[GAMES] THE OUTER WORLDS: parte II (ou criogelatariados do mundo, uni-vos)

| domingo, 1 de dezembro de 2019
 

No post anterior eu discuti o que Outer Worlds é, mas... sobre o que Outer Worlds é?

A primeira impressão que pode passar é que OW é um jogo adolescente revolts anticapitalista, e é fácil entender da onde isso vem. Seu personagem foi acordado do sono criogênico como colono da Esperança, uma nave que partiu da Terra com as melhores mentes afim de iniciar uma nova colonia. Infelizmente alguma coisa deu errado no caminho e a Esperança se perdeu, vagando a deriva no espaço por 70 anos antes de ser encontrada.

Sua história começa quando um cientista louco invade a Esperança, te descongela e te solta no planeta mais próximo. Cabe agora a você entender o que esta acontecendo e como descongelar seus colegas esperançosos do seu sono... ou vender o cientista as autoridades e viver com a grana, já que ele é procurado. Ou não fazer porra nenhuma. Você que decide.

Tá, mas e o capitalismo com isso?

Essa é a sua nave, btw. O que poderia dar errado?

Ora, acontece que o sistema de Halcyon não é administrado por um governo per se, e sim por uma grande e gananciosa corporação do mal que odeia o bem. E por gananciosa, eu quero dizer humor-negro-fallout-raíz gananciosa. Estamos falando de um mundo onde suicidio de um empregado é considerado crime contra o patrimonio da empresa e a pessoa mais próxima dele tem que pagar uma indenização.

E mais próxima não por parentesco, eu quero dizer fisicamente mais próxima mesmo na hora que o cabra se matou. Essas empresas e seu CAPETAlismo, né? Que danadinhas!

Um dos melhores diálogos do jogo é com esse vendedor que está a 18 horas trabalhando com esse capacete ridiculo, vocês consegue ouvir o som da alma dele esfarelando a cada slogan de marketing
Conforme você hackeia computadores, você vê mensagens e memorandos completamente bizarros do tipo que o trabalhador tem direito a uma pausa de 15 minutos depois de uma jornada de 20 horas, e é sugerido que ele consuma os energéticos da empresa neste intervalo para voltar ainda mais produtivo!

Porque é exatamente assim que o capitalismo é, estou certo ou estou certo?

Damn you capitalismo, como ousa?
Claro que os jornalistas se focaram apenas nisso para fazer seus manchetões de reviews, mas então se uma classe contratualmente impedida de pensar como jornalistas esta fazendo esta analise rasa, pode-se suspeitar que a piada é bem mais profunda que isso.

Outer Worlds não é um jogo anticapitalista... nem antinada em especifico. Ou, mais precisamente, Outer Worlds, tal qual South Park, é um jogo antitudo! Sim, em The Outer Worlds, ficar desempregado pode causar expulsão da cidade, seus patrões esperam que você fale slogans da empresa o tempo todo, e a máxima “o trabalho enobrece” é levada tão a sério que uma corporação defende que doenças são resultado da falta de dedicação ao seu cargo.

Só que as corporações utilizam uma linguagem bem especifica para vender a ideia de que você ser propriedade dela não é escravidão e sim o seu DEVER SOCIAL de contribuir com a comunidade. Você nasce com uma divida histórica para com a sociedade, e a dedicação integral ao trabalho é a sua forma de manter seu valor social não para os donos da empresa, mas para o bem estar da colonia!

Agora, onde foi que eu ouvi alguma coisa assim?

 
E agora que estamos nisso, esses posters motivacionais de Halcyon realmente me parecem com alguma coisa que eu já vi antes...


Durante o decorrer do jogo, sobram exemplos de ideias que poderiam ter mudado Halcyon para muito melhor sendo jogadas fora para evitar corroer o poder de uma pequena elite específica, ou como a solução para qualquer um dos problemas que afetam a colonia foi soterrada por toneladas de burocracia.

Sim, porque é exatamente assim que o capitalismo funciona. Todos bens da colonia são geridos por uma empresa que usa sua força militar para esmagar qualquer dissidente ou tentativa de competição. Agora, eu tenho bastante impressão que tem outra palavra para esse tipo de capitalismo... hmm, como se chama mesmo quando o governo monopoliza todos serviços, o que inevitavelmente leva a população a morrer de fome, mas diz que está tudo bem emitindo relatórios falsos afim de manter o poder de meia duzia de pessoas? Tenho certeza que isso já aconteceu em algum lugar e tem um nome especifico para esse tipo de capitalismo...


