[SÉRIES] DOCTOR WHO: o 4º Doutor (ou aquela vez em que o Doutor foi um idiota)

| quarta-feira, 15 de abril de 2020


Tem uma cena em "A Cidade da Morte" que talvez seja a cena mais icônica de todos os quase 60 anos de Doctor Who na televisão e faz qualquer um imediatamente entender porque porque Tom Baker é o Doutor mais popular de toda série clássica. Se você nunca viu Doctor Who, se você não faz ideia do que Doctor Who seja, tudo que você precisa saber sobre a série está contida nesta cena:


Isto posto, não é realmente difícil entender porque o quarto Doutor de Tom Baker se confunde com própria noção do que o Doutor significa.



Existe outro motivo para o quarto Doutor ter dado tão certo, também. Dizem que o Doutor da Guerra é imediatamente reconhecido porque ele nunca carrega armas no campo de batalha, mas este foi o dia que o Doutor trouxe a maior arma que a BBC jamais dispos em seu arsenal durante toda sua longa existencia: esta foi a série que teve como showrunner ninguém menos do que Douglas Adams. Douglas Fucking Adams, AQUELE Douglas Adams.

E é muito difícil errar quando o cara que manda na porra toda acontece de ser um dos maiores autores de todos os tempos, o mesmo autor que pode escrever um livro inteiro sobre um cara comprando pão e vai ser uma das melhores coisas que você lerá na sua vida. Aí fica fácil, né?

Mas vamos começar do começo: quem foi a quarta encarnação do Doutor Quem, interpretada pelo maior ator a interpretar o Doutor em todos os tempos? (quero dizer, literalmente, Tom Baker tem 1,90 de altura).

A resposta simples é: um idiota. Mas o tipo certo de idiota.

 O Doutor de Tom Baker é um alienígena desconcertantemente carismático, nunca susceptível de se levar a sério, a menos que as coisas estejam catastroficamente ruins. Sua voz é excepcionalmente comandante, capaz de levar instantaneamente leveza ou drama a uma situação. Da mesma forma, suas roupas o fazem parecer um boêmio desgrenhado, mas ele paira ameaçadoramente sobre a situação sobre a situação como uma sombra. 

Ou, outra forma de colocar isso, o Doutor pode parecer um bobalhão sem muita noção do que está acontecendo, mas ele é um dos membros mais inteligentes de uma das raças mais avançadas do universo e Tom Baker consegue ser essas duas personas ao mesmo tempo, passando de "lol wut" para "não sou tuas nega" com um simples olhar.  Ajuda que Tom Baker seja uma presença de tela totalmente atraente, simplesmente em virtude de sua estatura e sua habilidade vocal, mas há mais no Quarto Doutor do que sua postura física. 

É bastante óbvio que há mais para ser um grande Doutor do que simplesmente ser engraçado, mas isso certamente ajuda um público a lidar com quaisquer características menos amigáveis. O fato de que Baker se achou ao encontrar momentos cômicos em um roteiro, combinado com uma fisicalidade maníaca, encorajado por cúmplices em seus companions significava que Doctor Who era mais estranho do que já sido antes. Isso provavelmente ajuda o publico aceitar Baker violentamente torcendo o pescoço de alguém em The Seeds Of Doom, como quando o vimos zoar um funcionário público com a fala: "Será o fim de tudo. Tudo, você entende? Mesmo sua pensão."

Mas 3/4 do que fazem um Doutor funcionar são suas companions, e poucos Doutores foram abençoados com tanta qualidade quanto o quarto Doutor. Leela, K9 e Romana (todas as duas) estão entre as melhores companhias que qualquer protagonista poderia desejar ao ponto que se o show fosse sobre eles, estaríamos muito bem servidos de qualquer maneira.

Meu momento favorito de Leela, (e há muitos para escolher) vem de Horror Of Fang onde ela diz a uma mulher extremamente irritante e histérica: "Você fará conforme o Doutor diz ou eu vou cortar seu coração fora". O que torna esta cena totalmente divertida é que a câmera corta imediatamente para um close no Doutor, onde ele está dando um sorriso completamente alienígena que levanta dúvidas na medida exata sobre o quão sério ele está falando aquilo tudo.



A selvagem bastante prática Leela tem uma quimica maravilhosa com o Doutor que nunca sabemos que possui valores morais cinzentos ou é apenas bobo, resultando em algumas das melhores cenas da série.


Um tipo totalmente diferente de química que funciona com Romanadvoratrelundar, uma Timelady que o acompanha e oferece a rara ocasião (única na série inteira) em que  a companion é mais inteligente do que o Doutor - embora ela não tenha as manhas de viver nas quebradas do universo (Booker T. feelings). A forma com que o Doutor lida com o fato de que Romana pilota a TARDIS melhor do que ele e usualmente está certa sobre como as leis da física funcionam lembram muito a birrice do terceiro Doutor em nunca admitir que está errado, nos brindando com cenas deliciosas.

