[ANIMES] ANOHANA (ou seja a pessoa que você queria ser quando criança)

| quinta-feira, 22 de agosto de 2019


Talvez a coisa mais importante sobre ser criança, e que só vamos vir a perceber isso muitos, muitos anos depois (com certeza quando já é tarde demais) é que, naquele especifico ponto da vida qualquer coisa é possível. Não, sério, você pode ser qualquer coisa. Um cientista da NASA, piloto de avião, jogador profissional de futebol, programador de games... qualquer coisa MESMO. Todos nós, em nessa fase da nossa vida, almejamos ser alguém legal, e até hoje eu nunca ouvi falar de uma criança que sonhava em ser uma má pessoa quando adulto. Aos 8 anos de idade, o pequeno Adolph Hitler queria ser pintor.

Então, em algum ponto depois disso as coisas dão errado. Espetacularmente errado.

E a maioria de nós jamais acaba se tornando a pessoa legal que sonhava ser quando criança. É dificil dizer em que ponto, exatamente, isso acontece, ou mesmo porque. As vezes é por causa de um evento traumatico, as vezes é por causa de como a sociedade é moldada, as vezes é a sua genética cobrando a conta, as vezes é depressão ou alguma doença mental, e as vezes apenas seus pais não faziam a mais remota e possível ideia do que estavam fazendo. Normalmente é uma mistura dessas coisas tal que não tem como apontar um momento exatamente.

Até mesmo eu não fui sempre essa pessoa antissocial e pessimista que eu sou hoje. Em algum momento eu já tive amigos (e, ao que me importa, ao menos um grande amigo de verdade), em algum ponto eu quis realmente fazer uma contribuição para o mundo melhor do que ter um emprego absolutamente bosta que eu não poderia me importar menos se, literalmente, pegasse fogo... mas me paga o suficiente para o meu padrão de vida, então eu não ligo. Em algum momento as coisas sairam tão errado...

Então, em algum ponto, as coisas deram catastroficamente erradas. Eu me pergunto qual, exatamente.

Mas e se fosse possível apontar esse ponto, exatamente? E se houvesse realmente um ponto em que passamos de ser essa tela em branco repleta de todas as possibilidades do mundo para as pessoas tão não legais que nos tornamos hoje? Anohana é um anime sobre isso.




Aos 6 anos de idade, a vida de Jinta Yadomi tinha um potencial incrível. Ele era o líder do seu grupinho de amigos, que se auto denominaram os "Super Peace Busters", e as tardes de verão eram de uma diversão sem fim. Ele era confiante, ele era um lider nato, ele era tudo que se pode esperar de alguém que vai ser uma grande e admiravel pessoa na sociedade depois de adulto. As possibilidades eram infinitas, e o caminho era belo. Tudo se encaminhava para ele ter uma vida do caralho, ter um grande emprego fazendo algo significativo para o mundo e casando com o seu adoravel amor de infancia.

Dez anos depois, Jinta é um hikikomori que não vai a escola e não sai de casa a menos que as ruas estejam completamente vazias. O que aconteceu nesse intervalo de tempo para que as coisas fossem do ponto A tão brilhante ao patético ponto B? A vida aconteceu.


A melhor amiga de Jintan no seu grupinho, Menma, acabou morrendo em um acidente aos 5 anos de idade. Não muito tempo depois, a mãe de Jintan, que já estava doente naquela epoca, morreu o deixando para ser criado por um pai ausente e sem a menor estrutura para assumir qualquer responsabilidade.

Foi assim que Jintam chegou ao estado patético em que se encontra hoje. E o mesmo, talvez em menor grau e por motivos mais ou menos diferentes, pode ser dito a respeito de cada uma das crianças daquele grupinho de amigos. Hoje elas são adolescentes traumatizadas, tristes, fingindo ser pessoas que de forma alguma elas gostariam de ser.


Anjou agora anda com as bitchezinhas da escola e dedica sua vida a interpretar o papel de "Meninas Malvadas" 24/7. Tsurumi é uma menina tão na dela que ninguém possívelmente poderia citar três características suas mesmo com uma arma apontada para a cabeça. Matsuyuki se tornou um bully arrogante tal que provavelmente a Sonserina deve ter um quadro dele como aluno do ano. Poppo apenas fugiu, tanto fisica quanto emocionalmente, colocando uma mascara de que está tudo sempre bem e que está sempre de boa, mesmo quando claramente não está.

Todas essas crianças, que em determinado ponto tinham tanto potencial para serem pessoas tão boas acabaram se tornando os adolescentes merdas que vemos no começo da série. O cenário inicial de Anohana é quase uma versão japonesa de "The Kids Aren't Alright" do Offspring.


Isso começa a mudar no dia em que, em uma tarde muito quente de verão, o fantasma de Menma aparece na casa de Jintan. Não em um sentido assustador, mais como um espirito perdido que precisa resolver o assunto pendente para finalmente poder ir para o céu.

