Onde a magia acontece

MELHORES DE 2022: Animes [Primeiro Lugar]

| terça-feira, 17 de janeiro de 2023
... TO BE CONTINUED »

 Então chegamos a estroboscópica, estrombolica e estrombolonica final do Dogoncio Awards de melhor anime assistido em 2022! Quem levará o prêmio capaz de mudar os rumos da animação japonesa pelos próximos anos por vir?

  1. Komi Can't Communicate
  2. Belle
  3. Boku no Hero Academia
  4. Kamen Rider ZO
  5. Kamen Rider Den-O
  6. Code Geass: Lelouch of the Rebellion
  7. Misterious Girlfriend X
  8. Battle Arena Toshinden
  9. Mieruko-chan
  10. Bubble
  11. Odd Taxi
  12. Aldonoah.Zero
  13. Ninku
  14. Princess Tutu
  15. Mobile Suit Gundam
  16. Mobile Suit Gundam: The Origin
  17. Demon Slayer
  18. Mayoiga
  19. Cyberpunk: Edgerunners
  20. Made in Abyss [Segundo Lugar]
  21. Star Wars: Visions
  22. Monogatari [Terceiro Lugar]

Então sem mais prorrongar esse doki doki moment, o primeiro lugar de melhor anime de 2022 vai paraaaaaaa...


Eu gosto muito da série Monogatari (embora acabe com a minha panciencia as vezes), e Made in Abyss é um dos animes que eu vou carregar pra vida toda. Mas apenas um, e apenas um, desses animes teve sua música tocada na cerimonia de encerramento das Olímpiadas de Tóquio em 2021 como representante do melhor que o Japão tem a oferecer.


Tem também esse vídeo que eu gosto bastante que é do embaixador do Japão em Nova York tocando essa mesma música:


Pq? Pq Demon Slayer é essencialmente animes no topo do seu jogo, são os animes usando 100% do potencial de tudo que eles podem ser. Demon Slayer é a barra contra a qual qualquer anime shonen deve ser comparado. Existe até mesmo um rumor na internet que o manga de Demon Slayer vendeu sozinho mais do que toda industria de quadrinhos americana. O que obviamente não é verdade, mas o fato desse rumor sequer existir diz bastante a respeito do que as pessoas esperam dele.

Mais do que isso, e agora isso sim é um fato, em 2020 o longa metragem de Demon Slayer (Mugen Train) se tornou a maior bilheteria de um filme japonês de todos os tempos, passando nomes inenarravelmente premiados como A Viagem de Chihiro e Your Name.


Então, como dá pra ver, Demon Slayer é uma singularidade no tecido do espaço-tempo, um fenomeno que não vamos ver acontecer novamente tão cedo... ou quem sabe nunca mais. Mas então a próxima pergunta realmente relevante é... pq? O que é esse anime de lutinha tem de tão especial que faz dele esse fenomeno todo?

Então...

Antes de começar, eu preciso lembrar uma coisa que eu já disse aqui: fazer animação é caro. Eu quero dizer, REALMENTE caro,  especialmente animação 2D. Cada segundo precisa de pelo menos 25 quadros de animação se vc quiser fazer uma cena fluída, o que quer dizer 25 desenhos, o que quer dizer muito tempo gasto na produção e muito tempo significa muito dinheiro.

Existem, é claro, metodos de cortar custos nessa produção, existem truques e gambiarras pra vc não precisar realmente de 25 desenhos inteiramente novos, e uma das razões pelas quais os animes se popularizaram tanto no Japão foi porque os japoneses se tornaram mestres na arte de cortar custos em cada centavo que dava.

Pra vc ter uma ideia, um desenho animado como Avatar tem um orçamento estimado de 1 milhão de dolares por episódio, enquanto um episódio tipico de anime custa por volta de 100 mil dolares. Ambos são quantias enormes de dinheiro por 20 minutos de programa, mas animes são incrivelmente mais baratos.

Deixando as questões trabalhistas de lado (que existem e animadores são muito menos pagos no Japão do que nos US and A), eu quero focar na parte do corte de custos na arte. Animes, por exemplo, não usam sincronia labial com a dublagem enquanto cartoons usualmente adaptam a animação para fechar com as falas do dublador. O que dá trabalho, ergo, custa dinheiro. 

Esse é apenas um truque que os animes usam para serem mais baratos, mas existe toda uma escola japonesa de fazer as coisas de uma forma mais eficiente pq é no que os japoneses são bons em fazer.

"Vamos fazer essa cena de alguns segundos de animação e reaproveita-la durante 50 episódios, no mínimo" - Nime, A

E exceção, nesse caso, são longas metragens. Filmes de anime tem um orçamento muito maior para cada segundo de animação e então podem se dar ao luxo de serem mais bem animados. É por isso que os filmes de anime são indubitavelmente mais bem animados do que suas contrapartes da televisão.


Todas cinco pessoas que leem esses textos comigo até aqui? Certo.

Agora imagine, apenas como um exercicio de imaginação, que não fosse assim. Imagine que existisse uma série de anime com o orçamento de longa metragem. Imagine um anime que não usasse os tradicionais truques para cortar gastos na animação e sim entregasse 100% de qualidade em toda e cada cena como se eles tivessem orçamento ilimitado para faze-lo.

Se você conseguiu imaginar isso... bem, você então já está um passo mais perto de entender o sucesso de Demon Slayer, porque foi exatamente isso que aconteceu aqui. Kami-sama seja louvado, COMO ESSE ANIME É BONITO PRA PORRA.

Sério, a animação é tão bonita, tão fluída que você quase consegue sentir as notas de dinheiro escorrendo da sua televisão, é uma qualidade de animação que vc não tem outra reação senão dizer "caceta, isso é bonito mesmo".

O curioso aqui é que o orçamento por episódio do anime não é muito diferente do usual (cerca de 100 mil dolares por episódio), ele apenas PARECE que tem orçamento infinito. Como? Uso inteligente de 3D, direção, sacrificio de virgens e oferendas a Pazuzu. Provavelmente. Alguma coisa do tipo, eu não sei os detalhes exatamente senão que cada luta nesse anime é animada como se fosse um longa metragem e nenhum boleto a pagar.

Seja como for, esse anime é estupendamente bonito e bem animado... o que naturalmente me causou essa reação quando eu assisti:


A primeira vez que eu peguei pra assistir Demon Slayer, eu realmente não achei grande coisa. Exceto pela animação, tá, isso é do caramba mesmo, mas fora isso... eh, beeeeem mais ou menos. Demon Slayer não tem um world building muito complexo, os personagens não são nada particularmente fora da curva, a trama não é muito diferente de "existe um overlord do mal que odeia o bem, e os heróis precisam derrotar seus generais malignos para só então chegar ao confronto final" como milhares e milhares de animes de luta já fizeram antes dele.

Existe uma tradição não escrita (se bem que eu estou escrevendo agora) entre o pessoal que assiste animes de sempre dar 3 episódios de chance para um anime mostrar a que veio, e se ao fim do terceiro episódio vc sentir que não tá indo, larga e segue a vida. O que é uma coisa tão estabelecida que até mesmo os produtores dos animes brincam com isso.


Eu dei 12 episódios para Demon Slayer (muito pq a animação faz valer a pena), mas eu não senti que o anime estava realmente indo a algum lugar especial. Nossa história aqui é que existem demonios no mundo e apenas pq eles são desses, eles decidiram comer uma familia de lenhadores que vivia nas montanhas pq o ifood não entregava lá, ou algo do tipo.

Os unicos sobreviventes do massacre são Tanjiro (o protagonista) que estava fora de casa quando isso aconteceu e sua irmã Nezuko... que não morreu bem matada e por isso se transformou em um demonio ela também (funciona mais ou menos como o lore ocidental de alguem ter seu sangue sugado por um vampiro e sobreviver se torna um vampiro também). Agora Tanjiro precisa despachar o capiroto que endemoinhou sua irmã antes que ela coma alguém (pq senão o processo se torna irreversível), e para isso temos todos os passos básicos de um anime shonen: um arco de treinamento, aliados improvaveis, aquele velho rugaru de animes que, enquanto não é ruim, também não é particularmente bom.

O que, por conseguinte, eu concluí que esse anime acabou com essa fama toda apenas por causa da qualidade da sua animação e dei o caso por encerrado. Só que, eis agora o Plot Twitter, parafraseando um grande sábio de nariz avantajado, "vc devia ter mais medo de sair de anime bom do que entrar em anime ruim". Não que DS seja RUIM, mas é... beeeeeem... 


Porém como eu tirei 2022 para não ser a flor especial do campo que é o diferentão de todo mundo, eu decidi dar outra chance ao anime que todo mundo parecia estar gostando tanto. E ei, se dar outra chance a Adventure Time se provou uma das coisas mais certas que eu já fiz na vida, o que poderia dar errado?

