Estou prestes a te dar um conselho e eu quero que você entenda que eu estou absolutamente falando sério sobre isso. Não é exagero, não é figura de linguagem, não é nada senão para ser tomado literalmente ao pé da letra (sim, com pleonasmo e tudo).
Pronto? Então lá vai: PULE OS SEIS PRIMEIROS EPISÓDIOS DA SEGUNDA TEMPORADA DE JÉSSICA JONES.
Eu não estou de sacanagem com a sua cara. Apenas faça isso.
MAS PORQUE? E PORQUE VOCÊ NÃO FAZ USO CORRETO DOS PORQUES?
Respondendo a segunda pergunta primeiro, porque é idiota e eu não ligo. Respondendo a primeira pergunta segundo... bem, vamos lá. Quando eu escrevi sobre a primeira temporada de Jessica Jones, eu disse que todas os subplots e até mesmo cenas que não envolviam o Killgrave pareciam ter saído de uma esquete ruim do filme dos Trapalhões. Os níveis de coreografia, burrice dos personagens e coisas que não fazem sentido quase tem valor como "é tão ruim que é bom", embora seja apenas tedioso na maior parte do tempo.
Agora, imagine uma série sobre isso sem o David Tennant carregando elas nas costas? Pois é, exatamente. Temos a volta da detetive particular mais incopetente de Nova York (que literalmente não percebe quando sua amiga de infancia está tendo uma crise de abstinencia bem do lado dela) seguida por patetas que são um forte argumento a favor do teísmo, já que eles terem chegado a idade adulta sendo tão bocabertas é um forte desafio a seleção natural.
O lado bom do fim do acordo da Netflix com a Disney é que jamais chegaremos a ver uma série sobre a Trish... |
Adicione aos plots que não vão de nada a lugar nenhum uma agenda de justiça social que parece ter saído de uma página de paródia do Facebook e nós temos algo terrível aqui.
Em determinado momento, o síndico do prédio em que Jéssica Joana mora quer despejar ela porque... honestamente, ela é uma ameaça a todos ali. Tiroteiros acontecem naquele prédio por conta dela, e semana sim semana não tem gente se esmurrando nos corredores ou sendo jogada pela janela. O que é uma preocupação totalmente válida quando você quer apenas viver sua vida sem que seu filho receba uma bala perdida no meio da bunda.
Como a série, através das suas personagens e foco narrativo responde a isso? Ora, obviamente o cara que era um HOMI MACHISTA OPRESSOR QUE SE SENTE INTIMIDADO EM SUA MASCULINIDADE FRAGIL POR UMA MULHER PODEROSA NÃO PASSARÃO PODER PRAS MINA!
É. Claro. Malditos homis du mal que odeiam o bem que são responsaveis por tudo que há de ruim na Terra e pela poliomelite em bebês focas.
Se alguém me dissesse que esse é o perfil no Quora das roteiristas/diretoras da série, eu teria muita dificuldade em duvidar disso. |
Ah sim, e então no mesmo episódio tem outro tiroteio naquele prédio por causa da Jéssica Jones. Surpreendentemente, ninguém diz para o cara "ok, suponho que seu ponto tenha preocupações válidas, afinal". Aff. Mil vezes aff. E eu não vou nem começar sobre a cena em que Jessica e Trish invadem um clube particular que não aceita mulheres e começam a vomitar toda porcaria de "Vocês não tem o direito de fazer algo em sua propriedade privada que não infringe nenhuma lei e nem causa mal a ninguém porque EU SOU MOLIEEEEEEEEER e tenho direito a tudo que eu quiser ter!".
Esse sou eu nesse momento, #falouvaleu |
Enfim, entre uma dolorosa sessão de "eu sou mulher e posso fazer o que me der vontade sem nunca ter que arcar com nenhuma consequencia pelos meus atos" e outra, Jessica esta investigando uma série de assassinatos cometido por alguém com super poderes como os dela, e que provavelmente tem ligação com a origem dos seus poderes. Ou seja, imagine a história de origem do Wolverine só que com 1/100 do orçamento e da capacidade para escreve-la
Tem uma série de outros subplots também, mas eles literalmente serão esquecidos pela série e jamais retornarão para adicionar algo a trama ou sequer serem concluídos. O único subplot que continua é o da Trinity tendo ELA (aquela doença do desafio do balde de gelo) e lidando com isso, mas mesmo a Carrie Ane-Moss sendo DE LONGE a melhor atriz dessa série, ainda sim isso é uma história paralela que nada influencia a vida de Jéssica Joana... ou qualquer coisa realmente.
Tem uma série de outros subplots também, mas eles literalmente serão esquecidos pela série e jamais retornarão para adicionar algo a trama ou sequer serem concluídos. O único subplot que continua é o da Trinity tendo ELA (aquela doença do desafio do balde de gelo) e lidando com isso, mas mesmo a Carrie Ane-Moss sendo DE LONGE a melhor atriz dessa série, ainda sim isso é uma história paralela que nada influencia a vida de Jéssica Joana... ou qualquer coisa realmente.
Enfim, cinco episódios vendo as pataquadas de Jéssica e sua amiga cuja atriz é fisicamente incapaz de transmitir um único sentimento que seja na tela (diz muito sobre ela que o ponto alto da carreira de Rachel Taylor foi ser a jornalista-hacker loira no primeiro Transformers), em um mundo em que todos todos os homens brancos em tela são a representaçao absoluta do mal encarnado (literalmente, o cientista por trás da coisa toda se chama Karl MALUS de tão mal que ele é!), chegamos até o sétimo episódio da série.
