[ANIMES] FULLMETAL ALCHEMIST: 2003 OU BROTHERHOOD?

| sábado, 25 de abril de 2020


Em 2003 o manga da moda foi adaptado para anime e, como ainda é praxe  na industria, o manga não tinha terminado de ser publicado. Normalmente isso é resolvido com sequencias monstruosas de fillers (ou seja, meses de episódios "taca qualquer coisa aí pra encher linguiça"), porém dessa vez algo diferente foi tentado. O autor do manga disse para a equipe de produção do anime: "Ok, façam o que quiserem, estou curioso para ver o que vocês fazem com esse cenário".

E foi isso que eles fizeram. Fullmetal Alchemist é um dos melhores e mais iconicos animes de todos os tempos.Em 2012 um anime baseado inteiramente no manga (que já tinha terminado a esse ponto) foi feito, e esse é Fullmetal Alchemist: Brotherhood. Até hoje FMA: B é o anime mais bem avaliado da Anime List, o numero um anime de todos os tempos.

Se duvida, eu preciso apenas te mostrar essa imagem:

Edu... wado..


FMA é um anime bem triste e pesado. Em um mundo onde a magia (chama de "alquimia") existe sob regras quase cientifica - com efeito ela foi burocratizada e estatizada. Os alquimistas trabalham para o governo e você pode imaginar que não tem como sair coisas boas daí. Bastante baseado em Frankenstein, versando bastante sobre moralidade e ética cientifica, Fullmetal Alchemist conta a história de dois irmãos que tentaram usar a alquimia para ressucitar sua mãe morta.

Para grande surpresa de todos os envolvidos, as coisas deram fenomenalmente, estupendamente erradas.



Edward Elric perdeu sua perna na brincadeira e seu irmão Alphonse perdeu o corpo inteiro, sendo que na última hora Edward sacrificou seu braço para selar a alma do irmão dentro de uma armadura que por acaso estava por ali. A primeira cena, a que abre o anime, mostra justamente isso e é algo profundamente perturbador.

E assim vai durante todo o curso do anime.

O que é engraçado porque o manga, e por consequencia o anime de 2012, não segue essa linha de forma alguma. Ele é muito mais "do que vocês estão falando dessas coisas complicadas, caras? Eu só queria fazer uns poderzinhos para ter uma lutinhas shounen e tal!".

Com efeito, a coisa é tão discrepante que eu gostaria de elaborar um pouco mais o sobre as diferenças entre os dois.




PONTO 1:  Joss Whedon uma vez disse: "Make it dark, make it grim, make it tough, but then, for the love of God, tell a joke!".  


Como eu já disse, o anime original é bastante pesado e frequentemente melancolico, mas isso não quer dizer que seja um filme do Zack Snyder também. Não é como se FMA fosse completamente desprovido de humor, sobretudo o complexo que Edward tem em ser chamado de baixinho ou suas picuinhas com o coronel Mustang.

FMA: B me lembrou bastante Guardiões da Galaxia 2, que mal consegue ter uma cena séria sem alguém fazer uma piadinha para a coisa não ficar "densa" demais. Sabe quando os personagens estão falando coisas sérias sobre os seus sentimentos e então alguém anuncia que vai dar uma mijada (com essas exatas palavras)? FMA:B é recheado de momentos assim.

O anime tem um timing humoristico péssimo e parece gastar muito tempo e energia querendo dizer "olha pra mim, como eu sou engraçadão e descolado".

PONTO 2: A Profundidade.


Esta é outra das principais razões pelas quais eu prefiro o original. É irônico que eles chamaram a segunda série "Irmandade", quando o relacionamento de Ed e Al não foi expandido tão profundamente quanto no original. Você realmente sentiu no original o quanto eles se importaram e fariam qualquer coisa um pelo outro, na Irmandade são como colegas de viagem. Mais importante que isso, tem a coisa da culpa que se perdeu também em Brotherhood.

Veja, no original Alphonse entende alguma coisa de alquimia, mas nem de perto é tão bom quanto Edward. O que significa que ele meio que entrou de gaiato na coisa que acabou custando o corpo dele e Ed se culpa muito por isso ter acontecido com o seu irmão.

Com efeito, várias e várias vezes ele se mostra preocupado (e sem entender muito) com o que eles vão fazer, e claramente mostra que se fosse por ele, ele não estaria fazendo nada daquilo. Para piorar ainda mais, quando a merda bate no ventilador, Ed piora ainda mais as coisas ao invés de deixar seu irmão morrer como seria o ciclo natural da vida faz uma gambiarra para prender a alma do irmão dentro de um objeto. Imagine o que aconteceu com a Buffy, só que pior porque ela não voltou para o corpo dela e sim para dentro de uma armadura que não literalmente não consegue sentir nada.