"Ano Hi Mita Hana no Namae o Bokutachi wa Mada Shiranai'' (Nós ainda não sabemos o nome da flor que vimos aquele dia), abreviado como Anohana, é um anime sobre Jintan reunindo sua antiga turma para tentar atender o ultimo desejo do fantasma de Menma para que ela possa descansar em paz, embora o que aconteça é que nesse processo ela é que acaba os ajudando a dar um rumo nas próprias vidas.

Os primeiros episódios mostram Jinta em suas tentativas de se reconectar com seu antigo grupo de amigos para descobrir qual seria o desejo final de Menma. Os "Super Busters da Paz" são um grupo colorido, e a série está em seu melhor quando mostra-os voltando a entrar em contato. AnoHana crava aquela mistura de estranheza e nostalgia sentida entre pessoas que não se viam há muito tempo. Em particular, quando eles estão conectados pela tragédia. A esse respeito, as interações entre os personagens parecem incrivelmente autênticas.

As cenas de Jinta remoendo o passado e tentando se reconectar com sua antiga galera pelo bem do fantasma da Menma é de uma verdade tão universalmente humana, tão sincera que mesmo tendo crescido literalmente do outro lado do mundo, eu não consegui deixar de me identificar e chorar como o Neymar depois que alguém dá um tapinha de bom dia no ombro dele. 
O episódio lembrando as tardes de verão apenas jogando Nokemon com seu melhor amigo não me fez chorar. Por mais que 12 horas. Ou mesmo quando eu penso sobre isso novamente, eu nem estou chorando, você é que está.
Tem alguns outros exemplos nessa arrancada inicial do anime que amolecerão mesmo o mais empenedercido dos corações, ao que eu posso dizer que a fama de AnoHana de caçadora de lágrimas não é nem um pouco infundada. E enquanto eu nõa posso estressar o suficiente o quanto isso é honesto e tocante no começo, e conceitualmente ainda é até agora, porém o anime acaba não sendo todo o potencial do que poderia ter sido. Tal qual os seus personagens.

O conceito de Anohana é uma das coisas mais pessoais e fortes que eu já vi em um anime, e de fato o ponto forte do anime é muito mais te emocionar e fazer refletir sobre o conceito do tema do que pela execução em si. O que é, ao mesmo tempo, um grande problema. Porque escondido sob o peso de um tema tão bom, tão profundo, tão humano, está um anime com algumas rachaduras bem grandes em seus alicerces. De certa forma, Anohana me lembrou um pouco Ghost in the Shell: falar a respeito, saborear a proposta e absorver o conceito é uma experiencia bem superior a assistir a obra em si.

Verdade que Darling in the Franxx foi uma parceria do estúdio A1 (responsavel por Anohana) com o estudio Trigger. Por isso metade dos personagens parece saídos de Anohana, outra metade de Kiznaiver (que por sua vez já parecia uma reciclagem de Kill la Kill).
Para começar, temos o maior problema da série: Menma.

Menma, como retratada pela série, é a garota mais maravilhosa de todas. Ela é incrivelmente doce, amorosa, altruísta, maravilhosa e inocente. Jinta está apaixonada por ela, mesmo depois de todos esses anos; assim como os outros garotos do Super Peace Busters. E as meninas? Suas crises emocionais são sobre como eles nunca poderiam se igualar a Menma, mesmo agora que ela está morta. Tenha isso em mente: estamos nos referindo a uma garota que morreu há mais de 10 anos atrás, quando todos eles tinham cerca de 5 anos. Repito: isso aconteceu há 10 anos.

Muita coisa pode acontecer em muito tempo, especialmente para crianças crescendo. A morte de um amigo, por mais trágico que seja, geralmente vai parar de doer tanto. A vida continua, e as preocupações do dia-a-dia têm uma maneira de recuperar o atraso. AnoHana não parece entender isso. Cada pessoa que conheceu Meiko, mesmo a menor parte, ainda está arrasada com a morte dela como se isso tivesse acontecido semana passada, porque ela era simplesmente a garota mais maravilhosa de todas.

Ou assim nos é dito.

A Menma que podemos ver, no entanto, não é tão espetacular assim. Sua personalidade é de menininhas bobinhas "moe" como Yui Hirasawa (K-ON!). Suas reações consistem principalmente em chorar ou ser incrivelmente alegre, e as coisas que ela faz sozinha geralmente se resumem a tentativas equivocadas de animar Jinta com palhaçadas que devemos considerar fofas. Os criadores chegam a calhar até mesmo alguns fanservice dela, pq não, né?

Curiosamente, a versão live action acaba sendo bem melhor que o anime justamente porque Menma é muito mais relacionavel quando interpretada por um ser humano, e isso engrandece em muito todo o conjunto da obra. Em uma nota parcialmente relacionada, algum dia eu serei capaz de ouvir a música de encerramento sem chorar... mas esse dia não será hoje!

