Onde a magia acontece

[GAMES] DEATH STRANDING (ou a Hideo Kojima review)

| quinta-feira, 21 de maio de 2020
... TO BE CONTINUED »


Quando Sam Porter Bridges finalmente atravessa os Estados Unidos de ponta a ponta, das ruínas do que um dia fora Nova York (agora Capital Knot City) até os escombros de Los Angeles, eu senti que a jornada finalmente estava completa.

Não a dele, saiba você, porque esse sendo um jogo do Hideo Kojima obviamente que teria ainda algumas horas de dialogo pela frente e tal (Kojima tem muitas qualidades, ser conciso não é uma delas), Não, não era a jornada do personagem interpretado por Norman Reedus (e a palavra interpretado é um ponto importante aqui) que tinha chegado aonde precisava chegar. É a jornada dos videogames.

Nós conseguimos, caras. Nós realmente conseguimos, nós aguentamos durante todo esse tempo, passamos por muitas coisas dificeis que fariam muitos desistirem, mas nós perseveramos. E agora chegamos aonde precisavamos chegar. O objetivo foi atingido.

Se isso não é arte, não sei mais o que seria.
Death Stranding é uma obra de arte. E não no sentido que as pessoas usam, em arte como um elogio a algo que elas gostam, e sim no sentido real da palavra: é uma obra que foi feita com um proposito de transmitir uma mensagem através de simbolismo. "Arte" não quer dizer que algo é bonito, quer dizer que aquilo foi feito (intencionalmente ou não) para abordar um tema, para falar sobre o que artista quer falar.

A estátua do Davi, esculpida por Michaelangelo (o artista, não a tartaruga ninja) é arte.


O Davi é arte não porque é uma estatua muito bonita (o que é) ou deu trabalho para fazer (o que eu não consigo sequer conceber o quanto), mas porque é sobre o autor passando a sua mensagem do que ele entende ser a perfeição máxima do corpo humano. É o conceito que ele quer passar aqui, mais do que a pedra entalhada.

Nem toda arte é intencional, claro. Quando Ayrton Senna venceu o GP do Brasil em 1991 com o carro tendo apenas duas marchas funcionando (a primeira e a sexta), a parte hidraulica do carro quebrada (o que quer dizer que você tem que literalmente dar porrada no volante para fazer CADA curva) durante um literal temporal, aquilo foi arte. Essa corrida de Formula 1 em especial foi mais do que uma corrida de automoveis com lugar para apenas uma pessoa, foi um atestado do quanta vontade, dedicação e esforço um ser humano é capaz de colocar em algo que ele realmente, realmente quer muito. Quando Senna subiu no pódio no final daquela corrida, ele mal tinha forças para conseguir sequer erguer o troféu. 

Quantas vezes você já ficou fisicamente destruído dirigindo um carro? Pois é, foi o que eu pensei.

"Ai vou baixar isso aqui que tá doendo gente, peraí"

E estabelecer o que é arte é muito importante para falar de Death Stranding, porque não podemos falar disso sem falar de DS sem falar do seu diretor/produtor: Hideo Kojima. Kojima é, de forma geral, o mais perto que os videogames tem do Quentin Tarantino. Tanto pelo estilo narrativo (Kojima também adora cenas longas com muito dialogo, embora ele nem de perto escrava tão brilhantemente quanto seu par do cinema), quanto pela coisa de que cada obra sua é um grande amalgama de todas as experiencias de vida/artististicas que ele já teve no ramo.

Mas para realmente entender quem é realmente Hideo Kojima, é preciso voltar no tempo até o ano de 1997. 1997, o ano que mudou os videogames para sempre.

Veja, até então, até a era do Super Nintendo, videogames eram basicamente brinquedos. Você colocava um joguinho, se divertia (ou não), e isso era isso. As vezes jogos tinham uma inspiração em alguma coisa, mas essencialmente eram brinquedos glorificados.



Surge então o Playstation, e com ele uma nova era começa. Não por causa dos gráficos, mas por causa do que ele representava. As crianças que tinham ganho seu primeiro Nintendinho no natal de 1988 (a primeira geração de gamers, da qual eu posso dizer que estava lá desde o começo) haviam crescido e eram adolescentes agora. Eu era adolescente em 1997. E era inevitavel que adolescentes começassem a querer outras coisas dos videojogos do que apenas um briquedo divertido. Embora adolescentes não sejam adultos ainda, estão começando o processo para ser e os primeiros sinais de querer algo mais complexo nascem nessa fase - mesmo que ainda de forma bastante embrionária.

Existem três jogos em especial que considero os mais importantes do Playstation 1, três jogos que mudaram a própria forma que nós pensamos videogames.



O primeiro dessa lista é Resident Evil, produzido pela Capcom e dirigido por Shinji Mikami (o mesmo de Aladdin e Goof Troop do SNES, olha só). Apesar da arte de capa que até hoje eu não consigo entender o que diabos é isso, RE foi o primeiro jogo de terror que muita gente jogou.

Claro, hoje Resident Evil não é visto muito como terror e muito mais como uma carta de amor aos filmes B que são mais engraçados pela sua tosquice do que assustadores realmente. Mas o ponto não é esse, o ponto é que em 1997 foi o primeiro jogo a fazer o jogador sentir coisas. Nervosismo, apreensão, medo. Sentimentos profundamente humanos, e evocados devido a escolha de design deliberada.

Resident Evil não é (ou ao menos era na sua época) um jogo apreensivo porque é dificil, ele evoca esses sentimentos porque foi produzido para isso. A maioria dos gamers jamais havia sentido isso antes. 



Falando em sentimentos, não tem como não citar então o segundo jogo dessa sagrada tríade que mudou a história dos videojogos: Final Fantasy 7.

Se com Resident Evil os gamers nunca haviam experimentado horror antes (alguns jogos causavam horror antes disso, como Ecco The Dolphin ou Alone in the Dark, mas não pelos motivos que você gostaria), Final Fantasy 7 foi o primeiro jogo que fez os jogadores sentirem coisas.

Até o ano de nossa waifu de 1997, a imensa maioria dos gamers jamais havia sequer contemplado a possibilidade de chorar jogando um videogame. Quem chora se divertindo com os seus brinquedos, afinal? Final Fantasy 7 trás isso para a mesa. E muito mais. Você chora, você ri, você se apaixona pela primeira vez, você embarca em uma aventura épica maior do que a própria vida.

A Hideo Kojima Game

Não que já não houvessem RPGs antes, e não que não houvessem com boas histórias antes, mas a maioria dos RPGs era tão emocionalmente profundo quanto uma partida de D&D padrão. Você aprecia o sistema de combate, você aprecia a criatividade da história, mas meio que até onde vai. Alguns jogos chegavam a ir mais além por alguns momentos, Final Fantasy 6 tem cenas emocionalmente interessantes (eu não recordo de outro jogo antes onde uma personagem tenta se suicidar), e Earthbound claramente tem muito mais por trás da produção do que apenas o seu RPG padrão.

Mas nenhum jogo inteira e completamente havia abraçado essa experiencia do começo ao fim, e esse jogo é Final Fantasy 7. Um jogo para rir, um jogo para chorar, um jogo para se apaixonar muito antes da interset sequer existir como entendemos hoje e você já ter ouvido falar do conceito de waifu. 



O terceiro, mas não menos importe, dessa santissima trindade dos videojogos é justamente onde eu queria chegar: Metal Gear Solid. Dirigido por Hideo Kojima, Metal Gear Solid é o primeiro jogo ever que eu consigo lembrar que tenta ser uma obra de arte no sentido que eu entendo a palavra.

Quer dizer, na superficie MGS é um jogo de ação: um agente secreto chamado "Solid Snake" invade uma base miliar onde terroristas roubaram um tanque bípede capaz de disparar misseis nucleares (o tal "Metal Gear" do título). Tem lutas contra chefes, tem stealth, tem tiro, porrada e bomba.






É isso que Metal Gear Solid é, mas não é SOBRE isso que Metal Gear Solid. MGS é um jogo que lembra muito um filme muito importante da Marvel que não apenas salvou a franquia (que não ia lá essas coisas na época, pouca gente lembra disso) e elevou o jogo um patamar acima: Capitão América 2 - O Soldado Invernal.

Muito como aquele filme, Metal Gear Solid na verdade é um jogo sobre liberdades civis, sobre guerra, sobre a humanidade florescendo em um campo de batalha, sobre o que significa ser um soldado. Quando Quentin Tarantino quer abordar temas assim, ele isso com Kung Fu e nazistas pegando fogo, ele faz isso de uma forma divertida e cool. Da mesma maneira, Hideo Kojima aborda esses temas usando ciborgues, robos gigantes e moças parcamente vestidas.

Ele faz de uma forma cool, mas a mensagem não é menos séria e profunda por causa disso.



