[ANIME] RAHXEPHON (ou o Neon Genesis Evangelion do ChatGPT)


Quando eu era um jovem repleto de sonhos e esperanças (sim, isso já aconteceu um dia), eu era particularmente fascinado por um anime que provavelmente você já ouviu falar chamado "Neon Genesis Evangelion" (sim, eu gostava de coisas imensamente famosas na época, nunca servi pra hipster). Mas não é disso que eu quero falar hoje e sim de um anime que veio um pouco depois chamado Rahxephon, porém parece tanto com Evangelion que eu te desejo boa sorte tentando achar uma única review que não mencione a comparação.

A coisa é, no entanto, é que como eu era um jovem burro e emocionado, eu detestava Rahxephon por ele OUSAR se comparar ao meu querido hubbie-wubbie, eu assisti com a maior má vontade do mundo porque rivalidade, blablabla, coisas estúpidas que fazem sentido na sua cabeça quando vc é jovem.


Corta agora para decadas depois e eu obviamente agora sou velho e cansado, e o que é importante pra esse texto, não ligo pra mais nada disso. Quer dizer, se alguma coisa eu gosto MAIS hoje de Evangelion do que gostava quando era adolescente pq eu entendo algumas coisas hoje que eu não entendia na época, mas pelo menos meu gosto amadureceu pra não ter "raivinha" de nada. Isso sendo dito, eu pensei "huh, suponho que eu deveria dar outra chance para Rahxephon e assistir como uma pessoa normal, você sabe, e não como um adolescente doente da cabeça". Pleonasmo, eu sei. Mas o ponto é que então eu reassisti Rahxephon totalmente aberto, sem julgamentos, sem pré-conceitos. Apenas deixar o show me contar o que ele tinha pra contar e... bem, vamos a isso então.

Vamos então direto ao ponto que eu já enrolei muito: se você der um parágrafo ao ChatGPT e pedir para ele reescrevê-lo, ele o fará brilhantemente. No entanto, a máquina não sabe por que está fazendo isso: uma máquina não tem alma, nem vontade, nem necessidade de se expressar. É uma ferramenta que executa tarefas com precisão mecânica. 

Uma máquina pode desenhar, compor ou escrever melhor que 98% da raça humana, mas jamais vai ser capaz de criar arte, porque a criação requer autoexpressão, uma vontade de comunicar algo significativo.  A máquina pode fazer um desenho muito bonito, mas aquilo não vai significar nada pra ela. Tá, mas pq eu estou falando de IAs aqui? Por que isso é relevante a essa review? Porque RahXephon é essencialmente a versão ChatGPT de Neon Genesis Evangelion, replicando sua estrutura, temas e estética, mas sem a profundidade emocional e temática que tornou Evangelion icônico.

Assim como Evangelion, RahXephon apresenta um adolescente pilotando um mecha biomecânico para lutar contra inimigos de outro mundo, enquanto enfrentam crises existenciais e relacionamentos familiares problemáticos. O protagonista, Ayato Kamina, vive cercado por um séquito de waifus que incorporam arquétipos clássicos de anime: a indiferente e enigmática (Quon), a tsundere ardente (Megumi) e a guardiã que deveria ser madura, mas é vulnerável (Haruka ). Em meio a isso, uma organização paramilitar obscura (Terra) tem que lidar com a agenda de senhores sinistros (a Fundação Bahbem), que nutrem ambições apocalípticas de literalmente dar um format C:/ na vida na Terra. 

Os paralelos são infinitos e vão além dos personagens, os próprios eventos parecem seguir a cartilha de Evangelion: em dado ponto Ayato é absorvido por seu mecha, tem um colapso mental devido ao trauma parental e enfrenta um evento de fim do mundo semelhante ao Terceiro Impacto. Check, check e check. Só que, essa é a parte importante aqui, RahXephon nunca parece entender o "porquê" por trás dessas batidas narrativas. Por que esses eventos acontecem? Porque Evangelion fez desse jeito, táMas qual é o propósito deles na história de RahXephon? É aí que o anime se atrapalha com as bolas.

Enquanto Evangelion tem uma exploração profundamente pessoal da depressão, da conexão humana e da busca por identidade, RahXephon parece vazio em seu âmago. Ele imita a forma de Evangelion sem captar sua essência. O apocalipse climático e a "sintonização do mundo" não têm implicações emocionais porque a série nunca define claramente a favor ou contra o que os personagens estão lutando. Os objetivos dos antagonistas permanecem abstratos, as motivações dos protagonistas não são claras. Até mesmo os supostos sacrifícios emocionais não têm impacto. O que essas mortes realizam?  O que as pessoas que "se sacrificam" na batalha final estavam esperando conseguir com isso? Por que esses personagens simplesmente não recuam se o mecha de Ayato está fazendo todo o trabalho? Todas as respostas sempre parecem ser apenas "pq Evangelion fez desse jeito", eu não sinto que a série se esforça para fornecer respostas satisfatórias a essas perguntas, fazendo com que suas batidas emocionais pareçam mais obrigatórias do que merecidas.


Os personagens são outro ponto fraco. Enquanto Evangelion apresentou um elenco com falhas profundamente humanas e em camadas construídas sobre os estereótipos de anime, os personagens de RahXephon parecem imitações vazias. Ayato, em particular, é uma tabula raza: um protagonista cuja personalidade muda para se adequar às necessidades da narrativa (e reproduzir as cenas que Shinji faz em Eva, obviamente). Embora seu arco aparentemente se concentre na autodescoberta de O QUE ele é, sua caracterização inconsistente torna difícil se importar com ele ou com sua jornada. O elenco de apoio não se sai melhor, reduzido a arquétipos ou recursos de enredo em vez de pessoas com papéis significativos na história.

Para aumentar a frustração, RahXephon se deleita com a ofuscação. Ele retém informações importantes por muito tempo, minando momentos emocionais e narrativos críticos. Termos como "afinação", "Ollins" e "timbre" são usados ​​na tentativa de criar um senso de misticismo, mas muitas vezes parecem mais um jargão complicado do que um simbolismo significativo. No final da série, a premissa básica é relativamente simples, mas a série a afoga em camadas de complexidade desnecessária que não evocam outra sensação de "toda essa enrolação era pra SÓ isso?". Não é um sentimento que você quer evocar numa série que parece se orgulhar em que metade dos dialogos não fazem o menor sentido pro espectador porque eles usam termos próprios jamais explicados.

Essa frase teria mais impacto se eu soubesse o que o show chama de "Timbre", mas suponho que os realizadores não compartilham da minha visão.

É por isso que eu digo que RahXephon é a versão ChatGPT de Evangelion. Tem todos os ingredientes — a sua versão da kuudere Rei, a sua versão da tsundere Asuka, a sua Misato irresponsável, o apocalipse que restaura o mundo, a conspiração sombria — mas nenhuma alma para ligar essas coisas. Se Evangelion nasceu muito da longa luta contra a depressão e histórico pessoal conturbado do seu criador, Hideaki Anno, em Rahxephon não há uma visão clara ou verdade emocional por trás de sua superfície polida. O resultado final é tão rígido e sem vida quanto a luta das estátuas mesoamericanas-déco (?!?) contra o mecha do protagonista.

No final das contas, RahXephon não é um anime com algo profundo a dizer — é uma imitação de algo que tem. É tecnicamente competente e visualmente impressionante às vezes, mas é uma casca vazia, sem a humanidade que eleva uma grande arte a algo verdadeiramente memorável. 

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