MELHORES DE 2022: Série Animada [Segundo Lugar]

| terça-feira, 10 de janeiro de 2023
Olá campeões e campeãs do cangaço, voltamos hoje para mais um brado retumbante episódio do Dogoncio Awards 2022! Apenas lembrando que a lista de candidatos se refere ao que eu assisti em 2022 e não com o ano de lançamento em si. Isso dito, vamos relembrar os competidores pela maior premiação da animação pangalactica que temos até aqui:

  1. Voltron: Legendary Defender
  2. Todd McFarlane's Spawn
  3. Gargoyles
  4. What If
  5. Aaahh!!! Real Monsters
  6. Skeleton Warriors
  7. The Owl House [Terceiro Lugar]
  8. Rick and Morty
  9. I Am Groot
  10. Rick and Morty
  11. Ducktales (2017)
  12. Amphibia
  13. RWBY
  14. Adventure Time

Então sem mais delongas, vamos falar sobre a nossa medalha de prata de 2022! Vamos falar sobre ...

UAU, ISSO FOI... SURPREENDENTEMENTE DIRETO.

Porém para entender o que esse desenho tem de especial, bem, eu preciso voltar um pouco mais no tempo. Mais especificamente até 1997. Mais especificamente ainda, até 13 de agosto de 1997.

EU FALEI CEDO DEMAIS. ESSE VAI SER MAIS UM DAQUELES SEUS DESVIOS COM MARGINALMENTE RELAÇÃO AO CARTOON, NÉ?

Tudo que eu falo tem um ponto. Majoritoriamente. Talvez. Ocasionalmente. Seja como for, o que importa para o segundo colocado do Dogoncio Awards 2022 é que em 13/08/1997 estreou um dos desenhos mais relevantes e importantes da história da televisão: South Park.


De fato eu não assisti South Park ano passado (tenho que colocar as ultimas temporadas em dia, preciso lembrar disso), mas ele é importante para o meu argumento. Só que primeiro eu preciso explicar o que é South Park para quem nunca realmente parou pra assistir South Park e só conhece de fama acha que o desenho é só poutaria e nojeira pelo prazer de ser poutaria e nojeira. 

HÃ, ESSE NÃO É O DESENHO QUE UM DOS PERSONAGENS É LITERALMENTE UM COCÔ QUE DEIXA UM RASTRO DE BOSTA QUANDO APARECE EM CENA?

Sim, é. Mas também é um dos desenhos mais inteligentes que eu já vi na vida. A dualidade do ser humano, eu suponho. Mas para explicar porque South Park é tão inteligente e tão acima da curva, primeiro eu preciso explicar como se escreve uma história.

EU DISSE QUE ESSE IA SER UM DAQUELES DESVIOS...

Sua falta de fé é perturbadora. Seja como for, uma história basicamente se escreve assim: vc tem um status quo - a situação inicial na qual os personagens recorrentes do programa se encontram - então acontece uma situação diferente, isso força os protagonistas a agir sobre esse problema e isso leva a uma conclusão.

Tipo os Ursinhos Carinhosos estão lá na Nuvem Rosa discutindo se deve haver cotas para pandas como Ursinhos Carinhosos, quando eles veem que um menino está roubando todas as maçãs do bairro. Então eles descem lá, ensinam uma lição sobre o poder da amizade ou algo que o valha e todos riem no final. Ou o Tio Patinhas ouve falar de um novo tesouro na Vila dos Toco e leva toda gangue para uma aventura com altas confusões. Isso é narrativa 101: status quo, situação divergente, conclusão.

Isso não é necessariamente storytelling ruim, mas definitivamente favorece histórias altamente previsiveis onde já no primeiro ato da narrativa vc sabe onde aquilo vai dar. Matt Stone e Trey Parkers, os criadores de South Park, achavam esse metodo terrivelmente tedioso de se trabalhar e desenvolveram sua própria formula.

O que eles fazem de diferente é que a narrativa deles não é estruturada em arcos pre estabelecidos (cotidiano, crise, resolução), e sim em um metodo que eles chamam de "THEREFORE/BUT". Funciona assim: primeiro, é estabelecido alguma situação aleatória que desencadeia o processo (por exemplo, Cartman vai em um parque aquático e fica furioso com a fila).

Agora é que a magia acontece: a seguir, eles pensam na consequencia ou efeito colateral mais absurdo  ou divertido que essa premissa pode atingir. Uma vez estabelecido isso, eles desenvolvem as consequencias mais absurdas ainda para as consequencias anteriores. 


E assim o processo criativo vai se desenrolando em uma bola de neve que quando chega no final temos uma situação completamente fora do controle (como a mão do Cartman tomou o lugar da Jennifer Lopes), só que essa situação zoadaça não veio de lugar nenhum, não é um non-sequitur que eles colocam qualquer merda aleatória apenas pelo prazer de ser aleatório (isso é Family Guy, um desenho que eu dificilmente conseguiria rir mesmo que a minha vida dependesse disso). Não, houve um processo ao longo do episódio de como as coisas foram escalonando, há um método na loucura.


Agora, é preciso dizer, Trey e Matt não apenas encontraram essa formula pq a fada das formulas deu de presente pra eles, eles são caras muito inteligentes e que tem uma visão muito clara de como as coisas funcionam - frequentemente dizendo de uma forma engraçada o que meio que todo mundo pensa, mas não consegue formular isso sem começar uma briga.

