[GAMES] DEATH STRANDING (ou a Hideo Kojima review)

| quinta-feira, 21 de maio de 2020


Quando Sam Porter Bridges finalmente atravessa os Estados Unidos de ponta a ponta, das ruínas do que um dia fora Nova York (agora Capital Knot City) até os escombros de Los Angeles, eu senti que a jornada finalmente estava completa.

Não a dele, saiba você, porque esse sendo um jogo do Hideo Kojima obviamente que teria ainda algumas horas de dialogo pela frente e tal (Kojima tem muitas qualidades, ser conciso não é uma delas), Não, não era a jornada do personagem interpretado por Norman Reedus (e a palavra interpretado é um ponto importante aqui) que tinha chegado aonde precisava chegar. É a jornada dos videogames.

Nós conseguimos, caras. Nós realmente conseguimos, nós aguentamos durante todo esse tempo, passamos por muitas coisas dificeis que fariam muitos desistirem, mas nós perseveramos. E agora chegamos aonde precisavamos chegar. O objetivo foi atingido.

Se isso não é arte, não sei mais o que seria.
Death Stranding é uma obra de arte. E não no sentido que as pessoas usam, em arte como um elogio a algo que elas gostam, e sim no sentido real da palavra: é uma obra que foi feita com um proposito de transmitir uma mensagem através de simbolismo. "Arte" não quer dizer que algo é bonito, quer dizer que aquilo foi feito (intencionalmente ou não) para abordar um tema, para falar sobre o que artista quer falar.

A estátua do Davi, esculpida por Michaelangelo (o artista, não a tartaruga ninja) é arte.


O Davi é arte não porque é uma estatua muito bonita (o que é) ou deu trabalho para fazer (o que eu não consigo sequer conceber o quanto), mas porque é sobre o autor passando a sua mensagem do que ele entende ser a perfeição máxima do corpo humano. É o conceito que ele quer passar aqui, mais do que a pedra entalhada.

Nem toda arte é intencional, claro. Quando Ayrton Senna venceu o GP do Brasil em 1991 com o carro tendo apenas duas marchas funcionando (a primeira e a sexta), a parte hidraulica do carro quebrada (o que quer dizer que você tem que literalmente dar porrada no volante para fazer CADA curva) durante um literal temporal, aquilo foi arte. Essa corrida de Formula 1 em especial foi mais do que uma corrida de automoveis com lugar para apenas uma pessoa, foi um atestado do quanta vontade, dedicação e esforço um ser humano é capaz de colocar em algo que ele realmente, realmente quer muito. Quando Senna subiu no pódio no final daquela corrida, ele mal tinha forças para conseguir sequer erguer o troféu. 

Quantas vezes você já ficou fisicamente destruído dirigindo um carro? Pois é, foi o que eu pensei.

"Ai vou baixar isso aqui que tá doendo gente, peraí"

E estabelecer o que é arte é muito importante para falar de Death Stranding, porque não podemos falar disso sem falar de DS sem falar do seu diretor/produtor: Hideo Kojima. Kojima é, de forma geral, o mais perto que os videogames tem do Quentin Tarantino. Tanto pelo estilo narrativo (Kojima também adora cenas longas com muito dialogo, embora ele nem de perto escrava tão brilhantemente quanto seu par do cinema), quanto pela coisa de que cada obra sua é um grande amalgama de todas as experiencias de vida/artististicas que ele já teve no ramo.

Mas para realmente entender quem é realmente Hideo Kojima, é preciso voltar no tempo até o ano de 1997. 1997, o ano que mudou os videogames para sempre.

Veja, até então, até a era do Super Nintendo, videogames eram basicamente brinquedos. Você colocava um joguinho, se divertia (ou não), e isso era isso. As vezes jogos tinham uma inspiração em alguma coisa, mas essencialmente eram brinquedos glorificados.



Surge então o Playstation, e com ele uma nova era começa. Não por causa dos gráficos, mas por causa do que ele representava. As crianças que tinham ganho seu primeiro Nintendinho no natal de 1988 (a primeira geração de gamers, da qual eu posso dizer que estava lá desde o começo) haviam crescido e eram adolescentes agora. Eu era adolescente em 1997. E era inevitavel que adolescentes começassem a querer outras coisas dos videojogos do que apenas um briquedo divertido. Embora adolescentes não sejam adultos ainda, estão começando o processo para ser e os primeiros sinais de querer algo mais complexo nascem nessa fase - mesmo que ainda de forma bastante embrionária.

