O meu Youtubber favorito (o Araújo, do canal Capslock) frequentemente usa uma expressão que eu gosto bastante: "celebrar a cultura". Pode parecer chique, mas o significado é bem mais próximo de nós do que você imagina.
Se você é como eu, provavelmente você tem um emprego bem genérico que não satisfaz nenhuma necessidade sua exceto te dar dinheiro (se você é uma pessoa que trabalha com o que você ama, parabéns, de verdade, o mundo precisa de mais gente como você). Isso significa que eu e você gastamos seis, oito ou quatorze horas por dia (marque essa opção caso você seja um salaryman japones que por algum motivo lê blogs em português) em algo que não representa quem nós realmente somos, o que amamos ou como queremos nos expressar para o mundo.
Isso não é uma reclamação, contudo, eu realmente gosto de ter minhas contas pagar e ter dinheiro para financiar as coisas que realmente me importam. Se isso tem um preço a ser pago com o meu tempo, meh, cest'la vie.
É aí que os hobbies. Você gasta dezenas, centenas de horas de coisas em algo que coisas que te fazem feliz, que te fazem esquecer (ou mesmo ajudam) os seus problemas, te dão novas ideias, perspectivas ou apenas te divertem.
No meu caso, por exemplo, eu não seria a mesma pessoa sem jogos (tanto os bons quanto os ruins, talvez especialmente os ruins XD) e animes, que são as duas midias que eu mais consumo. Para outros pode ser livros, séries, novelas da globo, dramas coreanos, tokusatsu (que eu confesso que gostaria de assistir mais), filmes, board games ou o que quer que te faça feliz.
Por isso é legal ver, de tempos em tempos, momentos especiais celebrando essa cultura que é uma parte tão importante e faz a nossa existencia nesse pálido ponto azul orbitando uma bola de gas no espaço algo mais toleravel. Eu fiquei, por exemplo, bastante emocionado assistindo Shirobako - que é um anime mostrando como é a vida dessas pessoas que adiantam o cronograma do enfarto uns quatro ou cinco anos para que possamos ver os animes que assistimos, mesmo os ruins. Ou então me diverti pra caralho assistindo Otaku no Video, que é um documentário paródia sobre essa cultura feito pelas pessoas que criam a própria cultura (no caso, foi feito pela Gainax - mais conhecida como a empresa que criou o maior anime dos anos 90).
Eu tenho um fraco em especial pela história das pessoas que tornaram tudo isso possível (e isso é fácil ver nos meus textos), gente como Mark Cerny (engenheiro do PS4) ou Marcin Iwinski (da CD Project Red), ou mesmo todas as patetices da Sega, são momentos que fazem o meu dia.
E por isso mesmo Detona Ralph é um filme bastante especial para os gamers. É, como o Araújo diz, uma celebração dessa cultura não apenas sendo um jogo com participações especiais do Pac-Man ou do Zangief, mas é um jogo sobre esse meio.
Adicione a isso uma história redondinha com o padrão Disney de qualidade sobre descobrir quem você é realmente, mais algumas referencias a Gear of War/Halo/Call of Duty e temos um filme onde todo mundo sai feliz.
Mas isso foi antes e agora é agora, seis anos se passaram e hoje a Disney tem uma nova ideia para celebrar outra cultura a internet. O que nos leva a Wi-fi Ralph.
E não é nenhum pouco segredo que essa é a parte mais legal, o argumento mais forte do filme. Quando Ralph e Vanelope von Scheetz (cheats, sacaram? hã? hã?) vão para este mundão sem portera da internet, a coisa mais divertida a se fazer é ficar caçando todas as referencias que há para ser vistas.
Desde a revoada de passarinhos azuis transmitindo mensagens curtas, a megastore onde você dá lances em leilões, há muito o que ver aqui. Algumas referencias são obvias (como o prédio em forma de livro, a Wikipedia) até outras não tanto, como quando os heróis vão para as regiões mais bocadas da internet que possuem aranhas enormes (porque é a Deep Web, sacaram? Hã? Hã?
