[GAMES] RIME (ou sempre seja você mesmo, mesmo que você não seja o melhor)

| quinta-feira, 27 de junho de 2019
 

Tem uma cena no filme "Fighting with my family", que é a biografia da Paige, em que ela e o irmão vão fazer um teste para o Smackdown em um evento que teve em Londres. Nos bastidores do ginásio eles esbarram no The Rock, e aproveitam para perguntar ao então maior astro da WWE que dica eles poderiam dar sobre como ser o "próximo The Rock".

Dwayne Johnson então responde que eles estão perguntando a coisa errada. Eles não tem que tentar ser o "proximo eu" e sim o "primeiro você".

Eu não acho que Ryme possa melhor sintetizado do que com essa cena.



Rime, por qualquer angulo que você olhe, é uma obra de amor. Se um dia alguém lhe perguntar se videogames podem ser arte, tudo que você precisa fazer é mostrar Journey e ICO, o que automaticamente encerra a discussão porque não tem como discordar que esses jogos são obras de arte. Talvez não se você estiver conversando com um crítico da Folha de São Paulo, eu imagino, mas então a culpa é sua por perder tempo argumentando com alguém que tem a cabeça enfiada na bunda em primeiro lugar. Enfim, meu ponto aqui é que Rime é uma carta de amor a esses jogos que representam tanto para a industria dos videogames.

Dizer que Rime é "inspirado" em Journey e ICO é até ofensivo, já que o jogo é uma mistura da essencia de ambos. Agora, preste atenção nisso, eu não estou dizendo que ele copia nenhum desses dois jogos, não há um único puzzle ou mesmo mecanica de jogo copiada aqui - se alguma coisa, Rime parece mecanicamente muito mais com The Witness do que com Journey. Ele lembra a essencia desses jogos sem nunca copiar nada. Agora, coloque isso numa estética que lembra bastante "The Legend od Zelda: Wind Waker" e você tem uma boa noção do que é esse jogo.



E talvez esse seja o maior problema do jogo, realmente. Jogando Rime você consegue sentir o quanto seus criadores verdadeiramente amam e entenderam Journey, ICO, Shadow of the Colossus, Limbo e Wind Waker, entre outros jogos que são artisticamente primorosos. Mas é esse justamente o problema: enquanto eu jogava Rime eu certamente lembrei de como eu me senti enquanto jogava Journey, mas o que eu nunca vou lembrar é como eu me senti enquanto jogava o próprio Rime.

Por exemplo, em Journey você embarca em uma jornada (obviamente) para chegar a uma montanha que sempre aparece no fundo do cenário sem receber uma única explicação. O sentido dessa jornada cabe a você atribuir ao longo do caminho. Sobre como você se sentiu, sobre as coisas que viu, sobre as sensações que teve. É um jogo que genuinamente aquece a sua alma.



Rime tem uma sensação similar... mas não exatamente. Aqui você acorda como um garotinho em uma praia e ninguém te dá explicação nenhuma. Você, como jogador, tem a impressão que tem chegar a algum lugar... supostamente. Você resolve puzzles, vê coisas maravilhosas e se surpreende com os desafios da jornada. No papel, apenas descrevendo, é muito parecido com Journey, mas... não é Journey. É algo que faz eu lembrar muito de Journey, mas nunca chega a construir nada propriamente seu. 

O que seria totalmente ok em um jogo de outra empresa, fazer um jogo com o proposito de "hey, lembra daqueles bons momentos que você teve? A gente não é competente o suficiente para criar algo assim, mas podemos celebrar esses momentos juntos, que tal?". Não tem nada errado com isso, realmente. O problema é que a Tequila Works pode tão mais do que isso, que não tem como não se decepcionar um pouco.

Quer dizer, eles criaram um dos jogos mais inteligentes e criativos que eu já joguei na minha vida, "The Sexy Brutale", e eu que eles são capazes de mais do que apenas um jogo de "homenagem". Eles são maiores do que isso.



Tanto é verdade que, apenas em sua última hora, Rime começa a tentar ser algo genuinamente seu e os resultados são lindos. O puzzle da cidade de pedra na chuva é uma das coisas mais bonitas que eu já vi em um videogame, a execução técnica é perfeita (água é elemento mais dificil de reproduzir em videogames porque seu comportamento exige muito processamento para parecer natural, ao contrário do fogo por exemplo que é sempre fogo) em qualquer lugar. O final do jogo, com os golens se sacrificando e quando você entende sobre o que realmente é essa história, é apenas lindo. Verdadeiramente lindo.

Rime, em seus momentos finais, se mostra uma experiencia profundamente humana sobre a perda, e sobre como aceita-la, sobre como seguir em frente. Tanto é que nos créditos do jogo cada membro da equipe dedica o jogo a alguém que eles perderam sem se identificar. Apenas palavras de despedida ao vento, uma última homenagem aqueles que se sacrificaram de uma forma ou outra para nos fazer quem nós somos hoje. E é uma coisa realmente linda.


Rime é um jogo genuinamente feito com o coração em homenagem a pessoas que foram importantes para os seus criadores, e inspirado em jogos aos quais eles verdadeiramente amam. Se Rime fosse, desde o começo, tão único, tão sincero e tão seu próprio jogo como é em seus momentos finais, certamente seria um dos grandes jogos da história dos videogames.

Como é consegue ser, é apenas um jogo para você lembrar da vez que jogou Journey ou se emocionar com a tela de créditos desse jogo. A vida tem dessas coisas.


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