Uma das regras mais verdadeiras da Internet é a "Regra dos 15 anos". Eu não sei exatamente quem criou A Regra dos 15 Anos — a primeira vez que ouvi sobre ela foi em um NerdCast já bem antigo, –, mas em todas as fontes, a descrição dela é essencialmente a mesma:
Se você assistiu a um filme antes dos seus 15 anos, curtiu muito e resolver assisti-lo novamente “depois de velho”, pode acabar se decepcionando, pois ele talvez não seja tão bom quanto você lembra.
Goste você ou não do Jovem Nerd, não tem como discutir que nisso eles estavam absolutamente certos. Só de zoeira, esses dias eu fui experimentar reassistir Cavaleiros do Zodiaco, por exemplo. Eu esperava que a coisa fosse ruim, é claro, mas puta que me pariu em chamas de Zillion, eu não esperava que fosse TÃO ruim. Jezuiz pulando de pogobol na cruz, como essa merda é mal feita. E olha que eu gosto de animes shonen! Batalhas bregas pela amizade, golpes sem o menor sentido prático, escalonação de poder (surpreendentemente, ao menos isso CdZ acerta porque não existe escalonação de poder, os cavaleiros de ouro são o melhor do melhor e para por aí, os outros inimigos são no máximo "tão fortes quanto um cavaleiro de ouro").
Mas enfim, Cavaleiros do Zodiaco é muito ruim. Sério, pediu pra ser ruim e ficou preso na porta giratória que distribui ruindade. Minha teoria atual é que isso só fez sucesso porque a outra opção que nós tinhamos de desenho animado era isso:
Como assim dente de coelho? Tamerda, viu...
Até me perdi onde eu estava, ah sim, a regra dos quinze anos. Enfim, o meu ponto é que muitas das ... não cara, puta merda, espera, eu vou ter que falar. PUTA QUE PARIU COMO OS DESENHOS ANIMADOS DESSA EPOCA ERAM RUINS! MAS JOGA MERTIOLATE NO MEU OLHO, JESUS, PQ ESSES DESENHOS ERAM MUITO RUINS, EPAMINONDAS FLAMEJANTE, AAAAARGH!
Sério, as crianças de hoje em dia não fazem idéia do quanto elas tem sorte de crescer com desenhos como Avatar (qualquer um dos dois), Gravitty Falls, Wander Over Yonder, My Litte Pony e é claro, Steven Universe. Sangue de Amaterasu tem poder, como esses desenhos daquela época eram ruins!
E se você for meter o dedo nessa ferida, vai perceber que muitas coisas dessa época não eram exatamente como você lembra. Final Fantasy VII é um RPG com uma historinha bem mediana com uma ou outra cena acima da média (pra não falar que alguns atributos nem funcionavam direito). Eu lembro de como eu absolutamente amava Double Dragon 3 no Nintendinho, devo ter alugado aquela fita um basilhão de vezes e tinha na minha memória o quão incrível esse jogo era...
E se você for meter o dedo nessa ferida, vai perceber que muitas coisas dessa época não eram exatamente como você lembra. Final Fantasy VII é um RPG com uma historinha bem mediana com uma ou outra cena acima da média (pra não falar que alguns atributos nem funcionavam direito). Eu lembro de como eu absolutamente amava Double Dragon 3 no Nintendinho, devo ter alugado aquela fita um basilhão de vezes e tinha na minha memória o quão incrível esse jogo era...
... até eu jogar de novo. Oh boy. Oh, good lord, eu não vou dizer que aquilo é ruim porque vai ter que melhorar muito para ser "apenas" ruim. É. Eu sei. Sim, eu sei.
A regra dos quinze anos não costuma ser um problema muito grande porque basta deixar quietas as memórias tão queridas sua infancia, certo? Bem, ela PASSA a ser um problema justamente quando um reboot ou remake tenta mexer nessas coisas. Aí, meu amigo, todas as portas do inferno se abrem de sopetão.
Nostálgicos vão para os textões armados de ancinhos e tochas virtuais choramingando "estão arruinando minha infancia" e bobagens sem fundamento do tipo. Claro, muitos desses remakes ou algo que o valha são feitos com tanto carinho quanto uma prostituta fazendo cerão e nem tentam disfarçar que são caça-níqueis sem vergonha.