Não é por pouca coisa que Kojima acabou se tornando uma das grandes estrelas dos videogame, e não existe prova maior disso do que o fato que o argumento de venda desse jogo é que ele tem estampado "a Hideo Kojima game" no seu marketing. Alguns diretores transcendem suas obras e são a principal atração do filme: você assiste um filme do Tarantino porque ele é um filme do Tarantino, tanto faz sobre o que seja a pelicula. O mesmo se aplica a alguns poucos nomes selecionados: Martin Scorcese, Woody Allen, Steven Spielberg e Christopher Nolan vendem ingressos pelo peso dos seus nomes - o filme em si é um fator menor nessa equação.

Videogames não tem muito essa cultura do "diretor", jogos não vendem muito por quem fez eles e sim pelo que eles são. Claro, dizer que um jogo foi feito por Shigeru Miyamoto é tudo que eu realmente preciso saber sobre um jogo, e quando David Cage (Heavy Rain, Detroit: Become Human) está envolvido em um jogo eu meio que já sei o que esperar dele. Mas não vai muito para além disso.

Kojima é uma das nossas raras estrelas individuais. E Death Stranding é "a Hideo Kojima game" até o osso. Mas o que isso significa?

Significa ser encoxado pelo Guillermo Del Toro no chuveiro, é isso que significa!

Uma história popular que rola por aí, é que antes de ser um diretor famoso Quentin Tarantino trabalhava em uma videolocadora e passava a tarde assistindo filmes que ficavam passando na TV (locadoras faziam isso). Especialmente filmes de kung fu, blaxploitation e terror B. Quando você assiste um filme dele, você consegue entender o amalgama que formou a sua persona artistica - não por acaso os filmes dele tem muito de cinema trash, blaxploitation e kung fu - aliados ao tema que ele quer falar.

Nesse sentido, eu considero que "Era uma vez em Hollywood" é sua mais ambiciosa obra porque ele junta tudo isso para passar uma mensagem que não é todo mundo que vai pegar o ponto - especialmente se você não manja tanto assim da história cultural americana dos anos 70. Death Stranding é bastante o "Era uma vez em Hollywood" de Hideo Kojima: é um jogo único, que é um amalgama de coisas que formaram a sua persona artistica. E, tal qual EUVEH, não é um jogo para todo mundo.


Arte não é e nunca tentou ser para todos (existe um publico bem seleto para filmes de quatro hora sem dialogos em preto e branco sobre um cavalo na chuva), e Death Strading não é um jogo para todos. Como Era uma Vez em Hollywood não é um filme para todos. Como A Canção do Silêncio não é um livro para todos.

Mas o que É Death Stranding, afinal?



Hm... muitas coisas. Muitas mesmo. Ele é partes Tomb Raider, partes Shadow of the Colossus, partes Metal Gear, partes Alien o 8o passageiro, partes Apocalypse Now, partes Silent Hill. Death Stranding é a soma de muitas partes, fazendo um todo maior ainda.

Mas vamos começar pelo começo: em algum ponto futuro da história da humanidade, aconteceu um evento chamado de "Death Stranding", que significa literalmente isso: a morte encalhou. As pessoas que morriam não iam para o outro mundo, suas almas ficam "stranded" entre os dois mundos. Esse semiplano que é parte aqui parte o lado de lá ao mesmo tempo é chamado de "a praia"

Death Stranding é sobre um futuro pós-apocalíptico onde a banda coreana BTS destruiu os Estados Unidos e transformou suas fãs em espíritos que infestam a Terra

Não apenas ter um mundo abarrotado de fantasmas "encalhados" já não é ruim o suficiente, fica pior que isso: como a energia vital da alma não vai para onde ela deveria ir, mas também não pode ficar no corpo que morreu, acontece que todos que morrem ou viram fantasmas (chamados de Beached Things, ou BTs) ou simplesmente... explodem. E quando eu digo "explodem", eu quero dizer nível anitmatéria de explosão. 

Com efeito, esse é o atual mapa dos Estados Unidos:


Se tá vendo todas esses circulos brancos e pontinho no mapa? São CRATERAS. Quando uma pessoa morre e o seu corpo não é adequadamente cremado a tempo, ou ela se transforma em um BT, ou ela explode. O que pode matar outras pessoas. O que gera um efeito reação em cadeia que varreu cidades inteiras do mapa de uma vez só.

Assim sendo, não é dificil imaginar que a sociedade foi pro vinagre e as pessoas que sobreviveram vivem o mais afastadas que podem umas das outras. E, por nenhuma coincidencia, esse é justamente o tema do jogo: reconexão. Seu personagem, Sam Porter Bridgers, é um courrier que acaba entrando em uma missão maior de reconectar o país novamente através da Chiral Network.

Senhor, já fez o seu cartão Renner? Volta aqui senhor!

A Chiral Network é um tipo de internet que envia dados atrás da Praia com uma vantagem que tem inumeras aplicações práticas: não existem "tempo" na praia. Digamos que um computador ultrapoderoso precise de 5 anos para fazer um calculo muito, muito, muito complicado. Se você processar esses dados através da Praia, onde o tempo não existe, você recebe a resposta imediatamente. Agora imagine que todas as pessoas do mundo tem acesso a isso.

Claro, você pode se perguntar se mexer com essas coisas, ficar futucando com a Praia não foi o que deu merda e causou o Death Strading em primeiro lugar. A resposta é que sim. Mas também não. É isso,  mas ao mesmo tempo é bem, bem mais complicado que isso.

Agora, você pode estar se perguntando como, exatamente, um entregador (chamados de "porters" aqui) consegue andar por aí em um mundo abarrotado de fantasmas que te farão em pedaços se você chegar perto deles. A resposta é... bem...



BTs são coisas que não são desse mundo, que estão apenas parcialmente aqui. Para detecta-los, para sentir a presença deles você precisa se conectar a alguma coisa parecida, algo que ainda não está totalmente nesse mundo ainda. Mas o que poderia ser isso?

Super easy, barely an inconvenience! Veja, se BTs são almas que estavam "saindo" desse mundo e ficaram encalhadas no meio do caminho, o que seria o contrário? Uma alma que estava "chegando" nesse mundo e ficou encalhada no meio do caminho.

Ou seja, em outras palavras...


Para poder sentir BTs, você tem que conectar a um feto - que nada mais é do que um humano artificialmente "stranded" no meio do caminho enquanto chegava a esse mundo. Eu vou dar um tempo para você absorver essas palavras.

Você e seu Bridge Baby (BB, para os íntimos) tem muitos desafios ao sair por aí fazendo entregas com o objetivo de unificar todos na grande nação das Cidades Unidas da América, bem além de ocasionais zonas de BTs. Existem saqueadores, existem terroristas que abertamente se opõe a ideia de um país unificado na Chiral Network novamente, e você não pode matar ninguém porque aquela região pode se tornar uma região de BTs ou mesmo ocorrer um voidout (quando o corpo explode). Nem todos os inimigos no caminho compartilham da sua visão de não piorar mais as coisas e mandam bala de volta.




E como se tudo isso não fosse suficiente, existe chuva. Acredite ou não, a chuva é uma das suas maiores inimigas aqui já que a chuva de alguma forma está conectada a Praia e por isso o que chove é tempo (um fenomeno conhecido como Timefall). Quero dizer, literalmente: as coisas deterioram se ficarem na chuva. Carros enferrujam anos em apenas alguns minutos, o mesmo para as pessoas, e o pior disso tudo: os containers que você leva sua carga também deterioram na chuva rapidamente. Para piorar mais ainda, BTs só aparecem em regiões que está chovendo e você não pode correr perto de BTs. Você tem que andar bem devagar e de preferencia segurar o seu folego - que, como dá para imaginar, não é algo que possa ser feito indefinidamente.

Como dá para ver, não é uma vida na fácil.

Porém, de todos os desafios que Sam tem para fazer a América grande novamente, nenhum é maior do que o próprio mundo. Se você já viu alguma imagem desse jogo, está familiarizado com a imagem da pilha de caixas nas costas. O que você não sabe é que essa pilha de caixas tem peso e fisica próprias, então a forma que você dispõe elas importa muito. Com efeito, quando você não está segurando uma arma, existme apenas três botões nesse jogo: pular, segurar a a alça de carga da direita e segurar a alça da esquerda - assim você pode ir juggleando o peso das caixas.


Claro que o ideal é não andar por aí sobrecarregado até o toba, mas vezes isso não é uma opção. Não existe tempo, ou apenas você não tem tempo suficiente ou as vezes (mais frequentemente) você não tem saco para fazer duas viagens. E porque isso importa tanto? Porque o cenário é o grande elemento de level design desse jogo.

Existem colinas, existem crateras, campos, montanhas, rios, ravinas, barrancos e todas sorte de acidente geográfico que atrapalha suas entregas. Mesmo que você consiga um carro (e conseguir o seu primeiro é um grande marco na vida desse jogo), o cenário é hediondo apenas para brincar de Euro Truck Simulator. E com BT’s, terroristas, saqueadores, Timefall e o diabo a quatro, não é um passeio no parque porque você vai estar atulhado de entregas que tem seu próprio peso, e você ainda está carregando um feto em uma jarra. Quedas não apenas danificam sua carga, como fazem o BB chorar (o que é irritante) e estressam ele. Se o BB ficar estressado demais, ele para de funcionar e aí é ferro na sua bunda pra detectar BTs. Não enlouqueça demais escalando e pulando e sei lá mais o que porque vai dar ruim.