E bem, eu não estava errado. Isso pq Demon Slayer é o maior caso de late bloomer que eu já vi em um anime e é apenas no episódio 19 que o click realmente encaixa e vc entende a razão dessa algazarra toda em torno desse anime e pq ele é tudo isso mesmo.


É apenas no episódio 19 que Demon Slayer finalmente encontra o seu tema, o seu coração. Vê, a coisa de Demon Slayer é que os demonios são absurdamente roubados: eles regeneram qualquer ferimento instantaneamente, tem força sobrehumana e ataques especiais de anime, e acima disso eles são movidos essencialmente a base de maldade pela maldade. O que quer dizer que vc não tem muito como vencer eles no discursinho no jutsu ou eles tem algo com o que realmente se importam senão ser malvadões - e é esse tipo de coisa que eu me refiro quando digo que tava bem "eh, meh".

A coisa, no entanto, é que os humanos que lutam contra eles são exatamente o oposto disso. Seus ferimentos levam semanas, meses ou talvez nunca se curem, e eles tem muito o que perder porque as pessoas com quem eles se importam e amam são extremamente frageis (especialmente para um demonio). A luta um Caçador de Demonios é uma luta extremamente inglória e altamente improvavel que dê certo. Assim como Geraldão da Massa costuma dizer que nenhum Witcher jamais morreu de velhice em sua cama, poucos Caçadores de Demonios sobrevivem a encontrar seu segundo ou terceiro demonio porque é uma luta muito deseperançada.

Até esse momento da série, essa premissa não estava sendo muito explorada: Tanjiro já tinha lutado contra sua cota de demonios, mas tudo tinha dado certo e o bem vence o mal e espanta o temporal because anime. Agora não, é a primeira vez que ele está lutando contra um demonio realmente forte e está apanhando até debaixo da lingua, e é a primeira vez que você realmente entende o quão desesperada é essa vida.

Quer dizer, o demonio contra o qual ele está lutando nem é dos PARTICULARMENTE mais fortes e ele está levando uma ensaboada que não anotou nem a placa de onde veio. O que realmente te faz perguntar pra que alguém se mete nessa vida? Quer dizer, tá, os demonios ocasionalmente matam umas pessoas e tal, mas mais gente matou o diluvio - como dizia o Seu Madruga.

A única razão pela qual alguém se mete nessa vida, pq alguém iria querer ser um Caçador de Demonios... é quando vc não tem mais nada nesse mundo além disso. E isso é profundamente triste.  Os Caçadores de Demonios sabem que eles vão morrer mais cedo do que tarde, e ainda sim eles fazem isso não pela justiça, pelo amor ou qualquer coisa de anime assim, mas... pq o que mais eles fariam da vida?

Protagonistas de anime shounen usualmente não possuem laços familiares para tornar o chamado a aventura muito mais simples de se escrever e o autor não ter que lidar com muitas complicações realistas de não ter uma familia esperando em casa.




Sabe a cena de Star Wars que o Luke vê os tios que criaram ele tere sido incenerados e não se importa muito para nunca mais tocar no assunto pq isso seria apenas um atraso a aventura? Bem, Demon Slayer faz justamente o oposto disso, a dor que os personagens carregam é a única coisa que os mantém realmente. É uma luta trágica e desesperada contra um inimigo praticamente invencível, e é EXATAMENTE esse nível de dramalhão que eu espero dos meus animes, obrigado.

Até aquele momento sua irmã-demonio era meio que apenas um Mcguffin na série (e um produto de marketing extramamente lucrativo, acho que até quem não assiste anime já viu uma imagem da menina com o bambu na boca), mas então finalmente cai a ficha do porque é tão importante pro Tanjiro salvar ela, porque de uma forma triste e desesperada, é literalmente a última coisa que restou na sua vida. O que não apenas é dramático e francamente bem triste como, e essa parte é importante para um anime shonen, afinal, inenarravelmente satisfatório quando eles lutam juntos de verdade pela primeira vez.

Meu deus, como essa cena é linda. Com efeito, acho que é a cena mais bonita que eu já vi em um anime na minha vida, e isso quer dizer alguma coisa pq eu já estou a algum tempo brincando nessa industria vital. A construção magistral que a direção fez no episódio para levar a esse momento, a animação com qualidade quadruplo A, a música... cara, a música...




... tudo nessa cena é absolutamente perfeito. For realz. E a partir desse momento, Demon Slayer não tira mais o pé do acelerador a níveis que nunca nenhum anime conseguiu chegar, é um escalonamento sem parar de lutas com chances improvaveis contra inimigos impossiveis movidas a desespero e superação.

Vê, a coisa complicada a respeito de animes de luta é que, bem, eles são sobre lutas afinal. O que quer dizer que você tem que entregar desenvolvimento de personagem enquanto a cinta tá cantando, e isso é algo muito dificil de fazer. Quer dizer, quando um personagem está literalmente tentando desconectar a medula espinhal do coleguinha não é exatamente o momento mais adequado do mundo para se aprofundar em sentimentos e drama, no entanto é exatamente o que Demon Slayer faz tão bem.



E faz isso enquanto o pau tá cantando na casa de noca, com as melhores sequencias de luta já animadas em todos os tempos, a cada rodada aumentando as apostas e o drama e a qualidade e a intensidade ao ponto que eu realmente não consigo imaginar para onde a série possivelmente pode ir MAIS para além disso... e então quando vc acha que não tem mais para onde ir... o anime decide que é um momento legal para começar a mostrar o lado dos demonios.

Vc sabe, aquelas coisas que não tem sentimentos senão maldade because evil, só que antes de ser o que são... bem, eles já foram humanos um dia. Humanos com histórias tão desesperadamente ferradas, histórias nível Made in Abyss de "oh, isso é tão ferrado em tantos níveis diferentes"... hmm, tá, não Made in Abyss pq eu não acho que alguma coisa possivelmente consegue chegar NESSE nível, mas ainda sim, cara, é uma desgraceira sem fim.


E se parece que eu escrevi esses paragrafos sem parar pra respirar em um crescendo, bem, é sobre isso que Demon Slayer é, e embora pareça genérico dizer que é um anime que te faz ficar na ponta da poltrona sem respirar, eu não tenho outra forma de descrever a experiencia. Quer dizer, foi literalmente o que aconteceu comigo (exceto a parte de respirar, eu meio que preciso fazer isso ocasionalmente).

Demon Slayer, e em especial a ultima temporada, o arco do distrito do entretenimento, é anime no ápice do que anime pode ser em todos os sentidos. Eu realmente adoro o tema de Naruto, a atitude de Jujutsu Kaizen e o world building de One Piece, mas man, Demon Slayer é tão... tão... apenas uau, you know? 

MELHORES DE 2022: Animes [Primeiro Lugar]

THE STORY SO FAR:  Então chegamos a estroboscópica, estrombolica e estrombolonica final do Dogoncio Awards de melhor anime assistido em 2022! Quem levará o pr...
POSTADO EM:terça-feira, 17 de janeiro de 2023
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MELHORES DE 2022: Animes [Segundo Lugar]

| domingo, 15 de janeiro de 2023
... TO BE CONTINUED »
Segundo colocado de melhor anime, huh? Bem, vamos sem muita enrolação hoje pq essa vai ser um tanto... é, vai ser. Definitivamente.


Eu acho que eu já comentei sobre isso por aqui superficialmente, mas ...

... MAS DIFERENCIAR O QUE ACONTECE SÓ NA SUA CABEÇA E O QUE ACONTECE NO MUNDO REAL SEMPRE FOI UMA QUESTÃO PRA VC, NÉ?

É, tem isso também. Mas eu dizia que essa é uma boa oportunidade para falar sobre isso tanto quanto qualquer outra: pode-se contar nos dedos as obras de ficção que realmente conseguem retratar um mundo alien.

QUE BOBAGEM, EXISTEM MILHARES DE OBRAS SOBRE ISSO!

Então, não realmente. Normalmente mundos diferentes do nosso - seja em sci-fi ou seja em fantasia - são... essencialmente o nosso, porém com outra paleta de cores. As arvores desse mundo podem ter cores diferentes ou até se comportar diferente, mas essencialmente são arvores no fim do dia. Os aliens (ou elfos, ou deuses que seja) são essencialmente seres humanos com uma cor de pele exótica (azul está na moda atualmente) mas valores facilmente reconheciveis do nosso mundo - usualmente baseados nos valores morais judaico-cristãos para obras ocidentais e budista-shintoístas para animes).

