[SERIES] 3 BODY PROBLEM (ou o Interestelar do homem pobre)
Se Interestelar e O Problema dos Três Corpos sentassem juntos para beber em um bar, você encontraria Interestelar bebendo um uísque de primeira enquanto Problema dos Três Corpos estaria tentando matar uma Itaipava aguada. O que eu quero dizer com isso é que ambos são retalhos do mesmo pano de ficção científica - ciência dura, pavor existencial e o grande e maligno cosmos pronto para esmagar a humanidade como um inseto (o que é uma expressão que 3BP literealmente usa, mas já chegamos a isso). Mas enquanto Interestelar deslumbra com a direção visionária de Christopher Nolan e a trilha sonora celestial de Hans Zimmer, Problema dos Três Corpos tropeça nos próprios cadarços, incapaz de disfarçar de usar os mesmos truques para esconder suas limitações. Vamos então nos aprofundar nessa comparação cósmica, sim?
Uma breve introdução: O que é o *Problema dos Três Corpos*?
Escrito pelo autor chinês Liu Cixin, O Problema dos Três Corpos é o primeiro livro de uma trilogia de ficção científica que trata de alienígenas, astrofísica e a destruição da humanidade (coisas alegres). A história começa com Ye Wenjie, uma astrofísica que se cansa da humanidade durante a Revolução Cultural e faz o impensável: transmite as coordenadas da Terra para o espaço sideral. Adivinha quem atende a ligação? Os trissolarianos (na série eles mantiveram o nome chinês "San-Ti", o que soa estiloso tb), uma raça alienígena cujo planeta natal é constantemente torrado, congelado e geralmente abusado por seu instável sistema de três estrelas.
O que se segue é uma extensa história de preparação para uma invasão alienígena, dilemas morais e física teórica suficiente para fazer Einstein chorar. Parece épico, certo? Isso é. No papel. Mas, meu Deus, a execução...
Personagens improváveis: A Galera do Cringe Cósmico
Tanto Interestelar quanto O Problema dos Três Corpos têm um problema de personagens, mas Interestelar pelo menos coloca alguns atores da primeira prateleira na jogada. Cooper, de Matthew McConaughey, pode ser um pouco babaca, mas o ator consegue equilibrar as coisas. A Brand de Anne Hathaway é irritantemente poética sobre o amor que transcende o tempo, mas pelo menos a Aninha parece ótima dizendo isso.
O Problema dos Três Corpos, por sua vez, nos dá Ye Wenjie, cuja história de fundo é trágica, mas cuja personalidade é tão calorosa quanto Plutão no inverno. Depois, temos Wang Miao, o suposto protagonista do livro que na série foi dividido em uma penca de personagens, mas nenhum com quem você gostaria de sentar perto por mais de 5 minutos (ver essa "galerinha de amigos" bem pouco tolerável me deu flashbacks do Vietnã de assistir Friends, mas divago). Até os alienígenas são meio idiotas, enviando mensagens ameaçadoras à Terra como: “Nós vamos esmagar vocês como insetos” depois de aprender que humanos são capazes de mentir. Sério, trissolarianos, vocês tem o que, 14 anos de idade e estão passando pela aborrescencia?
Furos de roteiro grandes o suficiente para engolir um buraco negro
A ficção científica não é ciência de verdade, mas tanto Interestelar quanto O Problema dos Três Corpos exigem pesadas suspensões de descrença. Em Interstellar, há a infame cena do “amor como uma força quantificável”, onde Brand de Hathaway sugere que o amor pode ser a resposta para navegar no cosmos. É sentimental, sim, mas Nolan quase faz funcionar. A trilha de Zimmer segura, os visuais são impressionantes e você está muito ocupado babando pelo buraco negro mais lindo da história do cinema para notar a pseudociência.
Problema dos Três Corpos não tem tanta sorte. O “problema dos três corpos” do título (um verdadeiro problema de resolver na astrofísica) é reduzido a um jogo de realidade virtual desajeitado que parece mais uma versão da Shopee de Ready Player One. O grande plano dos trissolarianos para retardar o progresso científico da Terra através do envio de “sófons” (partículas subatómicas com capacidades de IA) é tão enrolado quanto soa, especialmente pq o que os Sofons podem fazer, onde eles podem estar e quais seus limites reais varia a cada cena, dependendo do que fica mais preguiçoso pro roteiro se acomodar. E nem vamos começar com os personagens que sofrem do mesmo problema, ganhando ou perdendo pontos de QI aleatoriamente para se adequar ao enredo.
Orçamento vs. A gente já tem hard sci-fi em casa
O negócio é o seguinte: Interestelar parece caro. Nolan filmou campos de milho reais, construiu cenários enormes e conseguiu que o físico teórico Kip Thorne fosse consultor científico. A partitura pesada de Zimmer faz você sentir como se o universo estivesse desabando sobre sua cabeça da melhor maneira possível. Problema dos Três Corpos, seja o livro ou a adaptação da Netflix, não tem esses luxos. Onde Interestelar nos dá visuais icônicos – Gargantua, o planeta aquático, aquela sequência de atracação – Problema dos Três Corpos oferece... algo okay para os padrões da Netflix, mas nada que fará você lembrar dele 10 anos depois.
Considerações Finais: O Buraco Negro Orçamentário
Em sua essência, o Problema dos Três Corpos não é uma história ruim. As suas ideias ambiciosas sobre o contacto com alienígenas, a responsabilidade moral e a fragilidade da civilização humana são dignas de aplausos. Mas a ambição por si só não faz uma obra-prima. Sem a magia cinematográfica de Nolan ou a trilha sonora de outro mundo de Zimmer para encobrir as rachaduras, Problema dos Três Corpos é um bem menos digerível.
Então, sim, Problema dos Três Corpos é o Interestelar do homem pobre. É o que acontece quando você desmonta o gênero até os ossos – hard sci-fi e personagens mais duros ainda de gostar. O problema é que é melhor deixar alguns ossos com um pouco de carne (e uma trilha do véio Zimmer).