[GAMES] NIGHT CALL (ou quem taxeia os taxistas?)

| quarta-feira, 31 de julho de 2019
 

Uma coisa que me deixa realmente chateado é quando uma boa ideia é mal executada. Não apenas porque o que foi entregue não é bom, mas porque aquela oportunidade não poderá ser tentada novamente tão cedo. Ou nunca.

Para este fim, Night Call tem um punhado de otimas ideias e não faz lá grandes coisas com elas.

Ok, mas vamos começar do começo: Night Call é uma visual novel em que você vive as noites de um taxista arabe em Paris. Não, o "Night Call" do título não tem haver com altas pustasrias nem nada do tipo, seu degenerado!

FALOU O CARA QUE TEM O BLU-RAY DE SLEEPING WITH HANAKO...

Caham... isso não... enfim, dizia eu que nosso taxista começa o jogo sendo vitima do terrível serial killer parisiense e sobrevive miraculosamente. Após acordar no hospital algumas semanas depois, a policia o vai procurar a propõe a única coisa que faz sentido a polícia propor numa situação dessas: "você, um civil que é só  um taxista sem nenhuma formação investigativa, tem uma semana para encontrar o verdadeiro serial killer, senão a gente vai te prender como suspeito!".

... eu não estou brincando. É sério isso. Mesmo. Aham.



Eu sei lá cara, acho que essa é a premissa mais idiota que eu já ouvi em um jogo em todos meus mais de trinta anos como gamemaníaco. Mas enfim, como eu sempre digo, videojogos são sobre namorar tesouros e saquear mulheres, então vida que segue - até porque obviamente esta não é a parte da "boa ideia" que eu me referia no começo.

Não, a boa ideia vem agora: como taxista, você roda as ruas de Paris e conversa com seus passageiros - talvez eles deem pistas sobre o serial killer, mas na maior parte do tempo não. E é aqui que as coisas ficam interessantes.


Os desenvolvedores franceses da Monkey Moon foram as ruas e conversaram com taxistas parisienses de verdade, colecionando as histórias mais bizarras e interessantes que estes profissionais do transporte urbano tem a oferecer. Como você pode supor, sendo taxista em Paris você já viu muita coisa estranha acontecer e estas experiencias são transpostas para o jogo.

São 70 personagens que você pode pegar nas ruas de Paris, e os seus dialogos e coisas que acontecem são realmente interessantes. Senhoras de meia idade que escrevem a poesia. DJs amargurados, que nunca fizeram sucesso. Um jovem que odeia policiais, mas está namorando uma. Um turista japonês que não fala uma palavra de francês, mas que de alguma forma você estabelece algum tipo de conexão com ele. Eles só estão no seu carro por alguns minutos, mas é o suficiente para eles deixarem algo com você, e você pode obter respostas diferentes deles, escolhendo coisas diferentes para perguntar a eles, ou tons para usar.



Night Call usa seus personagens para trazer à tona os tópicos que eu não esperava, incluindo raça, religião, sexualidade, talvez mais notavelmente, terrorismo, algo que, é claro, tocou em Paris nos últimos anos. Mas, para seu crédito, muitas vezes emprega um leve toque e aborda as coisas de ângulos interessantes, não se levando tão a sério assim: por exemplo, um dos seus passageiros é um gato que pode ou não estar entendendo o que você diz. Chove, tudo é preto e branco e cinza, além dos ocasionais letreiros de néon. Ah, o turno da noite em Paris...

Enfim, meu ponto é que Night Call é um jogo realmente bem escrito com personagens interessantes que conseguem te cativar nos poucos minutos que eles passam com vocês. Os franceses da Monkey Moon realmente tem talento com isso (ou escrever cenários noir é um bonus racial de todo francês, pode ser isso também)


O que, infelizmente, eles não tem tanto talento assim é em administrar isso na forma de um jogo. Porque quando você não está conhecendo a vida de estranhos, Night Call é um simulador de economia e você precisa administrar a sua renda enquanto investiga o serial killer - e nenhuma dessas coisas é bem feita.

Em primeiro lugar, todo fim de noite você precisa pagar as contas do dia e se seu dinheiro acabar é Game Over. Então você precisa fazer dinheiro suficiente durante a noite para o jogo não terminar. A pergunta então, é obviamente de quanto dinheiro você precisa e a resposta seria... É ALEATÓRIO!

Sim, todo fim de noite o jogo chuta um número aleatório para representar suas despesas do dia sem relação alguma com o que você fez durante a noite. O melhor que eu pude estimar é que o algoritmo do jogo é programado para "te deixar sempre com pouco dinheiro, mas não muito pouco".


Argh, não é legal, mas piora quando o jogo não te diz exatamente COMO você faz dinheiro. Você tem um tempo limitado durante cada noite, mas como esse tempo funciona EXATAMENTE? Existe uma diferenciação de tempo-beneficio entre os passageiros pegos? Eu DEVERIA estar escolhendo passageiros para ganhar mais dinheiro? Cortar a conversa com os passageiros faz a corrida ser mais curta e logo você poder pegar mais durante a noite? 

São todas perguntas básicas que você imaginaria que o jogo te responde de uma forma ou outra (com tutorial ou com exemplo prático), mas não. Eu posso dizer que terminei o jogo sem entender como sua economia funciona, como você ganha ou deixa de ganhar dinheiro e isso é uma das piores coisas que se pode dizer sobre um jogo.

Para adicionar ofensa a injúria, a parte da investigação não é muito melhor que isso não. As pistas que você coleciona não vem de conduzir a conversa com seus passageiros, elas aparecem aleatoriamente no começo de uma corrida. No fim da noite elas vão para um "quadro de investigação" onde se ligam automaticamente aos suspeitos, você precisando fazer zero esforço lógico nesse sentido.


Você pode ver o quadro, mover os pinos e destacar uma nota em particular, mas nada disso tem nenhuma função e não importa realmente. Parece que você poderia ser capaz de encontrar pistas e tentar formar conexões, mas você não pode fazer nada disso. A investigação acaba sendo pouco mais do que uma leve curiosidade para verificar depois de seus turnos.

Então o jogo é um simulador de economia cujas regras dessa economia não são nem um pouco claras (ou você possa sentir que tenha algum controle sobre isso), e um simulador de investigação onde vc não investiga nada realmente, apenas espera as pistas aparecerem aleatoriamente e se montarem sozinhas no quadro.


Por fim, o jogo tem cinco missões disponíveis - só que todas elas são campanhas individuais. Todas começam com você saindo do hospital e todos seus contatos e progressão com os passageiros são zeradas, a única coisa que muda é quem é o assassino. O que não muda nada, já que a "investigação" não importa realmente.

Parece uma maneira muito ruim de estruturar um jogo sobre falar com as pessoas, envolver-se em suas vidas e desenvolver seu personagem ao longo do caminho. É especialmente decepcionante porque a escrita é inteligente e muito bem feita - capaz de ser tensa, sombria, divertida ou absurda em apenas poucas falas - e o elenco de personagens é muito interessante para se descobrir. Por causa disso e da mecânica investigativa/economica mal desenvolvida, Night Call parece uma mera sombra do que poderia ter sido. 

Infelizmente.
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