O que eu entendo totalmente, ninguém realmente pode afirmar como seria uma sociedade baseada em seres desenvolvidos sob regras biologicas e até mesmo fisicas completamente diferentes. Eu realmente acho muito dificil que um alien vá ter essencialmente os nossos valores de propriedade privada, relacionamentos ou mesmo do valor da vida. Com efeito, eu acharia incrivelmente bizarro se eles sequer tivessem essa visão de mundo.

Tá, mas pra que eu estou falando disso? Pra estabelecer um ponto: fantasia raramente me impressiona. Tipo eu acho o cenário dos filmes do Senhor dos Anéis muito lindos, mas cara, aquilo não é uma terra mágica e inexplorada. É a Nova Zelandia. Tem montanhas, tem campos, tem praias, essas coisas todas. Claro, são montanhas, campos e praias filhadaputamente lindos, mas ainda são, você sabe o que esperar.

Por isso raras vezes na minha vida eu tive esse senso de deslumbramento, de exploração, de aventura sobre uma obra mostrando um mundo estranho e desconhecido. Normalmente eu me interesso pela trama, pelos personagens, pelos eventos, mas o cenário mesmo muito raramente me causa aquela magia de "uau, isso é um mundo novo completamente fascinante e eu quero ver mais disso, eu quero me maravilhar mais!".

Por exemplo, quando a Disney baseou sua mais recente animação justamente nessa premissa, Mundo Estranho, minha reação cética foi "uau, esse mundo "exótico e inexplorado" vai ter arvores de outra cor, algum bichinho fofinho altamente marketeavel e montanhas flutuantes, não vai?"

Check.


Check.

... e check.


Veja, eu não estou dizendo que tem algo de errado com isso. Nem toda obra de fantasia precisa ser Lovecraft onde as coisas aliens são tão aliens que a simplesmente tentativa de compreensão da dimensão dos horrores cosmicos liquefaz o seu cerebro, não é esse o ponto. Eu estou falando tudo isso até pra que você entenda, realmente entenda, que significa muita coisa quando eu digo que o mundo de Made in Abyss é uma das coisas mais maravilhosamente fascinantes que eu já vi na vida.

É exatamente aquela sensação de maravilhamento, de "uau, eu não sei o que esperar a seguir, mas eu quero acompanhar essa aventura fantástica pra descobrir". É sobre isso que Made in Abyss é. Mas suponha que eu deva começar do começo.

Existe no mundo uma ilha e nessa ilha tem um abismo. E por abismo eu quero dizer um PUTA DUM BURACÃO DA PORRA com (estima-se) 20 km de profundidade, mas se disser que vai até o inferno e dá duas voltas eu não duvido. Apenas a título de referencia, a Fossa das Marianas, o ponto mais profundo da Terra, tem metade disso. Enfim, é buraco pra caboclo nenhum botar defeito mesmo. Meu deus que buraco.



Só que o Abismo não é apenas um mero buraco no chão, não, e é aqui onde as coisas ficam interessantes. Ele é literalmente um mundo complemente alien a parte, em que cada camadas do abismo possui seu próprio ecossistema e até mesmo suas próprias leis da física. E, mais importante que isso, cada uma das camadas possui sua própria versão da Maldição do Abismo.

O que é a Maldição do Abismo? Bem, sabe quando uma pessoa está mergulhando no oceano e ela pode descer o quanto seu corpo aguentar a pressão, mas na hora de subir de volta ela tem que tomar muito, muito cuidado para não ter embolia no sangue e até morrer? Então, tipo isso. Você pode descer o quanto quiser no Abismo, mas se subir mais do que alguns metros de uma vez a coisa pega. 

Na primeira camada do abismo você só tem tontura e nausea, talvez vomite um pouco. Mas conforme vai descendo, cada camada os efeitos vão ficando cada vez mais e mais perigosos e... pouco naturais. Basta dizer que a partir da quarta camada, morrer não é a pior coisa que pode te acontecer. A partir da sexta camada de profundidade é certeza que nada consegue subir de volta e sobreviver



Porém a parte importante é que aqui onde entra o maravilhamento que eu falei. Como eu disse, cada camada do Abismo tem seu próprio ecossistema e suas próprias leis da física, e o autor do manga original passou um bom tempo desenvolvendo como essa ecologia funciona. Os animais operam usando sentidos e órgãos sensoriais que não existem no nosso mundo, as plantas crescem obedecendo leis da física completamente diferentes, então você nunca sabe o que esperar exceto que tudo é absurdamente tão perigoso quanto é maravilhoso de se assistir.

O trabalho enorme e dedicado que o autor do manga colocou em criar ecossistemas verossimeis e interessantes é realmente digno de nota. Sério, em alguns momentos Made In Abyss parece estar assistindo um episódio de "A Prova de Tudo", eu esperava ver o Bear Grills a qualquer momento aparecer para dizer que se beber o sangue do Sapo Roncador do Inferno ele vai ter nutrientes para viver por mais duas horas. E eu estou dizendo isso da forma mais elogiosa possível, como camada do Abismo funciona é um dos pontos mais interessantes do show.

Adicione a isso uma trilha sonora sobrehumana de linda e temos aqui um anime para encher os olhos d'água com sua espetaculariade. Quer dizer, sério:


Dizem as lendas que os produtores do anime apenas mostraram as artes conceituais do manga para o compositor Kevin Pekin sem explicar o contexto do anime e pediram que ele compusesse sobre o que ele sentia. O resultado, como dá pra ouvir, é transcendental.

E para amplificar esse espirito de maravilhamento e exploração, no melhor espírito da escola Disney de maravilhamento, é claro que os protagonistas são crianças que veem (e por consequencia a narrativa) o Abismo com o otimismo e a esperança que só uma criança pode ter.

O que rola aqui é que o Abismo é repleto de reliquias mágicas de uma civilização perdida. Quanto mais profundo no Abismo, mais poderosas as reliquias são e assim sendo não demorou muito até uma cidade inteira se formar ao redor do Abismo para explorar essa recuperação de artefatos - por mais perigoso que seja.



Em um lugar assim não é de espantar que toda sociedade, cultura e até mesmo religão gire em torno do buracão da porra. Como por exemplo, não é tão estranho que os orfanatos na verdade sejam escolas para treinar as crianças a serem exploradores do Abismo, e é onde entram nossos protagonistas.

A heroína da história é Riko, uma órfã treinando para ser saqueadora do Abismo - e como ela é a protagonista, claro que ela não é apenas uma órfã aleatória, mas sim filha da exploradora mais lendária e pica das galáxias de toda cidade Orth: Lyza, a Aniquiladora. Nome cool, sis, respect.

E sendo Riko uma órfã, você pode imaginar que fim Lyza levou. Um dia foi pro Abismo e não voltou mais. Certo, essas coisas acontecem, e de qualquer forma não seria uma aventura Disney-like se não tivesse um órfão como protagonista, tem isso.



 As coisas começam a mudar quando Riko, em uma missão de treinamento (apenas passeando alguns metros pra dentro da primeira camada do Abismo) encontra um menino-robo. Não é claro se ele é uma pessoa com tecnologia da civilização perdida do Abismo, ou se ele é um robô totalmente artificial. Mas enfim, Riko o chama de Reg e trás ele de volta para o orfanato como uma criança porque se ela dissesse que ele é uma relíquia do Abismo ele seria desmantelado e estudado, ou vendido no Shopee.

Tudo bem até aí. O problema começa quando chega uma mensagem vinda do abismo (exploradores mandam balões para a superfície como forma de comunicação, é assim que se sabe alguma coisa a respeito das autoridades que não tem mais como voltar), com uma mensagem supostamente de ninguém menos que a própria Lyza, a Aniquiladora, dizendo que está esperando no fundo do abismo. Riko fica com o popozinho em chamas e decide que vai porque vai até o fundo do abismo encontrar a mãe dela, e Reg decide que vai junto porque supostamente ele veio de lá e talvez assim ele recupere suas memórias ou algo do tipo.

Ergo, nossa aventura.

HEH, ACHEI BEM MEIO MAIS OU MENOS...

Nani?! Pq?!

ESSA IDEIA DE COLOCAR CRIANÇAS NA AVENTURA É BEM MEH. QUER DIZER, É ÓBVIO QUE ELES NÃO VÃO SE MACHUCAR SERIAMENTE E QUE TUDO VAI DAR CERTO PELO PODER DO PROTAGONISMO. NA VERDADE, DIMINUI MUITO A CREDIBILIDADE DO CENÁRIO QUE UMA CRIANÇA CONSIGA SOBREVIVER ILESA NO ABISMO, ALGO QUE MESMO SUPOSTAMENTE ADULTOS DEVERIAM RESPEITAR PELA SUA PERICULOSIDADE.

Hã... e em que momento eu falei qualquer uma dessas coisas?