Que bosta que tu fez, heim Ed?

Em Brotherhood, Al é um alquimista tão bom quanto, senão melhor que Edward e todo o peso "eu fodi com a vida do meu irmão" não existe realmente. Mais importante que isso, ele decide abertamente que tentar ressucitar a mãe de volta é uma boa ideia. Ele não é uma vitima arrastada para o meio da merda toda, ele deliberadamente entrou na fila para pegar seu prato de merda.

A unica coisa que Ed pode se culpar é que ele deu mais sorte que Al (ele perdeu "só" uma perna no processo), mas qual o peso emocional de se culpar por algo que é apenas sorte?

Novamente, vários aspectos do anime são levados com  o mesmo grau de leviandade, por exemplo. A Pedra Filosofal (um item que dizem as lendas que permite dobrar as regras da alquimia e é algo que os irmãos procuram para recuperar o corpo de Al) deveria ser um dispositivo de trama importante e esquivo, que até mesmo os homúnculos sobrehumanos não podiam criar por conta própria. Quer dizer, é "A" Pedra Filosofal, eu não preciso explicar muito sobre isso, né?

Em Brotherhood as Pedras Filosofais existem aos borbotões e são distribuidas como se fossem bala. Sem mentira, elas são usadas como se fossem shurikens em Naruto e metade do anime você fica se perguntando "ok, mas então se tem tanta dessa merda por aí Al não recuperou o seu corpo por...?"

Ed diz que eles não querem usar as Pedras Filosofais porque elas são feitas a partir de sacrificios humanos (o que me leva a deduzir que esse anime se passa na China, porque vai ter gente pra sacrificar assim la na casa do caralho). Beleza, eu consigo entender isso... mas então antes da metade da série ele descobre OUTRA maneira de recuperar o corpo de Al sem precisar sacrificar ninguém e simplesmente não usa!

E é uma maneira tão simples que ela acaba sendo usada no finalzinho... NO MEIO DE UMA LUTA, de tão simples que é!

Ah para, caras, vocês não estão sequer tentando contar uma história aqui!

PONTO 3: o drama


Já que estamos falando sobre isso, a maior queixa recai sobre a profundidade, toda a falta de drama. Quando eu assisti pela primeira vez o original, eu fiquei vários dias abalados com o que aconteeu com a Nina, isso porque a série levou vários episódios desenvolvendo a personagem, sendo uma menininha agradavel em uma situação sofrida, e então algo terrível acontece com ela.

Isso fez a série parecer muito mais real. Uma garota inocente a quem eu conheci e me importava pode morrer de maneira tão horrível devido ao seu próprio pai. Não é um mundo perfeito, onde os

inocentes são sempre salvos no último minuto pelo seu salvador que aparece no último segundo (que, pouco surpreendemente, acontece em abundância) em Brotherhood.

Em Brotherhood a personagem é apresentada e morta (mais ou menos) em menos de um episódio, e a única reação que causa em você é "ah, eu lembro dessa cena". O que acontece com a Nina é uma coisa muito importante porque é a epitome de tudo de errado que pode ser feito com a alquimia e é um marco que os irmãos Elric carregam para o resto da vida (como se eles precisassem ser lembrados disso, mas você entendeu o ponto).

Mais uma vez, isso se aplica a todos os elementos dramaticos da série e antes da metade você nem lembra mais quem foi o major Hughes.

E não só isso, os coadjuvantes fazem você sentir empatia por eles. Ninguém se importou quando a Martel morreu em Brotherhood, ela estava em 1 episódio como personagem descartável. No original eles realmente lhe deram a chance de se identificar com ela, e tornaram sua morte muito mais trágica.

O mesmo vale para os homúnculos, sendo a Luxúria o pior caso. Ver um personagem trágico com um background complexo ser substituido para fazer dela apenas outra femme fatale genérica com peitos grandes é realmente triste. A história da Luxuria e a vida passada dela foram um dos principais apelos do original. A Preguiça é outro grande exemplo disso, de um dos personagens mais trágicos do anime para um gigante estúpido e forte

A prova mais cabal de tudo isso é a forma como os homúnculos são criados. Em Brotherhood apenas o vilão central cria um general do mal magicamente da bunda because aquelas lutinhas não vão se fazer sozinhas. No original é, como você pode imaginar, algo bem mais pesado, complexo e que esfrega na cara dos personagens os erros do seu passado.

