[CINEMA] PROCURANDO DORY (ou a Pixar não faz continuações)

| terça-feira, 24 de setembro de 2024

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Ok, foi um filme bem curto esse…

Procurando Nemo“, filme da Pixar de 2003, tem uma sinopse muito estranha quando você pensa sobre ele: “Homem tem a esposa brutalmente assassinada diante de seus olhos por um psicopata, e agora precisa partir em uma jornada com a ajuda de uma deficiente mental para encontrar seu filho aleijado“. Bem, é um conceito estranho mas, na execução, Procurando Nemo não tem nada de estranho sendo um dos filmes mais seguros da Pixar, e meio que bastante o que você esperaria dele.

Estranho mesmo foi quando alguém lá dentro leu essa sinopse zoada na internet, coçou o queixo e disse: “hey, espera aí, e se…“. O resultado é que, ao contrário do original, Procurando Dory é um filme muito estranho. E estranho é bom.

VAMOS COMEÇAR FALANDO DA BALEIA BRANCA NA SALA.
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Pronto, taí sua reação

Eu não gosto de Procurando Nemo. Pronto, falei. Se você quiser parar de ler este texto agora não irei condená-lo, mas eu realmente acho que é um dos filmes mais fracos da Pixar. É onde eles arriscaram menos, tentaram menos, e é bem seguramente apenas uma “creche eletrônica para desovar meus filhos e ter milagrosas duas horas de paz” pela qual as pessoas tomam as animações.

Mas como eu sou um Zé Ruela aleatório na internet, e minha opinião não importa tanto assim, eu gostaria de expor o ponto de um dos caras que mais entende sobre cultura pop infanto juvenil no Brasil: Fábio Yabu.
Mas a grande falha está nos personagens. Nemo, o personagem principal, é um deficiente físico. Mas a sua “nadadeira da sorte” não lhe traz nenhum tipo de desafio, ou seja, o roteiro não ousa, a nadadeira está lá por estar, não faz diferença. As crianças não o maltratam nem o discriminam por ele ser diferente. Isso seria ideal num mundo ideal, mas é só dar uma olhada nos comentários desse blog para ver que o mundo está longe de tal condição.
Além de tudo, Nemo é muito linear em suas emoções, o máximo que o roteiro extrai dele é um “eu te odeio” despropositado, forçado e perdido no meio da história. Não dá pra “acreditar” que ele existe, seus defeitos são fabricados e pasteurizados como simples detalhes de sua personalidade.
Posto isso, e agora certo de que muito provavelmente eu não estarei na sua lista de cartões de natal, podemos falar sobre um filme que não faz nenhum sentido ter existido, mas felizmente existiu.

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Te achamo Dory, a casa cai procê! Perdeu! Perdeu! Perdeu!

O FILME QUE NÃO DEVERIA ESTAR LÁ

Não faz nenhum sentido que “Procurando Dory” exista. É a continuação de um filme com mais de dez anos desde o seu lançamento, “protagonizado” pelo alivio cômico do filme anterior. Sabe o que essa descrição me lembra? Um dos filmes mais esquecíveis do ano passado: Minions.

Minions” é um daqueles momentos em que os executivos de um estúdio esfregam as mãos e dizem “então, como vamos tirar mais dinheiro desses trouxas com o menor esforço possível?”. Procurando Dory tinha muita cara de ser isso (e no  meu caso pior ainda, continuação de um filme que eu nem dava lá grandes coisas, imagine minha boa vontade ao assistir esse filme…).

Mas, felizmente, ao contrário da Disney, a Pixar não faz continuações. Antes que você proteste eu vou repetir: a Pixar não faz continuações. O que a Pixar faz são filmes completamente diferentes dentro do mesmo universo.

Carros 2, por exemplo, não é “Carros de novo para tirar mais dinheiro dos pais das crianças“. O primeiro filme é tipo uma versão animada de Dr. Hollywood, Carros 2 é uma paródia de filmes de espionagem. Não tinha como ser mais diferente (se ficou bom ou não, não vou discutir isso agora).