Todo o enredo acaba girando em torno de Menma e seu último desejo, que uma vez atendido supostamente a fará ir para o céu. No final, é difícil lembrar de qualquer aspecto sobre os outros personagens que não remetem a Menma de alguma forma. Pior ainda, a série gasta muito tempo tendo personagens duvidando das alegações de Jinta de que ele - e por algum motivo só ele - pode se comunicar com o fantasma de Menma. Isso apesar do fato de que Menma é um fantasma que pode interagir com objetos físicos. 

Sim, exatamente.

Provar a existência dela seria incrivelmente fácil e, ainda assim, a série continua criando maneiras de extrair o melodrama da descrença de outros personagens. Alguém poderia defender isso afirmando que as pessoas na vida real nem sempre buscam a melhor solução e cometem erros estúpidos. O que é verdade. Mas os personagens em questão são retratados como decentemente espertos e tem bastante tempo para trabalhar isso, então é estranho que um problema tão fácil de resolver seja arrastado por tanto tempo.

Mas, honestamente, nem é isso que mais me incomoda na série e sim as outras escolhas que ela faz. Vê, retratar esse tema de "quem nós eramos e quem acabamos nos tornando em vez disso" é um tanto delicado, e bastante dificil de executar quando você pensa a respeito disso. É um tema profundo e requer boas ideias para ser contado, certo?

É, certo... ou você pode apenas resumir isso a "quem gostava de quem quando tinhamos 5 anos de idade e jamais superamos isso". Mais uma vez: gente, eu entendo. A morte de um amigo, ainda mais nessa idade, é uma experiencia traumática e acaba colocando num pedestal coisas que a maior parte das pessoas não dá muita importancia. Eu entendo isso, de verdade.

Porém, isso sendo dito, por quem você era "apaixonado" quando tinha 5 anos de idade e como isso jamais foi superado não é um bom tema. Resumir a relação dos amigos a isso, quem gostava de quem e como seus sentimentos ainda são os de crianças de cinco anos de idade, não é uma boa ideia. É uma ideia bem bosta, na verdade.


O hábito que o anime tem de overcooking drama promissor em melodrama barato me dá a impressão de que os criadores estavam um pouco inseguros sobre o potencial de AnoHana para comover as pessoas, e assim eles sentiram que tinham que com conceitos mais palpaveis e simples (como o "quem gosta de quem"). Mas a coisa é, eu sinto que AnoHana é um anime com bastante material bom e idéias interessantes que não precisa do melodrama para fazê-lo funcionar. Um bom exemplo disso é durante o episódio final, quando todos conseguem finalmente ver o fantasma de Menma. Com toda a honestidade, foi um grande momento, talvez o melhor de toda a série ... e então os jovens começaram a gritar e se agarrar uns aos outros e arruinaram completamente o clima. O que diabos os criadores estavam pensando?

Talvez o que mais me incomode nesse anime não é que ele seja ruim, mas que ele não é tudo que poderia ter sido: apesar de suas deficiências, eu realmente queria gostar de AnoHana, e ficava desesperadamente torcendo para que o show acertasse. Apesar das cenas de dramalhão frequentes de AnoHana, há uma sinceridade sobre o que se está tentando alcançar. Além disso, sendo uma pessoa nostálgica, o forte sentimento de melancolia sobre o show realmente fala comigo. As alegrias agridoces de se reunir com velhos amigos e reviver brevemente os dias despreocupados da infância, a sensação dolorosa de perda enquanto você percebe que as coisas nunca mais podem ser as mesmas ... esses são todos sentimentos que a série consegue transmitir muito com sucesso. 

Dado tudo o que AnoHana tem para trabalhar, é uma pena que não seja muito melhor. Talvez, dada a extensão da série (11 episódios), os criadores tenham tomado a decisão de confiar fortemente em dispositivos artificiais para manter as coisas em movimento, e no melodrama como um caminho para o desenvolvimento do personagem. Mas algumas coisas não devem ser apressadas, especialmente quando alguns dos problemas que os personagens são bem profundos, e a execução apressada apenas os fez parecer mais aleatórios do que qualquer outra coisa. No entanto, é um show que merece algum crédito por suas boas intenções e idéias poderosas

No seu melhor, AnoHana é sobre um grupo de amigos lidando com a perda, lidando com os golpes que a vida dá, das coisas que poderiam ter sido e agora jamais serão. E sobre eles reaprendendo a contar uns com os outros. É quase uma versão anime de "Conta Comigo". E é lindo.



Em seu pior, AnoHana é um anime de namorico colegial tão genérico quando um anime colegial pode ser genérico. É agridoce que esses dois animes compartilhem do mesmo corpo, mas é assim que as coisas são.

Poucas pessoas acabam se tornando todo o potencial do que poderiam ser, e isso é verdadeiro para animes também. Essa é uma ótima maneira de resumir a série em poucas palavras. Sua excelente apresentação e um punhado de temas tão profundamente humanos são, em última análise, desperdiçadas em uma série que decide focar nas coisas erradas.
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