MELHORES DE 2022: Animes [Segundo Lugar]

| domingo, 15 de janeiro de 2023
Segundo colocado de melhor anime, huh? Bem, vamos sem muita enrolação hoje pq essa vai ser um tanto... é, vai ser. Definitivamente.


Eu acho que eu já comentei sobre isso por aqui superficialmente, mas ...

... MAS DIFERENCIAR O QUE ACONTECE SÓ NA SUA CABEÇA E O QUE ACONTECE NO MUNDO REAL SEMPRE FOI UMA QUESTÃO PRA VC, NÉ?

É, tem isso também. Mas eu dizia que essa é uma boa oportunidade para falar sobre isso tanto quanto qualquer outra: pode-se contar nos dedos as obras de ficção que realmente conseguem retratar um mundo alien.

QUE BOBAGEM, EXISTEM MILHARES DE OBRAS SOBRE ISSO!

Então, não realmente. Normalmente mundos diferentes do nosso - seja em sci-fi ou seja em fantasia - são... essencialmente o nosso, porém com outra paleta de cores. As arvores desse mundo podem ter cores diferentes ou até se comportar diferente, mas essencialmente são arvores no fim do dia. Os aliens (ou elfos, ou deuses que seja) são essencialmente seres humanos com uma cor de pele exótica (azul está na moda atualmente) mas valores facilmente reconheciveis do nosso mundo - usualmente baseados nos valores morais judaico-cristãos para obras ocidentais e budista-shintoístas para animes).

O que eu entendo totalmente, ninguém realmente pode afirmar como seria uma sociedade baseada em seres desenvolvidos sob regras biologicas e até mesmo fisicas completamente diferentes. Eu realmente acho muito dificil que um alien vá ter essencialmente os nossos valores de propriedade privada, relacionamentos ou mesmo do valor da vida. Com efeito, eu acharia incrivelmente bizarro se eles sequer tivessem essa visão de mundo.

Tá, mas pra que eu estou falando disso? Pra estabelecer um ponto: fantasia raramente me impressiona. Tipo eu acho o cenário dos filmes do Senhor dos Anéis muito lindos, mas cara, aquilo não é uma terra mágica e inexplorada. É a Nova Zelandia. Tem montanhas, tem campos, tem praias, essas coisas todas. Claro, são montanhas, campos e praias filhadaputamente lindos, mas ainda são, você sabe o que esperar.

Por isso raras vezes na minha vida eu tive esse senso de deslumbramento, de exploração, de aventura sobre uma obra mostrando um mundo estranho e desconhecido. Normalmente eu me interesso pela trama, pelos personagens, pelos eventos, mas o cenário mesmo muito raramente me causa aquela magia de "uau, isso é um mundo novo completamente fascinante e eu quero ver mais disso, eu quero me maravilhar mais!".

Por exemplo, quando a Disney baseou sua mais recente animação justamente nessa premissa, Mundo Estranho, minha reação cética foi "uau, esse mundo "exótico e inexplorado" vai ter arvores de outra cor, algum bichinho fofinho altamente marketeavel e montanhas flutuantes, não vai?"

Check.


Check.

... e check.


Veja, eu não estou dizendo que tem algo de errado com isso. Nem toda obra de fantasia precisa ser Lovecraft onde as coisas aliens são tão aliens que a simplesmente tentativa de compreensão da dimensão dos horrores cosmicos liquefaz o seu cerebro, não é esse o ponto. Eu estou falando tudo isso até pra que você entenda, realmente entenda, que significa muita coisa quando eu digo que o mundo de Made in Abyss é uma das coisas mais maravilhosamente fascinantes que eu já vi na vida.

É exatamente aquela sensação de maravilhamento, de "uau, eu não sei o que esperar a seguir, mas eu quero acompanhar essa aventura fantástica pra descobrir". É sobre isso que Made in Abyss é. Mas suponha que eu deva começar do começo.