AH, VAMOS SER REALISTAS, MESMO QUE OS ANIMES SEJAM MAIS LIBERAIS QUE OS CARTOONS, ELES NÃO VÃO PEGAR UMA CRIANÇA DE 12 ANOS E ...



HOLY SHIT! ISSO É HORRÍVEL!

Vc não realmente achou que esse anime está nessa lista pq eu sou um grande fã do Discovery Channel, não é? Apesar de seus personagens fofinhos e seu tema de maravilhamento e aventura (eu não inventei isso), Made In Abyss é ao mesmo tempo "Ô" anime mais perturbador que eu já assisti, e olha que eu já assisti bastante coisa.

Made in Abyss é essencialmente o que acontece quando alguém está assistindo um desenho de aventura da Disney e dissesse: "sabe o que REALMENTE falta nisso? Horror corporal e alguns momentos de "MEU DEUS ISSO É ERRADO EM MAIS NÍVEIS DO QUE EU CONHEÇO NÚMEROS PARA DESCREVER". Sim, é isso que tá faltando."

A pessoa que pensa isso tem problemas, mas graças a isso aqui estamos.

Vê, a coisa é que o horror de Made in Abyss não vem tanto de gore ou coisas do tipo - definitivamente não tem tripas ou caras comidas pela metade, visualmente o anime é consistente em seu aspeco Disney-like. O verdadeiro horror do abismo vem de questões existenciais bem mais profundas e perturbadoras do que isso.

Na verdade, acho que a expressão "horror" não faz realmente jus a ideia da coisa. As coisas que acontecem no Abismo são mais tristes do que assustadoras realmente. Enquanto os humanos experimentam e exploram as possibilidades que as reliquias do abismo e suas leis da física alteradas proporcionam, isso deixa para trás uma trilha de desgraça que só te deixa capaz de colocar as mãos na cabeça e murmurar "cara, isso é muito errado... tipo... meu deus, como isso é errado...". Bem, suponho que seja um tipo de horror também.

É sobre isso.

Do jeito que eu estou colocando, eu sei que soa muito dificil acreditar que duas crianças vão sequer chegar a segunda camada do Abismo, quanto mais ao fundo - mesmo que uma delas seja um robo. Entretanto, felizmente o criador de MIA não é um idiota e teve as mesmíssimas preocupações que eu tive assistindo esse anime.

Uma grande quantidade de força e tempo é colocada em construir uma forma que essa jornada improvavel não seja apenas possível, como plausível. Reg, por exemplo, é efetivamente melhor do que qualquer adulto. Ele tem braços que disparam como os grappling hooks, um canhão de plasma que pode ser disparado uma vez por dia e pele indestrutível. Ok, é plausível que ELE sobreviva no Abismo, e o trabalho dele é muito mais manter a Riko viva do que deixar uma criança solta por aí.




Apenas para provar o ponto de que não é um completo abilolado da cabeça, o anime tem um episódio inteiro em que Riko tem que se virar sem o Reg e ela por muito pouco não roda por causa de um desafio que seria trivial para um explorador adulto ou para o menino-robo.

Então, sim, o anime tem completa noção do que está propondo, e se esforça bastante para fazer isso ser possível. Riko não é nenhuma criança daquelas crianças prodígio insuportáveis de anime, mas ela também não é um peso morto. Ela ajuda tanto quanto uma boa aluna pode ajudar (o que complementa o fato que Reg não tem memória, então ela sabe coisas sobre o Abismo que ele não sabe e que fazem diferença), mas o anime tem sua cota de ideias sobre como ela pode ser util nessa missão.


ISSO NÃO É O QUE UMA PESSOA NORMAL CHAMA DE "SER ÚTIL"!!! QUAL É O SEU PROBLEMA?!?



Made in Abyss sabe o que está fazendo. Outro bom exemplo é a estética steampunk do cenário de Made in Abyss - que são apenas realmente proeminentes na superfície, na cidade de mas a essência dessa estética permeia toda a série. Minha coisa favorita sobre a estética steampunk é como ela justamente evoca uma sensação de aventura era da descoberta, quando o mundo ainda era um mistério e ninguém realmente sabia o que havia além do oceano… então a escolha dessa estética não foi aleatória.

Poucos animes ... ou poucas coisas na vida ... conseguem transitar com tanta graça entre ser como um sonho e um pesadelo, entre a esperança de atingir o impossível e o desespero de ser esmagado pela realidade, entre sentir em seus ossos o que as pessoas têm de pior dentro dos seus corações, mas também o que elas tem de melhor.



O resultado disso tudo é que Made in Abyss é um anime completamente único. Sua aventura é encantadora e seu cenário não é apenas interessante como repleto de perguntas a respeito da natureza do próprio Abismo (o que É exatamente o Abismo? Quem fez as reliquias e pq todos esqueletos com milhares de anos estão todos em posição de oração? E mais importante... o que tem no fundo do Abismo?), mas ao mesmo tempo ele é repleto de coisas aterradoras e violentas em sentidos muito além do físico.

Ainda sim os personagens citam frequentemente que de alguma forma são atraídos pelo Abismo, como um canto de sereia inaudível, como mariposas atraídas pelas chamas. E o mesmo vale para o espectador, que é hipnotizado pelo chamado tantalizador do Abismo. Como o fazem todas as coisas maravilhosas e terríveis.

MELHORES DE 2022: Animes [Segundo Lugar]

THE STORY SO FAR: Segundo colocado de melhor anime, huh? Bem, vamos sem muita enrolação hoje pq essa vai ser um tanto... é, vai ser. Definitivamente. Eu acho ...
POSTADO EM:domingo, 15 de janeiro de 2023
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MELHORES DE 2022: Animes [Terceiro Lugar]

| sábado, 14 de janeiro de 2023
... TO BE CONTINUED »
Então nessa bela manhã de sabado onde todos vocês estão contemplando o prazer de compartilhar momentos com seus entes queridos e conquistas significativas de uma vida emocional e mentalmente saudável e totalmente não em um quarto escuro escrevendo textos sobre desenhos animados, abriremos os trabalhos para a gloriosa categoria de MELHOR ANIME QUE EU ASSISTI EM 2022, vulgo Dogoncio Awards 2022!

Sem mais enrolação, vamos apresentar nossos candidatos então:
  1. Komi Can't Communicate
  2. Belle
  3. Boku no Hero Academia
  4. Kamen Rider ZO
  5. Kamen Rider Den-O
  6. Code Geass: Lelouch of the Rebellion
  7. Misterious Girlfriend X
  8. Battle Arena Toshinden
  9. Mieruko-chan
  10. Bubble
  11. Odd Taxi
  12. Aldonoah.Zero
  13. Ninku
  14. Princess Tutu
  15. Mobile Suit Gundam
  16. Mobile Suit Gundam: The Origin
  17. Demon Slayer
  18. Mayoiga
  19. Cyberpunk: Edgerunners
  20. Made in Abyss
  21. Star Wars: Visions
  22. Monogatari
Enquanto eu comtemplo que coisas mais construtivas e emocionalmente saudaveis eu poderia estar fazendo com a minha vida, eis então nosso terceiro e glorioso colocado!



Sabe, o terceiro colocado de hoje é um anime que eu considerei muito, muito, muito sobre estar nessa lista. Por um lado, em seu melhor, quando está no topo do seu jogo, a série Monogatari é absolutamente brilhante e poderia estar até mais alto na colocação. Por outro lado, com mais frequencia do que a minha sanidade recomenda, ela me fazia gritar:


Bem, não literalmente. Eu não sou tão ablubé das ideias. Ainda. Na maior parte do tempo. Seja como for, vamos a isso.

Araragi-kun (excelente nome, bom de ficar repetindo) era um colegial normal até o dia que ele foi atacado pela vampira Kiss-Shot Acerola-Orion Heart-Under-Blade (outro excelente nome, eles que eles são bons nisso) e se tornou um vampiro. Maaaaais ou menos. 

ELE FOI "MAIS OU MENOS ATACADO" OU SE TORNOU "MAIS OU MENOS UM VAMPIRO?

Sim. De qualquer forma, o que importa aqui é que importa é que Araragi tem um dom para encontrar novinhas com problemas sobrenaturais de todo tipo - um dom que só é superado pelo seu talento em faze-las se apaixonar por ele. Pense na versão anime de Supernatural só que com colegiais de 30kg no lugar de uber modelos. Nessa primeira temporada Araragi conhece cinco garotas todas atormentadas por algum tipo de entidade saída do folclore ou fábulas japonesas, ou até mesmo literatura mundial e resolve o problema de cada uma delas.

Então, sim, no papel Bakemonogatari é um anime de harém. E sim, animes onde um bazilhão de menininhas se apaixonam por um cara, mas não abertamente, é um todo um genero nos animes pq o Japão é desses. Alguma coisa alguma coisa projeção para o espectador adolescente médio japonês que o mais perto que chega de uma menina é na lista de chamada da escola ter suas fantasias atendidas ou algo do tipo, sei lá, perguntem sobre animes pro Paulo na próxima live.