PONTO 4: a alquimia


Nos dois animes, eu posso dizer que não realmente entendi como a alquimia funciona. Mas por motivos diferentes.

No primeiro, é suposto que não deve ser entendido. Funciona como boa magia deve funcionar em qualquer cenário: o espectador deve entender que existem regras sólidas, mesmo que ele não saiba exatamente quais são elas. O principio básico da alquimia é a "troca equivalente", em que os alquimistas não podem realmente criar nada: apenas transmutar uma coisa em outra forma.

Adicionalmente, tem algo de mistico nisso. Os alquimistas estão mexendo no código-fonte de todo universo, e isso não é algo que seja feito levianamente ou sem consequencias. Pouco surpreendentemente, existem bem poucos alquimistas no mundo e aqueles que existem tem a opção de trabalhar para o governo senão...

Em Brotherhood eu não entendi como a alquimia funciona porque não existe realmente uma regra. Eu não vi um único motivo pelo qual qualquer pessoa não possa fazer alquimia. Mais ou menos da mesma forma que a magia em Harry Potter sempre me incomodou, com exceção das maldições imperdoaveis os livros nunca te dão nenhum motivo para acreditar que qualquer um não poderia fazer aquilo. É dito muitas vezes que Dumbledore consegue fazer coisas que os outros bruxos não fazem porque "ele é muito poderoso", mas eu nunca tive nenhum lampejo do que "poderoso" poderia significar em termos práticos.

Para realizar alquimia você tem que desenhar um esquema bastante especifico no chão (que é o que "hackeia" o universo) e ter em mente uma compreensão bastante grande do que você está fazendo, no que você está mexendo a um nivel quase atomico. Isso é o que faz Edward tão especial, porque ele consegue fazer alquimia sem precisar desenhar nada.

Só que como desenhar circulos no chão não daria boas cenas de luta, praticamente todos os alquimistas do anime tiram poderes da bunda muitas vezes sem motivo nenhum. É tão simples e tão fácil que eu não vejo porque QUALQUER PESSOA daquele mundo não está usando alquimia também.

O que é pior é que em Brotherhood a alquimia parece claramente algo inventado pelo autor na última hora, porque as pessoas não reagem como se vivessem em um mundo onde essas coisas existem.

Me deixe dar um exemplo: em determinada cena o exercito esta perseguindo o coronel Mustang e alguns outros que fugiram em um caminhão de sorvete. O que Mustang faz? Usa alquimia para mudar a aparência do caminhão de sorvete para um caminhão genérico... e com isso passa pelo ponto de controle do exercito sem nenhuma dificuldade porque "eles estavam procurando um caminhão de sorvete"!

Mas vem cá, puta merda, eles não sabiam que estavam procurando um alquimista que podia fazer isso literalmente estalando os dedos? São personagens que cresceram em um mundo onde mesmo quem não é alquimista compreende que esse tipo de coisa existe e que não é dificil de fazer! Mas como ninguém pensou nisso por um minuto sequer?



Em outra cena, Van Hohhoenheim está trabalhando na construção civil para ajudar a reconstruir uma cidade. Tipo, fisicamente: levantando paredes, colocando fundações no muque, todas essas coisas. Mas vem cá, ele poderia fazer o trabalho de um ano inteiro em menos de dois segundos! Literalmente!

Seria como os bruxos em Animais Fantasticos consertarem a cidade que foi danificada pegando um saco de cimento ao invés de só agitar as varinhas! Eu ainda entenderia se fosse um argumento que ele não queria chamar atenção, ou queria sentir a dignificação pelo valor do trabalho, ou qualquer coisa assim... mas não, depois de meses trabalhando desse jeito ele resolve cagar alquimia no meio da rua apenas porque a cena seria mais rápida desse jeito!

Ah, mas vão se foderem, essa construção de mundo não faz o menor sentido!

A coisa é feita tão de qualquer jeito que metade das pessoas que vê que Edward não tem um braço já deduz que ele tentou transmutação humana. Espera, isso não era um tabu? Que nem mesmo os alquimistas sabem o que acontece? Porque do jeito que é falado parece uma coisa muito óbvia e de senso comum, tipo "ah, você pulou do telhado e quebrou a perna". E aceitam isso de boa.