Se você não vê a beleza deste jogo, algo muito errado está acontecendo com as suas expectativas |
Um exemplo perfeito disso é Duke Nukem Forever. Não, espera, volta aqui, me escuta: Duke Nukem Forever não é exatamente uma obra prima do FPS, mas nem de longe é taaaaaaaaaooooo ruim quanto a internet o credita ser. Isso acontece porque tanta demora na produção do jogo acabaram elevando o Duke Nukem original a ter uma qualidade na memória dos jogadores que o jogo nunca teve. Se não acredite, faça o teste e jogue os dois: Duke Nukem 3D não é tão bom quanto você lembra que é, e Duke Nukem Forever não é tão ruim quanto você pensa que é.
Dito isso, vamos levantar um ponto interessante: mas e se, veja bem, E SE uma empresa tentasse fazer um remake de um jogo não baseado no que aquilo foi realmente, mas sim baseado no que a memória afetiva dos fãs acha que foi?
Tipo esquece a realidade, dane-se como aquilo foi realmente. Senta com um fã e pergunta pra ele como ele lembra que era na memória dele.
Seria uma sacada genial, certo?
Pois bem, foi exatamente o que a SEGA fez. Sim, eu sei. A SEGA, a empresa mais obsecada em falhar no mundo. A empresa que lançou o Sega CD e o 32X antes do Saturno, e então adiantou o lançamento do Saturno em seis meses e "esqueceu" de avisar os lojistas. A mesma Sega que achou que seria uma boa idéia fazer Sonic 2006. A mesma Sega que achou que era uma boa ideia usar uma linguagem de poligonos completamente diferente do que os computadores e o Playstation usavam no seu videogame e depois não entendeu porque as empresas tinham tanta dificuldades em portar jogos para o seu Saturno. Essa Sega.
Sério, quem é que lança um videogame para competir consigo mesma, pelo amor das tetas lubrificadas de Galvatron? |
Sim, esse foi o miraculoso dia em que as estrelas se alinharam e a Sega teve uma boa ideia - que foi fazer um jogo do Sonic como as pessoas imaginam que os jogos do Sonic eram, não baseado no que eles realmente eram.
"Segure seus equinos de proporções diminutas", você pode estar dizendo. "Eu lembro muito bem dos jogos do Sonic no Mega Drive e eles eram radicais, incríveis, super rápidos, gotta go fast, aaaaahhh Sonic me engravida!"
Não, sua memória afetiva te diz que os jogos do Sonic eram assim. Quando na verdade os jogos do Sonic eram assim:
Bem menos radical do que você costuma lembrar, hã? Bem, verdade que desenhar fases do jogo do Sonic sempre foi muito complicado porque conceitualmente é muito dificil você associar um jogo de plataforma - onde tomar decisões de ação é a parte mais importante do jogo - a um jogo frenético onde seu personagem anda a mil por hora e você tem uma fração de segundo para responder a isso.
Um diferencial muito notavel, por exemplo, é que em Super Mario Bros existem 9 "Marios" de distancia entre o seu personagem e a frente da tela.
Isso dá muito espaço para que o Mario possa correr mas ao mesmo tempo o jogador tenha tempo de ver a frente e reagir de acordo. Já em Sonic...
... você tem apenas 4 Sonics e meio de tela para reagir. Bem menos se você estiver em alta velocidade. Em 1991 a Sega resolveu esse problema dando energia infinita ao jogador - que seria a coisa de você só morrer se estiver sem anéis, e o jogo te dá dezenas de chances de sempre ter um, inclusive recuperando os que você acabou de perder. Por causa da energia infinita que Sonic é um jogo jogavel e não um Bubsy da vida ou, Amaterasu me perdoe, um Jazz Jackrabbit.
"Quem?"
EXATAMENTE.
Mas meu ponto é que em 1991 a Sega não tinha nem a tecnologia ou a experiencia em level design para fazer um jogo do Sonic como as pessoas imaginam que os jogos do Sonic sejam. Por muitos anos eles tiveram dificuldade em fazer isso funcionar, na verdade, e eis toda carrada de jogos horrendos do Sonic que sem a magia do cheirinho de infancia nos anos 90 não são grande coisa, realmente.
Sonic Generations é um passo muito certo nessa direção (repare como a camera se afasta quando o Sonic corre, um recurso que não tinha como fazer em 1991 e que melhora infinitamente o jogo), mas Sonic Mania é a grande obra prima nesse sentido.