Existem três jogos em especial que considero os mais importantes do Playstation 1, três jogos que mudaram a própria forma que nós pensamos videogames.



O primeiro dessa lista é Resident Evil, produzido pela Capcom e dirigido por Shinji Mikami (o mesmo de Aladdin e Goof Troop do SNES, olha só). Apesar da arte de capa que até hoje eu não consigo entender o que diabos é isso, RE foi o primeiro jogo de terror que muita gente jogou.

Claro, hoje Resident Evil não é visto muito como terror e muito mais como uma carta de amor aos filmes B que são mais engraçados pela sua tosquice do que assustadores realmente. Mas o ponto não é esse, o ponto é que em 1997 foi o primeiro jogo a fazer o jogador sentir coisas. Nervosismo, apreensão, medo. Sentimentos profundamente humanos, e evocados devido a escolha de design deliberada.

Resident Evil não é (ou ao menos era na sua época) um jogo apreensivo porque é dificil, ele evoca esses sentimentos porque foi produzido para isso. A maioria dos gamers jamais havia sentido isso antes. 



Falando em sentimentos, não tem como não citar então o segundo jogo dessa sagrada tríade que mudou a história dos videojogos: Final Fantasy 7.

Se com Resident Evil os gamers nunca haviam experimentado horror antes (alguns jogos causavam horror antes disso, como Ecco The Dolphin ou Alone in the Dark, mas não pelos motivos que você gostaria), Final Fantasy 7 foi o primeiro jogo que fez os jogadores sentirem coisas.

Até o ano de nossa waifu de 1997, a imensa maioria dos gamers jamais havia sequer contemplado a possibilidade de chorar jogando um videogame. Quem chora se divertindo com os seus brinquedos, afinal? Final Fantasy 7 trás isso para a mesa. E muito mais. Você chora, você ri, você se apaixona pela primeira vez, você embarca em uma aventura épica maior do que a própria vida.

A Hideo Kojima Game

Não que já não houvessem RPGs antes, e não que não houvessem com boas histórias antes, mas a maioria dos RPGs era tão emocionalmente profundo quanto uma partida de D&D padrão. Você aprecia o sistema de combate, você aprecia a criatividade da história, mas meio que até onde vai. Alguns jogos chegavam a ir mais além por alguns momentos, Final Fantasy 6 tem cenas emocionalmente interessantes (eu não recordo de outro jogo antes onde uma personagem tenta se suicidar), e Earthbound claramente tem muito mais por trás da produção do que apenas o seu RPG padrão.

Mas nenhum jogo inteira e completamente havia abraçado essa experiencia do começo ao fim, e esse jogo é Final Fantasy 7. Um jogo para rir, um jogo para chorar, um jogo para se apaixonar muito antes da interset sequer existir como entendemos hoje e você já ter ouvido falar do conceito de waifu. 



O terceiro, mas não menos importe, dessa santissima trindade dos videojogos é justamente onde eu queria chegar: Metal Gear Solid. Dirigido por Hideo Kojima, Metal Gear Solid é o primeiro jogo ever que eu consigo lembrar que tenta ser uma obra de arte no sentido que eu entendo a palavra.

Quer dizer, na superficie MGS é um jogo de ação: um agente secreto chamado "Solid Snake" invade uma base miliar onde terroristas roubaram um tanque bípede capaz de disparar misseis nucleares (o tal "Metal Gear" do título). Tem lutas contra chefes, tem stealth, tem tiro, porrada e bomba.






É isso que Metal Gear Solid é, mas não é SOBRE isso que Metal Gear Solid. MGS é um jogo que lembra muito um filme muito importante da Marvel que não apenas salvou a franquia (que não ia lá essas coisas na época, pouca gente lembra disso) e elevou o jogo um patamar acima: Capitão América 2 - O Soldado Invernal.

Muito como aquele filme, Metal Gear Solid na verdade é um jogo sobre liberdades civis, sobre guerra, sobre a humanidade florescendo em um campo de batalha, sobre o que significa ser um soldado. Quando Quentin Tarantino quer abordar temas assim, ele isso com Kung Fu e nazistas pegando fogo, ele faz isso de uma forma divertida e cool. Da mesma maneira, Hideo Kojima aborda esses temas usando ciborgues, robos gigantes e moças parcamente vestidas.