Ufa, parece uma quantidade incomensuravelmente grande de trabalho para um jogo, não é?




Sim, é. Para piorar, as interfaces desse jogo são miseravelmente burocraticas. Cada tela para pegar e entregar itens tem duas ou três telas de burocracia, os NPCs tem cutscenes impulaveis toda vez que você fala com eles e suas recompensas são... questionaveis, na melhor das hipoteses. Quer dizer, fazer boas entregas te dá likes que funcionam como o tipo do XP do jogo mas que não fazem muita coisa por si só. Death Stranding é uma experiencia miseravel, burocratica e sofrida de ser jogada. 

O jogo quer que você desista dele e vá fazer outra coisa da sua vida. Uma que não envolva tentar escalar um barranco com 200 kg de caixas nas costas e um feto chorando no seu controle (sim, o som do BB sai do joystick). Mais de uma vez eu tapei o controle com um pano apenas para não ouvir o desgraçado chorando - o que faria de mim um pai modelo na vida real, olha só.


Just me and my boy chilling out

O ponto é: Death Stranding não é dificil, é exaustivo. Tudo é longe, nada é fácil, nada é simples, e você se questiona porque diabos você está fazendo aquela merda toda tanto quanto Sam se pergunta porque ele realmente está tentando fazer alguma coisa e se a América merece realmente ser salva. Quer dizer, não é apenas melhor para cada um ficar no seu canto e deu?

As mecanicas do jogo faz um trabalho excelente de colocar você e Sam na mesma página em relação de sentimentos, e faz um trabalho tão bom quanto em fazer você desistir dele. Apenas não vale o trabalho.


Mas se você não desistir, e ninguém vai te condenar por isso, algo inacreditavel acontece. Conforme você vai fazendo entregas, você vai ganhando conexão com os NPCs. Você deixa de ser apenas um vagabundo que parece ter saído do Walking Dead para alguém com quem eles podem contar quando precisarem de alguma coisa. E, gradualmente, você passa a poder contar com eles também. Eles compartilham seus esquemas de gadjets que tornam sua vida mais fácil, e até mesmo deixam você descansar na casa deles em um ponto. Aumentar sua conexão com os NPCs fazendo entregas também melhora os seus atributos, que te permitem levar mais peso, manobrar melhor, o BB aguentar mais coisas e várias outras pequenas melhorias de vida indispensáveis.

Sério, quando você está com todas suas caixas fodidas, o BB a um ponto de desligar, sua estamina tão baixa que tomar todo Monster Energy Drink do mundo não vai mais te fazer conseguir sequer correr, você está andando no meio da neve e sem saber como contornar a montanha, seus suprimentos de escalada (escadas portateis e rapeis) acabaram, quando você está fodido desse jeito não tem como não se emocionar quando um NPC deixa você usar a casa dele para passar a noite, arrumar suas coisas, tomar um banho e se reestocar com alguns itens.




E é então que, após passar por mais de uma situação assim, você entende realmente o ponto do jogo. Onde Kojima queria chegar com essa coisa toda: sozinhos, nossa vida é miseravel. Insuportavel, é apenas desgraça e dor. Mas se nós nos ajudarmos, se nós apenas formos não-cuzões uns com os outros, a coisa flui. Você não vai chegar a lugar nenhum em Death Stranding enquanto tentar vencer o mundo dando cabeçadas, mas quando você se conecta com as pessoas, a coisa vai que vai quicando.

Cutscenes podem ser puladas quando você tem afinidade com o NPC, e os gadjets que eles te ensinam a fazer transformam sua vida de andar por aí com o cu na mão por causa de BTs e saqueadores, para “i can do this, they got my back”. Death Stranding deixa de ser sofrivel quando você se conecta e esse é todo o ponto aqui. Usar as mecanicas dessa forma para passar a sua mensagem é algo lindo, que só pode ser feito em um videojogo, tanto quanto é arriscado. É incomodo para o jogador, é desagradavel.

A arte frequentemente é incomoda e desagradavel.




E então a história avança e você precisa ir para uma nova região onde ninguém te conhece, mas não é um sofrimento. É mais um “as coisas estão dificeis agora, mas nós vamos fazer dar certo pra todo mundo”.

Tivesse parado nesse ponto, Death Stranding já seria de uma ousadia incrível. Só que o jogo vai além em construir o sentido de pertencer a uma comunidade. Quer dizer, ajudar NPCs é legal e tudo mais, mas que tal ajudar outros jogadores como você e ser ajudado de volta? E é aqui que entra toda genialidade do multiplayer desse jogo.




Durante o jogo você encontra cargas largadas por aí que não são partes de missões especificas, mas dão likes se forem entregues a pessoa certa. O problema é que as vezes são entregas para pessoas em regiões que você não está indo para aqueles lados, então o que você faz? Simples, cada settlement tem uma pasta compartilhada onde você pode deixar coisas, e pegar coisas. Estou indo para aqueles lados, sempre é bom checar se ninguém deixou nada para ser entregue naquela região. Não apenas itens de quest, mas as vezes você encontra armas, equipamento, materiais de construção que você não vai precisar agora - e como seu peso e espaço de inventario é algo que você sempre vai estar controlando, não dá para estocar itens. E se você não vai usar, porque não doar o que você não está usando?

Certamente outros farão o mesmo e mais de uma vez eu tive meu rabo salvo porque outros compartilharam itens que eu desesperadamente precisava. Mas na maior parte do tempo eu doava coisas apenas porque... bem, porque não? Os itens que você coleta no mundo não são tão pesados ou ocupam tanto espaço assim, e é fácil junta-los. Não custa nada realmente. Mesmo que eu não ganhe nada com isso diretamente, porque não ajudar alguém que é uma pessoa como eu?

Sozinhos, o mundo é miseravel. Juntos, nós somos fortes.




A obra prima desse sistema de multiplayer assincrono no entretanto são as estradas. Construir uma estrada é algo proibitivamente caro e você vai levar muito, muito tempo farmando recursos para fazer aquilo sozinho. Felizmente as construções são compartilhadas no servidor, então as doações de materiais dos outros contam para você e vice versa. E juntos nós fazemos estradas, que tornam a navegação naquele mundo de algo doloroso e sofrido para um passeio agradavel de domingo.

No final do jogo, quando você já tem todas as estradas construidas, trilhas de ziplines estabelecidas (que você colocou ou está usando o que alguém no servidor fez), a paisagem é bastante diferente, a sua experiencia no jogo é bastante diferente. O jogo é sobre Sam ajudando a reconstruir um país, e essa é exatamente essa a sensação que você tem desse jogo: nós construimos alguma coisa aqui, caras, e a vida é bem melhor para todos nós agora. Não eu, nós. E se um jogo que te faz sentir isso não é uma obra de arte, então puta merda vai se foder Osvaldo porque eu não sei mais o que seria.

Então esse é Death Stranding conceitualmente, como experiencia, como arte. Mas como ele é enquanto jogo? E quanto ao gameplay?




Nesse aspecto, DS faz algumas coisas para manter o jogo interessante. Jogabilisticamente, o jogo lembra muito Tomb Raider. Não o reboot, que é um jogo de ação em mundo de aberto, mas os primeiros do PS1. Embora Tomb Raider tivesse sequencias de tiro, chefes e essa porra toda, não é sobre isso que o jogo realmente era. Era mais um puzzle de exploração e por isso eu quero dizer que o ponto do jogo era frequentemnte sobre largar o controle no colo, coçar o queixo e se perguntar “como diabos eu chego lá?”.

Death Stranding é uma versão moderna disso, basicamente. Você tem sequencias de ação e eventualmente até armas (letais ou não letais, a sua escolha), e existem até mesmo batalhas de chefes na forma de grandes BTs que ocupam a tela inteira. Mas o jogo não é sobre isso, isso é uma parte do jogo e não o seu elemento definidor. O grande cerne do jogo é sobre exploração realmente, é sobre colocar a mão no queixo e se perguntar como caralhinhos voadores na parede do banheiro você chega lá.

Já assisti Re: Zero o suficiente para saber que isso não termina bem


Aqui é que entra uma grande sacada do Kojima: quando você explora uma area pela primeira vez, é só você e seu feto contra o mundo. Se equipe o melhor que puder e vamo que vamo quicando. Mas depois que você já fez o caminho uma vez, essa area é conectada a Chiral Network e você pode ver o legado dos outros jogadores. Construções que eles fizeram que facilita muito as coisas, marcações de caminho (é possível deixar sinais no chaõ para os outros bem ao estilo Dark Souls). Assim o jogo não se torna cansativo.

Você passar por uma area apertada atulhada de BTs com o cu na mão uma vez é uma coisa, fazer isso pela décima quinta vez seria apenas um saco. Com uma pequena ajuda dos seus amigos você consegue. E quando você junta todas essas coisas, você tem um jogo que não é inédito em nenhum aspecto, mas único no todo. Nada que está ali você já não viu em outros lugares e, ainda sim, você nunca viu um jogo como Death Stranding.

