxx faz qualquer coisa, exceto sentido. Existe uma grave desconexão entre os dois primeiros terços e o último. Ao tirar da bunda antagonistas uma aliens como de Borgs que querem assimilar toda vida organica, a série removeu a agência do Esquadrão 13. Eu não posso estressar o suficiente o quanto isso saiu do nada MESMO.Os fãs há muito especularam que o último ato da série envolveria um arco de rebelião. As crianças perceberiam que tinham o poder de mudar suas vidas e se rebelar contra os adultos, construir uma nova sociedade. Ou então entender porque os adultos fizeram o mundo do jeito que eles fizeram e, a um estilo bem 1984, entender que o sistema vence por uma razão. Qualquer um dos dois caminhos serviria. Ou qualquer outro na verdade, só não uma invasão súbita de alienígenas que arruinou completamente qualquer perspectiva de conclusão baseada no que aconteceu até ali.

Me permita colocar de outra forma: esse final é tão aleatório que poderia ser encaixado em qualquer anime. Partida final do campeonato de Keijo, bam, aliens atacam e as bundas tem que se unir para salvar o mundo. A humanidade luta desesperadamente contra os Titãs encurralada em seu último esforço e... alienas atacam - agora humanos e gigantes tem que unir forças contra um novo inimigo em comum saído do nada.

Isso é tão ruim, mas tão ruim... Não eram mais as crianças ditando o ritmo da história. Todas as suas ações foram simplesmente reacionárias, resultando em uma narrativa fracamente flutuante e sem compromisso. Nada exemplifica isso melhor do que como a batalha final é resolvida. Dando as mãos e enviando a Hiro e Zero Two sua energia espiritual, o Esquadrão 13 salva o dia com o poder da amizade.

Sério.

Eu queria estar brincando. 

Um anime que faz as perguntas certas, taí algo que não se vê todo dia


E se ao menos fosse uma batalha espacial final fodendamente animada, mas não. A animação é preguiçosa a um ponto que Macross - um anime de 1982, pelo amor dos Naaru - tem mais esforço e qualidade. Eu não sei exatamente o que aconteceu aqui, mas isso tem muita cara de produção apressada. Todo backstory do mundo foi simplesmente vomitado em um episódio de flashback, e a última vez que eu vi algo assim foi com o CD 2 de Xenogears. Mas eu não sei.

O que eu sei é que eu estou muito desapontado com esse final. Alienígenas e assassinato de personagens são apenas sintomas de um problema maior que assola o terceiro ato de Franxx: escrita desleixada. Todos esses elementos funcionam bem por si só, ou mesmo em outro anime.

A questão de como eles são usados ​​em Franxx é que o resultado é completamente divorciado de todo resto da narrativa. Se você definir sua história com um conjunto de regras e temas, é melhor você se ater a elas. Franxx foi um anime divertido por causa de seus personagens, uso de fanservice e metaforas bem utilizadas. Depois do episódio 16, esse sabor distinto gradualmente desapareceu, deixando-nos com um show sem graça. Não há mais metáforas sugestivas, grandes construções mundiais ou personagens dinâmicos. E essa é a parte mais frustrante de tudo. Eu não odeio esse anime. Em um ponto, eu até amei isso. Darling no Franxx começou como algo divertido, fresco e excitante. No entanto, ao final da série, ela evitou tudo o que a tornava ótima e optou pela saída mais fácil. Estou decepcionado com o que esse show escolheu, não com o que poderia ter sido.

Você poderia ter sido grande, kid. O maior de todos, mas escolheu não.
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