Há definitivamente muito o que ver aqui, e esse é um filme que eu gostarei de ver novamente em casa só para poder pausar e apreciar todas as referencias com calma. Mas momento Capitão América a parte, e o filme em si, como é?
Quando Vanelope se mostra entediada com o seu jogo, Ralph tenta criar uma nova pista para incrementar o jogo da amiga - o que acidentalmente faz com que o volante do arcade quebre no mundo real e o jogo de Vanellope seja desligado. O único volante substituto precisa ser adquirido no eBay, por um preço estranhamente realista de 200 dólares. Eu achava que volantes de arcade custavam bem mais, mas o jogo da Vanelope não é tão antigo assim (só ver pelos gráficos), e é essa faixa de preço mesmo. Aprendi algo novo, ó.
Após muita trapalhadas acaba que Ralph e Van precisam levantar mais dinheiro do que isso, e então eles se metem em altas confusões na internet tentando levantar dinheiro da forma que se levanta dinheiro online hoje em dia: vendendo itens conseguidos em jogos online (no caso, o jogo aqui é algum tipo de GTA/Burnout), sendo um youtuber ou clicando em links de spam. O que gera altas confusões dessa galerinha muito louca!
Se a equipe de localização brasileira tivesse mais tempo para trabalhar, com certeza veriamos Ralph tomando banho numa banheira de nutella, mas quase todo o resto esta ali e o filme se diverte bastante com esses conceitos.
Alguns lugares da internet são mais perturbadores do que outros |
Então o filme faz muito bem essa coisa de representar a internet fisicamente, representa bem como funcionam algumas dinamicas (como o algoritimo do youtube funciona, por exemplo) e faz boas piadas feitas por quem entende do que esta falando (como os NPCs de GTA Online serem gente super de boa quando o jogo não está rolando). Nesse sentido o filme é espetacular.
E provavelmente o filme se pagou só com o merchandising. Bom para eles.
O problema é que lá pela metade do filme ele tenta mais ser um filme, com desenvolvimento de personagens, trama e drama... e nisso claramente não foi colocado tanto empenho assim. Basicamente o emocional do filme é sobre o Ralph querer se sentir amado e valorizado (só que agora pela Van e não pelo jogo dele), a Van se sentir traída e todas as mesmas batidas do primeiro filme, só que com outra embalagem.
Todas as cenas das princesas Disney, dentro do site da Disney claro, são espetaculares como a Elsa fazendo "to ligada, mana" nessa cena
O terceiro ato do filme, que aí abandona de vez as piadinhas com a internet e afins e se foca nos personagens, é um caos. Tanto do ponto de vista de roteiro quanto visualmente, é um caos. É mais arrastado do que deveria e um tanto cansativo.
A boa noticia é que quando chega esse terceiro ato, os dois primeiros já fizeram o filme valer pelas referencias, conceitos e boas ideias em como representar a internet. Tem uma cena genial, por exemplo, em que o Ralph entra em uma sala e a trilha sonora nos indica "esse é um lugar sombrio". E o que é essa sala? Um dos lugares mais terríveis e desumanizantes de toda internet: a sessão de comentários.
Como a própria algoritmo do Youtube explica para o Ralph: "Regra número um da internet: nunca leia os comentários". É uma grande piada, como quase todas as do filme. Porém quando as piadas terminam... bem, foram boas piadas, né?
Embora o tema de que a verdadeira amizade é deixar a outra pessoa livre e apoia os seus sonhos, que correr atrás de um sonho é fundamental para uma vida plena, que buscar formas diferentes de viver e sair do lugar comum é o que mantém o nosso espírito vivo… honestamente eu preferia que o filme tivesse gasto melhor esse tempo com gags sobre a internet.
Até porque todo o drama dele ter que se separar da Van porque ela quer ficar no GTA Online é bem fácil de resolver: Ralph, se muda para a Steam.Você fica no seu jogo e ninguém precisa se separar. Pronto, problema resolvido.