Bohemian Rhapsody não é um filme particularmente incrível, não é especialmente bem filmado ou apresenta nenhum recurso narrativo único. Com toda certeza não é nenhum "This is Spinal Tap" e, como a maioria dos filmes biográficos modernos, não é nada que não possa ser substituído por uma lida na pagina da Wikipédia. Na verdade, a pagina da Wikipédia é até mais completa e tem detalhes íntimos mais apimentados.
Então, não, Bohemian Rhapsody não é um filme particularmente incrível enquanto filme. Mas é uma experiência cinematográfica completamente única. Confuso? Bem, eu vou tentar explicar isso.
Deixa eu colocar da seguinte forma: se qualquer filme, inclusive um musical, dedicar sua última meia hora de tela a apenas encenar um show da banda sendo representada na tela, eu diria que seria uma decisão cinematográfica mais do que extremamente preguiçosa. Imagine, por exemplo, Escola do Rock ou Rockstar por MEIA HORA abandonassem qualquer pretensão de filme e apenas encerrassem reproduzindo na integralidade um show da banda. Eu não poderia aceitar isso, não acho que ninguém aceitaria uma coisa dessas. Seria tosco e preguiçoso.
E é exatamente o que Bohemian Rhapsody faz, sua última meia hora é dedicada a reproduzir na integralidade a apresentação do Queen no estádio de Wembley, para o Live Aid de 1985. A única diferença aqui sendo que ao invés de termos o Jack Black ou o Mark Wahlberg se apresentando, temos o fucking Queen. A maior banda de rock de todos os tempos. E essa é toda diferença do mundo.
Toda.
E é exatamente isso que Bohemian Rhapsody é: mais do que um filme que pode ser dividido em atos, analisado narrativamente ou por quesitos técnicos, o filme é um tributo aos maiores de todos os tempos. Isso é o que tem que ser entendido aqui, e com esse propósito eu realmente acho que o filme consegue o que tenta atingir. Não enquanto filme, apenas por esse mérito é totalmente esquecível, mas como carta de amor aos caras que levaram a música a níveis onde ninguém imaginava possíveis, o filme funciona.
A maior prova disso é que depois que o filme termina, quase todo mundo na minha sessão ficou sentado assistindo os créditos. Não porque tinha alguma cena pós-créditos engraçadelha ou nada do tipo, apenas porque continua tocando Queen durante os créditos.
Sério, quantas vezes na VIDA você já viu algo assim acontecer? Dezenas de pessoas simultaneamente decidem ficar durante os créditos não porque alguém pediu ou porque ninguém prometeu nada, apenas porque a música é fodendamente BOA. Foi uma coisa poderosa que eu nunca tinha visto na minha vida, e provavelmente jamais voltarei a ver.
Isso é o quão grande Queen é.
E nesse aspecto, a reprodução do filme é espetacular. A interpretação de Rami Malek (o protagonista de Mr. Robot, se não estiver ligando o nome a pessoa) como Freddie Mercury é de uma entrega e dedicação sem nenhuma falha. Ao final da vida, quando Freddie já está com a voz um pouco fodida por causa da esbórnia e da AIDS, ele consegue reproduzir até mesmo isso mudando o timbre enquanto fala. É a melhor reprodução do maior de todos os tempos que pode humanamente ser feito, e eu vou ficar genuinamente chocado se ele não for indicado ao Oscar (até porque geralmente biopics são oscar-bait, de qualquer modo).
A reprodução dos demais membros do Queen também está assustadoramente fidedigna, embora eles sejam relegados a segundo plano de forma que qualquer outro filme do mundo jamais poderia se safar com um gerenciamento tão pobre de personagens secundários.
Isso dá uma boa ideia de como sintetizar a experiência toda: Bohemian Rhapsody não é um filme particularmente bom enquanto filme. Tem inúmeros problemas de narrativa, administração de personagens, distribuição de tempo de tela que outros filmes não poderiam se permitir a esse luxo.
A história que ele conta é uma história absolutamente poderosa, sobre a ascensão do maior vocalista de todos, e sua derrocada levada por sua personalidade muito... difícil, para dizer o mínimo, assim como as más companhias, para terminar com um ato de redenção emocionante.
Alguns fatos tiveram sua ordem cronológica alterada para propósitos dramáticos. O épico show do Queen no Rio de Janeiro para o Rock in Rio foi jogado um pouco para trás na história, e a entrevista ridícula da Gloria Maria foi aproveitada em outro contexto mais para frente.
A coisa é, isso é meio que o padrão para histórias sobre estrelas do Rock e, como filme, isso já foi feito melhor produzido cinematograficamente em outras ocasiões. Eu posso recomendar o já citado Rockstar, ou "Johnny e June" (a cinebiografia de outro mito não menor que esse, Johnny Cash), que fazem algo muito similar porém com valores de produção infinitamente melhores enquanto filme.
Então, eu recomendo Bohemian Rhapsody? Não e sim. Se você quer assistir um bom filme estruturado em três atos, com arcos de personagens consistentes e técnicas diretivas bem empregadas... esse certamente não será sua xícara de chá favorita.
Agora se você quer ver duas horas de Freddie Mercury divando loucamente na tela com o bônus de curiosidades sobre a composição de alguns dos seus maiores sucessos, ver no cinema e com som de cinema a reprodução de um show do Queen... bem, porque alguém não iria querer isso?
E se tudo mais falhar, considere como o mais perto que chegaremos de uma adaptação hollywoodiana de Jojo's Bizarre Adventure :)
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