MELHORES DE 2022: Animes [Terceiro Lugar]

| sábado, 14 de janeiro de 2023
Então nessa bela manhã de sabado onde todos vocês estão contemplando o prazer de compartilhar momentos com seus entes queridos e conquistas significativas de uma vida emocional e mentalmente saudável e totalmente não em um quarto escuro escrevendo textos sobre desenhos animados, abriremos os trabalhos para a gloriosa categoria de MELHOR ANIME QUE EU ASSISTI EM 2022, vulgo Dogoncio Awards 2022!

Sem mais enrolação, vamos apresentar nossos candidatos então:
  1. Komi Can't Communicate
  2. Belle
  3. Boku no Hero Academia
  4. Kamen Rider ZO
  5. Kamen Rider Den-O
  6. Code Geass: Lelouch of the Rebellion
  7. Misterious Girlfriend X
  8. Battle Arena Toshinden
  9. Mieruko-chan
  10. Bubble
  11. Odd Taxi
  12. Aldonoah.Zero
  13. Ninku
  14. Princess Tutu
  15. Mobile Suit Gundam
  16. Mobile Suit Gundam: The Origin
  17. Demon Slayer
  18. Mayoiga
  19. Cyberpunk: Edgerunners
  20. Made in Abyss
  21. Star Wars: Visions
  22. Monogatari
Enquanto eu comtemplo que coisas mais construtivas e emocionalmente saudaveis eu poderia estar fazendo com a minha vida, eis então nosso terceiro e glorioso colocado!



Sabe, o terceiro colocado de hoje é um anime que eu considerei muito, muito, muito sobre estar nessa lista. Por um lado, em seu melhor, quando está no topo do seu jogo, a série Monogatari é absolutamente brilhante e poderia estar até mais alto na colocação. Por outro lado, com mais frequencia do que a minha sanidade recomenda, ela me fazia gritar:


Bem, não literalmente. Eu não sou tão ablubé das ideias. Ainda. Na maior parte do tempo. Seja como for, vamos a isso.

Araragi-kun (excelente nome, bom de ficar repetindo) era um colegial normal até o dia que ele foi atacado pela vampira Kiss-Shot Acerola-Orion Heart-Under-Blade (outro excelente nome, eles que eles são bons nisso) e se tornou um vampiro. Maaaaais ou menos. 

ELE FOI "MAIS OU MENOS ATACADO" OU SE TORNOU "MAIS OU MENOS UM VAMPIRO?

Sim. De qualquer forma, o que importa aqui é que importa é que Araragi tem um dom para encontrar novinhas com problemas sobrenaturais de todo tipo - um dom que só é superado pelo seu talento em faze-las se apaixonar por ele. Pense na versão anime de Supernatural só que com colegiais de 30kg no lugar de uber modelos. Nessa primeira temporada Araragi conhece cinco garotas todas atormentadas por algum tipo de entidade saída do folclore ou fábulas japonesas, ou até mesmo literatura mundial e resolve o problema de cada uma delas.

Então, sim, no papel Bakemonogatari é um anime de harém. E sim, animes onde um bazilhão de menininhas se apaixonam por um cara, mas não abertamente, é um todo um genero nos animes pq o Japão é desses. Alguma coisa alguma coisa projeção para o espectador adolescente médio japonês que o mais perto que chega de uma menina é na lista de chamada da escola ter suas fantasias atendidas ou algo do tipo, sei lá, perguntem sobre animes pro Paulo na próxima live.


O que eu sei é que usualmente esse tipo de anime deixa de ser interessante depois que você passa dos 14 anos. 

E ESSE ANIME ENTÃO TÁ NA LISTA PQ A CRISE DE MEIA IDADE TÁ BATENDO, NÉ?

Não é isso. Eu torço. E sim pq a série Monogatari faz as coisas de um jeito diferente de... bem, não apenas diferente dos animes, mas diferente de qualquer outra coisa já como um todo. E é aqui que as coisas ficam interessantes.

