Em 1999, M. Night Shyamalan estava no topo do mundo. Seu terceiro filme, O Sexto Sentido, tinha sido um sucesso massivo em todo o mundo. O filme foi nomeado para melhor filme e ele ganhou nomeações para melhor diretor e melhor roteiro original. Ele basicamente tinha carta branca para o seu recurso de acompanhamento, e ele escolheu para fazer Unbreakable, um filme sobre super-heróis e gibis que não era baseada em nenhum herói ou gibi especifico.
O que nos deu o melhor filme de heróis durante muitos anos porvir, e foi quase um retumbante fracasso de bilheteria. Olhando para o filme agora, é claro que o que derrubou o filme foi que o público não era experiente o suficiente para entender o que Shyamalan estava fazendo. No momento em que Corpo Fechado chegou, filmes de Super Heróis eram Batman, Superman, e quadrinhos obscuros que a maior parte do publico sequer sabia que eram filmes baseados em quadrinhos (como O Sombra, Rocket Man, Spawn e etc). Então Corpo Fechado entra em um mercado onde os filmes de super-heróis realmente não estão em voga, e tenta explicar a um público por que eles devem levar gibis a sério.
Em retrospecto, o público não estava pronto para Unbreakable. É difícil desconstruir uma narrativa quando o público nem sequer compreende plenamente o que a constrói.
Eu me alonguei no tema, mas meu ponto é que durante muitos anos o melhor filme de super-heróis foi baseado na ideia de super-heróis mais do que em uma marca especifica. Isso é importante porque Persona 5 faz exatamente a mesma coisa em uma mídia que nunca realmente teve uma boa história de super-heróis.
O QUE? MAS VIDEOJOGOS TEM PESSOAS COM SUPER PODERES APENAS O TEMPO TODO! ATÉ O MÁRIO DÁ PULO DE 9 METROS DE ALTURA E COSPE FOGO!
Em primeiro lugar, tecnicamente o Mario não "cospe" fogo, ele tira do bolso e sopra o fogo.
O que faz menos sentido ainda.
Mas, claro, isso depende do que você entende como "história de heróis". Se por isso você quer dizer pessoas (ou bichinhos) com poderes, eventualmente com uma marca licenciada dos quadrinhos, então, sim, videojogos tem bastante disso. Agora se você quer uma narrativa sobre o que significa usar poderes para fazer do mundo um lugar melhor, com os desafios e consequencias inerentes a essa experiencia, então não, videogames não tem muito a dizer sobre esse mundo.
Nossa história começa quando o protagonista sem nome (a quem eu chamarei de Fujiro Kakombi, como maduramente sempre faço quando jogo qualquer Persona) está de boas na lagoas quando vê uma moçoila magumbifera sendo sexualmente perturbada por um bebadus malvadõezes.
Sendo um sujeito de nobre coração que vai todos os dias ao bosque recolher lenha, Fujiro interfere e salva a moça. O manguaceiro cai no chão e todos vão felizes para a casa cantar sobre a Jennifer do Tinder.
Ou iriam, não fosse o fato que o pudim de cana em questão é um político filhadaputamente poderoso e decide mexer seus pauzinhos para ferrar com a vida de Fujiro apenas porque ele ficou putinho e pode fazer esse tipo de coisa.
Assim, nosso herói é expulso da sua escola, ganha uma ficha criminal bonitaça e está em liberdade condicional. Para completar seus estudos então ele tem que se mudar para Tóquio, onde não conhece ninguém, porque foi onde sua família conseguiu uma escola que aceitasse uma marginal com ficha na polícia.
Se isso parece terrívelmente injusto ainda que amargamente plausível de acontecer no mundo real, parabéns: você começa a entender sobre o que Persona 5 realmente se trata.
Na academia Shujin (que, embora se escreva com um kanji diferente, tem o mesmo fonema que "prisioneiro" em japonês), Fujiro vai perceber que sua jornada para com adultos filhos da puta que fazem altas putarias putolisticas e recebem uma passada de mão na cabeça da sociedade devido a sua posição social, nome, burocracia ou qualquer merda assim está apenas começando.
"It's always been like this...all those goddamn hyenas forcing their expectations on me...! I'm doing this all for them! What's wrong with demanding a reward for that!?" |
Logo em seu primeiro dia de aula, ele conhece o professor de educação física e treinador do time de volei da escola: Suguru Kamoshida. Agora, Kamoshida é um dos personagens mais revoltantes e asquerosos que eu já vi em um videojogo. Não porque ele fisicamente tenha tentáculos ou escorra gosma, mas porque ele é um ser humano depravado e hediondo. Mais importante que isso, porque ele soa absolutamente como alguém que veríamos no mundo real.
O que acontece é que Kamoshida tem um certo... fraco... por garotinhas, se é que você me entende. Isso é um problema bastante sério quando você é um professor e todo mundo sabe como essas coisas terminam. Mais precisamente, você conhece Kamoshida quando ele está assediando a garota mais bonita da escola, uma garota mestiça finlandesa/japonesa (apenas essa descrição já é suficiente para você entender o quão bonita ela é) chamada Ann Takamaki.
Após algum tempo, como Ann não libera o caminho da felicidade para o professor, ele age a respeito disso como qualquer adulto maduro agiria sobre o tema: começa a espalhar boatos que ela é uma vagabunda de marca maior, mais fácil do que não ser vegano. E também move seu intento para Shiho Suzui, a melhor amiga de Ann.