Como um filme do Tarantino é um amalgama único de várias coisas que você pode mais ou menos identificar de onde vieram as partes, assim é esse jogo.


A waifu que o senhor encomendou já tá chegando, calma senhor!

Não é absurdo alegar que esse é o jogo mais ambicioso jamais produzido. Não tanto pelo tamanho do seu mundo, a qualidade dos gráficos ou as cenas de ação - coisas que normalmente são o que importam em videogames - mas pela quantidade de coisas complexas que ele tenta fazer ao mesmo tempo. Tão complexas e tão user friendly inicialmente apenas alguém como Kojima tem cacife para matar no peito uma empreitada desse tamanho - se quase qualquer outro no mundo propusesse um jogo como esse, jamais passaria do pitch meeting.

Tanta ambição não vem sem um preço, entretanto, e o ponto onde essa relação é mais estressada é na narrativa. Kojima sempre foi verborragico e dada a oportunidade ele faz cutscenes de meia hora de dialogo. Infelizmente, frequentemente essa meia hora de dialogo poderia ter sido cortada para dez minutos.




Até este ponto, Kojima sempre foi empregado. Ele era o diretor dos seus jogos quando ele trabalhava para a Konami, mas não o produtor. Isso quer dizer que ele tinha que prestar contas a alguém, que alguém acima dele podia botar a mão no seu ombro e dizer “Menos, Hideo, menos”. Agora que ele está fazendo seus próprios jogos na sua própria empresa, ele é o produtor dos seus próprios jogos e não tem mais essa limitação.

Se a narrativa do Kojima sempre foi convoluted (sei la como se diz isso em português) mas contida, agora ele perdeu qualquer filtro que o detinha. Isso quer dizer que até 3/4 do jogo eu não tinha muita noção do que foi o tal do Death Stranding exceto que envolvia BTs, BBs, Voidouts e Timefall. Não que eu tivesse certeza do que são essas coisas também até muito para frente. Sério, as primeiras horas desse jogo são muito papo de maluco com os personagens vomitando termos que você não faz ideia do que significam como se fosse a coisa mais natural do mundo.





Olha, eu entendo. Ninguém quer um filme do Christopher Nolan onde a coisa é tão mal escrita que os personagens ficam explicando coisas para o publico que os personagens deveriam ter internalizadas e não precisariam falar em voz alta (em Interestelar, por exemplo, astronautas ficam explicando uns para os outros conceitos basicos de fisica que eles já sabem de cor e salteado). Ok, isso é lame e não deve ser feito. Eu entendo que não existe razão para as pessoas daquele mundo explicarem os temos, quando digo “Revolução Francesa” eu assumo que o meu ouvinte sabe do que eu estou falando e não passo os próximos 25 minutos explicando a história da França como se ele fosse um alien inteiramente novo naquilo. Eu entendo isso, de verdade.

Mas o oposto também não é assim que funciona. Não precisa imbecilizar as explicações, mas me ajuda a te ajudar, Kojimão. Eu sei que não é fácil, mas você está apostando em coisas ambiciosas demais para aceitar a desculpa de que é dificl. E quando você esta mais ou menos graspeando a situação, quando você está mais ou menos começando a entender o que foi o Death Stranding, a coisa de reconectar a América na verdade se revela como um pedaço de um plano maior envolvendo o evento de extinção na vida na Terra, chamado de Last Stranding e uma nova torrente de expressões que não significam absolutamente nada para você chovem na sua cabeça.

Menos, Hideo, bem menos.

Você sabe que exagerou nas suas merdas quando até o Guillermo Del Toro fica tipo "uat?!"


Só que enquanto o macro da história tem criatividade até demais (o argumento foi escrito junto com ninguem menos que o seu parça Guillermo Del Toro) e meio que tropeça na ambição de tanta coisa que tenta fazer ao mesmo tempo, o que carrega realmente a história é o micro. Isso porque enquanto o Norman Reedus é um cara cool, mas meio limitado como ator, o mesmo não pode ser dito de Mad sMikkelsen que entrega a melhor atuação que eu já vi em um videogame.

Eu já sabia que o Mads havia ganho o Video Game Award por melhor atuação em um jogo esse ano, mas puta merda eu não estava preparado para que essa fosse uma das melhores atuações que eu já na minha vida. Durante o jogo, nas telas de loading, Sam tem essa estranha conexão com o BB e parece ver as coisas que ele via dentro do seu jarro antes de ser um detector de BTs rodando para cima e para baixo.

Você sabe que a coisa tá dificil pra você quando você nem nasceu e seu pai já parece desapontado com vc

E o que ele via era o seu pai cuidando dele (tanto quanto um feto num vidro precisa ser cuidado) e da mãe dele que esta em coma. São cenas absolutamente brilhantemente lindas, com o pai dele fazendo planos para “quando tudo isso acabasse” e ele pudesse vir para o mundo. As cenas são tornadas mais belas ainda pelo fato que você sabe como isso termina: o fato que o BB está preso no seu peito chorando e não com o pai dele sendo uma criança signfica que algo errado não deu certo aí.

Aqui e acolá Sam é sugado por tornados em tempestades de Timefall, e vai parar em Praias onde enfrenta o pai do BB como chefe, sendo que ele apenas quer o seu BB de volta. Infelizmente ele quer o BB no sentido “fantasma obsessivo do Supernatural” e não “ok, podemos sentar e conversa sobre isso”. E a atuação do Mads Mikkelsen é tão boa, tão genuina, tão entregue ao que aquele personagem sente que não tem como você não apenas querer saber mais, mas se importar com o destino daquela familia.



E, quando finalmente você descobre toda a história daquele homem e do que aconteceu com a familia dele, é de uma catarse emocional tão grande e tão poderosa que carrega o final do jogo sozinho nas costas. 

Sério, eu não comprei tanto assim a coisa ambiciosa do evento de extinção em massa vindouro que deve ser impedido e blablabla, mas a história trágica desse homem e seu BB me fez chorar. Fucking beautiful. Como eu disse, uma das melhores atuações que eu já na minha vida em qualquer midia, nível Mahershala Ali de épico.




Desculpe Joel, eu sempre te admirarei por tudo que você fez, mas tenho que passar o posto de melhor atuação em um jogo adiante. O que é ironico, porque o próprio Troy Baker está nesse jogo e ele esmerilha no papel como de costume. Mas perto da atuação do Mads Mikkelsen, você pode quase nem perceber isso.


Não é apenas dele, todos os principais NPCs tem suas micro histórias desenvolvidas usando as premissas desse mundo pós apocaliptico de formas que você apenas pensa "uau, a cabeça do Kojima é um lugar muito, muito perturbador" - especialmente a história da Mama e o Heartman. E sim, o Kojima não é muito adepto de sutilezas para nomear personagens.

Como eu disse, enquanto o macro da história poderia ter sido melhor editado, nos individuos toda a criatividade de um dos jogos mais estranhos de todos os tempos brilha em seu máximo poder.



Enfim, isso é o que eu queria dizer sobre Death Stranding. Um jogo completamente único, artisticamente ambicioso como nenhum outro na história dos videogames e uma experiencia que mexe com quem a experiementa. Isso não vem sem um preço, claro, e o jogo é muito, muito pouco acessível. Definitivamente esse não é um jogo para todos, como a arte não é para todos, mas uma experiencia de vida videogamistica aos que encararem a jornada.

Não é perfeito em tudo que tenta fazer, mas também se fosse não seria Death Stranding e sim The Witcher 3. Ainda sim, Death Stranding é uma obra de arte com todas as letras.



[GAMES] DEATH STRANDING (ou a Hideo Kojima review)

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POSTADO EM:quinta-feira, 21 de maio de 2020
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[SÉRIES] JUSTICEIRO (ou não apenas tiro, porrada e bomba)

| domingo, 3 de maio de 2020
... TO BE CONTINUED »


Houve um dia, a não muito tempo atrás, em que as séries originais da Marvel/Netflix eram sinônimo de qualidade. Após um grande e prolongado esforço de escolhas ruins e mal planejamento, hoje você não consegue ouvir falar desse universo sem cerrar os dentes e assistir as séries em posição de impacto.

Por isso mesmo, após que a série de super-heróis que a Netflix passou anos cozinhando acabou parecendo que foi escrita nos corredores 15 minutos antes da gravação, não é realmente surpreendente que não se espere muita coisa de uma série foi criada na base do "hey, olha só! Os caras gostaram desse personagem, bora fazer uma série dele? Bora!"

Surpreendente mesmo é que o Justiceiro seja a coisa mais bem satisfatória, com começo, meio e fim que a Netflix/Marvel já criou desde a primeira temporada de Demolidor.



Mas comecemos do começo: a Marvel/Netflix mostra, em seu melhor, seguir uma receita de vitória. Um indivíduo, um representante de um grupo marginalizado, usa vilões e superpoderes como metafora para um tema em especifico. Em Demolidor é a violência urbana e como o sistema de justiça é falho. Jéssica Jones é uma metáfora sobre relacionamentos abusivos e Luke Cage sobre o racismo (alguém mais maldoso diria que Punho de Ferro é sobre a falta que um revisor faz no roteiro e Defensores é sobre não deixar o trabalho que o professor deu o semestre inteiro para fazer para terminar na última noite).

