Em 2009, a então desconhecida (no ocidente) produtora japonesa "From Software" lançou um jogo exclusivo para PS3 que mudou para sempre a história dos videojogos. Era um jogo de ação, porém extremamente tático que levava muito em consideração a fisica do personagem, adicionando coisas como o peso e tempo de execução do movimento no fluxo do combate.
Esse jogo não era diferente apenas no sistema de combate, entretanto, ele também tinha uma forma totalmente sua de contar sua história através do cenário e não através de dialogos ou cutscenes. Andando pelos lugares lovecraftianamente abandonados do reino de boletária você tinha a sensação de que uma história definitivamente tinha acontecido ali e que você apenas chegou tarde demais.
Esse jogo tão revolucionário e único se chamava Demon's Souls, embora tenha ficado mais popular pela sua continuação Dark Souls. Na verdade, esses jogos ficarão tão populares que se tornaram um genero a parte - justamente chamado de "soulslike", com todo mundo querendo tentar uma casquinha do que a From Software criou. Alguns tiveram menos sucesso (como o Nioh da Team Ninja) e outros tiveram mais sucesso (como o Monster Hunter World, da Capcom).
Muitos outros jogos também também tentaram exportar elementos da série souls para outros generos, e dentro disso, como não podia faltar, existem aqueles que tentaram fazer um "Dark Souls 2D". De todas estas tentativas, acredito que o mais se aproxima de conseguir desconstruir os elementos que fazem a série Souls ser o que é, é justamente este metroidvania indie que está em sua terceira continuação: "Momodora: Devaneio Sob o Luar".
Embora seja o quarto jogo da série, este Momodora é na verdade uma prequel que se passa antes dos outros jogos (SIM, É ISSO QUE PREQUEL SIGNIFICA!) e você não joga com as protagonistas Momo e Dora que dão nome a série, e sim com a sacerdotiza Kaho que usa uma folha de mapple com arma.
Sim, se você sempre achou que o que faltava na sua vida é a heroína mais canadense de todos os tempos, bem, este não é mais o caso.
A primeira coisa que chama atenção a respeito de Momora é, obviamente, seu visual. O jogo é todo feito cuidadosamente em pixel art, o que quer dizer que seus produtores sentaram a bunda na cadeira e desenharam pontinho por pontinho os sprites para quem fosse o mais kawaii e fluído possível - no que eu acho que eles tiveram total sucesso.
Tudo é tão expressivo e transmite a dedicação com o que foi feito que não tem como não admirar esse jogo pelo que ele parece. Ok, isso é uma coisa boa a respeito dele, mas e sobre o jogo em si?
Como eu já tinha dito antes, aqui você joga com uma sacerdotiza chamada Kaho que viaja para esta cidade para ter audiência com a rainha, para pedir que ela faça alguma coisa a respeito da maldição que consome todo o reino - acaba que, pouco surpreendentemente, a própria rainha é a origem da maldição então cabe a Kaho dar folhadas purificadoras nela até o encosto sair ou ela morrer, o que vier primeiro. Essa foi uma sentença bem estranha de se escrever.
Sua folha de mapple pode ser usada para um combo de três hits, ou você pode usar um arco para atacar a distancia (porém mais fraco que a arma corpo-a-corpo). Os inimigos batem forte, e você tem um item de poção que pode recuperar
um pouco do seu HP durante o combate ao custo de ficar parado alguns
segundos. Porém a verdade sobre a dinamica do combate, e aqui é o ponto que eu levantei no começo do texto, remete muito a série Souls.
Você nunca pode abrir seu caminho a força e tratar cada tela mais como um puzzle do que como um jogo de ação. O seu posicionamento é muito importante, assim como ter noção do timing que os seus ataques levam e os ataques dos oponentes duram. Outra mecanica muito importante é a de rolar tanto para se reposicionar quanto para escapar dos ataques.
Ora, isso de rolar, conseguir um tempo para beber a poção e saber a distancia e tempo dos seus ataques e ataques dos adversários nada mais é do que uma rendição 2D da mecanica soulslike, e a sensação de jogar é bastante similar, apenas que em pixel art.
Existem também debuffs como poisoned ou cursed (que te impede de usar itens) assim como em Dark Souls também. Outras características herdads da série souls são que conforme você avança no mapa, você pode desbloquear atalhos para tornar a jornada mais curta e claro, como não podia faltar tem também os sinos que funcionam como as fogueiras - salvando o jogo e recuperando seu hp.
A nivel de level design, Momodora pode parecer um metroidvania - todas as areas do mapa são acessíveis e você pode ir e voltar a qualquer parte, mas não parece exatamente como um.