Existe no mundo uma ilha e nessa ilha tem um abismo. E por abismo eu quero dizer um PUTA DUM BURACÃO DA PORRA com (estima-se) 20 km de profundidade, mas se disser que vai até o inferno e dá duas voltas eu não duvido. Apenas a título de referencia, a Fossa das Marianas, o ponto mais profundo da Terra, tem metade disso. Enfim, é buraco pra caboclo nenhum botar defeito mesmo. Meu deus que buraco.



Só que o Abismo não é apenas um mero buraco no chão, não, e é aqui onde as coisas ficam interessantes. Ele é literalmente um mundo complemente alien a parte, em que cada camadas do abismo possui seu próprio ecossistema e até mesmo suas próprias leis da física. E, mais importante que isso, cada uma das camadas possui sua própria versão da Maldição do Abismo.

O que é a Maldição do Abismo? Bem, sabe quando uma pessoa está mergulhando no oceano e ela pode descer o quanto seu corpo aguentar a pressão, mas na hora de subir de volta ela tem que tomar muito, muito cuidado para não ter embolia no sangue e até morrer? Então, tipo isso. Você pode descer o quanto quiser no Abismo, mas se subir mais do que alguns metros de uma vez a coisa pega. 

Na primeira camada do abismo você só tem tontura e nausea, talvez vomite um pouco. Mas conforme vai descendo, cada camada os efeitos vão ficando cada vez mais e mais perigosos e... pouco naturais. Basta dizer que a partir da quarta camada, morrer não é a pior coisa que pode te acontecer. A partir da sexta camada de profundidade é certeza que nada consegue subir de volta e sobreviver



Porém a parte importante é que aqui onde entra o maravilhamento que eu falei. Como eu disse, cada camada do Abismo tem seu próprio ecossistema e suas próprias leis da física, e o autor do manga original passou um bom tempo desenvolvendo como essa ecologia funciona. Os animais operam usando sentidos e órgãos sensoriais que não existem no nosso mundo, as plantas crescem obedecendo leis da física completamente diferentes, então você nunca sabe o que esperar exceto que tudo é absurdamente tão perigoso quanto é maravilhoso de se assistir.

O trabalho enorme e dedicado que o autor do manga colocou em criar ecossistemas verossimeis e interessantes é realmente digno de nota. Sério, em alguns momentos Made In Abyss parece estar assistindo um episódio de "A Prova de Tudo", eu esperava ver o Bear Grills a qualquer momento aparecer para dizer que se beber o sangue do Sapo Roncador do Inferno ele vai ter nutrientes para viver por mais duas horas. E eu estou dizendo isso da forma mais elogiosa possível, como camada do Abismo funciona é um dos pontos mais interessantes do show.

Adicione a isso uma trilha sonora sobrehumana de linda e temos aqui um anime para encher os olhos d'água com sua espetaculariade. Quer dizer, sério:


Dizem as lendas que os produtores do anime apenas mostraram as artes conceituais do manga para o compositor Kevin Pekin sem explicar o contexto do anime e pediram que ele compusesse sobre o que ele sentia. O resultado, como dá pra ouvir, é transcendental.

E para amplificar esse espirito de maravilhamento e exploração, no melhor espírito da escola Disney de maravilhamento, é claro que os protagonistas são crianças que veem (e por consequencia a narrativa) o Abismo com o otimismo e a esperança que só uma criança pode ter.

O que rola aqui é que o Abismo é repleto de reliquias mágicas de uma civilização perdida. Quanto mais profundo no Abismo, mais poderosas as reliquias são e assim sendo não demorou muito até uma cidade inteira se formar ao redor do Abismo para explorar essa recuperação de artefatos - por mais perigoso que seja.



Em um lugar assim não é de espantar que toda sociedade, cultura e até mesmo religão gire em torno do buracão da porra. Como por exemplo, não é tão estranho que os orfanatos na verdade sejam escolas para treinar as crianças a serem exploradores do Abismo, e é onde entram nossos protagonistas.