As vezes que este subgênero da Marvel falhou foi justamente quando se afastrou desse formato - seja a segunda metade da temporada 2 de "Daredevil", qualquer subplot ou cena de ação em Jessica Jones, absolutamente tudo em "Iron Fist", ou a execução de Defensores. Em primeiro lugar, "The Punisher" parece ser um outro passo falso. Na paisagem da televisão em geral, outro show esmagadoramente cinza e brutalmente violento centrado em um anti-herói disfuncional é supérfluo. Dentro do gênero super-herói, é ainda mais. Mas "The Punisher" transcende o que parece ser. Não completamente, e nem sempre - até porque se o fizesse a série seria perfeita e sabemos que perfeito é só o cabelo do AJ Styles - mas a série acerta muito mais do que erra nessa proposta.
 
Graças ao desempenho contínuo de Jon Berthal como o vigilante não-superpoderoso Frank Castle e do showrunner Steve Lightfoot, a narrativa consciente e afiada de "The Punisher" aborda os pontos altos de "Jessica Jones da Marvel", apresentando um personagem danificado e perigoso, contando sua história como uma peça de um todo injusto. Apesar das primeiras impressões, Frank Castle é de fato uma figura marginalizada - o tema aqui sendo que ele é um veterano de guerra.

É difícil imaginar melhor casting do que Bernthal, que comunica tão fluentemente com silêncios impassíveis, e é convincente quando está sendo terrivelmente violento e especialmente gentil. Mas como toda boa série, ainda leva o show alguns minutos de limpar a garganta para encontrar a sua voz - eu realmente não preciso voltar sobre como os primeiros episódios de Buffy, Wander Over Yonder ou Parks and Recreation foram, né?


É engraçado pensar nisso depois de ter visto tudo, porque o primeiro episódio parece que é um episódio de uma série completamente diferente. "The Punisher" parece estar fazendo um checklist dos cliches de anti-herói. Ele lida com suas emoções batendo uma marreta na parede por horas. Ele é tão frequentemente assombrado pelas lembranças de sua esposa e filhos que eles se tornam presenças irritantes - se mais nada porque sua esposa, especialmente, não possui características de caráter discerníveis além de ser quente, macia e provavelmente limpa. Ele fica lamentando constantemente - ele lamenta lendo um livro, atrás de um volante, na balsa de Staten Island. Frank Castle lamenta tanto, de forma tão decidida, que você começa a se perguntar se ele não estava naquele filme com o irmão do Batman.

Mas tudo bem, primeiros episódios são permitidos cometerem alguns erros. Fora de Frank é que  o show começa a oferecer argumentos ao público de que não será apenas o octobilhonesimo vigilante usando de ultraviolencia. Tem Dinah Madani (Amber Rose Revah), agende da Homeland Security (o que é comparavel com o Ministério do Interior em outros países, mas meio que não tem um equivalente desse órgão no Brasil, mas é mais ou menos a CIA voltada para assuntos internos as fronteiras estadunidenses), um grupo de apoio de veteranos, liderado pelo amigo de Frank, Curtis, no qual os veteranos de diferentes origens lutam para entender o mundo em que estão se reintegrando e um hacker arrogante chamado Micro, que começa caçando Frank depois de vê-lo em uma das muitas câmeras de vigilância espalhadas pela cidade.

Sem perceber plenamente, Frank, Micro e Dinah estão todos tentando entender o que aconteceu durante uma série de missões onde a unidade de Frank foi empurrada para cometer crimes de guerra. À medida que outros veteranos se tornam personagens de maior dimensão, que Micro e Frank começam a trabalhar juntos - e Dinah faz mais conexões em Homeland Security - a rede de culpa e corrupção por trás da violência sem sentido é lentamente trazida à luz.


E é aqui que a coisa fica realmente interessante: The Punisher não é uma série de 13 episódios sobre um cara que grafita caveiras nas camisas metendo bala em vendedores de bitcoins falsas. Não, em sua essencia, The Punisher é uma série sobre conspirações do governo. Ou seja, ela está muito mais para Homeland (a série) do que para Streets of Rage.

Pode parecer estranho a primeira vista que uma série do Justiceiro seja mais sobre unir as peças do que aconteceu - e porque aconteceu - em outro país e como isso acabou fazendo a família do Frank ir ter aulas de roteiro com a Carrie Fisher do que um homem solitário em busca de VINGAAAAAAAAAAAAAANÇA Azaghal matando tudo que se move em seu caminho.

Pode parecer estranho, mas só parece. É muito dificil e altamente convidativo a encheção de linguiça fazer uma série de treze episódios sobre isso (ou você acha que toda aquela PUTA CONSTRUÇÃO DE MUNDO de John Wick é só porque o diretor estava entediado e com dinheiro sobrando?). Já uma série de treze episódios sobre contar uma história, bem isso realmente pode funcionar.

E uma coisa que uma série do Justiceiro precisa mais do que tudo para funcionar são personagens interessantes, já que o nosso herói em questão não costuma ter mais que dez falas por episódio se lhe dada essa opção.

Algo tão essencial, mas que a Netflix falhou tão fundamentalmente em Punho de Ferro e Defensores. Felizmente, isso não acontece aqui. Tanto Dinah quanto Micro são personagens intrigantes e ambos excedem as expectativas.

Micro - apelido de hacker de David Lieberman - em particular, traz uma vida surpreendente para um personagem que nos quadrinhos é só um vilão genérico. Como Frank, Micro fingiu sua morte; Ao contrário de Frank, sua família ainda está viva. Micro os vê obsessivamente, através de câmeras e microfones que ele colocou na casa toda.

Frank descobre isso e começa a usar a vigilância perpétua de Micro para manipulá-lo: ele aparece na casa dos Lieberman um dia, aparentemente por acidente, para insinuar-se na vida anterior de Micro. Que Frank tenha perdido uma esposa e filhos, assim como a esposa e os filhos de Micro tenham perdido o marido e pai, não é algo que passa despercebido. Uma das coisas estranhamente atraentes sobre "The Punisher" é o quão profundamente bagunçadas são as relações entre os personagens.

Outra coisa que a série presta muita atenção é no seu relacionamento com a violência. Todo episódio é pontuado com um conjunto de violência impressionante - não apenas visualmente impressionante, como é frequentemente o caso com sequências de ação, mas perturbadora também. Cenas de ação com as quais todos nos acostumamos - como um acidente de carro em que um sedan capotou e depois aterrissou pesadamente, ou armas sacadas ameaçadoramente em um jogo de cartas com altas apostas - assumem uma nova brutalidade em "The Punisher", que paga uma desconfortavel atenção especial ao som dos ossos quebrando, a pasta de sangue e miolos que fica em uma marreta depois de esmagar a cabeça de alguém, a intimidade de aproximar-se o suficiente de alguém para matá-los. Esta é uma marca de violência que é bastante, bem, punishing - cenas brutais, escamosas e dolorosas que não oferecem nada de bonito ou glorioso sobre o ato de arrancar os dentes de alguém com os próprios punhos.

O que eu quero dizer é que a violencia aqui lembra aquela cena de Gladiador em que o Russel Crowed destroça cinco caras na arena e enquanto a plateia esta vomitando em choque com a violencia ele grita "Ué, vocês não estão entretidos? Não é por isso que vocês vieram ver aqui?".



No conforto do seu sofazinho você acha que se pudesse matava todos esses bandidos filhodaputa? Ótimo, então primeiro ouça como é o som de um osso quebrando ou o depoimento dos caras que fizeram de profissão o que você que é a forma que o "cidadão de bem" deveria viver. A violencia aqui não é algo bonito, porque ela não é suposta ser bonita ou glamurosa.

É cínico, e às vezes muito desesperado, também.

Acima de tudo o que "The Punisher" é bastante cínico quanto ao uso da força: esta é uma série em que um homem que foi convidado a matar sem sentido pelo governo dele é sacaneado e acaba caçando membros desse mesmo governo porque o fizeram matar pessoas. O show desconfia das armas, desconfia do patriotismo cego, desconfia do conceito de servir sem fazer perguntas;



Falando em perguntas, a única relação com o universo de séries da Netflix (felizmente, é algo que eu tenho que dizer a essa altura) é Karen Page que justamente está lá para fazer esse contraponto, para fazer as perguntas que precisam ser feitas. Como quando ela entrevista o politico que diz que as pessoas deveriam confiar totalmente ao governo a capacidade de protege-las... sendo que ele diz isso com dois seguranças particulares bem armados contratados por ele a dois metros de distancia. Aí é fácil, né sarraceno?

A coisa interessante é que Frank Castle entende como a violencia funciona, o que ela significa. Ele se envolve com isso porque ele não confia em mais ninguém para ter o poder de empunhá-las - e, ao mesmo tempo, porque ele está tão quebrado por sua própria tragédia, ele é um protagonista que comete violência ao mesmo tempo em que compreende como essa violência cria trauma. Isso cria uma dinâmica carregada e desestabilizadora, e que Bernthal habita com aprumo.

