[GAMES] THE WITCHER 3: THE WILD HUNT (ou CDPR do what Bethesdont)

| sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Eu não sei como serão as coisas no futuro, mas o que eu sei é que em 2019 você não pode sequer cogitar falar em jogar no PC sem mencionar a Steam. Essa é a UMA loja para a todos governar, em promoções aprisiona-los.

Quer dizer, porque não seria? Ter todos seus jogos em um lugar só, numa plataforma ultra funcional, com os melhores preços do mercado e ainda uma promoçãozinha e outra de vez em quando? Holy cannoli, do que mais alguém precisaria na vida? A Steam é tão grande, tão prática, tão comoda que muitas lojas online só vendem códigos para você ativar seu jogo na Steam, isso é o quão grande ela é.

Por isso quando uma produtora de jogos pede "por favor, compre o nosso jogo na nossa plataforma e não na Steam para nós ficarmos com 100% do lucro", a reação natural de qualquer gamer seria apenas rir na cara desse iludido. Olha dude, legal o jogo que você fez mas eu não estou disposto a abrir mão do meu conforto e praticidade pra te ajudar. Sorry, but ema ema ema, cada um com seus pobrema.

Não vai rolar, nunca vai rolar. Sem chance. Never ever forever. A mera ideia disso me faz rir.


Exceto nesse caso.

Outra coisa eu eu nunca, nunca, mas NUNCA faço mesmo é pré-compra de um jogo. A própria ideia é uma idiotice por si só. Quer dizer, pré-compra surgiu numa época que os jogos eram adquiridos em lojas fisicas e o perigo de um grande titulo esgotar o estoque era real. Então você comprava antes do lançamento na esperança que o jogo fosse bom, porque a outra opção seria ficar até meses sem ter outra chance de ter aquele jogo.

Na época da distribuição digital, isso acabou. O jogo não esgota, obviamente, mas ainda existe pré-compra. Por que? A resposta para isso seria bastante longa e envolveria um post muito grande sobre imaturidade do publico, necessidade de se sentir parte de uma comunidade e várias outras coisas que tem muito mais haver com carencias emocionais do publico do que o jogo não estar acesssível.

Não existe nem um único pró palpavel, e existem infinitos contras. Talvez o jogo seja uma merda (né, Mass Effect Andromeda?), talvez ele seja bugado pra caralho (né, qualquer coisa que a Bethesda faz?), talvez ele sequer rode (né, Batman Arkham City?), talvez ele só vá ser concluído através de patchs dali a um ano (né, No Man's Sky?). Você não tem nada a ganhar e muito a perder.

Espere o jogo ser lançado, espere reviews de pessoas que você sabe que não jornalistas completos retardados, espere. Nesse momento eu já tenho mais jogos a minha disposição do que eu possivelmente terei tempo na vida para jogar, então qual é o desespero de TER que comprar alguma coisa antecipadamente?

TLDR; pre-order sempre, sempre, sempre, SEMPRE é uma ideia idiota e nunca deve ser feito. Nunca, em hipotese alguma, jamais e se você fez, você é um completo imbecil. Sorry, mas você é.


Exceto nesse caso.

Mais especificamente, por causa da CD Projekt Red. Mas por que isso, porque essa empresa em específico tem esse passe livre no mundo dos videogames?

Bem, a resposta curta é porque a CDPR faz isso:

Sério, é tão dificil assim fazer isso nos jogos, gente? Porra!

Mas enfim a resposta longa é que a CDPR é uma empresa diferente de qualquer outra porque embora eles tenham, hoje, o tamanho e o orçamento para lançar jogos tão grandes quanto as grandes distribuidoras como a EA ou a Bethesda, as decisões da empresa não são tomadas por executivos que mal fazem ideia do que videogames são, quanto mais que já pegaram em um controle na vida. Não, é uma empresa feita por gamers, para gamers.

Me permita dar um exemplo de como isso funciona: o primeiro jogo a ser distribuido pela CDPR foi Baldur's Gate da Interplay (hoje Blizzard), eles pagaram 30 mil libras a Interplay pelos direitos de distribuição na Polonia e mais 30 na adaptação do jogo. Ou seja, TODO o dinheiro que eles tinham.

O problema era que o jogo tinha 5 CDs de instalação, era um título que custava caro mesmo nas mãos dos piratas. Nas bancas, custava 15 libras. Nas mãos da CD Projekt, legalizado, saia pelo dobro. Mas eis a diferença: vinha com conteúdo dublado em polonês com dubladores famosos da época, com todos os textos traduzidos, caixa bacana, mapa, manual traduzido e um CD com a trilha sonora.