Um HOMI BRANCO CIS-HETERO! Se ver um mata com fogo porque nada de bom sai dessa racinha! |
Se você seguiu o meu conselho, é aqui onde você deve começar a acompanhar a série. Do contrário, não apenas você já desperdiçou seis horas da sua vida que jamais terá de volta, como está ativamente odiando esse pedaço de lixo que comeu seu tempo. E eu não te culpo por isso. De verdade.
Isto posto, no sétimo episódio é que a série começa de verdade.
FINALMENTE!
Posso ouvir um amém, irmão? Mas então, nossa história começa quando Jessica descobre que o seriam killer que ela está investigando é na verdade... A SUA MÃE!
Bem, não a sua, a dela. Enfim. Só que aí é que vem o plot twist realmente interessante da série: não existem vilões a serem derrotados aqui. Antes disso, no entanto, o episódio inteiro é um flashback de uma direção bastante autoral sobre como realmente Jessica ganhou os seus poderes, em uma pegada narrativa tão diferente (e tão melhor) do que vinha sendo feito até então que parece até que você está assistindo outra série. Uma infinitamente melhor.
A primeira temporada de Jessica Jones foi sobre um monstro solitário e abusivo. A segunda é sobre como o abuso pode transformar monstros do abusado também - as maneiras pelas quais o trauma pode gerar mais trauma - e sobre a ideia de que “monstro” e “vítima” são estados que podem coexistir, sem invalidar qualquer um deles.
A segunda temporada, a partir desse sétimo episódio, faz o que uma boa sequencia deve fazer: colocar seu protagonista contra um desafio que ecoa com o original, mas aprofunda e complica as coisas também. Kilgrave era uma vilão do passado de Jessica, que era todo sobre a lembrança do seu pior eu e fazê-la ter medo de não estar no controle de sua vida. Essa nova antagonista é tão aterrorizante quanto Kilgrave, mas ainda mais pessoal para Jessica, mais simpático ao público. E ao contrário de Kilgrave, ela é impossível para Jessica odiar de verdade.
Acontece que a mãe de Jéssica, em uma tentativa de salva-la do acidente que vitimou a sua família, foi submetida aos mesmos processos experimentais que deram poderes a ela. O resultado é que a Jones mãe é mais forte do que Jéssica, mas mais emocionalmente instavel também. Especificamente, ela tem crises de raiva que você não quer ter em uma pessoa que consegue sobrar um carro forte como se fosse papelão molhado.
E esse é um grande ponto de tensão aqui. Enquanto a mãe da Jéssica não é uma má pessoa, ela é absolutamente perigosa e pode sair de controle a menor das coisas (resultando em dezenas de corpor pelo caminho), então estar na presença dela é de um nervousor bastante ímpar. Por mais estranho que seja dizer isso, a segunda temporada de Jéssica Jones é a melhor história do Incrível Hulk que jamais foi filmada porque todas as tentativas cinetográficas de reproduzir o gigante esmeralda até agora nunca tiveram sucesso em transmitir essa sensação que aquela pessoa, por mais bem intencionada que seja, é uma bomba relógio e vai dar merda.
Vai dar merda. Não é uma questão de SE, mas sim de QUANDO.
A antagonista dessa série tem uma única fraqueza: chinelos virados |
Esse é o segredo do sucesso da coisa: não existem vilões aqui, apenas personalidades conflitantes querendo coisas diferentes. A mãe da Jéssica não é uma má pessoa, o cientista que deu super poderes não fez isso porque MUAHAHAHA para desenvolver uma arma para vender aos militares - ele genuinamente queria apenas salvar gente mesmo, a Jéssica quer fazer a coisa certa ... mas ao mesmo tempo é a mãe dela, oras!
Como se resolve esse impasse mexicano? É complexo, é tenso, e não existe uma única resposta que agrade a todos. Agora, ISSO é um bom drama de se assistir.
Adicionalmente, a série levanta questões interessantes - porém diferentes da primeira temporada. Quanta responsabilidade é certo exigir de uma pessoa? Quando a responsabilidade por alguém se torna uma obrigação injusta? Ter grande poder significa sacrificar sua saúde mental por sua maior responsabilidade? Sua felicidade pessoal deve ficar em segundo plano as suas responsabilidades?
Nós não tendemos a ver histórias de super-heróis que dizem qualquer coisa senão "sim" para esta pergunta. Isso é compreensível - se Peter Parker fosse capaz de tirar uma folga e procurar descanso e terapia, não teriamos grandes aventuras disso. Mas a coisa de Jessica Jones é justamente essa.
Com sua segunda temporada, Jessica Jones apresenta a base emocional de ser um super-herói e de viver em um mundo onde super-heróis e superpoderes são comuns - um conceito que os filmes da Marvel raramente têm tempo para fazer. Pode não ter conexões diretas com a continuidade mais ampla, mas, dessa forma, pelo menos, está cumprindo as promessas da linha Marvel Netflix de contar as histórias menores, as histórias mais complexas, que são mais difíceis de explorar quando meia dúzia de heróis compartilham apenas duas horas de tempo na tela.
- Esse plot não vai dar em nada, né?
- Depende do quanto você considera pegação lésbica gratuita como "nada".
- Eu achava que essa série não tinha sido escrita por homens...
Claro, a segunda metade da série não é perfeita e ainda vemos a escrotinha da Trish fazendo o que dá vontade na cabeça dela sem nunca enfrentar nenhuma consequencia pelas merdas que ela faz porque, ela é MOLIEEEEEER E TEM DIREITOS! Mas enfim, tirando essas partes de cringe absoluto, a segunda metade de Jessica Jones ainda sim é bastante interessante e tem coisas relevantes a dizer.
Desde que você pule os primeiros seis episódios. Sério.