 E essa é a verdadeira grande piada de Outer Worlds, o que o jogo realmente retrata é uma mescla bizarra de todas as principais correntes sociais, filosóficas e políticas do mundo atual levadas às últimas consequências, não o capitalismo em particular. E isso não aparece apenas na organização social, mas se estende a filosofias e religiões e aos comportamentos e convicções de NPCs. Por exemplo, a ciência inspira a religião do “Cientismo”, que acredita que há um Plano superior, darwinista e pré-ordenado para o universo, o que tornaria o livre-arbítrio uma ilusão. Outros, os “Filosofistas”, acreditam que o universo é naturalmente caótico e que buscar qualquer ordem social é perda de tempo.

E o curioso é que você, como alguém que veio da nossa Terra após décadas em suspensão criogênica, logo nota que ninguém fala ou acredita em um Criador universal; ou seja, Halcyon é atéia para os nossos padrões, uma bela traulitada naqueles ingênuos o bastante para acreditarem que o mundo irá melhorar magicamente se de repente todos deixarem de acreditar em um Deus, seja ele o cristão ou não. The Outer Worlds mostra o que realmente aconteceria: pessoas substituiriam sua fé por outras crenças, algumas dessas seriam transformadas em novas religiões, e o problema principal, a moralidade, continuaria sendo jogado para escanteio.



Provavelmente de forma não intencional (não que intenção seja relevante, o autor está morto), a combinação de todos os itens acima faz de The Outer Worlds um dos jogos mais mais meta jamais feitos. A Obsidian é uma desenvolvedora pequena, tentando sobreviver com jogos autorais em um mundo onde apenas o dinheiro das grandes distribuidoras lideradas com assembleias de executivos pode fazer a diferença.

Em Outer Worlds, os vilões são (em grande parte - existem algumas exceções) gatos gordos corporativos. Suas maldades não provem de vilania pura, mas muito mais de incompetência. A primeira cidade que você visita tem um problema com a praga - em pouco tempo, você aprende que essa "praga" provavelmente é apenas a gripe, e provavelmente causada pelo fato de que o governo local está alimentando os colonos com uma dieta terrível composta principalmente de processados ​​artificialmente. substância semelhante a peixe, além de faze-los trabalhar trocentas horas por dias. Sabe idiocracia, onde ninguem sabia porque todas as plantações do mundo morreram até o protagonista descobrir que estavam usando isotonico na agricultura? Tipo isso.

A pegadinha é que isso não só prejudica a saúde dos trabalhadores, mas também prejudica os resultados da empresa. É estatisticamente comprovado que empresas com horarios mais flexiveis e ambientes menos toxicos produzem mais, mas boa sorte tentando fazer coisas como fatos cientificos chegarem aos executivos.



Esse padrão persiste. Várias vezes, quando você finalmente encurrala o patife corporativo da última série de missões e se prepara para distribuir justiça na boa e velha forma de ultraviolencia, o jogo esvazia sua vitória revelando a motivação real do patife: não é malícia, mas uma combinação de estresse, uma situação desesperadora e um clima de desespero. Uma máquina bem lubrificada de gerar incompetência humana.Nem todos os socialistas são maus, a grande maioria deles acredita piamente que está lutando a boa luta tanto executivos tomam decisões pavorosas porque acham que estão abafando (sério, alguém aprovou pagar pelo filme do Hellboy!).

E essa é a verdadeira mensagem de Outer Worlds: durante o jogo inteiro você ouve falar do "the board" da empresa, e imagina que eles são um bando de caras maus como um pica-paus esfregando as mãos e rindo maquiavelicamente. Porém conforme você avança, descobre que não é assim. Enquanto algumas pessoas são realmente más, a grande maioria é apenas burra.

Como que alguém aprova coisas como essa campanha de marketing é algo que apenas a magia dos comites de executivos pode responder, e essa é a piada aqui.
Não é a maldade que está envenenando o mundo. É a burrice.

O que eu quero dizer com isso é que o coração de Outer Worlds, sua verdadeira essencia, está em algum ponto entre South Park e Idiocracia. Bem, a Obsidian fez de fato o jogo de South Park, e no processo eles tiveram boas conversas com os criadores, isso é algo que você consegue sentir em Outer Worlds. Em alguns momentos OW me lembra o episódio de South Park sobre transexuais: "oh, ok, é isso que vocês querem beleza, mas vamos colocar bem claro do que é que estamos falando", em outros lembra bastante essa coisa que South Park faz tão bem em não fazer nada disso de forma pesada ou depressiva o tempo todo. Você encontra NPCs sérios que usam os jargões de todas essas crenças e ideologias, desde “tomar os meios de produção” e “derrubar o sistema” até “buscar o sentido do universo” e “ascender na ladeira corporativa”… Mas ao mesmo tempo, o tom exagerado, de levar cada ideia até as últimas consequências, abre espaço de sobra para humor.

E, bem, agora que eu já falei sobre como é OW, e o que é OW, falta apenas um último post falando sobre a grande carta na manga de Outer Worlds: sua estrutura de quests. Não perdam!
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