Amizade é uma coisa estranha, não é? Quer dizer, ter um amigo é muito mais dificil do que ter uma namorada, por exemplo. Você pode, nesse momento, abrir um aplicativo no seu celular e encontrar alguém para datear (bem, EU não consigo fazer isso, mas para as pessoas normais não é tão big deal). Mas você não pode fazer o mesmo para amigos, não existe um Tinder de amizades.
E se amizades são uma coisa rara, amigos de infancia então são uma coisa que só acontece uma vez na vida.
Alguém te conhece como seu amigo de infância? Eu me arriscaria a dizer que isso é bem pouco provavel. Seu amigo de infancia provavelmente conhece, entende e se relaciona com você em um nível que as outras pessoas simplesmente não conseguem entender. Nem mesmo sua mãe. Nem mesmo o seu cônjuge.
Quando você cresce com alguém, e compartilha todos os seus segredos, e suas fases desajeitadas, e seus desgostos e triunfos, você se torna consciente de quem é essa pessoa. Essas experiências são os alicerces para crescermos juntos e continuarmos a nos entender, mesmo quando a vida nos leva a direções diferentes. As piadas internas, o entendimento de como a dinamica da família funciona. Os planos para futuro em longas noites de verão sem ar condicionado. As expectativas e os planos.
Então, um dia, sem aviso nenhum, a vida acontece e as coisas apenas deixam de ser. Talvez seja culpa sua, talvez não seja culpa de ninguém, talvez você sequer saiba dizer como ou porque aconteceu. É assim que as coisas são.
Existem alguns jogos que abordam essa fase (não raramente nostalgica) da vida, e de cabeça eu posso recomendar Gone Home e Life is Strange. The Gardens Between, no entanto, é um jogo que tem todo seu coração dedicado a essa sensação.
Neste jogo você controla... hm, "controla" não é bem a palavra, mas já chego nisso... dois amigos/as (não dá para identificar o genero deles, não que faça diferença de qualquer modo) em pequenas ilhas temáticas. Seu objetivo é chegar ao final da ilha carregando a luz sagrada ou alguma coisa o valha, e para isso entra a parte de puzzles do jogo.
As ilhas temáticas em que os puzzles se passam são memórias da amizade deles: o dia que estava chovendo e passamos a tarde jogando videogame, o dia que nos metemos no esgoto para resgatar uma blusa e pequenos momentos mundanos assim que jamais voltarão a acontecer da mesma forma.
Este momento... |
... vira esta fase. |
Não é nem um pouco coincidencia que nesse jogo você não controle os personagens exatamente, e sim o tempo. Você pode avançar e rebobinar o tempo, e essa é a ferramenta de interação que você tem. Acho que a implicação simbólica do tempo nesse cenário não precise ser explicada a este ponto.
Mas como fazer o tempo ir e voltar pode ser usado para resolver puzzles? Bem, quando os personagens estão diante de alguns itens na fase você pode trocar a perspectiva temporal (?!) e ao invés de avançar e retroceder o tempo para os amigos caminhando, você pode retroceder o tempo para objetos da fase.
Neste exemplo, bem básico, a pilha de jenga que estava obstruindo o caminho é rebobinada e, voltando ao controle dos personagens, eles podem avançar. Bem simples, não?
É, não necessariamente. Conforme os níveis avançam você precisa cordenar vários camadas de eventos para que seus bros consigam chegar ao final da fase carregando a sua lanterninha. E é nesse aspecto que impressiona o quanto a Voxel Agents conseguiu pensar fora da caixa, criando sequencias que fazem sentido quando você está trabalhando com elas, mas é muito dificil de explicar racionalmente.
De alguma forma os puzzles de GiB trabalham com sua percepção espacial, mas não necessariamente seu processo cognitivo. O melhor que eu posso esplicar seria dizer que são puzzles que evocam uma sensação de lógica dimensional muito similar aos quadros de Escher
Tematicamente poderoso, puzzlelisticamente impressionante, The Gardens Between é uma obra-prima na narrativa minimalista. O jogo deixa bastante espaço para respirar, evocando as emoções e lembranças particulares do jogador e permitindo que eles usem suas próprias experiências pessoais para preencher o mundo. Eu esperava aproveitar os quebra-cabeças e o belo design surrealista das ilhas, mas não estava preparado para o impacto que o jogo teria nas minhas emoções. Eu me vi recordando as lembranças de dias de verão que a muito se foram. Lágrimas caíram quando os créditos finais rolaram (ao som de "Apenas lugares que nós conhecemos", perfeitamente adequado ao momento), e eu fiquei com uma enorme vontade de pegar o telefone para reacender um relacionamento perdido.
The Gardens Between é um jogo bastante curto que faz em seu pouco mais que uma hora mais do que a maioria dos jogos não consegue fazer com 50.