Com exceção, talvez, de Toy Story, a Pixar não faz sequencias. O que é uma coisa boa porque, a menos que eles tenham uma ideia muito boa para ser contada, eles não se dão ao trabalho de fazer. Não, não será tão cedo que teremos um Divertida Mente contando a vida sexual da Riley, pode parar de cruzar os dedos.

Procurando Dory é um desses casos que, sim, eles tiveram uma ideia muito boa para tocar adiante a continuação.

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SER “ESPECIAL” NÃO É ENGRAÇADO

Dory, como todo o universo sabe, é um peixe que sofre de perda de memória recente, e principal fonte de risadas no filme original por conta da sua deficiência. Isso é algo que sempre me incomodou bastante, e eu considerei, inclusive, citar ela na minha lista de TOP 5 personagens que são bastante deprimentes quando você pensa sobre eles.

Aparentemente mais alguém ficou incomodado com isso também na Pixar, porque esse filme é justamente sobre o quanto ser “especial” não é nada engraçado na verdade. É muito difícil, na verdade, e a quantidade de coisas que você perde, a quantidade de saltos laterais que você tem que dar para apenas ser igual aos outros certamente não é motivo de piada.

Como o Doutor disse uma vez em um dos seus melhores momentos: “Eu perdi coisas que você jamais entenderá!“. Coisas que você não faz ideia do quão valiosas são até que você precise viver sem isso.

E ao contrário do primeiro filme, a vida de Dory é tudo, menos “engraçadinha” por causa do problema que ela tem. Ela se perdeu dos seus pais quando era criança e cresceu sozinha, porque as pessoas tem tanta paciência com gente “diferente” quanto podemos esperar da nossa raça (ou dos peixes, nesse caso). Lidar com uma deficiência mental é exaustivo, cansativo, e as pessoas simplesmente desistem, porque ninguém tem paciência com a merda dos outros se ela não for bonitinha. Quando eu vejo na cultura pop como pessoas com transtornos mentais normalmente têm uma vida relativamente normal, eu apenas dou um sorriso cansado e penso “heh, gostaria que fosse tão simples assim”.

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Houveram dias em que eu achava que assistir como a Dory aprendeu a falar baleiês não seria uma experiência tocante. Estes dias ficaram para trás e jamais voltarão.

Não foi até chegar a idade adulta que Dory foi conseguir um amigo de verdade que a aceitasse como ela é (a introdução à vida pessoal de Dory termina justamente quando ela conhece um peixe-palhaço que está procurando seu filho desesperadamente, talvez você já tenha ouvido falar dessa história), mas foi uma jornada muito triste e pesada até ali.

Foi surpreendentemente algo sombrio, pesado e triste de se assistir, definitivamente não era o que eu esperava de uma “continuação caça níquel“. Um dos defeitos do primeiro filme é justamente que a “deficiência” do Nemo estava ali só para cumprir quota, porque ela não prejudica ele de forma nenhuma durante o filme inteiro. Nem fisicamente, nem socialmente.

Procurando Dory é efetivamente sobre o problema dela, e o quanto seu cérebro não funcionar da forma que deveria é nada engraçado na verdade.

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A grande pergunta que fica é: como vamos viver agora em um mundo sem um filme solo do Geraldo?

UMA AVENTURA PARA TODA FAMÍLIA

Falando assim parece que o filme é muito sombrio, sinistro e que o Zack Snyder vai comprar 4 cópias dele e mais a edição de colecionador. Só que não é assim.

Um ano após os eventos do primeiro filme, Marlin está vivendo com seu filho Nemo e sua amiga com necessidades especiais Dory (eu sei que shipadores shiparão, mas não é essa a relação deles, até porque a Dory precisa de mais cuidados do que uma criança devido à condição dela) quando um evento cotidiano faz Dory começar a lembrar que ela já teve família um dia. Para desespero do nosso peixe-palhaço pouco aventureiro, Dory decide, então, cruzar o oceano para encontrar sua família.

