[PERSONA 5] Parte IV: Podemos ser heróis por apenas um ano

| terça-feira, 11 de junho de 2019




Na última vez que haviamos falado sobre nossos prosopopéicos heróis, Joker e os Phantom Thieves haviam trago justiça a Academia Shujin e todos estavam felizes e saltitantes. Mais relevante do que isso, para o proposito deste texto, é que eles haviam se tornado celebridades fazendo isso. 
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Acontece que, para fazer o tesouro tomar uma forma material dentro do palácio cognitivo, Morgana teve a ideia de mandar um "calling card" ao Kamoshida do mundo real avisando que o tesouro da luxuria dele seria roubado. Isso faria com que sua contraparte cognitiva se focasse no que o desejo representa para ele e assim o tesouro tomaria forma fisica.
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Funcionou, mas com um efeito colateral interessante: todo mundo na academia Shujin ficou sabendo que o professor Kamoshida recebeu ameaças que teria seu coração roubado... e três dias depois ele aparece se arrependendo de todos os seus crimes e se entregando a polícia? Não demorou muito para os Phantom Thieves se tornarem uma lenda urbana na cidade toda – afinal um professor admitir publicamente esse tipo de coisa não é algo que passe batido assim no Japão (e em quase lugar nenhum felizmente).
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Pois bem, agora estão nossos heróis curtindo os louros da sua vitória – não apenas a boa ação feita e o problema resolvido, como a fama que não intensionalmente veio com isso – e se perguntando o que fazer daqui para frente. Naturalmente ocorre a ideia de que, bem, porque parar agora? Eles poderiam muito bem continuar fazendo isso, levando justiça aqueles a quem a sociedade jamais traria julgamento. Desde que eles mantivessem suas identidades secretas, provavelmente tudo daria certo.
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Assim os Phantom Thieves decidem continuar sua jornada de palácios e enfrentar personas bizarros mesmo quando eles não parecem um penis verde em uma carruagem.

Tem os penises verdes no chão também! Ótima escolha de palavras, Mona, BTW

O que poderia possivelmente dar errado?

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E é aqui que eu queria chegar quando eu disse que nunca houve um jogo plenamente satisfatório de ser um super-herói em videojogos antes. Porque Persona 5 não é apenas sobre ganhar poderes e derrotar bosses, é também um jogo sobre ter uma vida dupla entre a vida escolar japonesa durante o dia e ser um vigilante que combate a injustiça a noite E – tão importante quanto – as implicações sociais que isso trás.
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Em Death Note, é pincelado bastante superficialmente sobre esse tema. Enquanto o anime se foca no duelo entre Kira e os detetives tentando pegar ele, bem ao fundo dá para notar como a sociedade reage a isso. Se do dia para a noite, todo mundo que tem seu nome divulgado como criminoso provavelmente não viverá para ver outro por do Sol, ora, isso muda as regras como a sociedade funciona, não? Mesmo uma sociedade onde o crime é relativamente tranquilo, como no Japão. Porém o anime não se aprofunda muito nisso, apenas está lá. 