Sério, o episódio que explica porque o jornalismo é do jeito que é tinha que ser passado na faculdade (Craig is a genius, i'll tell ya). Ou o episódio explicando o que é Time Sharing (que também é uma paródia de filmes de esporte dos anos 80, pq é assim que South Park rola), falando algumas verdade sobre imigração (com viajantes do tempo, just because), como a democracia funciona ou falando sobre o baseball. Uma regra boa pra vida é que se vc quer aprender como uma coisa acontece na prática, assista o episódio de South Park sobre isso. South Park é genial.

SUPONHO QUE AGORA VOCÊ VAI FALAR COMO ISSO TEM MARGINALMENTE ALGUMA RELAÇÃO COM O SEGUNDO COLOCADO

Sim, mas nesse caso não é pouca. Pegue esse modelo criativo que eu descrevi acima, de ir dando linha na pipa para ir construindo uma situação em cima de outra em cima de outra até você ter montado um megazord de absurdidades porém que tem uma base lógica... MAS PORÉM CONTUDO TODAVIA ENTRETANTO, tire a parte de fazer uma crítica social ou explicar como alguma coisa funciona.



Você sabe, apenas deixe a criatividade ir solta sem nenhum tema ou proposito em específico, apenas vai e vai e vai para ver onde isso vai dar. Se você fizer isso, bem, essencialmente você tem Rick and Morty. Sabe aquele momento de Dragon Ball Z que o Goku tira os pesos de treinamento pq agora ele vai lutar com todo seu potencial?

Rick and Morty faz isso com a criatividade. Ele segue o modelo de THEREFORE/BUT de South Park, mas sem nenhum tipo de amarra moral ou didatica. É a criatividade em seu estado mais puro, evoluindo sobre si mesma a cada batida narrativa do episódio apenas pra ver onde isso vai chegar. E isso, meus amigos, é simplesmente fantabuloso.

E quando falamos de animação (que tem a enorme vantagem sobre as filmagens em live action de não ter gastos extras com locações, efeitos especiais e cenários - então o limite é apenas a criatividade), isso quer dizer muita coisa. 



Só que tem um detalhe aqui. Uma coisa que as aventuras de Ricardo e Martinho vão um passo além de South Park, e é uma coisa MUITO importante: um programa como South Park apresenta um cenário selvagem com aventuras malucas, apenas para ter tudo reiniciado assim que os créditos finais rolam. Os personagens não envelhecem, os relacionamentos permanecem estáticos e o show permanece em um status-quo congelado no tempo. 

Muito ocasionalmente alguma coisa tem consequencias (como o Mr. Garrisson mudando de sexo), mas isso é uma exceção e não a regra. Em South Park, Kenny morre e volta no próximo episódio. Em Rick and Morty, Rick destrói o mundo acidentalmente transformando todos em monstros Cronenberg e eles fogem para outro universo onde convenientemente o Rick e Morty originais morreram.

A diferenteça é que Morty tem que conviver com o fato que um doppelgänger seu morto apodrecendo no quintal e essa barbaridade vai corroendo sua sanidade ao longo da série. Se parece que a qualquer momento o Morty vai ter um colapso nervoso por causa de tudo que ele já viu e viveu... é pq é exatamente isso. Com efeito, a série não apenas está ciente disso como adereça essa questão.



 Tudo o que acontece no mundo estranho e selvagem de Rick and Morty tem uma consequência. Mesmo quando eles literalmente apertam o botão de reset (tem um episódio genial sobre isso), os personagens não estão no mesmo lugar. Eles carregam suas experiências e a bagagem que vem com elas.

E essa é a coisa genial aqui. Enquanto tanto South Park quanto Rick and Morty pegam uma ideia e elevam as possibilidades dessa ideia ao sétimo, apenas no segundo as consequencias disso são carregadas ao longo da série - o que acaba gerando momentos genuinamente dramáticos ou inesperadamente sinceros no meio da loucura toda.

Como a cena pós-créditos do Mr Poopy Butthole na quinta temporada.


Ooowee! Evil Morty, that was quite a scheme!

Makes me wonder if there's an evil me out there. But I guess sometimes I look at my life, and I may not even need him, 'cause, well, guess I've made a pretty big mess of things myself. 

Ooowee.

Never got my job at the university back. Remember that? Rick made me do karate. It... It was kinda funny. But I guess things went downhill from there. Started isolating myself from Amy. Used to tell her everything I was feeling, but then I guess I stopped, 'cause I wanted her to love who she thought I was,
not who I felt myself becoming.

Ever think about how horrified the people we love would be if they found out who we truly are?

So we just dig ourselves deeper into our lies every day, ultimately hurting the only people brave enough to love us. Wish I didn't do that. Wish I was brave enough to love them back. I don't know. Maybe you should try it.

We don't have as much time as we think.

Ooowee.

Did you get any of that?

Cara, isso é... assutadoramente verdadeiro, e Rick and Morty não se furta de momentos assim. Ele leva a criatividade a um ponto tão extremo que passando dado limiar não resta nada senão um momento de genuína clareza e honestidade da alma. Não existe absolutamente nada sequer parecido com Rick and Morty em qualquer midia, e provavelmente, em qualquer outro multiverso. Ooowee.
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