Quando sentamos para assistir um filme da Pixar esperamos feels e boa aventura animada, e Procurando Dory não falha em nenhum destes dois campos. As coisas ficam melancólicas, então tristes, depois nostálgicas, daí divertidas, mais divertidas ainda, tristes, assustadoras, divertidas de novo… você sabe como os filmes da Pixar funcionam, não? Nunca tem um momento em que Procurando Dory não esteja fazendo seu melhor para manter a audiência não só emocionalmente investida na aventura, mas torcendo por ela.

E vai, sem dizer que a Pixar está cada dia melhor em entregar aventuras visualmente divertidas e interessantes, seja em pequenas esquetes de humor bem construídas (GERALDO, FORA!), seja em personagens únicos. A grande adição do filme é o setopode (você sabe, um octopode que perdeu um tentáculo) rabugento Hank, que no original é dublado por ninguém menos que Ed O’Neill (o eterno Al Bundy). Acho que eu não preciso explicar muito mais sobre o personagem e o quão formidável ele é.

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Não, sério, Pixar eu nunca te pedi nada!

Como muito da ação se passa fora d’água, Hank é a ferramenta que torna isso possível em cenas um tanto forçadas, mas não menos divertidas por conta disso (mas se você vai assistir uma animação sobre peixes falantes para reclamar da impossibilidade física de alguma coisa, tem algo muito errado com você).

Estruturalmente o filme lembra bastante a fórmula de Up – uma grande aventura com momentos que tocam seu coração e causam lágrimas – só que faz tudo melhor. Com exceção da abertura, porque o começo de Up é coisa linda de Deus, né?

Promover Dory a protagonista foi uma escolha arriscada, alívios-cômicos (por melhor que sejam) não costumam ser tão brilhantes assim quando promovidos a centro das atenções (acho que eu não preciso novamente lembrar o quanto o filme dos Minions é esquecível, né?). Mas o filme se aprofunda nela e consegue transformá-la em uma protagonista crível e com motivações relacionáveis, não apenas altas aventuras porque ela é mucho lokaaaa!

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Hank odeia que falem com ele, que toquem nele ou que estejam perto dele. E odeia crianças porque elas fazem todas essas coisas ao mesmo tempo. Encontrei meu animal espiritual

OU, OU, OU, CALMA LÁ MERMÃO

Dito isso, eu acredito que eu tenho algum problema com o ritmo do filme. Talvez porque eu não seja o público alvo, mas em vários momentos eu gostaria que a ação desacelerasse um pouco e focasse mais em esquetes bem sacadas, ou nos problemas pessoais da Dory.

A impressão que fica é que, temendo que o filme ficasse pesado (e arrastado) demais, a Pixar decidiu exagerar no açúcar, e o ritmo da coisa é um tanto frenético, mesmo para os padrões de uma animação, ao ponto de em alguns momentos seu cérebro quase desligar e entrar no modo “piloto automático vendo cenas de ação” (que é meio que a sensação que você tem do começo ao fim assistindo os filmes do Michael Bay).

Felizmente, neste caso, o coração do filme é enorme e muito interessante, e logo a Pixar te acorda para as partes realmente interessantes do drama pisciano.

Não é uma obra-prima do cinema (certamente não como Wall-E, ainda de longe o melhor filme da Pixar), mas é entretenimento de alta qualidade de uma sequencia que, até uma semana antes do lançamento do filme, ninguém tinha entendido ainda qual era o propósito da coisa. Pessoalmente eu gostei bem mais do que do primeiro filme, que até agora eu não entendi qual era o seu coração senão uma sequência de gags visuais coladas, mas como eu não sou grande fã de Procurando Nemo isso não quer dizer tanta coisa assim.

Surpreendentemente, “Procurando Dory” não é sobre achar fisicamente a Dory, ela não se perde (não mais que o usual, pelo menos), e sim sobre a Dory tentando realmente descobrir quem ela é e da onde veio. Profundo, não?

Como diz o ditado, da onde menos se espera… daí mesmo é que não sai nada. A menos que você espere da Pixar, porque eles sabem o que estão fazendo. Você nunca ouviu? É um ditado muito popular, sabia.
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