O que eu sei é que usualmente esse tipo de anime deixa de ser interessante depois que você passa dos 14 anos. 

E ESSE ANIME ENTÃO TÁ NA LISTA PQ A CRISE DE MEIA IDADE TÁ BATENDO, NÉ?

Não é isso. Eu torço. E sim pq a série Monogatari faz as coisas de um jeito diferente de... bem, não apenas diferente dos animes, mas diferente de qualquer outra coisa já como um todo. E é aqui que as coisas ficam interessantes.

Pra começar, Monogatari é essencialmente uma série feita por dialogos. Sério, 90% dos episódios são compostos por personagens conversando... o que é bem fácil de fazer na Light Novel na qual essa série nasceu (Light Novels são um tipo de "livro ilustrado", bem populares no Japão), mas nem tanto assim de colocar na tela pq... bem, isso não ficaria chato de se assistir?

Isso é uma Light Novel

Aqui é onde entra a magia da edição. Isso pq Monogatari é editado como se uma criança com TDAH tivesse cheirado uma carreira açucar antes de gravar. Os dialogos são bem rápidos exigindo atenção para acompanhar, a cena é entrecortada o tempo todo por inserts mostrando cartões com os personamentos dos personagens ou alguma imagem completamente aleatória mas que chama sua atenção.

Aqui, me permita mostrar um exemplo bem básico disso:


E essa é uma cena relativamente tranquila de acompanhar, quando quer Monogatari consegue ser muito mais frantico do que isso. E frequentemente ele quer.

MAS ENTÃO SE É UM ANIME ONDE BEM POUCA COISA ACONTECE DE FATO E É SÓ SOBRE OS PERSONAGENS CONVERSANDO... SOBRE O QUE ELES FALAM?

Ah, essa é a pergunta realmente importante aqui e onde Monogatari está em seu melhor elemento (e ao mesmo tempo no seu pior, mas chegaremos a isso). A série é, em grande parte, essencialmente um estudo de personagens como poucas vezes se tentou fazer numa animação. Seus medos, inseguranças, convicções e desejos são desenrolados através dos dialogos pq... bem, com o que mais eles iriam preencher o tempo?


Como Monogatari tem todo o tempo do mundo para fazer os personagens falarem como lavadeiras na beira do rio, ela pode se permitir ir realmente a fundo. O que, em seu melhor, vai REALMENTE a fundo como raríssimas vezes se viu na arte de fazer animações sobre colegiais com úberes avantajados.

Tem um arco inteiro, por exemplo, que é dedicado a construir o caso sobre como uma garotinha pelo qual ninguém dava a minima atenção (nem os personagens, nem o espectador) tem todo o arcabouço psicologico zoado para se tornar uma das melhores vilãs da série, e é colocado de uma forma que faz sentido pq, novamente, a série tem todo o tempo do mundo para desenvolver a sua ideia.

Melhor do que isso ainda, Monogatari faz algo que eu aprecio muito na ficção: desenvolve seus temas através de simbolismos. Mais especificamente, cada temporada do anime tem um tema e é nomeada em função desse tema.


A primeira temporada, por exemplo, se chama Bakemonogatari, que é um jogo de palavras com Bakemono (monstro) e Monogatari (histórias), que é literalmente histórias de monstros, ou "monstrórias" se preferir. O que isso tem de especial, entretanto, é que o tema da temporada é desenvolvido em mais de uma camada ao mesmo tempo, tanto no sentido literal da palavra quanto nas suas interpretações figuradas.

Como as coisas funcionam: em cada arco dessa temporada Araragi encontra uma garota com um problema sobrenatural - seja ele baseado em uma fabula, lenda urbana ou mito, esse tanto eu já havia explicado. Isso não é o que faz o anime especial, o que é especial é como isso é feito.

Cada um dos "causos" sobrenaturais que assolam as meninas são na verdade metáforas para falar de problemas bastante mundanos e palpáveis do cotidiano com os quais podemos nos relacionar. O primeiro arco, por exemplo, é sobre Senjougahara que tem um "problema" bastante peculiar: ela perdeu o seu peso.

"Eu só saio pelada as vezes"
Pq sempre perderia o charme, né

Não, não é uma metáfora a anorexia ou uma dieta da moda, é algo bem mais interessante: um deus carangueijo roubou o seu peso e agora ela pesa 5kg (com efeito, Araragi a conhece flutuando como uma pluma). Qual a moral da história aqui: ele fez isso para ajuda-la devido ao peso que ela carregava não em seus culotes (vou dizer que não tenho certeza do que seja isso, mas sei que é algo que as mulheres tem) mas sim em seu coração. A grande diferença é que o peso que ela carregava em seu coração não é nada relacionado a nenhuma bobagem de anime e sim algo moderno, mundano e bastante pesado: sua mãe se envolveu com um culto religioso fanático, afundou toda grana da família nessa igreja e de quebra o ministro desse culto tentou estuprar a menina - o que a mãe dela culpa ela.

Coisa séria mesmo.

Nem todos os arcos são necessariamente pesados, mas todos são interessantes e bem escritos como bons contos de monstros (como o titulo da temporada propõe). São boas histórias em si que não necessariamente descambam para "animezices" e isso é uma coisa boa, para não dizer surpreendente. Como eu disse, é sobre "peso" no sentido literal e metafórico.


E assim o rola em suas temporadas. Kizumonogatari vem de Kizu (cicatriz) e Monogatari (história), histórias de cicatrizes tanto no sentido literal quanto metafórico. Owari(fim)monogatari(histórias) é um arco sobre coisas que terminam. Vc pegou a ideia da coisa.

Outra coisa que eu preciso apontar que essa série faz algo muito incomum para um anime: ele tem um relacionamento. Suponho que para quem não assiste anime regularmente isso vai parecer estranho, mas saiba que é muito, muito, muito raro - pra não dizer beirando o inexistente - animes em que os personagens namorem.

Suponho que não é muito segredo pra ninguém que o Japão tem sérias questões sobre relacionamentos interpessoais, e animes são um reflexo dessa sociedade. É inacreditavelmente raro o protagonista ter uma namorada, e é mais raro ainda esse relacionamento ser parte da série. Usualmente animes tem relacionamentos nível comédia romantica da Netflix de profundidade: A gosta de B, e B gosta de A, mas eles não admitem por algum motivo qualquer, não ficam juntos por outro motivo mais aleatório ainda e apenas nas últimas cenas eles... ficam de mãos dadas ou alguma coisa assim. Sei lá, não assisto muitas romcoms da Netflix na verdade.


Nesse sentido, Bakemonogatari é muito corajoso ao investir em algo completamente diferente. Sim, Araragi-kun tem todo um séquito de novinhas doidas para andar no seu carrossel do amor e ele não pega nenhuma delas, como todo anime de harém. Só que diferente de um anime típico de harém, existe um motivo de verdade para ele fazer isso: ele tem uma namorada.

Oh.

Aquecedores culinarários de proporções reduzidas sucederam a força da gravidade, Giovanna.

Não apenas isso faz parte do anime, como é bem desenvolvido. Um dos melhores episódios da série é de longe um que Senjougahara e Araragi saem em um encontro levados pelo pai dela e o episódio todo é praticamente só o passeio de carro com eles conversando. O dialogo é tão natural, flui tão bem você consegue realmente acreditar que é uma conversa que alguém teria com a sua namorada enquanto o pai dela está no banco da frente.

Eu realmente gostaria que animes fizesse mais esse tipo de coisa.

Aquele momento que você abre um pacote de bolacha
e pensa que consegue não dividir com a sua namorada

Então, como eu disse, quando está em seu melhor Monogatari é uma série incrívelmente única e unicamente fascinante. Não existe nada parecido com isso em animes (e obviamente em nenhuma outra midia, because animes).

REPAREI QUE VOCÊ CITOU ALGUMAS VEZES "QUANDO ESTÁ NO SEU MELHOR". SUPONHO QUE AGORA É A HORA QUE VOCÊ DIZ "MAS..."

MAS contudo, todavia, entretanto... eu também que com uma frequencia não rara, o anime me fez ter essa reação:


Minha nossa senhora estação Maria do Carmo favor dar um passinho a frente quem não passa dá o lado favor ae, COMO ESSE ANIME É LEEEEEENTO.

Sério, eu não tenho nada contra o anime ser inteiramente sobre pessoas conversando (embora reconheça que isso por si só já seja um breaking point para a maioria das pessoas), porque na metade do tempo esses dialogos constroem e desenvolvem os personagens e seus relacionamentos mesmo que não pareçam estar fazendo isso.

