[GAMES] THE OUTER WORLDS: parte III (ou a inesperada virtude da criatividade)

| sexta-feira, 29 de novembro de 2019
 

Ok, eu tenho apenas um último ponto a falar sobre esse jogo e, acreditem ou não, é o ponto mais importante da coisa toda. E ao mesmo tempo uma pergunta bastante simples, que é: quanto tempo dura esse jogo?

A resposta, como acontece bastante nos jogos modernos, varia muito. Alguns dirão que o jogo tem mais de 50 horas, outros dirão que são mais ou menos 20, uns terminarão em 10 e tem até mesmo quem terminou o jogo em 12 minutos. 12 minutos!


Tá, mas e daí? Explorando glitches, ou fazendo ou não pegando sidequests o tempo de jogo é esperado variar bastante. Não é isso exatamente que faz OW especial, e sim o fato de essas três pessoas (a que terminou o jogo em 10 horas, a que terminou em 30 e a que terminou em 50) vão te jurar de pé juntos que eles não entendem como os outros acharam tempos de jogo tão diferentes assim.

E ESSA é a verdadeira magia de Outer Worlds.

Um dos videos mais interessantes que eu assisti recentemente é este video, que relata a experiencia de ver uma pessoa que não é gamer tentando jogar videogames e relatando o que ela achou da coisa toda:


Uma das conclusões mais interessantes da cobaia neofita em games, é que ela realmente achava que videogames fossem mais... legais. Se você não entende muito de videogames, sua tendencia é imaginar que videojogos são o equivalente eletronico de RPGs (o de mesa, com um mestre narrando e ficha de personagem e tal) e que você pode ser super criativo e tem que pensar e tal tal tal.

Não são. Videojogos na verdade são muitos mais boardgames do que RPGs. Não é sobre ser criativo e pensar fora da caixa, é sobre aprender as regras do jogo e jogar bem com as ferramentas que o jogo te dá. Quantas vezes você não estava jogando um jogo e não pensou: "espera, eu tenho poder para destruir um país inteiro, porque eu preciso achar uma chave para essa porta ao invés de simplesmente derrubar ela?".


Em algum momento da sua vida, você já pensou isso. Mas chances são que, quanto mais você joga videogames, menos você se faz essa pergunta. Com o tempo você apenas aprende a enxergar o game design e entender o que é que o jogo quer de você. Então você faz isso. As vezes o jogo até mesmo te dá multiplas opções (como em Deus Ex, que você pode lutar, talkear ou stealthear o seu caminho), mas todas opções são para seguir um caminho pré definido. Tal como o Neo despertando seus poderes em Matrix, gamers começam a enxergar games como linhas de programação.

E então, de tempos em tempos, um jogo ou outro ousa brincar fora dessa caixa. O que é muito dificil, a inteligencia artificial hoje ainda é muito incipiente para possivelmente combater todas as trilhões de ideias que uma mente humana pode ter sobre como resolver problemas (e vai levar ainda muito, muito tempo para uma máquina nos vencer em CRIATIVIDADE), mas alguns jogos tentam.

A Lenda de Zelda: o Bafo do Selvagem, por exemplo, é um jogo todo construído para deixar você pensar fora da caixa. Um exemplo bem simples sobre como o jogo funciona é esse puzzle: você tem que controlar um daqueles labirintos com uma bolinha dentro e fazer a bolinha rolar até a saída, obviamente esse é o level design intencionado...


... ou você pode apenas dizer "peraí, tem um jeito melhor de fazer isso!". Voi lá. Até hoje eu nunca conheci UMA pessoa que se frustrou com um jogo por ter tido uma ideia inteligente e o jogo ter deixado você fazer o que queria. Breath of the Wild é um desses jogos, apenas porque a Nintendo é uma linda chocolatante.

Eu lembro especificamente de uma missão em GTA V que você precisa matar um cara no alto de um prédio, e eu pensei em umas 5 maneiras muito legais de fazer isso (subir num prédio vizinho e atirar com um rifle de sniper, roubar um avião e ir full Bin Laden nele, colocar C4 nas fundações e derrubar o prédio, etc). Infelizmente o jogo falha se você fizer qualquer coisa diferente de ir e lutar seu caminho andar por andar até o topo. Salvo raríssimas exceções, videogames não tão legais quanto a sua criatividade.


E onde Outer Worlds entra nisso? Bem, a Obsidian não tinha o orçamento para fazer um jogo com tantas possibilidades quanto um Bafo do Selvagem da vida, verdade, mas o que eles tinham era um bando de caras e garotas realmente espertos que são amplamente fãs de pensar fora da caixa. E ESSE é o grande truque de Outer Worlds: é um jogo sobre fazer escolhas, onde você não faz escolhas realmente.

Explico: videogames não são muito sutis com escolhas narrativas, eles jogam com alarde e pompa na sua cara que você está fazendo uma fucking escolha!