Eu gostei particularmente também como a série tirou tempo para pensar os seus vilões. O cara do governo que é responsavel pela coisa toda, por exemplo, ele não fez aquilo para ficar rico ou para ganhar um carguinho ou algo do tipo (eu sei, como brasileiro esse conceito é inconcebivel, mas façamos um esforço) e sim porque ele REALMENTE acreditava que o ele fez era o certo, que era para o bem do país, que era útil a uma causa maior. E quer saber? Em um sentido pragmático da coisa, ele não estava realmente errado. 

Ou então todo o desenvolvimento do Principe Caspian como inimigo de Frank Castle. Certo, ok, ele é um cara mal, mas não mal como um pica-pau apenas because mwahahaha. A série mostra um insight como ele pensa e porque ele pensa dessa forma, e é compreensível. Um bom roteiro não precisa que o espectador goste dos seus vilões ou mesmo que concorde com eles, mas precisa realmente que ele compreenda da onde aquilo está vindo. É por esse motivo (mas não apenas por esse, claro) que os desenhos animados dos anos 80 são tão ruins, e que o Valdemar só começa a funcionar vagamente como vilão depois que suas origens são reveladas. E é algo que The Punisher faz satisfatoriamente bem.

Bem, essa é uma ideia para a segunda temporada...

Em resumo, "The Punisher" não é apenas satisfatório, mas surpreendente - uma interpretação da formula Netflix/Marvel que oferece profundidade e desafios para a audiencia além de caras fodas matando de formas fodas. Livre de superpoderes e super-heróis, o universo Marvel é mais indulgente - e mais interessante. 

Apesar de uma escorregada aqui e acolá (tipo ter um cara chamado Carson Wolf  tentando fingir como se não fossem obviamente um vilão), a série não desperdiça o seu tempo com subplots sem proposito ou personagens sem ter o que fazer ali. Eu fiquei bastante preocupado com todo o (longo) desenvolvimento que foi dado ao grupo de apoio aos veteranos de guerra, de que aquilo estivesse ali apenas como mensagem social sem proposito para a trama. Mas não, é a mensagem social mas também é importante para a trama - com efeito, é o que quebra o status quo da série e a impulsiona para o seu ato final. Attaboy, é assim que se faz!

Em resumo, "Punisher" é um pântano bem-vindo de perguntas espinhosas e respostas insolúveis (ao contrário do que o seu tio bolsominion ou seu colega de faculdade comunista dizem). Pelo menos nesta parte da paisagem da televisão, ainda há espaço para outro anti-herói. Com a ênfase na violência, no terrorismo doméstico e na segurança interna, "The Punisher" é surpreendentemente relevante - possivelmente a série mais relevante da Marvel, pelo menos para a realidade americana.



[SÉRIES] JUSTICEIRO (ou não apenas tiro, porrada e bomba)

THE STORY SO FAR: Houve um dia, a não muito tempo atrás, em que as séries originais da Marvel/Netflix eram sinônimo de qualidade. Após um grande e prolon...
POSTADO EM:domingo, 3 de maio de 2020
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[FILMES] E se Hollywood fizesse um filme sobre Evangelion? (ou Pacific Rim 2: Uprising)

| sexta-feira, 1 de maio de 2020
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Talvez vocês não saibam, mas lembrar de boatos obscuros dos tempos da internet discada pré-Google é um dos meus super poderes. Quem precisa de supervelocidade ou a habilidade de se teletransportar quando você consegue lembrar de boatos aos quais absolutamente ninguém se importa mais hoje em dia?

Pois é. Foi o que eu pensei.




Mas então, lembram do Dragon Ball AF? Provavelmente não, mas eu lembro de um tempo em que revistas (cof) especializadas discutiam se um anime existia ou não. O quão bizarro isso parece hoje? Quer dizer, se existe todo mundo sabe, treze segundos depois de passar no Japão já tá rolando legendado no seu site cheio de bitcoin minners favorito! (isso quando não tem transmissão simulatenea no mundo todo em todos os idiomas já inventados pelo homem). Mas em 2000, era uma grande discussão saber se o tal do "Dragon Ball AF" existia, o que nos levava a clicar em muitos sites com a plaquinha do carinha de "em obras". Tem site que desde 2000 tá em obras ainda, e eu achando que Steven Universe é que não tem assiduidade...

Se o seu site hospedado no xpg não tinha esse gif, você não estava na internet no ano 2000.
Um que eu acho muito engraçado era o boato que tinhaplanos para uma adaptação de Akira, estrelada pelo Leonardo Di Caprio e que se passaria em "Neo Manhattan". O que, na época, era apenas para emputecer os fãs porque no ano 2000 Leonardo Di Caprio era só o franguinho do Titanic. Como é engraçado que hoje não tem quem não ache ele um puta ator e seria pra glorificar de pé uma adaptação de Akira com ele (como por exemplo, a Scarlet Johansson é meio que a única coisa boa de Ghost in the Shell e não é por ela usar colant... ok, só por isso)

Agora, de todos o meu favorito era a lenda que a Weta - a empresa de efeitos especiais do Peter Jackson - ia fazer o live action de Evangelion. Quer dizer, isso sequer faz sentido! Uma empresa de efeitos especiais não é um estúdio de cinema, nem que fosse para fazer uma animação! Puta merda, como a gente era retardado... sorte que não tinhamos redes sociais, pq burro a gente sempre foi.

Esse boato começou porque a Weta realmente fez algumas artes conceituais, mas se sentar e desenhar significa alguma coisa o Deviant Art é a maior indústria de cinema do mundo, e é claro que um filme de Evangelion nunca vai rolar. Eu honestamente espero que não, pq um filme em live action desses seria muito caro de se fazer e eu não vejo nenhum estudio afundando centenas de milhões de dolares em um projeto mais disfuncional que eu dançando samba.

MAS, já que estamos aqui... só de zoas, vamos imaginar como seria se realmente Hollywood abraçasse a tese do anjo cruel em toda sua glória?

O CENÁRIO

COMO É NO ANIME...

Nossa história se passa em Tokyo-3, que é uma cidade construída para ser a terceira capital do Japão após muitos anos de guerra onde as outras capitais (Tokyo original e depois Nagano, apelidada de "Tokyo-2") sentaram na graxa bonitaço.

Agora, esse cenário de guerra tem um motivo muito louco para ter acontecido: no ano 2000 um meteorito a velocidade pansonica bateu na Antartida (ou ao menos essa é a explicação oficial do governo, o que realmente aconteceu é muito mais lovecraftiano que isso), o que causou vários problemas. Em primeiro lugar, todo hemisfério sul do mundo sentou no vinagre com a tsunami que se seguiu. Ou seja, aqui não teve golpe pq a eleição do companheiro em 2003 já foi por água abaixo.

Para os que sobreviveram, o impacto do meteoro trouxe outras graves consequências: a bangornada mudou o eixo da Terra, o que fodeu de verde e amarelo as estações. Por isso que no anime é sempre verão o tempo inteiro no Japão. O que, por sua vez, fodeu todo ecossistema do planeta, o que levou a as plantações marcharem, o que levou a fome, o que levou a guerra.

... COMO HOLLYWOOD FARIA

Err... melhor deixar isso de lado. Teve uma guerra e o mundo genericamente se recuperando.  Tá mais que bom assim. Alias eu não duvido nada ver cenas reaproveitadas dos últimos  filmes dos Transformers. Muitas zonas abandonadas, ruinas ideais para cenas de perseguições e tudo mais.


O PROTAGONISTA

COMO É NO ANIME...

Quando Hideaki Anno escreveu Neon Genesis Evangelion, ele estava deprimido. Tipo muito. Tipo "como ele não meteu uma furadeira no olho é algo que só podemos admirar", esse nível de deprimido. E Evangelion escorre depressão por seus poros.

Nosso protagonista, Shinji Ikari, é um moleque deprimido pra caralho. E quer saber? Ele tem todos os motivos para ser deprimido. O pai dele mandou ele morar com os tios no interior depois que a mãe morreu pq "ele era um estorvo", toda pessoa com quem ele consegue algum contato significativo e começa a se abrir enlouquece/morre/tenta matar ele, e o trabalho dele é entrar numa poça de sangue respiravel dentro de um bicho vivo para socar a fuça de abominações que fariam o Guillermo Del Toro dizer "ui miga, seje menas!". 

Este é o nosso herói, não é a toa que ele não se diverte fazendo o trabalho dele, coitado.


... COMO HOLLYWOOD FARIA.

Hmm, esse negócio de depressão não é um assunto muito popular de falar nesse lado do mundo. No maximo o que podemos ter é um personagem que fica triste durante algumas cenas por motivos bastante pragmáticos e imediatos, não por causa de uma doença cronica que te deixa com o animo de um colador de sola de sapato na fabrica da Nyke na Coreia do Norte. Sim, 13 Reasons Why, estou olhando pra vc ¬¬

Alias dá pra ver como eu sou velho pq eu uso ¬¬ ainda, puta merda.