Porém na outra metade do tempo eles apenas arrastam a coisa quando você, a sua mãe e a mãe de todo mundo já entendeu o ponto ali e para onde aquilo vai levar, mas a série arrasta e arrasta e arrasta a cena. Sério, tem uma cena que Araragi precisa ir falar com uma menina na casa dela e como não é visto de bom tom visitar uma menina sozinha quando você é um rapaz (Japão sendo Japão), ele precisa levar uma colega de classe junto.


Eu juro pra vcs, tem DOIS EPISÓDIOS INTEIROS sobre essa discussão de quem ele vai levar. Vocês querem me enlouquecer, só pode. Não tem outra explicação. Enquanto é, de fato, importante para o desenvolvimento da série e dos relacionamentos entre os personagens quem ele vai levar, isso poderia ter sido resolvido em meio episódio sendo generoso. Mas não, são DOIS EPISÓDIOS DISSO.

Mais uma vez: ELES. QUEREM. ME. ENLOUQUECER. Com efeito, eu tenho dificuldade de lembrar de alguma cena que dure menos que meio episódio, e frequentemente posso afirmar que podia ter sido feito em metade do tempo sem perder absolutamente nada. Olha caras, é legal que vocês queiram adaptar uma série de VINTE E OITO light novels, mas não precisava tentar fazer isso literalmente. Vamos aprender a cortar coisas, sim?

Enfim, Monogatari é estranho. E isso é bom, eu gosto de estranho, diabos, eu amo coisas estranhas!

QUE BOM QUE VOCÊ TEM AMOR PRÓPRIO, FICO FELIZ DE OUVIR ISSO

Okay, eu vi essa vindo de longo. Seja como for, meu ponto é que não existe outro anime como Monogatari. Monogatari é extremamente artístico e criativo e como uma série, ele leva a mídia para além da narrativa convencional e contém dialogos inteligentes que abordam temas em vários niveis de camadas.

- Araragi-kun, pq estamos andando assim?
- Pq deu certo para os Beatles


Com efeito, é o único anime que eu consigo lembrar que vc perde algo por não falar japonês já que o  jogo de palavras (tanto em sonoridade, como a respeito de como se estruturam a grafia dos kanjis) é uma parte extremamente importante da série. E como eu disse, a construção dos personagens e relacionamentos também é algo poucas vezes vistos em animes - os otakus adoram discutir quem é a Melhor Garota do anime, mas para ser honesto aqui todo mundo é a melhor garota. Exceto a Ougi, pro inferno com aquele buraco negro (literal mas principalmente metaforicamente) 

Em contrapartida, é um anime que exige muita, muita, MUITA paciencia do expectador - tanto com o ritmo arrastado quanto com a edição doida de dorgas. E suponho que a quantidade pouco cristão de ecchi e fanservice pode incomodar bastante gente, embora eu tenha que dizer que depois de tantos anos nessa indústria vital eu nem presto mais atenção nisso. 

Enfim, o ponto é que definitivamente não é recomendado para quem não está acostumado com os meandros desse mundo de animes e dificilmente para quem está - não digo isso de uma forma arrogante gatekeeping, mas porque vai ser chato mesmo. Eu assisto animes a trinta anos e patinei bonito pra ter esse tipo de paciencia, mas então, quanto menos você fizer as coisas como eu faço melhor indicador da sua saúde mental isso será. Tem isso também.

MELHORES DE 2022: Animes [Terceiro Lugar]

THE STORY SO FAR: Então nessa bela manhã de sabado onde todos vocês estão contemplando o prazer de compartilhar momentos com seus entes queridos e conquistas ...
POSTADO EM:sábado, 14 de janeiro de 2023
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MELHORES DE 2022: Série Animada [Primeiro Lugar]

| quinta-feira, 12 de janeiro de 2023
... TO BE CONTINUED »

 E agora o momento pelo qual todos aguardavam! O anuncio do tão sonhado vencedor do Dogoncio de Ouro de melhor cartoon, o maior premio da animação mundial vai sair! Então vamos recapitular nossa jornada até aqui, sim?

  1. Voltron: Legendary Defender
  2. Todd McFarlane's Spawn
  3. Gargoyles
  4. What If
  5. Aaahh!!! Real Monsters
  6. Skeleton Warriors
  7. The Owl House [Terceiro Lugar]
  8. Rick and Morty [Segundo Lugar]
  9. I Am Groot
  10. Rick and Morty
  11. Ducktales (2017)
  12. Amphibia
  13. RWBY
  14. Adventure Time

Então sem mais enrolação, o melhor desenho animado que eu assisti em 2022 foi... bem, vamos dizer que é hora de juntar seus amigos, pq nós vamos para terras muito distantes pq é... 


Okay, eu tenho que começar dizendo que dependendo de como você olha, eu estou meio que trapaceando aqui pq eu sou o primeiro a admitir que de um ponto de vista tecnico, Ricky and Morty é um desenho melhor. É melhor animado, melhor produzido e frequentemente melhor escrito e váris outras categorias individuais. Mas a grande coisa que pega pra mim, entretanto, é que a soma das partes não é maior do que o todo.

E em seu todo, nenhum desenho animado é tão grande, tão coração, tão profundo e ao mesmo tempo idiota (mas um tipo bom de idiota) do que Adventure Time. Só que...

... SÓ QUE PARA EXPLICAR O PQ VC VAI TER QUE CONTAR TODA HISTÓRIA DA ANIMAÇÃO OCIDENTAL.

Bem, sim... como você sabia?

A) EU LITERALMENTE EXISTO DENTRO DA SUA CABEÇA; E B) NÃO É DIFICIL PERCEBER UM PADRÃO AQUI. MAS OKAY, VAI LÁ, NÃO É COMO SE DESSE PRA TE IMPEDIR MESMO...

Obrigado, eu acho. Mas sim, para entender o que faz Adventure Time tão grande é necessário explicar o que são desenhos animados. Desenhos animados, qualquer adulto responsavel poderá te dizer, são coisas para crianças. Sabe, eu sempre achei essa afirmação (e outras do tipo) muito curiosa. Por que? Quem decidiu isso? Como? Essa é uma daquelas coisas que todo mundo "sabe", mas pouca gente sabe porque realmente "sabe".

A história dos desenhos animados começa no cinema, obviamente. Os primeiros cartoons foram feitos como fillers engraçadalhos para passar entre as sessões dupla de cinema. O programa de um cidadão respeitável de 1940 era comprar um bilhete para uma sessão dupla de cinema: um grande filme em cartaz, junto com um filme menos prestigiado (o famoso "filme B", daí que veio a expressão) e entre eles passava um curta de comédia pastelão em animação.

Foi assim que nasceram as primeiras animações de Tom e Jerry ou do Pica-Pau, e é por isso que eles são consideravelmente mais violentos do que se costumou a ser anos depois: pq foi algo passado para entreter adultos, e pouca coisa diverte mais um cidadão produtivo da sociedade de 1940 do que isso


Ou mesmo de hoje, pq esse grito é fenomenal. Mas divago. Com efeito, quando Walter Disney propos fazer um longa metragem inteiro em animação pela primeira vez, ninguém entendeu muito bem o que ele queria com aquela ideia de "Branca de Neve". Quer dizer, ele ia ter piadas o suficiente para encher 1h20 com esquetes de humor? Pq é isso que cartoons eram, afinal.

Porém quando a televisão começou a tomar corpo como o grande canal de entretenimento da nação americana e o dinheiro começou a migrar para essa nova mídia, os desenhos animados tiveram um problema muito grave pela frente: desenhos animados são caros de se fazer, são lentos de se produzir e a televisão demandava enormes quantidades de conteúdo. Curtas de 5 minutos não eram mais suficientes, eram necessárias agoras temporadas inteiras de um produto.
E isso é verdade ainda hoje, desenhos são, comparativamente, muito mais caros de se fazer do que shows live action. C dinheiro que a Nick gastou para produzir um Avatar eles fariam 5738 séries esquecíveis tipo as que a própria Nick ou a Disney tem aos baldes em que adolescentes aleatórios falam qualquer coisa para esperar o claque de risadas gravadas. 

A alternativa para desenhos animados conseguirem competir nesse mundo corrido e de poucos recursos (comparando com o cinema, claro) da televisão foi algo que anos depois os japoneses se tornariam mestres supremos com seus animes: cortar custos (mas essa é uma outra categoria). Cenários repetidos, animações repetidas, efeitos repetidos, nada disso acontecia quando você tinha o orçamento e tempo de curta metragem de um grande estúdio para trabalhar. Agora quando você entra no ritmo da televisão, bem, isso...

