No silêncio aterrador do espaço, a desconfortavelmente animada inteligencia artificial da sua nave avisa: "Chegando a Estação de Transferencia Lunar Tacoma. Tripulação: evacuada. I.A. da estação: offline!"
Uma coisa que eu digo frequentemente é que videogames não deveriam tentar ser filmes de 5, 15, 50 horas de duração. Apenas diga essa descrição em voz alta e veja como a proposta se auto-derrota.
AH, MAS THE LAST OF US...
Jesus no pogobol, apenas vai se foder, ok? TLoU é uma exceção que não se reptirá sob o Sol tão cedo. Estou falando do que videogames deveriam buscar enquanto midia, não uma exceção absolutamente impar. Mas então o que videogames deviam buscar, EXATAMENTE?
Algo que os faça únicos, algo que nenhuma midia possa fazer da exata mesma forma. Claro que dá mais trabalho do que simplesmente imitar o cinema, mas você não quebra a forma como as coisas são apenas ficando sentado.
AH É? E O STEPHEN HAWKING?
...
Eu te odeio, cara. Sério.
Mas enfim, dizia eu que essa minha visão sobre o que videojogos podem ser não é apenas minha e sim a razão de existir da Fullbright. Sob a direção criativa de Nina Freeman, a Fullbrigth tem a missão de levar os videojogos audaciosamente indo eles jamais haviam ido. Em 2012 ela e sua equipe criaram um novo estilo de jogo, o que hoje é conhecido como "walking simulator". O objetivo é contar uma narrativa não com diálogos, tiro, porrada e bomba, mas sim através da narrativa enviromental. Algo aconteceu aqui e através dos vestígios deixados para trás no cenário cabe a você montar a história na sua cabeça.
De forma pouco surpreendente, seu primeiro jogo "Gone Home" empilhou prêmios por onde passou. Não é coincidencia que no ano seguinte, The Last of Us empenhou um esforço enorme em sua narrativa enviromental.
Os críticos do genero, no entanto, reclamam que Walking Simulators são... bem, simuladores de caminhada e que você faz pouco além de caminhar, ouvir dialogos e ler textos. E nós jogamos videojogos para apertar botõezinhos e namorar tesouros e pilhar mulheres! E ao invés de bater cabeça com isso e defender sua criação, Nina decidiu que queria crescer com as críticas.
De fato, jogos de narrativa enviromental não tem muito para o jogador fazer e para algo como os videogames, que são únicos em serem um mídia intereativa, bem, isso é um desperdiço de potencial, não?
Nina achou que sim.
Então seu próximo jogo, Tacoma, não é apenas uma narrativa enviromental, mas uma narrativa enviromental com um forte elemento de gameplay onde a mecanica de jogo desempenha um papel tão importante quanto as pistas encontradas no cenário.
Em Tacoma você controla Amy Ferrier, uma agente trabalhando para a megacorporação V-T. Houve um grave acidente na estação espacial Tacoma, e sua missão é entrar na estação, recuperar as caixas pretas de cada modulo da estação assim como o nucleo da inteligencia artificial da Tacoma.
Mas o que, exatamente, aconteceu ali? Bem, é aqui que o jogo de verdade está.
Ao acessar a estação você se conecta aos logs locais, que são exibidos através de hologramas em realidade aumentada. Isso quer dizer que você não apenas ouve os dialogos, mas vê os bonequinhos dialogando e tem que segui-los conforme eles caminham pela estação.
O diferencial enquanto gameplay, e o que destaca Tacoma dos outros walking simulators, é que as gravações de hologramas que você assiste são, bem, gravações e podem ser rebobinadas e avançadas livremente. Isso é utilizado para criar os puzzles do jogo.
Digamos que uma porta está trancada, por exemplo, e você precisa do password. Uma forma de conseguir é ficar parado ali e avançar ou rebobinar a gravação até o momento que alguém utilizou aquela porta e você pode ver o holograma digitando a senha (felizmente para você, no futuro todos os paineis de senhas são com botões grandes e que podem ser facilmente observaveis por terceiros). As vezes você tem que seguir o holograma para ver no que ele mexeu ou onde esteve e ver se isso dá uma pista da senha.
- Dude, não acredito que você peidou em um momento como esse!
- Ué, achei que ia produzir ar era o nosso problema!
Isso, de fato, dá algo interessante a se fazer e você efetivamente está sempre trabalhando para conseguir avançar no jogo. Então, sim, Tacoma passa a sensação de ser um jogo.
Isso posto de lado, a questão que resta - e esta é realmente a que importa aqui - é o quão boa é a narrativa enviromental que essa mecanica conta. E o grande truque aqui é que a mecânica não é utilizada apenas como ferramenta de puzzles, mas em função da narrativa também.