Então, é, corta essa coisa sobre depressão e vamos nos focar em algo mais aceitavel para o publico americano. Hmm, daddy issues, isso vai servir. É, vamos aproveitar só isso. Claro que nosso herói vai ser super descoladão, com tiradinhas espertas na ponta da lingua e tudo mais, só uma raivinha vagamente explicada com o pai dele por algum motivo que pode ou não ser compreensível.

E claro, ele tem que ser um lider. Obvio. Quem assistiria alguma coisa com um moleirão que não é o macho alfa da porra toda? Pff, sério, né?

TEENS




COMO É NO ANIME..

Anime que é anime que se preze tem que ter moleque de 14 anos pilotando robo gigante e chutando a bunda de adultos com anos de experiencia, sim senhor! Ora, como não? E tem que ser tudo colegial, que mané porra de treinamento merda nenhuma.

Senta a bunda nesse robozão e arrasa, minha mona!

Verdade que no anime tem um motivo muito especifico porque são crianças de 14 anos de idade, e porque tem que ser aquelas crianças em especifico, mas ainda sim, se não tem pelo no saco sobe aí e salva o mundo mermão!

A sacada inteligente do anime, no entanto, é que embora as personagens sejam baseadas em estereotipos de anime (a menina tsundere, a menina triste waifusavel, a adulta sexualmente acessivel libertina, etc), elas se revelam apenas como fachadas para personas mais complexas e com motivações críveis para serem do jeito que elas são. Motivações bem fodidas, na maioria das vezes, mas Hideaki Anno não escreveu saporra pra fazer amigos, de qualquer jeito.


... COMO HOLLYWOOD FARIA

Não. Apenas não. É óbvio que não. Os protagonistas da história seriam adultos, é óbvio. Com um background militar, porém mais descolados porque estamos naquela fase que "guerras são ruins" (o que não costuma durar muito nos EUA). Se fosse REALMENTE necessário ter pilotos teens... bem, em primeiro lugar eles obviamente teriam formação militar. É claro.

Idealmente, seriam alunos que acabariam na linha de frente não porque esse é o ponto da história, mas porque situações muito especificas deixaram isso como última disponibilidade. O publico não aceitaria de qualquer outra forma. Manja Top Gun? Então, tipo uma versão jailbait disso.

E se tem alguma coisa que Stranger Things ensinou, é que seus adolescentes nunca precisam ter muito mais personalidade do que evocar uma sensação de "aaaah, eu lembro desse cliche" nos anos 80. Ora, se não está quebrado não concerte, certo?

ROBÔS GIGANTES


COMO É NO ANIME...

Os EVAs não são exatamente robôs gigantes. São mais... seres humanos vivos gigantes com DNA de alieniginas nos quais é inserido um adolescente psiquicamente compativel para controlar a porra toda. Mas eles tem armaduras coloridas, isso é cool!



... COMO HOLLYWOOD FARIA.

Oww... podemos apenas ficar com a coisa das armaduras coloridas? Bem, suponho que os inimigos possam ser hibridos de monstro e máquina, se isso for realmente necessário, mas é só até aonde vai.

Isso dito, provavelmente Hollywood acertaria mais do que erraria nesse quesito. Quer dizer, não tem como errar com robos gigantes lutando contra monstros, robos ou monstros/robos no meio de uma cidade.

Eu dou isso a eles.

O INIMIGO


COMO É NO ANIME...

Bem, a coisa é que Evangelion não tem um vilão principal oficialmente. O que existem são os "anjos", aliens que descem aqui para destruir a Terra porque... nossa, eu não consigo explicar isso em menos de 15 paragrafos, então vamos apenas apontar que eles querem fazer isso.

Então o main antagonista do anime é... bem, pessoas querendo fazer a coisa certa pelos motivos errados, eu suponho. Quer dizer, é realmente complicado, tem muita intriga entre duas organizações e os anjos estão meio que só atrapalhando a agenda desses caras, na verdade.

É complicado.


... COMO HOLLYWOOD FARIA

Nas palavras do grande pensador Joel Santanna: "Tá de brincation with me, rapá?". Que mané complicado o caralho. São aliens maus que querem destruir a Terra because eles são maus e isso tem que ser canalizado em um "chefão do mal" totalmente identificavel. Preferencialmente um humano que ajuda os aliens pq ele é louco mwahahhaha ou algo assim. Não precisa ser realmente idiota, pode ser um motivo bom até, desde que não seja muito complexo.

Queremos apenas alguém para canalizar nossa raiva e querer socar, subjetividade de cú é rola!

COMO TERMINARIA

COMO É NO ANIME...




 Wat. Da. Fuck.



O que caralhos eu acabei de assistir?




... COMO HOLLYWOOD FARIA.

FODA-SE ESTA MERDA. Esses japoneses são doentes! Doentes, eu te digo! Taqueopareo! Apenas o bem vence o mal e era isso. De preferencia com um gancho para emendar uma continuação ou até uma seriezinha esperta na Netflix, pq franquias são o que pagam a Lamborghinni nova dos executivos!

De preferencia algo positivo e animador!


Agora, falando sério um pouco. Pacific Rim original é um dos meus filmes favoritos de todos os tempos, senão "O" filme favorito, pelos motivos que são meio obvios. A formula do filme é uma declaração de amor de Guilhermo Del Toro e o roteirista Travis Beckham aos animes de mecha e filmes de monstros gigantes. De certa forma, esse filme é para Gundam e Godzilla o que Matrix é para Ghost in the Shell e Akira.

Del Toro teve uma visão ambiciosa de criar algo completamente original que ainda mostre o amor por suas inspirações mas sem ser uma cópia ou uma paródia, ou apenas uma simples coleção de referencias. Ele tentou fazer algo próprio, e honestamente acho que ele conseguiu magnificamente.

Não existe uma história de mecha em qualquer midia disponível, mesmo animes, que passe a mesma sensação de grandiosidade, tamanho e peso de um robo gigante socando um monstro não menos gigante no meio de uma cidade. Cada cena do filme emana uma sensação muito unica de que aquelas porras pesam bilhões de toneladas, e cada bangornaço é uma traulitada que levanta a plateia justamente por causa disso.

Muito pouco disso se transmite para a sequencia, Pacific Rim 2: Uprising, e talvez essa seja uma das razões que Del Toro pediu o chapéu dele e foi ali ganhar um Oscar.

Agora, o que é realmente curioso disso é que esse filme é justamente muito mais próximo do material original do que o seu antecessor, se considerarmos que o grande ponto da maioria dos animes e séries de robos gigantes é vender brinquedos. Ei, eu sou um grande apreciador de Super Sentai até hoje (no sentido que eu realmente assisto essa séries no dia de hoje), e animes como Macross e Gundam tem muitas das suas falhas acobertadas diante dos meus olhos pq robos gigantes são puta legais. Isso dito, eu não sou estupido ao ponto de não saber que essas coisas existem basicamente com o proposito de vender brinquedos para crianças.

Tem até uma parte que a protagonista secundaria do filme, a menina de 14 anos super genio que construiu um jaeger sozinha because anime, para e aponta o nome de cada brinquedo, digo, jaeger enquanto a  camera dá um zoom bem lento em cada um deles. Cara, isso sequer tenta disfarçar que é um merchan!

Ignorar isso basicamente me tornaria um fanboy de Cavaleiros do Zodiaco, que é apenas um grande comercial de brinquedos com bem pouco esforço narrativo colocado aí, mas enfim.

Isso dito, bem, Pacific Rim 2 é um comercial de brinquedos de duas horas. Todos mechas coloridos tem poses maneiras, tem tomadas deles fazendo coisas radicais (mesmo que não fisicamente realistas) e outras coisas que você veria em um comercial de brinquedos.

Pense por um momento: em Pacifc Rim, nenhum robo pula em momento algum porque, como eu disse, essas porras pesam bilhões de toneladas. Em Uprising, cada mecha salta e dá piruetas como se tivesse acabado de sair da Vila da Folha depois de tomar uma dose de crack com Toddynho.

Isso, por si, não é necessariamente ruim. Mas é uma direção completamente diferente do primeiro filme.

Deixe eu colocar de outra forma: Pacific Rim 2 me lembrou muito Dragon Age 2. Pois é, lembra de Dragon Age: Origins? Aquele RPG de fantasia medieval suja, com baixa magia, em um mundo corrompido e de pouca esperança que estava muito mais para Game of Thrones do que Forgotten Realms? Lembra como esse jogo teve uma continuação que jogou tudo isso fora e mais parece um beat'm up da Platinuum com armaduras super maneiras, altas piruetas, golpes com nomes e explosões coloridas em toda parte?

Pois é, a sensação é essa. Mais uma vez, é mais sobre seguir uma direção totalmente diferente. Tipo, totalmente mesmo. E enquanto eu sempre sou a favor de ver mechas dando piruetas contra monstros que se combinam e digivolvem para formas diferentes, eu acho que funciona melhor em live action a ideia do Del Toro mesmo. Robos que parecem pesar 15 gramas funcionam melhor em animes.