Agora, a coisa mais comumente associada a série Souls é, obviamente a dificuldade. E nesse aspecto Momodora é um jogo muito dificil. Tipo muito MESMO. Tipo eu realmente recomendo você jogar no easy, eu não estou brincando. E esse talvez seja o aspecto que Momodora tenta se inspirar em Dark Souls e menos tem sucesso.
Dark Souls é dificil, sim, mas não da forma que as pessoas pensam. É um jogo que exige que você leve cada luta a sério, exige paciencia e avançar com cautela - você não pode só rushar os minions até o boss. Eu senti que este jogo tentou fazer a mesma coisa, transformando cada tela em um puzzle - só que como o jogo é um jogo 2D, exige muito mais habilidade manual do que Dark Souls e isso acaba fazendo o jogo cansativamente dificil. Sério, jogue no easy.
Em seu level design, Momodora poderia ser descrito como um metroidvania... mas não exatamente.
A coisa de um metroidvania é que enquanto o mapa PARECE totalmente acessível desde o começo, você precisa conseguir power-ups que dão novas habilidades (pulo duplo, dash no ar, quebrar rochas) para desbloquear o acesso a estas areas. Momodora não funciona assim: todo o mapa está totalmente acessível desde o começo e você pode enfrentar cada um dos chefes na ordem que desejar e enquanto você ganha alguns power ups, eles são marginais e não interferem muito com a sua experiencia de jogo.
Especialmente no fluxo do combate a sensação que você tem no começo do jogo é muito similar a do final, e essa falta de variedade e não escalonamento de poder é um aspecto que conta contra o jogo. O que, entretanto, é um problema menor do que poderia ser dado que o jogo é relativamente curto. Se fosse um jogo longo, aí sim não ter uma evolução palpavel seria um problema bem sério.
Por último, eu gostaria de falar sobre a história do jogo e, como você já pode imaginar, voltaremos as referencias a Dark Souls. Como eu já tinha dito antes, Momodora é sobre uma sacerdotiza que vai procurar uma audiencia com a rainha para que ela faça algo a respeito da maldição que tomou conta do reino, apenas para descobrir que a própria rainha é a origem da maldição.
Contemple, bruxa do decaimento! Seu vil plano maligno ruirá perante a temível e lendária FOLHADA DE MAPPLE NAS TETA! ... sim, é sério isso. Mesmo. |
Mas a coisa desse jogo é que em nenhum momento é dito O QUE, exatamente, essa maldição é ou que ela faz, especificamente. O que poderia ser um sinal de preguiça e desleixo por parte dos criadores, na verdade é usado como uma ferramenta de dar bastante liberdade na construção da atmosfera do mundo.
O tema de Momodora é o desespero e a danação. Eventualmente você encontrará NPCs procurando a pessoa amada que desapareceu ...
... apenas para encontra-lo mais para frente.
Coisas parecidas acontecem algumas vezes, você nunca tendo certeza do quanto (ou se) a maldição teve haver com isso. De qualquer forma, Momodora não é um jogo que você pode ajudar ninguém a respeito do que aconteceu, o melhor que você pode fazer é impedir que aquilo volte a acontece.
Essa é bastante a tonalidade da série Souls, como um todo. Durante suas jornadas por Boletaria, pegando Demon's Souls como exemplo, você encontra algumas histórias de sofrimento, loucura e perda. E não tem nada que você pode fazer por aquele reino (bem, nada senão terminar com o sofrimento de algumas pessoas com seu espadão) senão resolver a raíz do problema para que aquilo pare de acontecer. Mas o que já foi, já foi.
Isso gera uma atmosfera bastante depressiva e pesada, e eu realmente acho que Momodora consegue absorver e executar, a sua própria maneira, esse mesmo conceito. Ainda neste tópico, outra ideia que Momodora usa da série Souls é a coisa de mostrar pedaços do lore do jogo através das descrições dos itens:
O genero Souls da From Software é um dos grandes marcos da história dos videogames, e obviamente que muita gente tentou copiar a formula. Porém não foi a saída fácil que o modestissimo estúdio Bombservice escolheu, eles realmente entenderam o que faz um soulslike ser um soulslike, descontruíram o genero e reconstruíram em um metroidvania 2D espetacularmente animado.
Isso é algo que eu definitivamente posso apreciar. E bosses que se derrota espancando peitos do tamanho de carros, é, eu posso apreciar isso também.
https://youtu.be/3KKT-xv_VBY?list=WL&t=306