Eu tenho uma regra pessoal para avaliar o que eu consumo: se algo faz uma coisa muito bem, então essa é uma boa obra. Se ela faz várias coisas de forma incrível, ela é uma obra estupenda. E se ela faz quase tudo certo, ela é Persona 5.
Em um tempo que eu já começava a me perguntar se eu havia outgrow (não conheço uma palavra em português para isso) videogames e que os dias de 100 horas de jRPG havia a muito ido, onde a mera ideia de um jogo durar 50 horas já me dá calafrios, eu tenho mais de 150 horas em Persona 5.
Eu não sou um fã da série, eu joguei Persona 1 do PS1 e na época não achei nada de especial, e joguei persona 3 do PSP e tive que desistir porque o sistema de dungeons aleatórias do jogo é de um sofrimento inenarravel. Relendo meu texto sobre P3, o nível de sofrimento físico parece indescritível mesmo.
Diz o ditado que 0 Diabo sabe mais por ser velho do que por ser Diabo, e ao longo de todos esses anos a Atlus foi trabalhando em corrigir todos os problemas de Persona e deixar suas qualidades melhores ainda. Persona 5 é uma obra prima que não saiu da bunda de ninguém porque alguém é gênio, é o fruto de trabalho arduo e constante da Atlus ao longo de décadas no ramo.
Catherine (2013) teve muitas das suas artes conceituais e escolhas estéticas reaproveitadas em Persona 5 |
O visual impressionante do jogo é bastante fruto da obra louca de experimentação chamada Catherine. O sistema de combate está sendo polido a 5 jogos. O texto a mais de 15 (se você considerar a série Shin Megami Tensei, da onde Persona nasceu como um spin-off). A trilha sonora é parte de um esforço constante de deixar sempre as coisas novas e interessantes.
Persona 5 é a parada mais recente de uma estrada nascido de muita tentativa e erro, e a única certeza que eu tenho é que Persona 6 será melhor ainda porque ele vai aprender com os (já bem poucos) erros de Persona 5.
Isso sendo dito, tem muitas coisas que eu gostaria de falar sobre Persona 5 e a primeira delas é sobre a escolha dos seus designs. Na verdade, sobre designs de games em geral, porém como Persona 5 é uma obra prima nesse aspecto ele é meio que um referencial a ser usado no tema.
P5 tem a melhor interface que eu já vi em um jogo. Em nenhum momento eu senti que estava perdendo tempo para chegar na tela onde eu queria, todas as informações que eu precisava para tomar decisões (dentro e fora das batalhas) estavam facilmente ao meu alcanse, eu tive ZERO dificuldades em gerenciar uma agenda de eventos enorme e vários NPCs com histórias paralelas ao mesmo tempo. Mas como Persona 5 faz isso, e como os outros jogos não conseguem? (Sim, Skyrim e suas quatro telas até conseguir trocar de magia, estou olhando pra vc!)
Vamos dizer apenas que é algo que... você nunca viu isto vindo!
Mas falando sério, meu Deus! O visual desse jogo é tão dinamico, tão elegante, tão estiloso, é maravilhoso de se olhar!
A tela de vitória pós-batalha, por exemplo, é maneira com os personagens correndo enquanto você reebe os pontos de experiencia, dinheiro e itens da batalha que só ela já dá vontade de entrar em outra batalha porque o coração grita que os Phantom Thieves são tão maneiros que argh!
Justamente o que Persona 5 esmerilha em seu melhor é no design gráfico, o que é uma forma chique de dizer que se trata de comunicação visual. É sobre passar informações ao jogador através de imagens, de telas de menu, da forma com que a camera se move, a escolha da paleta de cores, a escolha de fontes, design de personagens, enfim um conjunto de coisas que costuma chamar de "Apresentação" do jogo.
Pegue Super Mario Bros de 85, por exemplo. Apenas na tela inicial a Apresentação do jogo já te diz tudo que você precisa saber sobre ele:
O personagem está na parte esquerda da tela, então nosso primeiro instinto é ir para a direita - o que é justamente o que você faz no jogo. Todas as outras informações que você pode precisar estão aí também: tempo, número de vidas, moedas, pontos. Tudo que você precisa saber sobre Mario, está nessa tela.
A paleta de cores do jogo também passa a sensação de desenho animado, com cores fortes e constrantes (o verde é bem verde, o azul é muito azul) dizendo que essa será uma aventura divertida!
Isso é a apresentação visual, e o jogo usa ela para induzir o jogador em um estado de mente para o que ele quer que o jogador sinta enquanto jogue.