Ele faz de uma forma cool, mas a mensagem não é menos séria e profunda por causa disso.



Não é por pouca coisa que Kojima acabou se tornando uma das grandes estrelas dos videogame, e não existe prova maior disso do que o fato que o argumento de venda desse jogo é que ele tem estampado "a Hideo Kojima game" no seu marketing. Alguns diretores transcendem suas obras e são a principal atração do filme: você assiste um filme do Tarantino porque ele é um filme do Tarantino, tanto faz sobre o que seja a pelicula. O mesmo se aplica a alguns poucos nomes selecionados: Martin Scorcese, Woody Allen, Steven Spielberg e Christopher Nolan vendem ingressos pelo peso dos seus nomes - o filme em si é um fator menor nessa equação.

Videogames não tem muito essa cultura do "diretor", jogos não vendem muito por quem fez eles e sim pelo que eles são. Claro, dizer que um jogo foi feito por Shigeru Miyamoto é tudo que eu realmente preciso saber sobre um jogo, e quando David Cage (Heavy Rain, Detroit: Become Human) está envolvido em um jogo eu meio que já sei o que esperar dele. Mas não vai muito para além disso.

Kojima é uma das nossas raras estrelas individuais. E Death Stranding é "a Hideo Kojima game" até o osso. Mas o que isso significa?

Significa ser encoxado pelo Guillermo Del Toro no chuveiro, é isso que significa!

Uma história popular que rola por aí, é que antes de ser um diretor famoso Quentin Tarantino trabalhava em uma videolocadora e passava a tarde assistindo filmes que ficavam passando na TV (locadoras faziam isso). Especialmente filmes de kung fu, blaxploitation e terror B. Quando você assiste um filme dele, você consegue entender o amalgama que formou a sua persona artistica - não por acaso os filmes dele tem muito de cinema trash, blaxploitation e kung fu - aliados ao tema que ele quer falar.

Nesse sentido, eu considero que "Era uma vez em Hollywood" é sua mais ambiciosa obra porque ele junta tudo isso para passar uma mensagem que não é todo mundo que vai pegar o ponto - especialmente se você não manja tanto assim da história cultural americana dos anos 70. Death Stranding é bastante o "Era uma vez em Hollywood" de Hideo Kojima: é um jogo único, que é um amalgama de coisas que formaram a sua persona artistica. E, tal qual EUVEH, não é um jogo para todo mundo.


Arte não é e nunca tentou ser para todos (existe um publico bem seleto para filmes de quatro hora sem dialogos em preto e branco sobre um cavalo na chuva), e Death Strading não é um jogo para todos. Como Era uma Vez em Hollywood não é um filme para todos. Como A Canção do Silêncio não é um livro para todos.

Mas o que É Death Stranding, afinal?



Hm... muitas coisas. Muitas mesmo. Ele é partes Tomb Raider, partes Shadow of the Colossus, partes Metal Gear, partes Alien o 8o passageiro, partes Apocalypse Now, partes Silent Hill. Death Stranding é a soma de muitas partes, fazendo um todo maior ainda.

Mas vamos começar pelo começo: em algum ponto futuro da história da humanidade, aconteceu um evento chamado de "Death Stranding", que significa literalmente isso: a morte encalhou. As pessoas que morriam não iam para o outro mundo, suas almas ficam "stranded" entre os dois mundos. Esse semiplano que é parte aqui parte o lado de lá ao mesmo tempo é chamado de "a praia"

Death Stranding é sobre um futuro pós-apocalíptico onde a banda coreana BTS destruiu os Estados Unidos e transformou suas fãs em espíritos que infestam a Terra

Não apenas ter um mundo abarrotado de fantasmas "encalhados" já não é ruim o suficiente, fica pior que isso: como a energia vital da alma não vai para onde ela deveria ir, mas também não pode ficar no corpo que morreu, acontece que todos que morrem ou viram fantasmas (chamados de Beached Things, ou BTs) ou simplesmente... explodem. E quando eu digo "explodem", eu quero dizer nível anitmatéria de explosão. 

Com efeito, esse é o atual mapa dos Estados Unidos:


Se tá vendo todas esses circulos brancos e pontinho no mapa? São CRATERAS. Quando uma pessoa morre e o seu corpo não é adequadamente cremado a tempo, ou ela se transforma em um BT, ou ela explode. O que pode matar outras pessoas. O que gera um efeito reação em cadeia que varreu cidades inteiras do mapa de uma vez só.