A resposta do publico foi imediata: as 3000 caixas que eles licenciaram da Interplay se esgotaram em três meses, antes mesmo do lançamento oficial. Licenciaram mais 5000, 6000, 7000, 8000 cópias.  Tiveram que comprar um galpão para armazenar tudo. A aposta tinha valido a pena: no dia do lançamento, distribuíram 18 mil cópias para lojas e, ironicamente, as banquinhas piradas que aderiram ao pacote.



E esse é o ethos da empresa até hoje. "Se eu estivesse jogando esse jogo, como eu gostaria que fosse?" pode parecer uma pergunta obvia a ser feita, mas você ficaria surpreso em quantos executivos falham em perceber tão somente o óbvio. Claro, tem a coisa também é que fazer o obvio dá um trabalho infernal - um trabalho cujos resultados pode ser substituído investindo pesado no marketing ou simplesmente comprando reviews (né, Kane & Lynch?). A CDPR escolhou trabalhar mesmo.

E como resultado, entregou um jogo que até 18 de maio de 2015, nós julgavamos impossível ser feito. Mesmo hoje eu ainda não acredito que Witcher 3 existe.



Veja, uma das coisas que aceitamos nos videogames é que nunca teremos um RPG de grande orçamento e pesado em dialogos, como eram os jogos de PC nos velhos tempos de legendas sem aúdio. O roteiro completo de The Witcher 3, por exemplo, tem 450 mil palavras. Isso é a trilogia inteira do Senhor dos Anéis! E são 950 personagens com falas nesse jogo!

PUTA QUE O PARIU, NOVECENTOS E CINQUENTA VOZES DIFERENTES!

Ninguém tem o tempo ou o dinheiro para escrever um jogo tão grande, com tanto texto no mundo de hoje em que a dublagem é obrigatória. Mesmo se você pudesse, de alguma forma, contratar um elenco de dubladores para dublar 950 personagens (o que seria ridículo), ainda teria o problema em que precisaria passar meses na cabine de gravação com todos eles. A logística de escrever todo esse diálogo, fazer testes de elenco com muitos atores, gravar todas essas falas e criar scripts para todas as cenas seria um pesadelo.

Exceto que... The Witcher 3 fez isso. Exatamente isso.



E mesmo que você, de alguma forma improvavel, conseguisse fazer isso... eu não faço ideia de como... você ainda teria que fazer sacrifícios em outras áreas. Quero dizer, se você vai ter tanto diálogo, terá de tirar opções de escolhas dos jogadores, já que não pode se dar ao luxo de ter várias versões de todas as cenas em um jogo desse tamanho. Ou, se você tiver escolha, deve ser de curto prazo e de escopo limitado. Quer dizer, imagine que as escolhas do jogador podem gerar 4, 5, 10 cenários possíveis diferentes, não é realista esperar que eles escrevam dialogos e animem cenas para tantos cenários possíveis, não em um jogo de mais de cem horas de duração. 

Sério, imagine como seria possível um jogo dar opção de remover personagens da história, mudar pares românticos, salvar vidas e quebrar ou criar alianças. Muitas escolhas que tem consequencias apenas muitas e muitas horas depois, e várias até alteram o final. Imagine ainda se fosse possível carregar grandes opções de ramificação (como personagens importantes mortos) de jogos anteriores!

Não, não tem como. Isso é loucura, é trabalho demais, não dá para fazer mesmo com os 80 milhões de dolares que foram gastos nesse jogo.

Exceto que... The Witcher 3 fez isso. Exatamente isso.



Mas ok, supondo que você fizesse isso ... de alguma forma... ainda sim, existem truques que você pode usar para fazer parecer que você tem muito mais dublagem do que realmente existe. Os jogos da Bethesda geralmente fazem com que 90% dos personagens falem nas mesmas cinco ou mais vozes "neutras". Isso reduz o número de dubladores que eles precisam contratar e permite que diferentes personagens compartilhem frases gravadas.

Imagine que insanidade seria se diferentes regiões do mundo tivessem seus próprios sotaques e cultura estabelecidas, fazendo com que cada região exija performances únicas. Imagine então se facções dentro de uma região tivessem suas próprias expressões ou tiques verbais. Todos lugares do mundo fossem tão diferentes e único que você pudesse saber onde está apenas ouvindo os nativos falarem. Puta merda, isso sim que seria de uma insanidade absoluta para se executar dentro de um jogo.

