[ANIMES] DIGIMON ADVENTURE 02 (resenha)

| sábado, 7 de setembro de 2019

Uns tempos atrás eu falei sobre minha experiencia de re-assistir Digimon, e cheguei à conclusão de que realmente este foi um dos melhores desenhos animados infantis já feitos até hoje. Seguindo o curso natural das coisas, esta semana falarei sobre sua continuação: Digimon 02 (sim, o zero faz parte do título).


Mas antes disso, para que a ideia da coisa possa ser plenamente compreendida, gostaria de falar sobre The Matrix. Em 1999, The Matrix foi um dos filmes mais revolucionários do cinema até aquele momento. O filme não é só inteligente, repleto de referências, e te faz pensar, mas, mais importante do que isso, o filme influenciou toda cultura pop pela próxima década.


A década de 00 foi marcada pela ação sisuda, com muito couro preto e protagonistas discretos sem muito carisma. The Matrix foi importante desse jeito. Principalmente para a Warner, já que o filme faturou 456 milhões de dólares, tendo custado apenas 65 milhões, e não é todo dia que um filme fatura sete vezes o seu custo apenas em bilheteria – sem falar de outras mídias e traquitanas, além dos DVDs.

Logo, era óbvio que a Warner iria pedir aos irmãos Wachowski que fizessem dessa porra uma trilogia concluindo a história, ao que os sujeitos responderam prontamente:

“Mas oi?”

Matrix foi claramente escrito para ser um filme, não uma franquia. Tanto que o final é elegante e suficiente para entendermos que eventualmente Neo ficou foda o bastante para chutar a bunda das máquinas. Quer dizer, você tem que ser de um tipo muito especial de idiota para não entender o final do filme.

Por isso mesmo os irmãos Wachowski ficaram constrangidos em dizer aos executivos da Warner que eles estavam executivando, e também porque a Warner os estava empalando analmente com maletas monstruosas de dinheiro. Por isso eles responderam o que qualquer de nós responderia: “sim, claro, com certeza nós temos tudo planejado, vai ser super, podem assinar os cheques, o mundo vai ficar… estarrecido!”.

O resultado foi aquele porn-wire-fu que todos conhecemos. Verdade seja dita, não tem como comparar um filme que foi o trabalho da vida de alguém, uma coletânea de idéias, sentimentos e aspirações artísticas, com dois filmes que foram escritos trancados no banheiro, enquanto os executivos da Warner batiam na porta perguntando “está pronto? Vai demorar muito?”

Eu tenho bastante a sensação de que Digimon 02 foi concebido da mesma maneira. Quando Digimon Adventure acabou se tornando uma das animações mais populares da Toei Animation em escala global (não em pouca conta devido à qualidade desta), era só questão de tempo até a Toei pedir à equipe de produção uma continuação, ao qual a equipe respondeu prontamente:

“Mas oi?”


Taken, Matrix e Digimon: unidos pelas continua$$ões desnecessárias

Assim como Matrix, Digimon não foi criado da noite para o dia. Já era uma idéia que estava há alguns anos cozinhando na mente dos criadores, reunindo experiencias pessoais, sonhos e aspirações artísticas. Quando se pediu para criar uma continuação, a equipe de produção não tinha da onde tirar, e você nota isso na animação. Eu realmente acredito que um diálogo desse tipo deve ter acontecido:

“Toshio-san, Toshio-san, querem que a gente faça outro anime de Digimon, mas já usamos as experiencias e idéias de uma vida toda na primeira série. E agora?”
“Calma. Em primeiro lugar, meu nome não é Toshio. Apesar de sermos todos japoneses e iguais uns aos outros, tente se lembrar disso. Segundo, não precisa se preocupar.”
“Como pode dizer isso, Toshio-san?”
“Encontrei um programa de TV que vai resolver todos os nossos problemas. Ele exibe o comportamento de crianças desta época que podemos utilizar.”
“E que programa seria esse, Toshio-san?”
“Um tal de Super Nanny. Acho que podemos usar aquelas crianças como modelo.”
“Uau, Toshio-san é maravilhoso! Tenho tanta sorte em ser sua irmã de criação, mas não relacionada por sangue!”