Assim sendo, não é dificil imaginar que a sociedade foi pro vinagre e as pessoas que sobreviveram vivem o mais afastadas que podem umas das outras. E, por nenhuma coincidencia, esse é justamente o tema do jogo: reconexão. Seu personagem, Sam Porter Bridgers, é um courrier que acaba entrando em uma missão maior de reconectar o país novamente através da Chiral Network.

Senhor, já fez o seu cartão Renner? Volta aqui senhor!

A Chiral Network é um tipo de internet que envia dados atrás da Praia com uma vantagem que tem inumeras aplicações práticas: não existem "tempo" na praia. Digamos que um computador ultrapoderoso precise de 5 anos para fazer um calculo muito, muito, muito complicado. Se você processar esses dados através da Praia, onde o tempo não existe, você recebe a resposta imediatamente. Agora imagine que todas as pessoas do mundo tem acesso a isso.

Claro, você pode se perguntar se mexer com essas coisas, ficar futucando com a Praia não foi o que deu merda e causou o Death Strading em primeiro lugar. A resposta é que sim. Mas também não. É isso,  mas ao mesmo tempo é bem, bem mais complicado que isso.

Agora, você pode estar se perguntando como, exatamente, um entregador (chamados de "porters" aqui) consegue andar por aí em um mundo abarrotado de fantasmas que te farão em pedaços se você chegar perto deles. A resposta é... bem...



BTs são coisas que não são desse mundo, que estão apenas parcialmente aqui. Para detecta-los, para sentir a presença deles você precisa se conectar a alguma coisa parecida, algo que ainda não está totalmente nesse mundo ainda. Mas o que poderia ser isso?

Super easy, barely an inconvenience! Veja, se BTs são almas que estavam "saindo" desse mundo e ficaram encalhadas no meio do caminho, o que seria o contrário? Uma alma que estava "chegando" nesse mundo e ficou encalhada no meio do caminho.

Ou seja, em outras palavras...


Para poder sentir BTs, você tem que conectar a um feto - que nada mais é do que um humano artificialmente "stranded" no meio do caminho enquanto chegava a esse mundo. Eu vou dar um tempo para você absorver essas palavras.

Você e seu Bridge Baby (BB, para os íntimos) tem muitos desafios ao sair por aí fazendo entregas com o objetivo de unificar todos na grande nação das Cidades Unidas da América, bem além de ocasionais zonas de BTs. Existem saqueadores, existem terroristas que abertamente se opõe a ideia de um país unificado na Chiral Network novamente, e você não pode matar ninguém porque aquela região pode se tornar uma região de BTs ou mesmo ocorrer um voidout (quando o corpo explode). Nem todos os inimigos no caminho compartilham da sua visão de não piorar mais as coisas e mandam bala de volta.




E como se tudo isso não fosse suficiente, existe chuva. Acredite ou não, a chuva é uma das suas maiores inimigas aqui já que a chuva de alguma forma está conectada a Praia e por isso o que chove é tempo (um fenomeno conhecido como Timefall). Quero dizer, literalmente: as coisas deterioram se ficarem na chuva. Carros enferrujam anos em apenas alguns minutos, o mesmo para as pessoas, e o pior disso tudo: os containers que você leva sua carga também deterioram na chuva rapidamente. Para piorar mais ainda, BTs só aparecem em regiões que está chovendo e você não pode correr perto de BTs. Você tem que andar bem devagar e de preferencia segurar o seu folego - que, como dá para imaginar, não é algo que possa ser feito indefinidamente.

Como dá para ver, não é uma vida na fácil.

Porém, de todos os desafios que Sam tem para fazer a América grande novamente, nenhum é maior do que o próprio mundo. Se você já viu alguma imagem desse jogo, está familiarizado com a imagem da pilha de caixas nas costas. O que você não sabe é que essa pilha de caixas tem peso e fisica próprias, então a forma que você dispõe elas importa muito. Com efeito, quando você não está segurando uma arma, existme apenas três botões nesse jogo: pular, segurar a a alça de carga da direita e segurar a alça da esquerda - assim você pode ir juggleando o peso das caixas.


Claro que o ideal é não andar por aí sobrecarregado até o toba, mas vezes isso não é uma opção. Não existe tempo, ou apenas você não tem tempo suficiente ou as vezes (mais frequentemente) você não tem saco para fazer duas viagens. E porque isso importa tanto? Porque o cenário é o grande elemento de level design desse jogo.