Exceto que... The Witcher 3 fez isso. Exatamente isso.


Tudo bem, suponhamos então que um jogo pudesse ter personagens com vozes diferentes caracterizando cada região do mundo, certo. Porém não tem como a produção do jogo ter tempo para fazer isso e ainda sim gastar muito tempo em uma construção de mundo complexa e diferenciada, porque os desenvolvedores têm medo de que os jogadores não vão querer ouvir toda essa politicagem, exposição, debate e construção de personagens. Tempo é dinheiro quando se fala de game design (literalmente, quase tudo que se gasta em um jogo são salarios da equipe), e você não pode se dar ao luxo de gastar tempo em coisas que os jogadores podem ignorar apenas pelo bem da construção de mundo.

Claro, The Last of Us faz isso e faz espetacularmente bem, mas TLoU faz isso em um jogo de 20 horas em uma narrativa direcionada. Isso quer dizer que os criadores do jogo tem total controle sobre por onde os jogadores vão passar, que quests eles vão fazer e tudo mais. Imagine aplicar esse nível de atenção a 150 km² de area (o tamanho da cidade de Toronto), em quests opcionais, em um jogo de mais de 100 horas de duração e incluir aí mais do que apenas narrativa ambiental sobre um episódio especifico, mas toda uma cultura envolvendo política, religião, história, cultura, relacionamentos e até mesmo trocadilhos realmente ruins.

Não dá, gente, é coisa demais, demais MESMO!

Exceto que... The Witcher 3 fez isso. Exatamente isso.



Bem, ok... mas o que você precisa entender é que os desenvolvedores têm certos truques que usam para prolongar seus jogos por 100 horas. Em Dragon Age: Origins, você tem longas seções como The Fade e The Deep Roads que são puramente combate por horas e horas. Ou então quests bosta de "colete cinco porcos senão o Illidan vai vir aqui matar a gente". É assim que videogames são feitos, quero dizer, não é como se você pudesse dar aos jogadores 100 horas seguidas de enredo!

Cara, mesmo Life is Strange faz isso de "colete X itens" para encher linguiça, porque não tem como você fazer um jogo longo baseado apenas em enredo! FUCKING LIFE IS STRANGE FAZ ISSO!

Imagine que insanidade seria se toda sidequest tivesse uma história por trás dela? Claro, nem todas são obras primas e algumas são muito simples, mas imagine - apenas imagine - se mesmo assim um ser humano tivesse pego cada uma das side quests e dedicado tempo a elas, tivesse pensado em algo para faze-las diferentes, interessantes. Pode ser a história do fantasma, pode ser a batalha que você tem, pode ser o lugar que você vai, pode ser que o NPC tenha um maneirismo ou sotaque que realmente fique na sua memória.



Imagine, apenas imagine que insanidade absoluta seria um conceito desses. Em Witcher 3, por exemplo, existem um total de 405 quests. Apenas em comparação, Battle for Azeroth tem 430 quests se você fizer todo o conteúdo de ambas facções. Imagine que alguém sentou e tentou de verdade tornar cada uma dessas quests memoravel de alguma forma. Alguém colocou esforço em cada uma dessas quests. As mais de quatrocentas.

Dá pra imaginar um negócio desses? Um jogo onde uma única sidequest de ir até um lugar e achar o corpo de alguém que morreu seja mais memorável do que roteiros inteiros de jogos? E que existem mais de 400 dessas? Imagine um jogo onde apenas um mapa do jogo tenha mais personagens, pontos de trama, cenas e batidas narrativas do que todo o enredo de BioShock Infinite. Em apenas uma área do jogo!

Isso é loucura. Loucura, eu te digo. 

Exceto que... The Witcher 3 fez isso. Exatamente isso.



Bem, não é justo comparar um jogo de diálogo no estilo TellTale com um jogo de ação e depois afirmar que o jogo de ação não tem diálogos. Os desenvolvedores de Witcher 3 provavelmente economizaram dinheiro deixando de fora o combate ou então o fazendo ficar no máximo apenas vagamente funcional - como em Vampyr, por exemplo.

Quer dizer, imagine só que loucura seria o jogo ainda por cima possuir um sistema de combate robusto, divertido e visceral. Que fosse rápido, brutal e cheio de variedade. Que você tivesse esquiva, bloqueio, desvio, dois tipos de ataques físicos e uma variedade de tipos de inimigos com diferentes padrões de ataque. Além disso, como se não fosse o bastante, você teria sistema de magia cheio de feitiços divertidos que podem ser brutais quando o jogador aprende quando usá-los E todo um sistema de oleos para espada e poções para ingerir com sua mecanica própria... tudo isso que fosse feito de uma forma fácil de administrar e menus extremamente simples de se navegar.