... que não é tão emocionalmente resiliente quanto a futura Ladina Fantasma e, como a maioria das garotas na sua situação, tem dificuldade em se livrar do cara. Nunca é dito EXATAMENTE o que aconteceu entre eles, mas logo após ela ser "chamada para conversar" depois da aula na sala do professor, Shiho tenta se suicidar.
Não é preciso ser um Xerox Rolmes aqui, huh?
Agora, talvez você pode se perguntar como a direção da escola e os outros professores não percebem esse tipo de coisa e a resposta é uma que, se você conhece alguma coisa sobre o mundo real, já pode esperar: eles sabem.
Então porque nenhum dos adultos faz nada a respeito disso?
Bem, acontece que Kamoshida é um ex-campeão olímpico de volei e o fato dele ser professor na Academia Shujin trás uma quantidade muito saudável de prestígio e recursos para a escola. Ainda mais no Japão, onde títulos, tradição e nomes tem um valor muito maior na sociedade do que individuos. Então o diretor considera que se algumas adolescentes com o bumbum violado é o preço a se pagar para manter a escola não apenas sem um escandalo como uma das top na comunidade, bem, que seja, né?
Afinal o que é o bem estar dos alunos quando ele colocou o time de volei da escola nas finais do campeonato nacional? Prioridades, homem, prioridades!
Cest'la vie.
Então, como acontece bastante frequentemente no nosso mundo, essa é uma situação terrível da onde nenhum dos culpados jamais responderá por seus crimes apenas porque é assim que a estrutura social das coisas é. E é exatamente neste vácuo que os heróis entram na nossa cultura.
Quer seja ataques terroristas aleatórios, excesso de população, taxas de criminalidade crescentes, a ameaça de colapso financeiro, preconceito, ignorância, ou um professor que abusa de alunas, todas essas coisas poderiam ser resolvidas se as pessoas sentassem e racionalmente conversassem sobre isso. Entretanto isso nunca vai acontecer porque dá trabalho, não é conveniente, não trás vantagens imediatas ou apenas "não é problema meu, então foda-se".
É necessário alguém que opere fora do sistema, sem ter as mãos amarradas por burocracia, leis ou convenções sociais. Alguém que faça a coisa certa porque é o certo a ser feito, não porque é vantajoso ou fácil.
Eu gosto bastante a escolha dos produtores do jogo que, para o primeiro palácio, você como protagonista não tem envolvimento direto nenhum com a história. Kamoshida não é problema seu. Não é a SUA bunda que ele quer comer, não é a SUA melhor amiga que tentou se matar, não é o SEU joelho que ele arrebentou porque, hey, ter outras equipes esportivas além da sua indo bem o tornaria menos popular . Nada disso é problema seu, diretamente.
Você também não deve nada a ninguém, os poderes que acidentalmente Fujiro descobre ter (como muitos heróis) não vem com uma condição impressa. Até onde lhe diz respeito, ele poderia ir para seu sótão comer donuts e assistir hentão da Spider Loli.
Fujiro Kakombi assume a mascara de Joker não porque ele tinha algum interesse direto nisso. Ele não quer notas melhores, ele não quer comer a Ann, ele não quer fazer um nome para ele, nada disso. Você interfere apenas porque você pode ajudar, você pode fazer direito uma situação horrível apenas porque é o certo a se fazer. Porque é a coisa boa a se fazer.
"Winning? Is that what you think it's about? I'm not trying to win. I'm not doing this because I want to beat someone, or because I hate someone, or because I want to blame someone. It's not because it's fun. God knows it's not because it's easy. It's not even because it works because it hardly ever does.. I DO WHAT I DO BECAUSE IT'S RIGHT! Because it's decent! And above all, it's kind! It's just that.. Just kind. If I run away today, good people will die. If I stand and fight, some of them might live. Maybe not many, maybe not for long. Hey, you know, maybe there's no point to any of this at all. But it's the best I can do. So I'm going to do it. And I will stand here doing it until it kills me. And you're going to die too! Some day.. And how will that be? Have you thought about it? What would you die for? Who I am is where I stand.. Where I stand is where I fall. Stand with me. These people are terrified. Maybe we can help a little. Why not, just at the end, just be kind?" - The Doctor
E assim, um gato falante, um delinquente com ficha criminal, um bad boy com um problema de atitude e uma mestiça muito bonita fazem do mundo um lugar melhor. Talvez não para tanta gente assim, talvez não resolva nada no grande esquema das coisas, mas hoje, apenas por hoje, eles ajudaram.
Joker e os Phantom Thieves of Hearts venceram, Kamoshida teve seus desejos distorcidos roubados e sem isso ele se arrependeu verdadeiramente de seus crimes e se entregou a polícia. Fazendo do mundo é um lugar melhor. Mesmo que seja apenas um cantinho dele. Uma vitória é uma vitória, e por enquanto isso bastará.
Porém, quando eu digo que Persona 5 é o melhor e mais completo conto sobre a jornada do herói em um videojogo, não é disso que eu estou falando. Esse é apenas um primeiro (ótimo) capitulo, daqui para frente é que as coisas ficarão loucas já que Persona 5 não é uma coleção crescente de vilões progressivamente mesquinhos sendo derrotados um a um.
É mais interessante que isso. Algo que eu poderia dizer que ... você nunca viu isso vindo!
Porém, quando eu digo que Persona 5 é o melhor e mais completo conto sobre a jornada do herói em um videojogo, não é disso que eu estou falando. Esse é apenas um primeiro (ótimo) capitulo, daqui para frente é que as coisas ficarão loucas já que Persona 5 não é uma coleção crescente de vilões progressivamente mesquinhos sendo derrotados um a um.
É mais interessante que isso. Algo que eu poderia dizer que ... você nunca viu isso vindo!