Existem colinas, existem crateras, campos, montanhas, rios, ravinas, barrancos e todas sorte de acidente geográfico que atrapalha suas entregas. Mesmo que você consiga um carro (e conseguir o seu primeiro é um grande marco na vida desse jogo), o cenário é hediondo apenas para brincar de Euro Truck Simulator. E com BT’s, terroristas, saqueadores, Timefall e o diabo a quatro, não é um passeio no parque porque você vai estar atulhado de entregas que tem seu próprio peso, e você ainda está carregando um feto em uma jarra. Quedas não apenas danificam sua carga, como fazem o BB chorar (o que é irritante) e estressam ele. Se o BB ficar estressado demais, ele para de funcionar e aí é ferro na sua bunda pra detectar BTs. Não enlouqueça demais escalando e pulando e sei lá mais o que porque vai dar ruim.

Ufa, parece uma quantidade incomensuravelmente grande de trabalho para um jogo, não é?




Sim, é. Para piorar, as interfaces desse jogo são miseravelmente burocraticas. Cada tela para pegar e entregar itens tem duas ou três telas de burocracia, os NPCs tem cutscenes impulaveis toda vez que você fala com eles e suas recompensas são... questionaveis, na melhor das hipoteses. Quer dizer, fazer boas entregas te dá likes que funcionam como o tipo do XP do jogo mas que não fazem muita coisa por si só. Death Stranding é uma experiencia miseravel, burocratica e sofrida de ser jogada. 

O jogo quer que você desista dele e vá fazer outra coisa da sua vida. Uma que não envolva tentar escalar um barranco com 200 kg de caixas nas costas e um feto chorando no seu controle (sim, o som do BB sai do joystick). Mais de uma vez eu tapei o controle com um pano apenas para não ouvir o desgraçado chorando - o que faria de mim um pai modelo na vida real, olha só.


Just me and my boy chilling out

O ponto é: Death Stranding não é dificil, é exaustivo. Tudo é longe, nada é fácil, nada é simples, e você se questiona porque diabos você está fazendo aquela merda toda tanto quanto Sam se pergunta porque ele realmente está tentando fazer alguma coisa e se a América merece realmente ser salva. Quer dizer, não é apenas melhor para cada um ficar no seu canto e deu?

As mecanicas do jogo faz um trabalho excelente de colocar você e Sam na mesma página em relação de sentimentos, e faz um trabalho tão bom quanto em fazer você desistir dele. Apenas não vale o trabalho.


Mas se você não desistir, e ninguém vai te condenar por isso, algo inacreditavel acontece. Conforme você vai fazendo entregas, você vai ganhando conexão com os NPCs. Você deixa de ser apenas um vagabundo que parece ter saído do Walking Dead para alguém com quem eles podem contar quando precisarem de alguma coisa. E, gradualmente, você passa a poder contar com eles também. Eles compartilham seus esquemas de gadjets que tornam sua vida mais fácil, e até mesmo deixam você descansar na casa deles em um ponto. Aumentar sua conexão com os NPCs fazendo entregas também melhora os seus atributos, que te permitem levar mais peso, manobrar melhor, o BB aguentar mais coisas e várias outras pequenas melhorias de vida indispensáveis.

Sério, quando você está com todas suas caixas fodidas, o BB a um ponto de desligar, sua estamina tão baixa que tomar todo Monster Energy Drink do mundo não vai mais te fazer conseguir sequer correr, você está andando no meio da neve e sem saber como contornar a montanha, seus suprimentos de escalada (escadas portateis e rapeis) acabaram, quando você está fodido desse jeito não tem como não se emocionar quando um NPC deixa você usar a casa dele para passar a noite, arrumar suas coisas, tomar um banho e se reestocar com alguns itens.




E é então que, após passar por mais de uma situação assim, você entende realmente o ponto do jogo. Onde Kojima queria chegar com essa coisa toda: sozinhos, nossa vida é miseravel. Insuportavel, é apenas desgraça e dor. Mas se nós nos ajudarmos, se nós apenas formos não-cuzões uns com os outros, a coisa flui. Você não vai chegar a lugar nenhum em Death Stranding enquanto tentar vencer o mundo dando cabeçadas, mas quando você se conecta com as pessoas, a coisa vai que vai quicando.