Metroid Prime faz outro tipo de escolha: sua tela é visualmente mais poluída, mas isso intencional para te passar a sensação de que você está operando dentro de uma armadura ultra foda high-tech. Apenas a forma com que as informações são dispostas na tela já te dizem isso sem que ninguém precise explicar: é você e sua armadura contra o mundo. Apenas olhar uma imagem do jogo já passa isso. E é justamente essa a experiencia que Metroid quer te vender.
Agora veja essa imagem acima. Você consegue me dizer o que está acontecendo, o que são todos estes números e simbolos? A menos que você tenha jogado algumas horas de Mass Effect, não. Os menus de Mass Effect são uma desgraça de gerenciar, e de longe seu maior inimigo neste que por todos os outros aspectos é um dos maiores jogos de sua geração.
Pense na Apresentação do jogo como a tradução de um texto. Se ele for bem feito, ele ressalta a mensagem que quer ser passada de uma forma invisivel, mas que o consumidor sente em sua experiencia. Se a tradução é ruim, a mensagem fica no meio de um monte de lixo e tornam toda experiencia muito menor do que ela potencialmente poderia ser.
Agora, digamos que você não saiba nada sobre sobre persona 5 e apenas veja essa tela de ataque especial, ouça o som de vidro quebrando, os protagonistas fazendo pose e em seguida o(s) inimigos jorrando nanquim de uma forma absolutamente estilosa. O que você vai pensar é que eles são descolados, eles são legais e eu totalmente quero saber mais sobre essas pessoas maneiras e o que elas estão fazendo.
Agora veja os menus:
Eles parece algum tipo de grafite. Não pichação daquela que parece apenas porca e suja a cidade, mas sim grafite estiloso de um artista que é contra o sistema e esta expressando subversão através da sua arte. Bem tipo Bansky mesmo.
Muitas das telas de menu do jogo tem os itens alinhados em posição não ordenada, reforçando essa de quebra da ordem. Acredite, os itens não foram dispostos nessa posição porque alguém jogou lá de qualquer maneira, todo visual do jogo foi construído a dedo justamente para passar essa sensação.
A escolha da fonte não é por acaso também, essas letras esquisitas que parecem recortadas de jornal são exatamente para passar essa sensação de que os heróis são foras da lei, mandando cartas montadas com letras recortadas de jornal. A mensagem que passa é que os heróis não seguem as regras, eles são a margem do mundinho controlado que os vilões criaram para eles e eram intocaveis até então, protegidos por uma intricada teia social. Os heróis são marginais as regras sociais que te protegem das consequencias dos seus crimes, e eles vão te pegar. Não importa o quão importante, famoso ou rico você seja.
Ajuda que (embora funcionaria do mesmo jeito sem, apenas em menor poder) que durante essas cenas, normalmente a música tema do jogo esteja tocando refrões como:
"You'll never see it coming
You'll see that my mind is too fast for eyes
You're done in
By the time it's hit you, your last surprise"
You'll see that my mind is too fast for eyes
You're done in
By the time it's hit you, your last surprise"
Ou:
"It's not a game
I'm not a robot AI challenging you
I'm not a phantom
I'm in your face and
I'm here to see it through
I'm not a robot AI challenging you
I'm not a phantom
I'm in your face and
I'm here to see it through
Right before your eyes
Watch us multiply
Come to claim our rights - it's time"
Watch us multiply
Come to claim our rights - it's time"
Então, sem ouvir um único dialogo, sem ler uma frase do jogo, sem contar uma história ou apresentar personagens o que podemos dizer que esse jogo nos faz sentir sobre essa obra? Ora, que os protagonistas são maneiros, estilosos, elegantes, eles são rebeldes contra o sistema e se você é um dos caras muito maus, tenha medo. Muito medo, pois os fabulosos Phantom Thieves of Hearts vão estilosamente roubar o seu coração.
A casa (finalmente) caiu, mano, e a conta chegou.
Persona 5 consegue transmitir tudo isso apenas em suas escolhas de design, um feeling subversivo a lá Clube da Luta ou Mr. Robot. E nós nem começamos a falar sobre a trama, personagens ou mecanicas de jogo, sobre as coisas que o jogo discute e sobre as perguntas que faz, sobre como ele lida com a dissonancia ludonarrativa e a projeção do jogador. Essa é "apenas" a Apresentação do jogo e eu não tenho palavras para exaltar o quanto você precisa saber o que está fazendo - tanto quanto bom no que faz.
Deus, esse jogo é um jogo muito especial.