Pra começar, Monogatari é essencialmente uma série feita por dialogos. Sério, 90% dos episódios são compostos por personagens conversando... o que é bem fácil de fazer na Light Novel na qual essa série nasceu (Light Novels são um tipo de "livro ilustrado", bem populares no Japão), mas nem tanto assim de colocar na tela pq... bem, isso não ficaria chato de se assistir?

Isso é uma Light Novel

Aqui é onde entra a magia da edição. Isso pq Monogatari é editado como se uma criança com TDAH tivesse cheirado uma carreira açucar antes de gravar. Os dialogos são bem rápidos exigindo atenção para acompanhar, a cena é entrecortada o tempo todo por inserts mostrando cartões com os personamentos dos personagens ou alguma imagem completamente aleatória mas que chama sua atenção.

Aqui, me permita mostrar um exemplo bem básico disso:


E essa é uma cena relativamente tranquila de acompanhar, quando quer Monogatari consegue ser muito mais frantico do que isso. E frequentemente ele quer.

MAS ENTÃO SE É UM ANIME ONDE BEM POUCA COISA ACONTECE DE FATO E É SÓ SOBRE OS PERSONAGENS CONVERSANDO... SOBRE O QUE ELES FALAM?

Ah, essa é a pergunta realmente importante aqui e onde Monogatari está em seu melhor elemento (e ao mesmo tempo no seu pior, mas chegaremos a isso). A série é, em grande parte, essencialmente um estudo de personagens como poucas vezes se tentou fazer numa animação. Seus medos, inseguranças, convicções e desejos são desenrolados através dos dialogos pq... bem, com o que mais eles iriam preencher o tempo?


Como Monogatari tem todo o tempo do mundo para fazer os personagens falarem como lavadeiras na beira do rio, ela pode se permitir ir realmente a fundo. O que, em seu melhor, vai REALMENTE a fundo como raríssimas vezes se viu na arte de fazer animações sobre colegiais com úberes avantajados.

Tem um arco inteiro, por exemplo, que é dedicado a construir o caso sobre como uma garotinha pelo qual ninguém dava a minima atenção (nem os personagens, nem o espectador) tem todo o arcabouço psicologico zoado para se tornar uma das melhores vilãs da série, e é colocado de uma forma que faz sentido pq, novamente, a série tem todo o tempo do mundo para desenvolver a sua ideia.

Melhor do que isso ainda, Monogatari faz algo que eu aprecio muito na ficção: desenvolve seus temas através de simbolismos. Mais especificamente, cada temporada do anime tem um tema e é nomeada em função desse tema.


A primeira temporada, por exemplo, se chama Bakemonogatari, que é um jogo de palavras com Bakemono (monstro) e Monogatari (histórias), que é literalmente histórias de monstros, ou "monstrórias" se preferir. O que isso tem de especial, entretanto, é que o tema da temporada é desenvolvido em mais de uma camada ao mesmo tempo, tanto no sentido literal da palavra quanto nas suas interpretações figuradas.

Como as coisas funcionam: em cada arco dessa temporada Araragi encontra uma garota com um problema sobrenatural - seja ele baseado em uma fabula, lenda urbana ou mito, esse tanto eu já havia explicado. Isso não é o que faz o anime especial, o que é especial é como isso é feito.

Cada um dos "causos" sobrenaturais que assolam as meninas são na verdade metáforas para falar de problemas bastante mundanos e palpáveis do cotidiano com os quais podemos nos relacionar. O primeiro arco, por exemplo, é sobre Senjougahara que tem um "problema" bastante peculiar: ela perdeu o seu peso.