Sim, porque você ainda lembra quantas horas passou tentando entender os inventários de Mass Effect, né?

Verdade que o jogo não teria um sistema de combate TÃO bom quanto um Dark Souls ou um Devil May Cry 5 da vida, mas considerando todas as outras coisas que esse jogo faria, seria muito irrealista esperar que The Witcher 3 tivesse um sistema de combate melhor que 80% dos jogos de ação que existem.

Exceto que... The Witcher 3 fez isso. Exatamente isso.



Ok, mas o que estou dizendo é que os desenvolvedores precisam fazer sacrifícios em algum lugar. Se eles exagerarem no diálogo e no sistema de combate, terão que fazer cortes em outras áreas, como o level design. Esse jogo não poderia ter um mundo aberto gigantesco, e cada vila e cidade parecer única. Assets terão que ser reutilizados, não é possível que lugares diferentes tenham arquitetura diferente utilizando materiais diferentes, informando a classe econômica e cultura do lugar. Por exemplo, você conseguir ter uma ideia do nível de armadura que os ferreiros conseguem fazer apenas olhando a vizinhança ao redor. 

Porque, sério, como que eles vão fazer? Mandar uma equipe de produção para lugar exóticos da Terra para os artistas tirarem inspiração para fazer o jogo? Alugar um helicoptero e literalmente fazer um documentário para o pessoal no estúdio ter como base para criar o jogo?



Isso não parece possível de ser feito. E mesmo que fizesse isso, imagine então se o jogo também permitesse que você viaje brevemente para outros mundos, e esses outros mundos parecessem únicos e alieníginas?

Exceto que... The Witcher 3 fez isso. Exatamente isso.

Bem... digamos que um jogo faça essas coisas, TODAS essas coisas. Eu não faço a mais remota de ideia de como seria possível alguém se organizar tanto para conseguir colocar TUDO isso que eu disse dentro do seu orçamento/cronograma. Não é humanamente concebível imaginar isso, mas apenas pelo bem do argumento, digamos que alguém consiga.

Em ALGUM LUGAR eles vão ter que economizar, de modo que não é provavel que você espere gráficos que puxem a geração de videogames da sua época a um novo limite. Imagine você ter gráficos ricos em detalhes, com drawing distance enorme, efeitos de iluminação e sombra, efeitos sutis de definição de ambiente e cenas repletos de elementos dinâmicos?


Exceto que... The Witcher 3 fez isso. Exatamente isso.

E, ei, já que estamos sonhando alto, porque não arrematar tudo isso com o melhor mini game já criado na história dos videogames? Um minigame melhor que o Triple Triad do Final Fantasy 8,  melhor que o pipe hacking do Bioshock, melhor que o Blitzball de Final Fantasy X. Alias não apenas o melhor minigame, um dos melhores e mais viciantes card games já criados, porque não? Um minigame de cardgame tão bom, mas tão bom que não deixa nada a dever para cardgames profissionais como Magic e Heartstone. Um jogo completo com estratégias e combos, rodar o baralho, um deckbuilding com D maiusculo. Já que estamos falando de um jogo impossível de ser feito, porque não adicionar isso também?


Um minigame tão bom, de fato, que daria origem a um jogo independente próprio. 

Exceto que... bem, você já percebeu um padrão aqui, né?

Bem, é isso. Se um jogo fizesse essas coisas, eu quero dizer, TODAS essas coisas, seria não apenas um jogo impossível de ser feito, como seria o melhor jogo jamais produzido na história dos videogames. Sério, falta o que? A barba do Geraldo crescer conforme os dias passam? 


The Witcher 3: The Wild Hunt, é o maior, mais ambicioso e melhor jogo jamais produzido na história dos videogames. De verdade. De todos os aspectos tecnicos, é a maior obra-prima da história dos videogames e se eu tivesse mais palavras para elogiar o que foi feito aqui, acredite que eu as usaria. 

A única questão que resta ser respondida é: ok, tecnicamente o jogo é nada senão o melhor de todos os tempos. Mas e quanto a arte? Narrativamente, ele é bom? Você se importa com os personagens, as coisas que acontecem e como elas acontecem?

Além de ser uma jóia tecnica, é uma obra de arte também?

Bem, quanto a isso...


[TO BE CONTINUED]
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