Cutscenes podem ser puladas quando você tem afinidade com o NPC, e os gadjets que eles te ensinam a fazer transformam sua vida de andar por aí com o cu na mão por causa de BTs e saqueadores, para “i can do this, they got my back”. Death Stranding deixa de ser sofrivel quando você se conecta e esse é todo o ponto aqui. Usar as mecanicas dessa forma para passar a sua mensagem é algo lindo, que só pode ser feito em um videojogo, tanto quanto é arriscado. É incomodo para o jogador, é desagradavel.

A arte frequentemente é incomoda e desagradavel.




E então a história avança e você precisa ir para uma nova região onde ninguém te conhece, mas não é um sofrimento. É mais um “as coisas estão dificeis agora, mas nós vamos fazer dar certo pra todo mundo”.

Tivesse parado nesse ponto, Death Stranding já seria de uma ousadia incrível. Só que o jogo vai além em construir o sentido de pertencer a uma comunidade. Quer dizer, ajudar NPCs é legal e tudo mais, mas que tal ajudar outros jogadores como você e ser ajudado de volta? E é aqui que entra toda genialidade do multiplayer desse jogo.




Durante o jogo você encontra cargas largadas por aí que não são partes de missões especificas, mas dão likes se forem entregues a pessoa certa. O problema é que as vezes são entregas para pessoas em regiões que você não está indo para aqueles lados, então o que você faz? Simples, cada settlement tem uma pasta compartilhada onde você pode deixar coisas, e pegar coisas. Estou indo para aqueles lados, sempre é bom checar se ninguém deixou nada para ser entregue naquela região. Não apenas itens de quest, mas as vezes você encontra armas, equipamento, materiais de construção que você não vai precisar agora - e como seu peso e espaço de inventario é algo que você sempre vai estar controlando, não dá para estocar itens. E se você não vai usar, porque não doar o que você não está usando?

Certamente outros farão o mesmo e mais de uma vez eu tive meu rabo salvo porque outros compartilharam itens que eu desesperadamente precisava. Mas na maior parte do tempo eu doava coisas apenas porque... bem, porque não? Os itens que você coleta no mundo não são tão pesados ou ocupam tanto espaço assim, e é fácil junta-los. Não custa nada realmente. Mesmo que eu não ganhe nada com isso diretamente, porque não ajudar alguém que é uma pessoa como eu?

Sozinhos, o mundo é miseravel. Juntos, nós somos fortes.




A obra prima desse sistema de multiplayer assincrono no entretanto são as estradas. Construir uma estrada é algo proibitivamente caro e você vai levar muito, muito tempo farmando recursos para fazer aquilo sozinho. Felizmente as construções são compartilhadas no servidor, então as doações de materiais dos outros contam para você e vice versa. E juntos nós fazemos estradas, que tornam a navegação naquele mundo de algo doloroso e sofrido para um passeio agradavel de domingo.

No final do jogo, quando você já tem todas as estradas construidas, trilhas de ziplines estabelecidas (que você colocou ou está usando o que alguém no servidor fez), a paisagem é bastante diferente, a sua experiencia no jogo é bastante diferente. O jogo é sobre Sam ajudando a reconstruir um país, e essa é exatamente essa a sensação que você tem desse jogo: nós construimos alguma coisa aqui, caras, e a vida é bem melhor para todos nós agora. Não eu, nós. E se um jogo que te faz sentir isso não é uma obra de arte, então puta merda vai se foder Osvaldo porque eu não sei mais o que seria.

Então esse é Death Stranding conceitualmente, como experiencia, como arte. Mas como ele é enquanto jogo? E quanto ao gameplay?




Nesse aspecto, DS faz algumas coisas para manter o jogo interessante. Jogabilisticamente, o jogo lembra muito Tomb Raider. Não o reboot, que é um jogo de ação em mundo de aberto, mas os primeiros do PS1. Embora Tomb Raider tivesse sequencias de tiro, chefes e essa porra toda, não é sobre isso que o jogo realmente era. Era mais um puzzle de exploração e por isso eu quero dizer que o ponto do jogo era frequentemnte sobre largar o controle no colo, coçar o queixo e se perguntar “como diabos eu chego lá?”.

Death Stranding é uma versão moderna disso, basicamente. Você tem sequencias de ação e eventualmente até armas (letais ou não letais, a sua escolha), e existem até mesmo batalhas de chefes na forma de grandes BTs que ocupam a tela inteira. Mas o jogo não é sobre isso, isso é uma parte do jogo e não o seu elemento definidor. O grande cerne do jogo é sobre exploração realmente, é sobre colocar a mão no queixo e se perguntar como caralhinhos voadores na parede do banheiro você chega lá.