"Eu só saio pelada as vezes"
Pq sempre perderia o charme, né

Não, não é uma metáfora a anorexia ou uma dieta da moda, é algo bem mais interessante: um deus carangueijo roubou o seu peso e agora ela pesa 5kg (com efeito, Araragi a conhece flutuando como uma pluma). Qual a moral da história aqui: ele fez isso para ajuda-la devido ao peso que ela carregava não em seus culotes (vou dizer que não tenho certeza do que seja isso, mas sei que é algo que as mulheres tem) mas sim em seu coração. A grande diferença é que o peso que ela carregava em seu coração não é nada relacionado a nenhuma bobagem de anime e sim algo moderno, mundano e bastante pesado: sua mãe se envolveu com um culto religioso fanático, afundou toda grana da família nessa igreja e de quebra o ministro desse culto tentou estuprar a menina - o que a mãe dela culpa ela.

Coisa séria mesmo.

Nem todos os arcos são necessariamente pesados, mas todos são interessantes e bem escritos como bons contos de monstros (como o titulo da temporada propõe). São boas histórias em si que não necessariamente descambam para "animezices" e isso é uma coisa boa, para não dizer surpreendente. Como eu disse, é sobre "peso" no sentido literal e metafórico.


E assim o rola em suas temporadas. Kizumonogatari vem de Kizu (cicatriz) e Monogatari (história), histórias de cicatrizes tanto no sentido literal quanto metafórico. Owari(fim)monogatari(histórias) é um arco sobre coisas que terminam. Vc pegou a ideia da coisa.

Outra coisa que eu preciso apontar que essa série faz algo muito incomum para um anime: ele tem um relacionamento. Suponho que para quem não assiste anime regularmente isso vai parecer estranho, mas saiba que é muito, muito, muito raro - pra não dizer beirando o inexistente - animes em que os personagens namorem.

Suponho que não é muito segredo pra ninguém que o Japão tem sérias questões sobre relacionamentos interpessoais, e animes são um reflexo dessa sociedade. É inacreditavelmente raro o protagonista ter uma namorada, e é mais raro ainda esse relacionamento ser parte da série. Usualmente animes tem relacionamentos nível comédia romantica da Netflix de profundidade: A gosta de B, e B gosta de A, mas eles não admitem por algum motivo qualquer, não ficam juntos por outro motivo mais aleatório ainda e apenas nas últimas cenas eles... ficam de mãos dadas ou alguma coisa assim. Sei lá, não assisto muitas romcoms da Netflix na verdade.


Nesse sentido, Bakemonogatari é muito corajoso ao investir em algo completamente diferente. Sim, Araragi-kun tem todo um séquito de novinhas doidas para andar no seu carrossel do amor e ele não pega nenhuma delas, como todo anime de harém. Só que diferente de um anime típico de harém, existe um motivo de verdade para ele fazer isso: ele tem uma namorada.

Oh.

Aquecedores culinarários de proporções reduzidas sucederam a força da gravidade, Giovanna.

Não apenas isso faz parte do anime, como é bem desenvolvido. Um dos melhores episódios da série é de longe um que Senjougahara e Araragi saem em um encontro levados pelo pai dela e o episódio todo é praticamente só o passeio de carro com eles conversando. O dialogo é tão natural, flui tão bem você consegue realmente acreditar que é uma conversa que alguém teria com a sua namorada enquanto o pai dela está no banco da frente.

Eu realmente gostaria que animes fizesse mais esse tipo de coisa.

Aquele momento que você abre um pacote de bolacha
e pensa que consegue não dividir com a sua namorada

Então, como eu disse, quando está em seu melhor Monogatari é uma série incrívelmente única e unicamente fascinante. Não existe nada parecido com isso em animes (e obviamente em nenhuma outra midia, because animes).

REPAREI QUE VOCÊ CITOU ALGUMAS VEZES "QUANDO ESTÁ NO SEU MELHOR". SUPONHO QUE AGORA É A HORA QUE VOCÊ DIZ "MAS..."