... acabam virando isso:


Então seria justo pensar: "uau, esse novo padrão de qualidade é idiota. As pessoas não vão aceitar isso!", e de fato, não aceitaram. Nenhum adulto perderia seu tempo vendo uma coisa tão tosca, eles teriam que achar um publico que consumisse tanto quanto, mas não tivesse absoluto nenhum padrão de qualidade nenhum para empurrar essa merda goela abaixo...

... o que foi exatamente o que eles fizeram. Foi assim que desenhos animados viraram "coisa de criança", pq crianças aceitariam um baixissimo padrão de qualidade e achariam ótimo. E foi exatamente o que aconteceu.

William Hannah e Joseph Barbera, os criadores de Tom e Jerry mas que não tinham os direitos dos personagens na época, foram uns dos que melhor dominaram esse cenário. Seus desenhos animados tinham o orçamento de duas caixas mascadas de Plets, mas ele empilhavam sucessos com a garotada da época. Jambo & Ruivão, Dom Pixote, Plic, Ploc & Chuvisco, Zé Colméia, Pepe Legal, Bibo Pai e Bob Filho, Olho Vivo e Faro Fino foram todos desenhos que eles produziram nessa época com menos dinheiro do que o que você gasta indo na venda da esquina comprando banana prata.

E isso fez de Hannah e Barbera muito ricos, verdade, mas a pergunta que realmente devia ser feita é: isso os estava fazendo felizes?

Vê, essa é a pegadinha aqui: desenhos animados eram feitos PARA crianças, mas não POR crianças. Parece óbvio dizer isso, mas talvez as implicações escapem a uma primeira vista. Desenhos animados são feitos por adultos, e não apenas quaisquer adultos: são feitos por artistas.

Você sabe, essas pessoas altamente criativas que tem essa coisa de querer se expressar, contar histórias, compartilhar sua visão do mundo simbolicamente através de uma obra? Então, pegar essas pessoas criativas e as limitar a produzir desenhos animados por quantidade e não qualidade certamente era um modo de pagar os boletos, mas não era tudo que eles podiam ser. Como artistas, eles queriam mais do que isso. E foi assim, dessa necessidade de se expressar que só nasce quando você tem um emprego muito abaixo da sua capacidade intelectual que ao longo dos anos muitos criadores de conteúdo sempre flertaram com a ideia de fazer algo significativo com seus desenhos animados.

Mesmo Hanna e Barbera, que se tornaram os mestres absolutos dessa máquina bem lubrificada de vomitar desenhos animados por quantidade, sofriam com essa angustia e por isso tentaram uma ideia ousada: um desenho animado para adultos, que passaria em horário nobre e seria uma sitcom tratada igual a qualquer série de respeito da época. Foi assim que nasceu os Flintsones, em uma tentativa de fazer algo mais do que o "faz qualquer coisa, é pra criança mesmo então whatever" que era a norma vigente da época.

De lá para cá, e especialmente após passada a terrível época da animação que foram os anos 80  (sério, essa decada é literalmente chamada de "Dark Age of Animation", joga aí no google se não acredita em mim) muitas outras pessoas tentaram a sorte nesse caminho, algumas com mais sucesso, outras com menos. Porém o que não mudou é que você fosse o quão criativo quisesse, desenhos animados ainda eram uma coisa binariamente segmentada. Ou você tinha desenhos animados claramente para adultos (como os Simpsons ou South Park), ou você tinha desenhos animados para crianças.

E os desenhos animados "para crianças" ainda eram vistos pelos executivos como extremamente limitados no que se podia fazer. Mesmo desenhos altamente bem sucedidos (como a 
Era de Ouro do Cartoon Network com coisas tipo Laboratório do Dexter, Meninas Superpoderosas entre outras) tinham essas claras paredes de até você podia ir. Gente estúpidamente brilhante como Genndy Tartakovsky, Lauren Faust e Craig McCracken eram limitados por essa barreira invisivel de até onde eles podiam ir.

Por mais criativos que seus criadores fossem (e eles eram), havia a barreira do "é para crianças" que travava ambições maiores de seus criadores em desenvolvimento do cenário, desenvolvimento de personagens, consequencias, enfim, na narrativa em geral. Tudo isso só mudou, bem, quando a Nação do Fogo atacou.

Influenciada pelo sucesso estrondoso e rocambólico dos animes, a Nicklodeon decidiu dar sinal verde para um ambicioso projeto de um desenho animado seriado que se focaria bastante em desenvolver os personagens, world building, conflitos morais sobre temas pesados como guerra e genocídio, romance, aventuras e, você sabe, contar uma grande história. E esse projeto é, até os dias de hoje, tido como o melhor e mais bem realizado cartoon de todos os tempos. Eu estou falando, é claro, de Avatar: The Last Airbender.


O (merecido) sucesso de Avatar amoleceu um pouco o empedernido coração dos executivos, que admitiram a possibilidade de que havia um publico para desenhos animados mais complexos, com construção de cenário trabalhada, com desenvolvimento de personagens, histórias seriadas e todas essas loucuras que eles realmente não entendiam (ou sequer gostavam), mas aparentemente era o que as pessoas de hoje em dia queriam.

Isso deu sinal verde ao que eu chamo de "Segunda Renascença dos Cartoons", e muita gente absurdamente talentosa estava babando por essa oportunidade fazia tempo.




Na Discovery Kids, Lauren Faust transformou My Little Pony de um comercial de brinquedos safado e sem alma em um desenho animado incrivelmente bem realizado, com um mundo bem construído com lore interessante, personagens bem estabelecidos e mensagens surpreendemente profundas. No Disney Channel, Alex Hirch criou Gravity Falls e... bem, eu precisaria de bem mais tempo para falar do quão incrível e o quanto de alma Gravity Falls tem... porém de toda essa nova leva de desenhos animados pós-Avatar, o que eu REALMENTE quero falar é do maior e mais ambicioso de todos eles. Agora, após mais de 1600 palavras, é hora de finalmente falar de Adventure Time.

ISSO DEVE SER ALGUM TIPO DE NOVO RECORDE PESSOAL SEU...

Eu sei, incrível, né?

NÃO É ALGO DO QUE VC DEVERIA SE ORGULHAR, DEPOIS NÃO SABE PQ NEM CINCO PESSOAS LEEM ESSES TEXTOS...

Hã, seja como for, Adventure Time. AT é um projeto extremamente ambicioso de Pendleton Ward que visava atender as demandas de todo mundo e fazer todo mundo satisfeito. Os executivos da televisão ficariam satisfeitos, as crianças assistindo ficariam satisfeitas, os adultos assistindo ficariam satisfeitos, ele enquanto artista ficaria satisfeito. E se você acha que não é possível atender os interesses de tantos públicos diferentes querendo coisas fundamentalmente diferentes, bem, então vc ainda não começou a entender Adventure Time.

Então o que é AT? Vamos lá: a primeira temporada de Adventure Time é... estranha. E não necessariamente estranho-bom. Isso pq parece que AT é mais um daqueles desenho que está apenas atirando coisas aleatórias na parede pra ver o que cola. O que as crianças adoram, é um desenho extremamente colorido, com músicas e não-raramente alguma nojeira. E os executivos da TV adoram tanto quanto, é um desenho não-seriado (que é algo que os canais amam, não exigir que o publico acompanhe em uma ordem definida os episódios aumenta seu alcance e pode ser colocado em qualquer horário) atulhado de personagens altamente marketeaveis para vender brinquedos e acessórios relacionados.


Os episódios são essencialmente sobre um garoto e seu cachorro mutante (okay...) vivendo altas aventuras, salvando princesas e algumas coisas do tipo bem aleatórias. Você sabe, apenas outro desses desenhos ultra energeticos onde coisas aleatórias acontecem por motivos aleatórios pq desde que seja colorido e barulhento, tanto faz, crianças aceitam qualquer porcaria.

HÃ, TENHO QUE DIZER QUE ESSA DESCRIÇÃO NÃO PARECE MUITO PROMISSORA

E de fato não era. Com efeito, seu criador Pendleton Ward teve muita dificuldade em vender a ideia da série e meio que foi rejeitado por todo e pela mãe de todo mundo antes de conseguir vender a idéia para o Cartoon Network (ele levou uma porta na cara da Nicklodeon, Disney Channel e Warner Channel antes da série ser vendida pro Cartoon Network) muito pq inicialmente Adventure Time não parece muito especial. 

Qualquer porcaria colorida e aleatória pq hey, desenho animado, ninguém se importa desde que seja colorido e aleatório, yay! Com efeito, a primeira vez que eu peguei AT para assistir, eu assisti uma meia duzia de episódios e minha reação foi basicamente:


Porém, de lá pra cá, ao longo dos anos eu repetidamente acabei esbarrando em afirmações de como Adventure Time era incrível, como era ótimo, e possivelmente um dos melhores desenhos animados de todos os tempos. E após um dado tempo encontrando esse tipo de afirmação por aí, eu comecei a me questionar de que havia algo mais que todo mundo estava vendo nesse desenho aleatório que eu não estava.