Estou surpreso que a maioria dos jogos até não toque uma fanfarra e um jingle tipo "olha lá, se liga seu bolha, está na hora de fazer uma fucking ESCOLHA!". Graças ao amor da Velvet Room eu não preciso ganhar a vida compondo musicas, eu sei.
Outer Worlds... não faz isso.

Aqui, me deixe te dar um exemplo bastante simples: uma das primeiras sidequests que você pega é de um cidadão de Pontagua completamente pancada da cabeça que acha que as máquinas estão tramando uma rebelião das máquinas. Porque, você sabe, elas estão lá, fazendo suas coisas de máquinas, maquinando silenciosamente, fazendo você acreditar que estão cumprindo ordens enquanto se infiltram e orquestram para ... TAKE OUR JAAAAAAAAWWWWBBBBBSSS. Enfim, a excelente escrita Southparkiana da Obsidian que eu comentei no post anterior e faz esse jogo ser tão delicinha.

O ponto é que o cara te dá a quest de matar um robo que está por ali "agindo de modo suspeito". Você pega a quest, o jogo te dá um marcador no mapa de onde o robo está, você mata o robo e entrega a quest para o cara, ganha o XP, vida que segue. É assim que a maioria das pessoas joga videogames, é assim que é esperado videogames serem jogados. Tudo certo, vida que segue.

Mas... você pensou na possibilidade de... deus proíba o que eu vou dizer agora... FALAR com ela? Se você tiver pontos de skills em engenharia e percepção o suficiente, abre a opção de não apenas você falar com o robo em questão, mas como ele pode te dar outra quest! Aquele robo em particular está, de fato, se comportando estranho não porque eles está tramando uma rebelião das máquinas mas sim porque ele está com defeito em uma peça. Se você conseguir a peça para ele, e manjar das engenharias, dá pra consertar o robo.


Esse é apenas um exemplo minusculo de uma quest que não tem tantas ramificações assim, mas dá pra você entender como Outer Worlds pode ser imensamente maior ou menor dependendo de como você aborda o mundo sem nunca jogar um menu na sua cara e dizer "você está fazendo uma escolha!". Não, como você joga, quais skills você investe, ESSA é a escolha que você faz nesse jogo.

A coisa escalona a tal ponto que quando eu cheguei a ponto de ir para a ultima dungeon do jogo, um quarto do mapa de planetas estava desabilitado pra mim.


Em um primeiro momento eu apenas dei de ombros e pensei "ok, isso vai ser adicionado em um patch depois, ou um DLC", porque é assim que videojogos são hoje em dia. Mas então eu vi nos walkthrougs pessoas falando de planetas que eu nunca fui e, mais importante, eu nunca escolhi não ir. Olha, eu jogo videogames a 30 anos, eu sei quando eu estou fazendo uma escolha de história...

... ou eu achava que sabia. Eu fiz minhas escolhas pela forma que eu falei com as pessoas, por quais quests eu fiz e de que forma eu fiz. Essa é a forma que você monta seu caminho em Outer Worlds e é por isso que sua experiencia de jogo pode variar de 12 minutos a 50 horas, e você genuinamente não ver como outras pessoas fizeram diferente disso.

Quando você jogar uma partida de RPG como jogador, a aventura acontece e a história se desenrola, e você tem a sensação que as coisas aconteceram da única forma que elas poderiam ter acontecido, salvo uma ou outra escolha óbvia que o grupo fez aqui e acolá. Quando você mestra uma partida de RPG, você tem muito mais material preparado do que o que foi utilizado e está vendo quais escolhas e caminhos os jogadores estão tomando, mesmo que eles não saibam que estão escolhendo alguma coisa. E, neste sentido, Outer Worlds é um dos raros e verdadeiros RPGs para videogames!


Antes de encerrar, eu gostaria apenas de lembrar que Outer Worlds foi um jogo financiado no Kickstarter (tecnicamente, uma demo é financiada no kickstarter para que eles possam apresentar o projeto para uma publisher que pagará a coisa inteira). Ou seja, ele foi feito com muito, muito pouco dinheiro para os padrões de um videojogo. 

A boa notícia é que em 2017 a Obsidian foi adquirida pela Microsoft, de modo que o tio Bill pode dizer para eles "continuem fazendo o que vocês sabem fazer e a gente cuida dos boletos, talkey?". Se com o orçamento de duas pamonhas e uma foto autografada da Uma Thurman eles fizeram o melhor jogo de 2019, imagine o que eles serão capazes de fazer com recursos ilimitados (já que a Microsoft é feita de paredes de ouro e moveis estofados com dinheiro).

Aliado ao fato que The Outer Worlds explodiu o numero de vendas esperado para um jogo com esse orçamento, e considerando que o jogo está disponível no Game Pass da Microsoft (ou seja, muita gente jogou o jogo sem compra-lo realmente, como eu) e que ainda não foi lançado para o Switch (será em 2020), demonstra o quanto de demanda existe nos gamers para jogos feito com esse nível de interesse e qualidade. Isso realmente me deixa feliz, de verdade.

 O futuro parece incrível, meninos e meninas, o futuro parece realmente awesome...

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