A heroína da história é Riko, uma órfã treinando para ser saqueadora do Abismo - e como ela é a protagonista, claro que ela não é apenas uma órfã aleatória, mas sim filha da exploradora mais lendária e pica das galáxias de toda cidade Orth: Lyza, a Aniquiladora. Nome cool, sis, respect.

E sendo Riko uma órfã, você pode imaginar que fim Lyza levou. Um dia foi pro Abismo e não voltou mais. Certo, essas coisas acontecem, e de qualquer forma não seria uma aventura Disney-like se não tivesse um órfão como protagonista, tem isso.



 As coisas começam a mudar quando Riko, em uma missão de treinamento (apenas passeando alguns metros pra dentro da primeira camada do Abismo) encontra um menino-robo. Não é claro se ele é uma pessoa com tecnologia da civilização perdida do Abismo, ou se ele é um robô totalmente artificial. Mas enfim, Riko o chama de Reg e trás ele de volta para o orfanato como uma criança porque se ela dissesse que ele é uma relíquia do Abismo ele seria desmantelado e estudado, ou vendido no Shopee.

Tudo bem até aí. O problema começa quando chega uma mensagem vinda do abismo (exploradores mandam balões para a superfície como forma de comunicação, é assim que se sabe alguma coisa a respeito das autoridades que não tem mais como voltar), com uma mensagem supostamente de ninguém menos que a própria Lyza, a Aniquiladora, dizendo que está esperando no fundo do abismo. Riko fica com o popozinho em chamas e decide que vai porque vai até o fundo do abismo encontrar a mãe dela, e Reg decide que vai junto porque supostamente ele veio de lá e talvez assim ele recupere suas memórias ou algo do tipo.

Ergo, nossa aventura.

HEH, ACHEI BEM MEIO MAIS OU MENOS...

Nani?! Pq?!

ESSA IDEIA DE COLOCAR CRIANÇAS NA AVENTURA É BEM MEH. QUER DIZER, É ÓBVIO QUE ELES NÃO VÃO SE MACHUCAR SERIAMENTE E QUE TUDO VAI DAR CERTO PELO PODER DO PROTAGONISMO. NA VERDADE, DIMINUI MUITO A CREDIBILIDADE DO CENÁRIO QUE UMA CRIANÇA CONSIGA SOBREVIVER ILESA NO ABISMO, ALGO QUE MESMO SUPOSTAMENTE ADULTOS DEVERIAM RESPEITAR PELA SUA PERICULOSIDADE.

Hã... e em que momento eu falei qualquer uma dessas coisas?

AH, VAMOS SER REALISTAS, MESMO QUE OS ANIMES SEJAM MAIS LIBERAIS QUE OS CARTOONS, ELES NÃO VÃO PEGAR UMA CRIANÇA DE 12 ANOS E ...



HOLY SHIT! ISSO É HORRÍVEL!

Vc não realmente achou que esse anime está nessa lista pq eu sou um grande fã do Discovery Channel, não é? Apesar de seus personagens fofinhos e seu tema de maravilhamento e aventura (eu não inventei isso), Made In Abyss é ao mesmo tempo "Ô" anime mais perturbador que eu já assisti, e olha que eu já assisti bastante coisa.

Made in Abyss é essencialmente o que acontece quando alguém está assistindo um desenho de aventura da Disney e dissesse: "sabe o que REALMENTE falta nisso? Horror corporal e alguns momentos de "MEU DEUS ISSO É ERRADO EM MAIS NÍVEIS DO QUE EU CONHEÇO NÚMEROS PARA DESCREVER". Sim, é isso que tá faltando."

A pessoa que pensa isso tem problemas, mas graças a isso aqui estamos.

Vê, a coisa é que o horror de Made in Abyss não vem tanto de gore ou coisas do tipo - definitivamente não tem tripas ou caras comidas pela metade, visualmente o anime é consistente em seu aspeco Disney-like. O verdadeiro horror do abismo vem de questões existenciais bem mais profundas e perturbadoras do que isso.