No original o que os irmãos Elric fizeram, as poucas pessoas que sabem o que eles tentaram fazer, tratam isso algo muito mais como frankensteiniano. Eles cometeram uma atrocidade contra todas as leis da natureza e são tratados de acordo, não algo que é recebido com um sacudir de ombros e "ah, que coisa né?".

A alquimia tem o poder de transmutar qualquer coisa desde que  não seja importante para a cena. Um radio quebrou? Consertamos! O pneu do carro furou e estamos sem tempo? Ish, melhor ir a pé...

 PONTO 5: o final


Se tem algo que Brotherhood leva uma boa vantagem sobre seu irmão mais velho, esse seria no desenvolvimento geral da trama. Desde o começo a história aponta para onde quer chegar e vai que vai quicando nessa direção. Com efeito, os episódios mais interessantes do anime são entre o 20 e o 35, quando os heróis ainda estão tentando entender qual o plano do vilão e como ele usou o governo ao longo de séculos para construir esse momentum.

Melhor ainda, nossos heróis passam a série toda arrecadando aliados e recursos que serão utilizados nessa grande batalha final e que necessariamente envolve um golpe de estado, já que estamos falando do exército com hierarquia e recursos, não de um big bad guy que se for derrotado seus minions vão apenas dizer "bem, era isso... sinuquinha as 8h, galera?". Pois é, Voltron é melhor que Senhor dos Anéis, lide com isso.

Mas dizia eu que essa parte é realmente interessante. Por outro lado, o anime de 2003 não tem tanto senso de propósito assim e não diz muito bem onde quer chegar - mesmo que o plano da vilã seja similar ao do big bad guy de Brotherhood. Tem até uns episódios fillers bem tosquinhos, na verdade. Sem duvida o desenvolvimento dos eventos - não dos personagens - é o ponto fraco da série de 2003 e exige uma boa dose de fé para ser apreciado

De qualquer forma, depois que o inimigo final é estabelecido Brotherhood perde todo o seu charme. Basicamente, é um cara mau como um pica-pau que quer se absorver todo mundo e se tornar Deus. Mas puta que me pariu sabanta berepecanta Japão! De quantos caras maus que querem absorver o mundo todo e se tornar Deus vocês precisam? Tamerda mesmo, viu...

E pior que tudo, toda aquela coisa de conseguir aliados, recursos e organizações do desenvolvimento do anime vai pro ralo e o que temos é uma batalha final de anime. Que é uma luta muito boa até, mas não tem nenhuma diferença realmente entre qualquer luta contra os membros da Akatsuki, por exemplo. Não é ruim, mas não é nada espetacular também.

A grande diferença é que enquanto o final de FMA:B é o que você poderia esperar de um anime shonen (o vilão é derrotado, todos são felizes vendo o por do sol), a série original se permite ser um tanto mais ambiciosa. Em uma reviravolta agathachristiana, são propostas questões bem inteligentes sobre a alquimia que estavam ali desde o começo da série e apenas nós que nunca fizemos a pergunta certa.

Acaba sendo mais mistico e um final diferente do esperado. Meio que lembra um pouco Battlestar Galactica até.

Então nesse quesito eu diria que estou dividido. Brotherhood ganha pontos por fazer o feijão com arroz básico, mas bem feito, a série de 2003 ganha pontos pela ambição.

Essa cena do final de FMAB, por exemplo, é muito bonita. Só que ela dura tipo 3 segundos, sem mentira! Puta merda, custava tirar um minuto de luta de anime generica para mostrar coisas como essa?


ENTÃO, QUAL DOS DOIS É MELHOR?


Bem, é subjetivo. Basicamente FMA 2003 se separa do enredo do manga em torno dos episódios 25-30. Enquanto Brotherhood vai até o fim com a trama dos mangas (o que não quer dizer muita coisa na pratica, abacaxi na bunda de quem precia de uma figura de autoridade te dizendo o que voce pode gostar). Pessoalmente, acho que o anime de 2003 é muito único na forma como ele lida com as coisas, enquanto que Brotherhood é apenas seu Shounen de sempre levemente melhorado. Porque por mais que eu tenha falado de problemas do anime nesse texto, ainda sim é um shonen decente. FMA 2003 é mais sombrio e tem um foco mais no drama, enquanto Brotherhood foca mais na comédia e na ação... se esse for o seu tipo de coisa (embora a comédia seja disruptiva e a ação não faça mais sentido do que em um filme do Christopher Nolan)

Mas, novamente, essa é apenas minha opinião.
Next Prev
▲Top▲