MAS contudo, todavia, entretanto... eu também que com uma frequencia não rara, o anime me fez ter essa reação:


Minha nossa senhora estação Maria do Carmo favor dar um passinho a frente quem não passa dá o lado favor ae, COMO ESSE ANIME É LEEEEEENTO.

Sério, eu não tenho nada contra o anime ser inteiramente sobre pessoas conversando (embora reconheça que isso por si só já seja um breaking point para a maioria das pessoas), porque na metade do tempo esses dialogos constroem e desenvolvem os personagens e seus relacionamentos mesmo que não pareçam estar fazendo isso.

Porém na outra metade do tempo eles apenas arrastam a coisa quando você, a sua mãe e a mãe de todo mundo já entendeu o ponto ali e para onde aquilo vai levar, mas a série arrasta e arrasta e arrasta a cena. Sério, tem uma cena que Araragi precisa ir falar com uma menina na casa dela e como não é visto de bom tom visitar uma menina sozinha quando você é um rapaz (Japão sendo Japão), ele precisa levar uma colega de classe junto.


Eu juro pra vcs, tem DOIS EPISÓDIOS INTEIROS sobre essa discussão de quem ele vai levar. Vocês querem me enlouquecer, só pode. Não tem outra explicação. Enquanto é, de fato, importante para o desenvolvimento da série e dos relacionamentos entre os personagens quem ele vai levar, isso poderia ter sido resolvido em meio episódio sendo generoso. Mas não, são DOIS EPISÓDIOS DISSO.

Mais uma vez: ELES. QUEREM. ME. ENLOUQUECER. Com efeito, eu tenho dificuldade de lembrar de alguma cena que dure menos que meio episódio, e frequentemente posso afirmar que podia ter sido feito em metade do tempo sem perder absolutamente nada. Olha caras, é legal que vocês queiram adaptar uma série de VINTE E OITO light novels, mas não precisava tentar fazer isso literalmente. Vamos aprender a cortar coisas, sim?

Enfim, Monogatari é estranho. E isso é bom, eu gosto de estranho, diabos, eu amo coisas estranhas!

QUE BOM QUE VOCÊ TEM AMOR PRÓPRIO, FICO FELIZ DE OUVIR ISSO

Okay, eu vi essa vindo de longo. Seja como for, meu ponto é que não existe outro anime como Monogatari. Monogatari é extremamente artístico e criativo e como uma série, ele leva a mídia para além da narrativa convencional e contém dialogos inteligentes que abordam temas em vários niveis de camadas.

- Araragi-kun, pq estamos andando assim?
- Pq deu certo para os Beatles


Com efeito, é o único anime que eu consigo lembrar que vc perde algo por não falar japonês já que o  jogo de palavras (tanto em sonoridade, como a respeito de como se estruturam a grafia dos kanjis) é uma parte extremamente importante da série. E como eu disse, a construção dos personagens e relacionamentos também é algo poucas vezes vistos em animes - os otakus adoram discutir quem é a Melhor Garota do anime, mas para ser honesto aqui todo mundo é a melhor garota. Exceto a Ougi, pro inferno com aquele buraco negro (literal mas principalmente metaforicamente) 

Em contrapartida, é um anime que exige muita, muita, MUITA paciencia do expectador - tanto com o ritmo arrastado quanto com a edição doida de dorgas. E suponho que a quantidade pouco cristão de ecchi e fanservice pode incomodar bastante gente, embora eu tenha que dizer que depois de tantos anos nessa indústria vital eu nem presto mais atenção nisso. 

Enfim, o ponto é que definitivamente não é recomendado para quem não está acostumado com os meandros desse mundo de animes e dificilmente para quem está - não digo isso de uma forma arrogante gatekeeping, mas porque vai ser chato mesmo. Eu assisto animes a trinta anos e patinei bonito pra ter esse tipo de paciencia, mas então, quanto menos você fizer as coisas como eu faço melhor indicador da sua saúde mental isso será. Tem isso também.
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