Sério. Acho que pegar aquelas provas de que possessão demoníaca existe (aka as crianças de Super Nanny) como base é a única coisa que explica Digimon 02. Em mais de trinta anos nesta indústria vital, eu jamais havia visto crianças tão chatas, mimadas, birrentas e burrinhas em um anime ou qualquer outro tipo de entretenimento.

Você pode achar que eu estou exagerando, mas chega a ser engraçado como o elenco original de Digimon não se mistura muito com “os novos digiescolhidos”, e se limitam a fazer uma cara de “eh, lá vem aqueles caras de novo…”. Sabe aquela pessoa tão mala e tão sem noção, que você apenas tenta evitar discretamente, porque até mesmo discutir com uma mala dessas não vale a pena?

Cada vez que você via essas crias de Satã falando (e meio que isso acontece o tempo todo, já que são os protagonistas da série), a única coisa que você consegue pensar é “aham, Claúdia senta lá”, e para sua surpresa, você percebe que Tai e amigos estão fazendo a mesma coisa. Sério, parece que pegaram tudo que tem de errado com as crianças hoje em dia (a referencia a Super Nanny não foi à toa, sério) e colocaram na forma de personagens. O líder da nova piazada passa o anime todo dando indiretas de que quer usar os seus digiovos na novinha Kari, que sequer se digna a responder as investidas, entende que tipo de cara esse é?

Ele (e sua leva de pirralhos) são mais do que chatos, são aquele tipo de gente que você apenas revira os olhos e diz “aff, você…”


No inicio eu também me perguntei porque o TK usava um balde na cabeça, mas dada a quantidade de merda que ele ouve dos novos digiescolhidos babacas, dá pra entender.

Para a surpresa de ninguém, durante a série eles não aprendem nada, não evoluem nada, e terminam o anime as mesmas crianças birrentas, mimadas e cabeçudas que começaram 50 episódios antes. Justamente em uma série que teve o seu forte no desenvolvimento e relação entre os personagens. Durante o primeiro arco de história, por exemplo, o Imperador Digimon está tocando terror no Digimundo e torturando digimons, mas nossos heróis só podem ajudar nas horas vagas, porque estão fazendo coisas importantes como ter piqueniques, fazendo dever de casa, ou apenas “não estavam no clima”. Estes são os heróis da história, senhoras e senhores.

O anime é todo ruim e sem tesão desse jeito.

Estabelecido que os personagens disputam o Framboesa de Ouro de personagens mais desinteressantes da história dos animes (ou de qualquer coisa), o que dizer do roteiro? Oh boy…

Christopher Vogler escreveu no seu excelente “Jornada do Escritor” (nota do editor: que será republicado pela Editora Aleph este ano) – uma análise da Jornada do Herói aplicada em roteiros  – que mais de um roteiro já fracassou por não deixar claro o que estava em jogo. Divergente, por exemplo, falha justamente por isso – é difícil empatizar com a tal guria divergente, quando explicam que porra é essa só aos 40 do segundo tempo – mas nada se compara ao fracasso que é Digimon 02.

Em raros momentos da série, fica claro contra quem ou pelo que eles estão lutando, e quando no último episódio eu vi o Davis dizer “depois de tudo que lutamos para chegar até aqui” eu não consegui segurar uma risada. Eles não faziam idéia do que estavam fazendo, até que um plot caiu do céu nos dois últimos episódios.


Esse é Wormon (bem, um boneco dele, o Wormon real não existe porque é um desenho animado e animes não são reais, sorry), o único dos novos digimons que você não deseja amarrar em um pedaço de pau para disputar justa contra um trem descarrilhado. Desnecessário dizer que é o que menos aparece.