O jogador pode observar a médica da estação dando conselhos à tripulação, apenas para seguir o seu holograma até outra sala e descobrir que ela está tendo um ataque de panico porque não faz a mais remota ideia se o que ela está fazendo é a coisa certa. Essas rotinas bem pensadas enquanto design narrativo podem ser rebobinadas, congeladas e observadas de vários ângulos.
Mais importante, permitem a realização de cenas complexas que permitem que várias coisas aconteçam ao mesmo tempo. Vários eventos e várias conversas podem ocorrer ao mesmo tempo e você escolhe o que acompanhar, depois apenas rebobinando a gravação e acompanhando outra coisa.
Como resultado, Tacoma parece como uma peça de teatro experiemental em que a plateia pode optar por observar a imagem maior ou seguir um único ator. A grande inspiração de Tacoma é "Sleep no More", uma peça de teatro que ocorre dentro de um prédio e o publico pode andar para lá e para cá ver o que está acontecendo. A peça inclusive é encenada três vezes seguidas, para que todo mundo possa ver a narrativa através de mais de um ponto de vista
"Devia ter ficado assistindo aos caras no bar, quando me disseram que tinha nudes rolando no banheiro não foi isso que eu imaginava..." |
Essa mecanica permite a capacidade de observar os personagens de Tacoma em diferentes contextos dá vida a eles. Você pode ver eles falando com pessoas enquanto mexem no celular (bem, o equivalente de 2088 disso) e pode ler por cima do ombro deles o que eles estão falando no zapzap 2088. O jogador tem a chance de descobrir quem quem realmente é a tripulação da Tacoma e entender as várias máscaras que usam em público.
O grande ponto forte de Tacoma é o seu elenco, um grupo multi-étnico e diverso que aponta para o mesmo tipo de futuro progressista de Star Trek. A história de romance gay de Gone Home é bontinha, mas não é uma narrativa particularmente complexa ou profunda. Tacoma, por sua vez, trabalha com um universo muito mais desenvolvido e interessante.
Não apenas porque é interessante ver fragmentos de informação sobre quando Elon Musk foi presidente da Africa do Sul em 2032, como todos fragmentos de informação sobre a situação economica, trabalhista e social que você obtem ajudam a entender o que realmente aconteceu ali. É um cenário muito bem construído onde nem todas as informações são mecanicamente uteis, mas interessantes enquanto caracterização de personagens.
Ajuda a entender o contexto geral do jogto, por exemplo, quando você encontra no lixo do quarto do Especialista de Operações da Estação varias cartas de rejeição a pedidos de transferencia e garrafas de whisky. Ajuda muito a entender o mundo e a administradora da estação, que é negra, quando você encontra uma grande quantidade de xampu para alisar cabelo no seu banheiro. A tripulação de Tacoma é reforçada pela sua diversidade, proporcionando uma visão convincente de um futuro que parece especulativo, mas fundamentado.
O conteúdo emocional de Tacoma brilha na construção dos individuos, explorando com grande poder e maestria todas as ferramentas (tempo e angulos de visão que são proporcionadas ao jogador que um filme jamais poderia emular sem ter que fazer pirotecnias mil de edição) que o walking simulator oferece, mas ele não exatamente está no seu melhor ao juntar estes individuos em um tema maior.
O jogo tenta trabalhar ao mesmo tempo questões de inteligência artificial, corporações e direitos trabalhistas, mas principalmente como estes personagens reações em uma situação de desastre.Conforme você explora a nave, descobre que o acidente inicial na Tacoma danificou as reservas de oxigênio da estação, e os tripulantes certamente vão sufocar antes que qualquer resgate chegue. Então eles tem que trabalhar com os recursos que tem para sair dessa.
Como premissa, é algo bastante interessante e o mais perto que já tivemos de um jogo do filme Apollo 13. Adicione a isso os personagens interessantes e bem estabelecidos, e podemos esperar grandes coisas com isso.
... grandes coisas que o jogo não necessariamente entrega. O desenvolvimento de como esses personagens reagem a essa situação extrema não é ruim, mas não é exatamente estelar. Pode parecer estranho que eu esteja reclamando de um jogo que entrega uma narrativa que é um sólido 8/10, mas eu só faço isso porque com as escolhas e ferramentas que a Fullbright colocou a seu favor, eu poderia esperar um 10/10.
A sensação que passa é que diretores de jogo não são diretores de cinema profissionais, e sim programadores que fazem o melhor que podem para contar histórias. Eu deveria ser menos exigente com um jogo do que eu seria com um filme de iguais bons fundamentos?
Eu exijo mais de videojogos porque eu sei que eles podem mais, e claramente Nina Freeman pensa o mesmo. Tacoma é um passo muito certo nessa direção. Não o objetivo final em si, mas definitivamente um passo certo.