Então o problema desse filme não é exatamente esse, já que esse não é um problema em si, mas sim o quanto parece de pouco esforço que eles colocaram no filme. Tudo parece feito tão de qualquer jeito que eu fiquei bastante surpreso que não vi o nome do Kurumada nos créditos do filme.

Por exemplo, o filme passa mais tempo te vendendo brinquedos do que abordando a morte da Mako. Sim, a força catalizadora do primeiro filme morre nos primeiros 30 minutos da continuação e o irmão dela, o personagem do John Boyega, passa tipo 15 segundos apertando F to pay respect para o assunto nunca mais ser abordado ou relevante no filme.

O que, diga-se de passagem, ela morre em uma cena que chega a ser engraçada de tão forçadamente dramatica tenta ser, me lembrou muito a cena em que a Gwen Stacy morre em Espetacular Homem Aranha 2 e a teia do Peter Parker abre dedinhos para agarrar ela e erra. Como alguém na pré-produção do filme assistiu isso e não viu que era hilário de tão tosco, jamais saberemos.


Um dia eu assistirei essa cena sem rir, mas esse dia não será hoje!

Suponto que alguém da pré-produção viu o filme, isso é.

Lembra como o Idris Elba se sacrifica no primeiro filme, e a cena é absolutamente épica, tocante ao mesmo tem que absolutamente necessária para o filme? Então... nada disso acontece aqui. Pq foda-se essa merda, gente triste não compra brinquedos!


Hã, esse é um ponto aberto a discussão, eu suponho...

Mas a coisa é que enquanto é ok que nem todo filme tem que tentar fazer nós nos importarmos com os personagens e sentir pela sua perda (mesmo no Pacific Rim original, Del Toro cortou quase uma hora de desenvolvimento de personagem dizendo que seria idiota esquecer que eles ainda estavam fazendo um filme sobre monstros e robos gigantes), se você vai matar a protagonista do filme anterior então não façam de uma forma que grite "é, meh, whatever" na cara do espectador!

Eu entendo que vocês realmente querem vender brinquedos aqui, mas quando a morte de um personagem tem menos impacto, consequencias e tempo de tela do que as espadas duplas desnecessariamente flamejantes (embora é discutivel que alguma coisa pode ser "desnecessariamente flamentejante"), isso diminui o quanto nós nos importamos com o filme. E isso diminui o quanto seus brinquedos vendem. Confiem em mim, é assim que funciona.

Pessoas compram coisas com as quais elas se importam mais do que compram coisas que são maneiras em um sentido quantitativo abstrato. Vai por mim. 

E o problema é que isso não é um caso isolado, e sim que essa sensação de "é, meh, whatever, faz de qualquer jeito" transparece o filme todo. Por exemplo, um dos pontos principais de Pacific Rim é que é dificil conseguir pilotos por causa do sistema de compatibilidade.

Quando John Boyega (que outra vez tira leite de um personagem que não tem muito para onde ir, alguém tem que conversar com o empresário desse menino) faz dupla com a adolescente genio Amara, que por acaso também perdeu a familia de uma forma... não-intencionalmente engraçada, puta merda que cena tosca de morte... você pode pensar que isso daria algum problema e que esse problema seria resolvido em uma cena catartica do filme, certo?

É, meh, whatever.

Apesar do problema ser apresentado, ele simplesmente desaparece do filme quando é necessário para a história pq gente triste não salva o mundo e depressão não vende brinquedos. Ok, eu suponho que eu também superaria bem de boa a morte dos meus pais se ela tivesse sido metade engraçda do que foi, quer dizer, quantas pessoas podem dizer que foram pegas de surpresa por um monstro gigante de 50 metros de altura e esmagadas como se fosse a abertura do Monty Pithon?


Honestamente, eu não consigo dizer com certeza se o filme está tirando uma da minha cara ou está tentando ser genuinamente engraçado. Quer dizer, em determinada cena começa um dos personagens abre um video do Trololo dentro do jaeger apenas because sim. Sem mentira, eu não conseguiria inventar isso mesmo que eu quisesse.



O filme está rindo comigo ou está rindo de mim? É difícil dizer.

O que torna a experiencia toda menos interessante do que poderia, porque enquanto a coisa dos problemas de compatibilidade dos pilotos ser deixada de lado (no primeiro filme o protagonista literalmente descreve o quão traumatizado ele ficou por ver alguem morrer quando você estava sincronizado com a mente dessa pessoa), de alguma forma isso ainda É o tema do filme. Espera, isso vai ficar de lado ou não? Decidam-se, gente!

Porque a história do filme aqui é menos sobre kaijus invadindo a Terra e mais sobre uma companhia querendo implantar um sistema de controle remoto que elimina a necessidade de dois pilotos, já que a compatibilidade de pilotos é um problema para a implantação dos jaegers em alta escala.

Obviamente que, embora seja uma boa ideia no papel, isso dá tão certo quanto pode parecer e nós terminamos com basicamente uma recriação das cenas finais de End of Evangelion. Pois é, lembra dos EVAs produzidos em série sem piloto da SEELE? Esse é meio que o ponto do filme aqui, a SEELE, digo, uma empresa chinesa querendo substituir os pilotos por drones para cumprir sua agenda obscura.

 Não posso dizer que o otaku dentro de mim não achou isso muito legal, verdade.


Tirando o fato que eu não me incomodaria em ver um jaeger levantando um EVA produzido em série macha-kaiju e rasgando ele ao meio, vocês não me verão reclamando disso.

O problema é que a coisa toda meio que perde a força quando o problema da compatibilidade dos pilotos não ser um problema no filme e sim algo que é dito só da boca pra fora, entende o meu ponto aqui? É dificil você comprar a ideia do problema de um filme quando esse problema nunca afeta significativamente os personagens.

É como a "nadadeira deficiente" do Nemo, que está lá para ser algo relevante na história mas... nunca impacta o personagem de qualquer forma negativa, então como isso configura um problema, na prática?

Essa falta de interesse com as coisas é o maior inimigo do filme. A ideia geral do filme não é ruim, as batalhas são legais (mesmo que diferente da proposta do filme original) mas ela é tão recheada de pequenos detalhes que claramente ninguém se deu ao trabalho de ler em voz alta.

Como o vilão construiu um exercito de MILHARES de pequenos kaijuzinhos em uma fábrica e NINGUÉM percebeu isso? Cara, não são um ou dois, ou esconder uma parte de kaiju em um componente complexo, são literalmente DEZENAS DE MILHARES  de monstros sendo feitos em uma fabrica e NINGUEM viu isso!

E como assim  o proposito dos Kaijus desde o começo era saltar dentro do Monte Fuji para que o sangue explosivo deles comece uma reação em cadeia nos vulcões da Terra e terraforme ela para os aliens? Quer dizer, eu assisti o primeiro filme, eu literalmente vi os Kaijus indo na direção contrária! Ninguém me contou, não é teoria de fã, não é nada! Literalmente, está no filme, eu vi esse filme!

Ter como plot "impedir que os monstros cheguem ao monte Fuji" é legal, sério. Mas essa ideia legal é feita de uma forma tão desinteressada que eu tenho que levantar da poltrona e dizer NÃO, NÃO ERA. EU VI QUE NÃO ERA!



Poxa filme, porque você não pode apenas me deixar aproveitar as coisas boas que você faz sem largar uma cobertura de "foda-se" em cima?

Em resumo, Pacific Rim 2 não é um filme ruim, só é feito com pouco interesse. Sabe aquelas continuações lançadas direto para DVD dos filmes da Disney? É basicamente isso. Na verdade, esse joga tantas ideias que não são desenvolvidas que filme parece mais o episódio piloto de uma série do que um filme com começo, meio e fim. Quer dizer, porque mais alguém socaria SETE subplots em um filme que sequer dialogam entre si, muito menos são resolvidos satisfatóriamente?

Hey, eu totalmente assistiria uma série disso, ele apresenta boas sementes para se trabalhar ao longo dos episódios, os personagens tem conceitos interessantes...

... que nunca vão ser desenvolvidos, porque isso não é uma série e sim um filme. O que é uma pena.

Então, eis minha dica do que fazer, Hollywood: tirem esse filme da mão de um diretor que acha que está dirigindo Transformers (sério, se eu visse mais uma tiradinha cinica que o Michael Bay entende como humor nesse filme eu ... bem, eu não faria nada na verdade, apenas ficaria infeliz silenciosamente) e deem na mão de alguém que genuinamente quer dizer algo sobre o tema. De preferencia na forma de uma série, se é assim que vocês querem rolar.

Alguém tem o telefone do Hideaki Anno?




[FILMES] E se Hollywood fizesse um filme sobre Evangelion? (ou Pacific Rim 2: Uprising)

THE STORY SO FAR: Talvez vocês não saibam, mas lembrar de boatos obscuros dos tempos da internet discada pré-Google é um dos meus super poderes. Quem p...
POSTADO EM:sexta-feira, 1 de maio de 2020
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