Com efeito, o único arco de história que funciona é o primeiro, onde é estabelecido que o inimigo é o Imperador Digimon (um digiescolhido que usa seus poderes para foder a porra toda, uma ideia interessante até). Dali pra frente, a série só vai jogando inimigos aleatórios apenas pelo prazer de faze-lo. A série original não era realmente complexa – os inimigos eram maus porque eram feitos de maldade – mas funcionava justamente por saber disso. Aqui não existe um propósito, são apenas coisas aleatórias que vão sendo jogadas porque aqueles brinquedos não vão se vender sozinhos.

Não fosse ruim o bastante, a série que já tem uma motivação inexistente é preenchida por episódios filler de nada sobre coisa nenhuma. Eles sequer servem para construir momentum, apenas enchem linguiça mesmo. Tanto que mesmo o único arco que possui algum propósito, o do Imperador Digimon, acaba ficando intragável porque metade dele é sobre coisa nenhuma. Passa claramente a sensação que os roteiristas estavam tentando ganhar tempo para bolar alguma coisa, o anime é ruim desse jeito.

Tem uma hora, na reta final do anime, que tem episódios inteiros aleatórios deles viajando ao redor do mundo para escoltar digimons para os portais. Sério que é só isso, eles ficam lá, os digimons caminham, um problema menor acontece e fim. Tem tipo uns 5 episódios disso na reta final do anime, vão se foderem com batata suíça.

A premissa do anime, eu imagino, seria que a nova geração (são só 3 anos mais novos, mas tá né…) tem que vencer suas falhas de personalidade e se tornarem pessoas melhores. Sendo que TK e Kari já fizeram isso – de fato eles estão no grupo meio que para fazer figuração – em nenhum momento é feito qualquer progresso, ou eles parecem conquistar nada por si próprios. A coisa é tão cara de sequencia genérica que, no fim, eles requentam um vilão da série original, porque em 50 episódios Digimon 02 não conseguiu construir nada por conta própria. A sensação que dá é que, na verdade, tanto faz quem fossem os personagens, a história se daria do mesmo jeito, e isso é a pior coisa que pode ser dita de um roteiro.

Tendo achado a primeira temporada brilhante, eu tinha alguma esperança para essa continuação. E no papel, a ideia não é tão ruim. O Imperador Digimon era um vilão interessante, os novos digiescolhidos tinham uma plenitude de defeitos para evoluírem, e ter uma versão mais adulta da Kari e do TK no grupo era um fiel da balança legal.


TK: Se esses bostas tiverem mais um chilique para fazer as coisas do jeito deles, vou matá-los com uma colher enquanto dormem.

Só que a série se perdeu completamente, e saiu dos trilhos com a graça de um contêiner de homens-bomba gordos. Por algum motivo, após a (desnecessariamente longa) treta com o Imperador Digimon, fomos apresentados ao BlackWarGreymon (outro conceito interessante que ,assim como o Imperador Digimon, poderia ter sido aproveitado em uma série boa), e alguma coisa com as Pedras do Destino, mas que se tornou em fillers sem sentido (episódios ao redor do mundo, estou olhando pra vocês) e parezinhos sem sentido (embora a ideia da digivolução de DNA seja legal, juntando dois digimons em um só, com exceção do Davis e do Ken, as outras duplas foram formadas aleatoriamente e sem química nenhuma), subplots que não levam a ABSOLUTAMENTE lugar nenhum (Deemon, oi), e uma batalha final com tanta falta de tesão, que até hoje deve ser a causa dos déficits de natalidade no Japão.

Isso que eu não vou nem falar do último episódio. Ler um fanfic teria sido mais proveitoso. Espero sinceramente que eles ignorem isso quando forem fazer o Digimon Adventure Tri. Aliás, espero que ignorem qualquer coisa relacionada a esse anime, com exceção do Ken Ishijoshi (o tal Imperador Digimon), e do BlackWarGreymon, que são idéias realmente legais, e bons personagens perdidos em um mar de mediocridade. Esses dois merecem uma chance em um anime razoavelmente decente, mas o resto… MATE COM FOGO!

Resumidamente posso dizer que Digimon 02 é a merda sem alma para encher linguiça que todo mundo esperou que o primeiro Digimon fosse. Só que esse é pior.
Next Prev
▲Top▲