Já assisti Re: Zero o suficiente para saber que isso não termina bem


Aqui é que entra uma grande sacada do Kojima: quando você explora uma area pela primeira vez, é só você e seu feto contra o mundo. Se equipe o melhor que puder e vamo que vamo quicando. Mas depois que você já fez o caminho uma vez, essa area é conectada a Chiral Network e você pode ver o legado dos outros jogadores. Construções que eles fizeram que facilita muito as coisas, marcações de caminho (é possível deixar sinais no chaõ para os outros bem ao estilo Dark Souls). Assim o jogo não se torna cansativo.

Você passar por uma area apertada atulhada de BTs com o cu na mão uma vez é uma coisa, fazer isso pela décima quinta vez seria apenas um saco. Com uma pequena ajuda dos seus amigos você consegue. E quando você junta todas essas coisas, você tem um jogo que não é inédito em nenhum aspecto, mas único no todo. Nada que está ali você já não viu em outros lugares e, ainda sim, você nunca viu um jogo como Death Stranding.

Como um filme do Tarantino é um amalgama único de várias coisas que você pode mais ou menos identificar de onde vieram as partes, assim é esse jogo.


A waifu que o senhor encomendou já tá chegando, calma senhor!

Não é absurdo alegar que esse é o jogo mais ambicioso jamais produzido. Não tanto pelo tamanho do seu mundo, a qualidade dos gráficos ou as cenas de ação - coisas que normalmente são o que importam em videogames - mas pela quantidade de coisas complexas que ele tenta fazer ao mesmo tempo. Tão complexas e tão user friendly inicialmente apenas alguém como Kojima tem cacife para matar no peito uma empreitada desse tamanho - se quase qualquer outro no mundo propusesse um jogo como esse, jamais passaria do pitch meeting.

Tanta ambição não vem sem um preço, entretanto, e o ponto onde essa relação é mais estressada é na narrativa. Kojima sempre foi verborragico e dada a oportunidade ele faz cutscenes de meia hora de dialogo. Infelizmente, frequentemente essa meia hora de dialogo poderia ter sido cortada para dez minutos.




Até este ponto, Kojima sempre foi empregado. Ele era o diretor dos seus jogos quando ele trabalhava para a Konami, mas não o produtor. Isso quer dizer que ele tinha que prestar contas a alguém, que alguém acima dele podia botar a mão no seu ombro e dizer “Menos, Hideo, menos”. Agora que ele está fazendo seus próprios jogos na sua própria empresa, ele é o produtor dos seus próprios jogos e não tem mais essa limitação.

Se a narrativa do Kojima sempre foi convoluted (sei la como se diz isso em português) mas contida, agora ele perdeu qualquer filtro que o detinha. Isso quer dizer que até 3/4 do jogo eu não tinha muita noção do que foi o tal do Death Stranding exceto que envolvia BTs, BBs, Voidouts e Timefall. Não que eu tivesse certeza do que são essas coisas também até muito para frente. Sério, as primeiras horas desse jogo são muito papo de maluco com os personagens vomitando termos que você não faz ideia do que significam como se fosse a coisa mais natural do mundo.





Olha, eu entendo. Ninguém quer um filme do Christopher Nolan onde a coisa é tão mal escrita que os personagens ficam explicando coisas para o publico que os personagens deveriam ter internalizadas e não precisariam falar em voz alta (em Interestelar, por exemplo, astronautas ficam explicando uns para os outros conceitos basicos de fisica que eles já sabem de cor e salteado). Ok, isso é lame e não deve ser feito. Eu entendo que não existe razão para as pessoas daquele mundo explicarem os temos, quando digo “Revolução Francesa” eu assumo que o meu ouvinte sabe do que eu estou falando e não passo os próximos 25 minutos explicando a história da França como se ele fosse um alien inteiramente novo naquilo. Eu entendo isso, de verdade.

Mas o oposto também não é assim que funciona. Não precisa imbecilizar as explicações, mas me ajuda a te ajudar, Kojimão. Eu sei que não é fácil, mas você está apostando em coisas ambiciosas demais para aceitar a desculpa de que é dificl. E quando você esta mais ou menos graspeando a situação, quando você está mais ou menos começando a entender o que foi o Death Stranding, a coisa de reconectar a América na verdade se revela como um pedaço de um plano maior envolvendo o evento de extinção na vida na Terra, chamado de Last Stranding e uma nova torrente de expressões que não significam absolutamente nada para você chovem na sua cabeça.