A Romana tem duas regenerações na série, sendo a primeira mais autonoma e interessante como personagem, enquanto a segunda é mais arrogante e a mulher mais bonita que você verá na televisão em todos os tempos.


Quanto ao K9, bem, realmente o que eu posso dizer sobre aquele que é o paragon de tudo que um sidekick robô pode possivelmente almejar ser? Eu tenho que admitir que não sou tão bom assim com as palavras para fazer justiça ao fiel companheiro de lata do Doutor, então vou apenas compartilhar esse momento com vocês:



Companions espetaculares, coordenação de Dougas Adams e os excessos ocasionais de um Tom Baker indulgente, que culminava em frases como "Meus braços! Minhas pernas! Meu tudo!' ocasionaram o que muitos consideram o auge da série clássica, o seu ponto mais brilhante. Enquanto eu ainda não assisti o que virá pela frente, posso dizer que totalmente entendo da onde esse raciocínio vem.

 A temporada 18, a última da Baker e a primeira após Douglas Adams, viu uma nova equipe de produção assumir e você pode sentir as mudanças, a sensação que a BBC tinha que o show precisava se afastar da tolice. Como resultado, a série final de Baker vai muito longe na outra direção, com um tom muito mais seco e uma tentativa de foco em ficção científica hard. Um pouco hard demais, em alguns arcos é tão sci-fi pesado que eu tive dificuldade em entender o que estava acontecendo e, oras, eu não sou deseducado em ficção científica ou física de modo geral!

Isso não quer dizer que não seja sem mérito. The Leisure Hive é um exemplo tão perfeito de ciência-ficção lírica como você poderia esperar testemunhar. Uma combinação estranha e intoxicante de Samuel Beckett e Arthur C Clarke, a história conseguiu ser intrigantemente complexa, visualmente ambiciosa e totalmente assistível.

A série também tomou um caminho inteiramente diferente em The Deadly Assassin (sim, é uma tautologia) ao mudar a imagem dos Time Lords de seres divinos oniscientes para uma sociedade corrompida na arrogancia da sua enorme sabedoria, um escopo que é mantido até hoje na série. O que, por sua vez, torna o compasso moral do quarto doutor mais compreensível.



De suas linhas sobre a adivinhação de futuro em Masque Of The Mandragora, para o seu súbito e apaixonado grito de "But what's it for?" no The Pirate Planet (quando ele pergunta ao vilão com raiva o que possivelmente pode ser ser tão importante que justifique destruir um planeta), há quase um prazer perverso em ver o quarto Doutor sendo empurrado para perto do limite. Muitos dos grandes momentos em Doctor Who consistem no quarto doutor perdendo o controle, porque quando Tom Baker retrata raiva ou medo você fica fascinado. Se ele está gritando com uma raiva mal controlada ou sussurrando em uma voz chocada e vazia, você não tem dúvidas sobre o que ele está sentindo. Esse é o motivo da popularidade do quarto doutor. Você quer vê-lo. Na melhor das hipóteses, ele é uma presença dominante, capaz de transformar uma história apenas mediana em um épico. E como eu disse, é complicado de entender como ele pensa. Ele pode ser  ocasionalmente violento sem nenhum remorço, mas ele se recusa a destruir a raça mais má no momento de sua criação.

Depois de assistir a um fratricídio, ele mal parece se importar, mas apenas porque ele está sendo implacavelmente pragmático. Tom Baker está atuando, mas ao mesmo tempo ele não está. Tom Baker coloca muito de si mesmo no papel, e na maioria das vezes é a quantidade certa. É então que conseguimos o equilíbrio certo entre comédia e drama, entre heróis e anti-heróis, entre bobo e sério. O que temos na tela é uma combinação surpreendente de inteligência, paixão, intelecto e energia que não é necessariamente fácil de amar. Às vezes, o quarto Doutor é agressivo e impenetrável, às vezes ele é simplesmente obstinado e hostil.

E frequentemente  ele é apenas um idiota. Mas nunca um idiota.


Aos 80 anos de idade, Tom Baker em The Day of the Doctor mostrando que ele precisa apenas de uma frase para roubar a atenção não importa o que esteja acontecendo.

Em seus primeiros minutos em sua nova encarnação, o Doutor, ainda sofrendo de confusão pós-regeneração, diz ao oficial da UNI, Harry Sullivan: "Você pode ser um doutor, mas eu sou "O" Doutor. O artigo definitivo, você pode dizer.". E há poucos que discordariam disso. 

Aceita uma gominha?




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