 
Para ser justo, o manga explora bem melhor essa coisa do culto ao Kira
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Persona 5 faz um trabalho muito mais profundo nesse sentido, colocando a reação da sociedade como uma força motivadora da trama. Através de midias sociais, conversinhas que você ouve na rua e como o Mementos (o palácio cognitivo do público geral) reage, isso molda as ações tomadas pela polícia, pelos políticos e pelos próprios Phantom Thieves.
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Eu gosto particularmente como a Atlus conseguiu acertar nesse aspecto, sobretudo nos comentários de redes sociais que você vê durante as telas de loading em que pessoas sem informação nenhuma sobre o tema cagam opiniões e "exigem" coisas como se tivessem algum tipo de direito. Ou seja, exatamente como funciona na internet do mundo real e eu fortemente recomendo Persona 5 para qualquer um tentando entender o que é o "Efeito Dunning-Krueger". Na verdade eu recomendo Persona 5 para qualquer pessoa que não se sinta fisicamente ofendida opr JRPGs, é um puta jogo.
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Mas então, voltando ao assunto, os Phantom Thieves vão se tornando progressivamente mais famosos – e a fama vai cobrando um preço sobre os adolescentes.
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Quando eu terminei de jogar Persona 5, percebi que tinha uma coisa me incomodando: é industivel que, temáticamente, o primeiro Palácio é o melhor de todos. Kamoshida é um bastardo asqueroso, não tem como questionar isso por nenhum angulo que você olhe. Porém com o decorrer da história os vilões vão se tornando menos... vilanescos. Inicialmente eu achei que isso fosse um problema do jogo, até eu colocar os pensamentos em ordem e entender que era o proposito da coisa toda.
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Ok, o segundo palacio, Madarame, ainda é um filho da puta e merece se foder. Ele é um artista renomado que fez sua carreira roubando o trabalho de seus pupilos e usando sua influencia para acabar com a carreira deles. Afinal, quem acreditaria na palavra de um desconhecido alegando que um genio das artes roubou o seu trabalho? Certo, isso é errado e horrível, mas não TÃO horrível quanto Kamoshida. Mas tudo bem, no fim descobrimos que ele também foi de certa forma responsável pela morte da mãe do Yusuke e isso, claramente, ainda é ruim o bastante.
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Porém daí para frente os Phantom Thieves vão sendo sutilmente seduzidos pela fama, se tornando menos diligentes em seu trabalho e até mesmo deixando as pessoas escolherem os alvos em um fórum dedicado a eles! 

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Okamura, o último palácio antes da quebra da formula do jogo, tem escrito "gente, calma lá também" escrito por toda parte. Certo, ele é um chefe horrível e faz coisas terríveis com os seus funcionários... porém nada fora da lei. Ele "explora" seus empregados, mas não no sentido de que ele usa trabalho escravo. O que ele faz é éticamente condenavel, porém não exatamente crime. Da mesma forma que ele tenta empurrar sua filha, Haru, em um casamento arranjado com um escroto de marca maior.
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Tudo bem, isso é errado e tal, mas não é como se ele tivesse algum poder real para fazer isso. Legalmente ele não tem nenhum poder de obrigar ela a se casar. Eu sei que existem questões familiares e emocionais, mas ainda sim parece algo muito mais que deveria ser resolvido com bom senso e uma conversa do que usar uma dimensão alternativa para realizar uma lavagem cerebral em alguém.
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Não sei, parece meio overkill, não? 

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Quando chega ao último palacio comum, da promotora Sae Nijima, a grande motivação dos Phantom Thieves por detrás do roubo é... basicamente salvar a própria pele. Claro, ela esta seriamente considerando incriminar algumas pessoas inocentes para dar satisfações sobre o seu caso, mas você meio que sente nas entrelinhas que o real motivo por detrás disso é que eles estão pensando em se livrar dos seus problemas com a polícia trazendo a promotora do caso para o lado deles.
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Como Nietzesch disse, os heróis acabam se tornando aquilo que combatiam. Ou você morre sendo um herói, ou vive o bastante para se tornar um vilão. Ou teriam se tornando, se não fosse a interferencia de Goro Akechi que faz os Phatom Thieves acordarem desse torpor de glamour e fama e lembrarem pelo que eles supostamente deveriam lutar.
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É um clichê bastante básico do livro de vilões quando ele diz para o herói "não somos tão diferentes, você e eu", mas é um que é magistralmente executado pela Atlus. Diante desta realização de quem eles devem realmente ser e pelo que eles devem realmente lutar, os heróis então são emocionalmente purificados para pode enfrentar o grande vilão do jogo – Masayoshi Shido. 