Menos, Hideo, bem menos.

Você sabe que exagerou nas suas merdas quando até o Guillermo Del Toro fica tipo "uat?!"


Só que enquanto o macro da história tem criatividade até demais (o argumento foi escrito junto com ninguem menos que o seu parça Guillermo Del Toro) e meio que tropeça na ambição de tanta coisa que tenta fazer ao mesmo tempo, o que carrega realmente a história é o micro. Isso porque enquanto o Norman Reedus é um cara cool, mas meio limitado como ator, o mesmo não pode ser dito de Mad sMikkelsen que entrega a melhor atuação que eu já vi em um videogame.

Eu já sabia que o Mads havia ganho o Video Game Award por melhor atuação em um jogo esse ano, mas puta merda eu não estava preparado para que essa fosse uma das melhores atuações que eu já na minha vida. Durante o jogo, nas telas de loading, Sam tem essa estranha conexão com o BB e parece ver as coisas que ele via dentro do seu jarro antes de ser um detector de BTs rodando para cima e para baixo.

Você sabe que a coisa tá dificil pra você quando você nem nasceu e seu pai já parece desapontado com vc

E o que ele via era o seu pai cuidando dele (tanto quanto um feto num vidro precisa ser cuidado) e da mãe dele que esta em coma. São cenas absolutamente brilhantemente lindas, com o pai dele fazendo planos para “quando tudo isso acabasse” e ele pudesse vir para o mundo. As cenas são tornadas mais belas ainda pelo fato que você sabe como isso termina: o fato que o BB está preso no seu peito chorando e não com o pai dele sendo uma criança signfica que algo errado não deu certo aí.

Aqui e acolá Sam é sugado por tornados em tempestades de Timefall, e vai parar em Praias onde enfrenta o pai do BB como chefe, sendo que ele apenas quer o seu BB de volta. Infelizmente ele quer o BB no sentido “fantasma obsessivo do Supernatural” e não “ok, podemos sentar e conversa sobre isso”. E a atuação do Mads Mikkelsen é tão boa, tão genuina, tão entregue ao que aquele personagem sente que não tem como você não apenas querer saber mais, mas se importar com o destino daquela familia.



E, quando finalmente você descobre toda a história daquele homem e do que aconteceu com a familia dele, é de uma catarse emocional tão grande e tão poderosa que carrega o final do jogo sozinho nas costas. 

Sério, eu não comprei tanto assim a coisa ambiciosa do evento de extinção em massa vindouro que deve ser impedido e blablabla, mas a história trágica desse homem e seu BB me fez chorar. Fucking beautiful. Como eu disse, uma das melhores atuações que eu já na minha vida em qualquer midia, nível Mahershala Ali de épico.




Desculpe Joel, eu sempre te admirarei por tudo que você fez, mas tenho que passar o posto de melhor atuação em um jogo adiante. O que é ironico, porque o próprio Troy Baker está nesse jogo e ele esmerilha no papel como de costume. Mas perto da atuação do Mads Mikkelsen, você pode quase nem perceber isso.


Não é apenas dele, todos os principais NPCs tem suas micro histórias desenvolvidas usando as premissas desse mundo pós apocaliptico de formas que você apenas pensa "uau, a cabeça do Kojima é um lugar muito, muito perturbador" - especialmente a história da Mama e o Heartman. E sim, o Kojima não é muito adepto de sutilezas para nomear personagens.

Como eu disse, enquanto o macro da história poderia ter sido melhor editado, nos individuos toda a criatividade de um dos jogos mais estranhos de todos os tempos brilha em seu máximo poder.



Enfim, isso é o que eu queria dizer sobre Death Stranding. Um jogo completamente único, artisticamente ambicioso como nenhum outro na história dos videogames e uma experiencia que mexe com quem a experiementa. Isso não vem sem um preço, claro, e o jogo é muito, muito pouco acessível. Definitivamente esse não é um jogo para todos, como a arte não é para todos, mas uma experiencia de vida videogamistica aos que encararem a jornada.

Não é perfeito em tudo que tenta fazer, mas também se fosse não seria Death Stranding e sim The Witcher 3. Ainda sim, Death Stranding é uma obra de arte com todas as letras.



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