E após alguns anos disso, em 2022 eu decidi dar uma nova chance e assistir AT. O resultado?


Vê, essa é a pegadinha aqui: toda merda aleatória que Adventure Time joga na tela, bem, não é realmente aleatória. O que é realmente impressionante, pq o desenho é repleto de coisas tão randomicas e non sense que você pensa que não é realmente possível que essas sejam as ferramentas para construir um world building complexo com um cenário coeso... mas é exatamente o que é.

Se inicialmente AT parece um fever dream de uma criança que comeu açucar demais, eventualmente você começa a perceber que existe um metodo nessa loucura, existe uma história de verdade no meio da aleatoriedade, e eventualmente vc descobre que é um cenário incrivelmente ambicioso como nunca antes na história da televião, que se estende desde a pré-história até o futuro pós-apocaliptico. 




Sério, eu já vi muitos desenhos animados, animes e slideshows de férias de verão na minha vida, e eu garanto que nunca vi nada tão ambicioso na televisão quanto Adventure Time. Basta dizer que a wiki do desenho tem mais de 4 mil artigos!

Eu vou te dizer, como Adventure Time vai lentamente, através de pequenos detalhes aqui e ali, contando sua história e como todas suas maluquices aleatórias contam a história do mundo é algo realmente divertido de se assistir. A sensação de "wait a minute... isso faz sentido agora" das peças irem se encaixando é absolutamente deliciosa.




E o que torna essa narrativa tão interessante de assistir é que Pendleton Ward e sua equipe não acreditam muito em cenas expositivas. Você sabe, aquele momento em que alguém literalmente apenas explica a história para o expectador. Não, a história ta aí, monta ela quem quer.

Com efeito, Jesse Moynihan (um dos principais roteiristas da série), disse o seguinte dada vez:

“Na minha opinião, o que eu realmente queria fugir era a narrativa completa que incorpora não apenas a televisão infantil, mas quase toda a televisão: a ideologia que exige que entendamos o tempo todo o que o personagem sente, qual é o conflito, , como exatamente o público deve se sentir e talvez a mensagem moral.

Mesmo em programas que gosto muito, como Game of Thrones ou True Detective, há muito pouca ambiguidade quando se trata de como o público está sendo manipulado para se sentir. Muitas vezes, em programas de TV menores, a escrita funciona como um guia instrucional passo a passo sobre como devemos proceder emocionalmente enquanto público.

Você sabe, frequentemente temos alguém na tela gritando “Estou bravo com você! Você matou meu pai! Mas preciso da sua ajuda!” ou “Eu sinto X por causa de Y, então você deveria Z” da maneira mais idiota possível. Nós tentamos evitar isso.

Claro, é um aspecto de controle emocional da narrativa que é tentador não abrir mão, mas nós tentamos fazer o nosso envolvimento algo mais passivo com arquétipos e pistas emocionais. Ao invés de apenas dizer o que o espectador tem que sentir ou pensar, eu prefiro muito mais a ideia de que o entretenimento pode refletir a poesia e a ambiguidade da vida.”

O que, como você pode imaginar, nos leva a questão que essa abordagem de construção discreta confiando na inteligencia do espectador não se limita ao lore do mundo, mas sim ao próprio arcabouço emocional dos personagens. Saber o que os personagens estão sentindo ou por que eles estão sentido é BEM mais complexo do que vc poderia esperar de um desenho sobre um menino com uma espada e um cachorro mutante salvando uma princesa feita de chiclete de um mago maligno.



Tem um episódio que eu acho que ilustra isso muito bem, que é "The Mountain". Ele começa com Finn e Jake conversando ao redor da fogueira, com um excelente dialogo questionando se será que os pets nos veem como deuses dado que nós provemos magicamente na visão deles todas as suas necessidades, porém esses momentos divertidos terminam quando Finn descobre que sua ex-namorada Flame Princess e o atual namorado dela Cinnamon Bun (que sim, são uma princesa feita de fogo e um bolinho de cinamomo) malhando nas proximidades, o que mais uma vez reforça que Finn não a esqueceu totalmente mesmo isso tendo acontecido na temporada passada

Mesmo em comédias romanticas, normalmente relacionamentos terminam e após alguns episódios jamais são mencionados novamente (sim, How I Met Your Mother, estou olhando pra vc). A série simplesmente encerra esse capítulo e finge que nada aconteceu, move on. Mas aqui, mesmo uma temporada inteira depois, Finn ainda tem dificuldades com seus sentimentos. 

Só que nesse episódio em particular, como Finn parece mais ansioso do que qualquer coisa. Após um período de crescimento, Finn provavelmente percebe o quão embaraçosas foram suas ações em relação a Fire Princess no passado e é assombrado por seus próprios erros, e ele muda de assunto dizendo “preciso me distrair com o trabalho” - que no caso dele, o trabalho é ir para uma dungeon ou algo do tipo. Após um período de depressão, Finn percebe que não pode realizar nada apenas se permitindo se sentir mal e que deve mudar seu foco para algo mais produtivo, e é muito bom ver como ele gradualmente supera sua depressão e se torna mais proativo.



E isso é apenas uma cena de um episódio, ao longo da série o desenho em nenhum momento segura a sua mão e te diz como você deve interpretar os personagens ou se sentir a respeito deles. Tem um episódio em que o Finn tem seus olhos substituidos por gemas que transformam as pessoas em como ele realmente as vê (sim, é assim que a série rola), e estranhamente ao olhar para sua antiga crush ela se transforma... em um garoto descolado.

Ao ser perguntado o que isso significa, Finn apenas responde:


Analisando a personalidade e a psique dos personagens vc pode chegar a algumas conclusões, mas o que importa nesse caso realmente é que a série nunca realmente mastiga a resposta pra você. Outro grande exemplo é a própria Princess Bubblegum, eu mudei de opinião pelo menos umas 5 vezes ao longo da série a respeito dela, entre achar ela uma bitch tiranica sem coração e entender porque ela faz as coisas do jeito que ela faz.

Alias não apenas nos personagens, frequentemente a série aborda temas inesperadamente pesados para um desenho animado de 2010. Por exemplo, frequentemente um personagem que é "louco" é mostrado como um tipo de piada, como um alivio comico. E Adventure Time faz isso, tendo as desventuras completamente patéticas e ablublé das ideias do Ice King.

Só que o que Adventure Time faz também é ir mais fundo ainda na "piada" e mostrar que ao contrário do que a cultura pop usualmente retrata, estar preso dentro das limitações da sua própria mente não é nada engraçado. É algo profundamente triste, e o patético e bobalhão Ice King acaba sendo um dos personagens mais trágicos da história da televisão, enquanto ele não deixa de ser patético e bobalhão. Então... a gente ainda devia rir dele? É errado... mas o Ice King não se ajuda e ele meio que merece se ferrar também? Como tudo mais, Adventure Time não te diz como vc deve se sentir a respeito.


Isso, é claro, sem nunca deixar de ter episódios em que a bunda de uma minhoca é cortada, ganha vida e se torna um herói involuntário. Porque, você sabe, é assim que AT rola.

Então, eu suponho que deu para pegar uma ideia geral da coisa. Adventure Time não é apenas o desenho mais ambicioso que eu já assisti, mas o que mais confia na inteligencia do seu espectador - uma caracteristica bastante ousada, pq convenhamos, o nível não é muito alto realmente. 



Ainda sim, AT corre esse risco e como consequencia entrega uma experiencia única, reflexiva, profunda e que influenciou uma geração inteira de desenhos animados - desde cartoons que apenas tentam imitar partes de AT, a sua equipe de produção que passou a dirigir seus próprios cartoons depois disso (como a compositora e roteirista de AT, Rebecca Sugar, que criou seu próprio desenho animado no Cartoon Network e acabou se tornando um dos meus desenhos favoritos da vida, Steven Universe).

Enfim, AT é sobre aventuras, sobre resgatar princesas de magos malvados, sobre refletir o que significa crescer, sobre crise de meia idade, sobre relacionamentos, sobre a uma perpectiva do que é a vida, sobre depressão, sobre amizade, sobre solidão, sobre família, sobre parar e aproveitar o momento, e sobre saquear masmorras. You know, all the good stuff. And the bad ones. And none of it.



MELHORES DE 2022: Série Animada [Primeiro Lugar]

THE STORY SO FAR:  E agora o momento pelo qual todos aguardavam! O anuncio do tão sonhado vencedor do Dogoncio de Ouro de melhor cartoon, o maior premio da an...
POSTADO EM:quinta-feira, 12 de janeiro de 2023
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