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A escolha de fazer os alvos dos Phantom Thieves serem progressivamente menos crueis não é um acidente de percurso ou falta de ideias da Atlus, e sim uma escolha narrativa para construir a jornada clássica do super-herói. 
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Toda grande história de Super-Herói é contada através de alguns atos mais o menos padronizados. Inicialmente, o herói descobre que tem poderes e os usa resolver um problema imediato. Após isso ele decide abraçar a rotina de herói por qualquer razão que seja adequada ao persoangem, só que essa rotina de triunfo sobre inimigos menores leva a uma hubris que será a grande batalha emocional vivida pelo personagem.
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Em algum momento o herói precisa fazer uma escolha sobre quem ele é e porque ele faz o que faz. Esse é o momento que o Peter Parker deixa de ser o Homem-Aranha ...
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... ou Bruce Wayne decide se recolher a sua mansão
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Esse status quo possivelmente terminaria a carreira do herói, e ele é quebrado por algum tipo de aliado ou recurso que o herói adquiriu em sua jornada. Talvez uma mocinha com quem ele realmente se importe precise ser salva, talvez ele tenha um momento "It's a Wonderful Life" e perceba que as coisas ficaram muito piores sem ele usar seus poderes para o bem, talvez um rival te lembre quem você é e porque você começou a fazer isso em primeiro lugar. Esse seria o papel de Akechi em Persona 5.
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Qualquer que seja o motivo, o ponto é que esse recuo do herói para com suas responsabilidades é muito importante para a narrativa porque não apenas dá um respiro necessário para a história não virar um filme do Michael Bay, como valoriza os atos heróicos do protagonista. Você faz o que faz não por sorte, ou por "ah, pq não, né?", nem porque é melhor para você (seja fisica, mental ou emocionalmente). Você faz o que faz porque foi uma escolha deliberada sua de fazer o bem e é ISSO que realmente faz de você um herói. 

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Agora adicione essa estrutura narrativa a coisa de ter um episódio de origem, uma identidade secreta efetivamente sendo utilizada no jogo (já que o componente de administrar sua agenda durante um ano é um elemento chave da série) e todo esse arco de responsabilidade heróica, e você tem como resultado a mais completa aventura de Super-heróis já apresentada em um videojogo. 

Essas foram a conclusões que eu cheguei sozinho, porém eventualmente eu acabei descobrindo um depoimento do próprio diretor do jogo, Katsura Hashino, confirmando que ele tinha isso em mente quando criou a coisa toda:

As a developer, I’m very happy to hear that Persona 5 is being played by so many people overseas. To be honest, it’s really hard to gauge its popularity in the West when our team’s in Japan; we’re not able to see everyone’s comments and discussions. It’d be great to interact with the fans abroad, but sadly, I’m stuck in the development room slurping instant ramen (laugh). Persona 5 is a very “Japanese” story with some political aspects to it, so I couldn’t imagine how Western players would react to it. I did know, however, that Persona 5 was highly anticipated by gamers overseas even back when we were developing the game, so I was curious to see how its story would be received.

I’m going off on a tangent here, but I think that traditional Japanese superhero stories tend to be about fighting off invaders from outside their society, while Western ones focus on fighting against villains and misfits that come from within it. There’s a sense of society being responsible for creating this evil, and such a setting lets the audience’s imagination run wild, like “it could’ve been me.” For instance, doesn’t the Joker from Batman make some valid points that resonate with you?

Persona 5 is also a superhero story in which you fight villains that are born from within society, so I thought that it might be received differently than the previous entries. Of course, it could’ve missed the mark completely and been criticized for it, so my anticipation and anxiety were split half and half. Since the game just launched in the West, I’d like to look back on it at a later time, once I receive feedback from the Western audience—how their gameplay experiences were, what kind of things they felt, etc. I hope that the tale of Persona 5 will leave a lasting impression on everyone who plays it. No matter what kind of project I take on going forward, I love creating RPGs that are both moving and relatable regardless of cultural differences—in fact, I’m most interested in strengthening those aspects right now.

Last year, with the milestone of the Persona series’ 20th anniversary, I handed off the series development to my successors and announced the start of my new RPG project that takes place in a fantasy world. Be it a game set in modern day, like the Persona and Shin Megami Tensei series, or a game set in a new fantasy world, I aim to create games that provide an invaluable experience of reflecting on oneself through a journey, while roleplaying as characters that players can deeply relate to.

These efforts are only made possible thanks to the positive reception we receive from fans—not just in Japan, but worldwide—of the Persona series and Atlus RPGs in general. I appreciate all your support for the newest entry in the Persona series, and I hope that everyone will enjoy the new Atlus RPGs to come.
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Ser o melhor não quer dizer, claro, que Persona 5 seja perfeito e isso é um assunto que eu pretendo abordar no meu próximo (e possivelmente último) post sobre Persona 5: quando um jogo que foi nota 10 cravado em toda sua execução durante 4/5 de sua execução, para você jogar sorrindo e comendando consigo mesmo sobre como esse jogo é bom, foi menos do que estelar em seus momentos finais.
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