Na verdade, acho que a expressão "horror" não faz realmente jus a ideia da coisa. As coisas que acontecem no Abismo são mais tristes do que assustadoras realmente. Enquanto os humanos experimentam e exploram as possibilidades que as reliquias do abismo e suas leis da física alteradas proporcionam, isso deixa para trás uma trilha de desgraça que só te deixa capaz de colocar as mãos na cabeça e murmurar "cara, isso é muito errado... tipo... meu deus, como isso é errado...". Bem, suponho que seja um tipo de horror também.

É sobre isso.

Do jeito que eu estou colocando, eu sei que soa muito dificil acreditar que duas crianças vão sequer chegar a segunda camada do Abismo, quanto mais ao fundo - mesmo que uma delas seja um robo. Entretanto, felizmente o criador de MIA não é um idiota e teve as mesmíssimas preocupações que eu tive assistindo esse anime.

Uma grande quantidade de força e tempo é colocada em construir uma forma que essa jornada improvavel não seja apenas possível, como plausível. Reg, por exemplo, é efetivamente melhor do que qualquer adulto. Ele tem braços que disparam como os grappling hooks, um canhão de plasma que pode ser disparado uma vez por dia e pele indestrutível. Ok, é plausível que ELE sobreviva no Abismo, e o trabalho dele é muito mais manter a Riko viva do que deixar uma criança solta por aí.




Apenas para provar o ponto de que não é um completo abilolado da cabeça, o anime tem um episódio inteiro em que Riko tem que se virar sem o Reg e ela por muito pouco não roda por causa de um desafio que seria trivial para um explorador adulto ou para o menino-robo.

Então, sim, o anime tem completa noção do que está propondo, e se esforça bastante para fazer isso ser possível. Riko não é nenhuma criança daquelas crianças prodígio insuportáveis de anime, mas ela também não é um peso morto. Ela ajuda tanto quanto uma boa aluna pode ajudar (o que complementa o fato que Reg não tem memória, então ela sabe coisas sobre o Abismo que ele não sabe e que fazem diferença), mas o anime tem sua cota de ideias sobre como ela pode ser util nessa missão.


ISSO NÃO É O QUE UMA PESSOA NORMAL CHAMA DE "SER ÚTIL"!!! QUAL É O SEU PROBLEMA?!?



Made in Abyss sabe o que está fazendo. Outro bom exemplo é a estética steampunk do cenário de Made in Abyss - que são apenas realmente proeminentes na superfície, na cidade de mas a essência dessa estética permeia toda a série. Minha coisa favorita sobre a estética steampunk é como ela justamente evoca uma sensação de aventura era da descoberta, quando o mundo ainda era um mistério e ninguém realmente sabia o que havia além do oceano… então a escolha dessa estética não foi aleatória.

Poucos animes ... ou poucas coisas na vida ... conseguem transitar com tanta graça entre ser como um sonho e um pesadelo, entre a esperança de atingir o impossível e o desespero de ser esmagado pela realidade, entre sentir em seus ossos o que as pessoas têm de pior dentro dos seus corações, mas também o que elas tem de melhor.



O resultado disso tudo é que Made in Abyss é um anime completamente único. Sua aventura é encantadora e seu cenário não é apenas interessante como repleto de perguntas a respeito da natureza do próprio Abismo (o que É exatamente o Abismo? Quem fez as reliquias e pq todos esqueletos com milhares de anos estão todos em posição de oração? E mais importante... o que tem no fundo do Abismo?), mas ao mesmo tempo ele é repleto de coisas aterradoras e violentas em sentidos muito além do físico.

Ainda sim os personagens citam frequentemente que de alguma forma são atraídos pelo Abismo, como um canto de sereia inaudível, como mariposas atraídas pelas chamas. E o mesmo vale para o espectador, que é hipnotizado pelo chamado tantalizador do Abismo. Como o fazem todas as coisas maravilhosas e terríveis.

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