Porque em 2017, apenas 26 anos depois, a Sega finalmente tinha a tecnologia e know-how para finalmente fazer um jogo do Sonic como o conceito do jogo se propõe a ser executado. E foi o que eles fizeram.
Sonic Mania é um remake de estágios dos três primeiros jogos do Sonic e de Sonic CD, mas é exatamente isso que ele é: um remake. Quer dizer que todas as fases foram REFEITAS para permitirem que o conceito atinja o seu pleno potencial.
Veja por exemplo como era o mapa da clássica Green Hill Zone e como ficou:
Sonic Mania executa os conceitos de Sonic melhor do que qualquer jogo do Mega Drive jamais possivelmente sonhou em conseguir executar. As fases são grandes o bastante para que o jogo possa ser rápido. O level design é pensado para isso desde o começo e o uso de aceleradores, bumpers e etc não passa a sensação de que o jogo está se jogando sozinho (um problema muito grave de todos os jogos recentes do Sonic que tentam passar a sensação de velocidade) porque não só a camera é maleavel como existe espaço fisico na fase para que você possa manobrar em alta velocidade.
Colocando de outra forma, tentar ser rápido nos jogos antigos do Sonic era como tentar a andar a 200km/h no meio das ruas de uma cidade. Não vai dar certo, você tem que ficar parando o tempo todo e muito disso vira frustração. O que a Sega fez em 2017 foi colocar isso numa pista de corrida de verdade, com muito espaço, curvas largas, e todos saem ganhando.
Das 12 fases do jogo, 8 são fases antigas completamente refeitas e 4 são inteiramente novas. Todas exploram muito bem esse conceito de um jogo de plataforma rápido que o hardware do Mega Drive simplesmente não conseguia fazer.
Então Sonic Mania não é apenas o "melhor jogo do Sonic desde...". Não. Ele é o melhor jogo do Sonic. Ponto.
Não vai ser tão relevante quanto o original, claro, mas isso é mais uma questão de contexto histórico mais do que pela qualidade do jogo.
FEITO DE FÃ PARA FÃ
Se Sonic Mania tem o coração de um trabalho de fã com o orçamento de um jogo oficial, é porque é exatamente isso que ele é. O jogo foi desenvolvido por um fã de longa data dos jogos do Sonic: Christian Whitehead.
Chris começou sua "carreira" fazendo fangames do Sonic, como tantos que existem na internet hoje. E como tantos outros, em 2009 recebeu uma amistosa cartinha de "Cessar e Desistir" da Sega quando ele publicou uma engine na internet que fazia rodar Sonic CD no iphone. Não diferente do que a Nintendo faz com qualquer projeto de fã hoje em dia (com efeito, estou surpreso desse site não ter tomado uma C&D só por ter uma tag com o nome da Big N).
Só que então os executivos da Sega tiveram uma boa idéia - possivelmente a primeira nesse milênio - ao decidir chamar o cara para trabalhar com eles ao invés de enfiar um processo na toba do sujeito. E assim foi feito. Depois de fazer ports de Sonic 1 e 2 para celulares, a Sega chamou o sujeito para conversar e disse "está aqui a chave do cofre, agora vá lá e nos faça um jogo incrível do Sonico".
E foi exatamente o que ele fez.
APRESENTANDO: O MELHOR SIDEKICK DO MUNDO. E O TAILS.
Uma última coisa que eu preciso dizer sobre o jogo é que o seu modo cooperativo é bastante... único. Sendo uma mistura de Sonic 2 e 3, Tails é o personagem para o seu irmãozinho ficar mexendo no controle enquanto você joga - já que ele é imortal e o avanço da fase não realmente depende dele.
O que é bacana, mas jogando cooperativamente fica uma sensação estranha de que porque exatamente a raposa não é a protagonista do jogo mesmo? Ele é tão rápido quanto o Sonic, é imortal e voa! Ou seja, ele não só faz tudo que o Sonic faz como é melhor!
Isso gera um efeito interessante jogando, porque como ele é imortal o Tail pode se jogar como um boi brabo em cima do chefe enquanto o jogador do Sonic só precisa se preocupar em sobreviver. E nas partes de plataforma, bem, eu não preciso realmente dizer as vantagens de voar, né?
Fica a dica para a próxima entrada da franquia: "Tails Adventure - The Day of Reckoning"