[FILMES] DETETIVE PIKACHU (ou what a wonderful Pokemon world)

| quarta-feira, 19 de junho de 2019
 
Quando eu era criança, ou mesmo adolescente, as coisas eram bastante diferentes do que eram hoje e de todas as coisas que poderiam ser diferentes, nada mudou mais do que o cinema. Haviam duas coisas que todo nerd dos anos 90 sabia:

a) Se uma garota falasse com você, certamente era pra te pedir alguma coisa;
b) Os seus hobbies jamais seriam levados a sério no cinema;

Naquela época os filmes baseados em jogos e quadrinhos (nem vou falar de animes, pq isso sequer era cogitavel) não eram concebidos por diretores falando sobre algo que eles genuinamente se importavam e sim executivos querendo tirar dinheiro de crianças (pq é quem consumia essas porcarias) e meio que criança aceita qualquer coisa que tiver um logo familiar na capa.

Nós tivemos o filme do Mario que não quer pular, o Street Fighter onde o Guile é o protagonista, o filme de Dungeons e Dragons que é tão ruim que fui curado do cancêr assistindo (é tão ruim que o meu cancêr teve cancêr e morreu) e por aí vai. Para ser sincero, o melhor momento relacionado a uma coisa nerd na telona é a atuação do Raul Julia em Street Fighter porque ele fez aquele filme realmente com carinho (ele estava morrendo de AIDS e queria deixar o filme de presente para os seus filhos, que como qualquer criança da época amavam Street Fighter 2). De fato, Raul Julia morreu apenas alguns meses depois de terminar de gravar aquele filme.


Então, é. Foram tempos terríveis, mas então algo incrível e inesperado aconteceu. Vinte anos depois daqueles dias, lá estava eu, sentado em uma sala de cinema ouvindo Making of a Cyborg nos créditos finais do filme de Ghost in the Shell. E não qualquer filme, e sim um filme de 110 milhões de dolares protagonizado por uma das maiores estrelas de Hollywood da atualidade. E, acreditem ou não, mas assistindo o filme dá pra ver o quanto a Scarlet Johansson comprou a ideia e o quanto ela se esforçou para que aquela proposta desse certo.

Eu não vou mentir para vocês, eu chorei. Não por causa do filme, exatamente, que tem alguns problemas enquanto filme, mas pelo que aquilo significava. Eu quis ter uma máquina do tempo apenas para voltar para 1997 e dizer para o meu eu daquela época que tudo ia ficar bem, as coisas iam acabar dando certo. E também para comprar ações da Google.

Tudo era possível.



Mas como isso aconteceu? Como de, algo que você conhecia só por ter visto em um galpão sem ar condicionado de uma convenção de anime passa a ser um dos grandes blockbusters daquele ano? Como, do nada, qualquer pessoa hoje sabe quem é o Doutor Estranho? Como essas coisas estão acontecendo?

Bem, a resposta é mais simples do que parece. As crianças que, como eu, sabiam o nome de todos os pokémons e da tripulação da Enterprise, cresceram. Muitas delas, não todas, conseguiram empregos. Algumas delas se tornaram adultos e algumas delas agora são as pessoas que fazem esses filmes.

Veja Dan Hernandez, um dos roteiristas de Detetive Pikachu, por exemplo:


Daniel Hernandez não é um executivo engravatado que apenas tem uma vaga noção que esses "videojogos" existem. Não, ele é um cara como eu e Psyduck é o seu pokémon favorito. O roteirista do filme tem um Pokémon favorito, isso não é incrível? Claro, não tão incrível quanto ele ter bom gosto e o Pokémon favorito dele ser o Mimikyu, mas ainda sim é impressionante!

Esse é todo o ponto do filme aqui, ele é feito por pessoas que genuinamente se importam com aquela marca e querem usa-las para contar histórias, divertir pessoas e se expressar enquanto artistas! Essa é a grande diferença de Detetive Pikachu para qualquer outro filme baseado em videogame antes, ele é feito com tanto carinho e atenção que você consegue sentir isso na tela.


E para isso eles trabalharam com alguém que entende exatamente como é essa sensação. Ryan Reynolds passou anos e anos tentando fazer um filme legal de Super Heróis, e passou e anos e anos levando na testa por conta disso. Teve aquela participação medonha do Deadpool no filme do Wolverine (não o bom que parece The Last of Us, o outro que nós não ousamos mencionar), teve o filme do Lanterna Verde... que meu Arceus... até que depois de muito tentar e tentar, ele conseguiu convencer a Fox a deixar faze-lo UMA cena de Deadpool para ver como ficaria... cena essa que "acidentalmente" vazou na internet, os fãs enlouqueceram com a ideia e o resto você já sabe como termina.

Então, é, ele definitivamente é um de nós e sabe o que esse tipo de filme significa.


O material original nesse filme é tratado com tanto respeito e com tanto carinho que não é nada abaixo de pura magia ver o mundo Pokémon ganhar vida. A forma que eles integraram os pokémons na vida de uma cidade sem deixar de ser cartunesco e videogamistico é algo realmente especial.

O filme, é claro, tem centenas de referencias para os fãs (eu confesso que molhei a cadeira quando mostra o escritório do vilão com uma estatua de Arceus, Dialga e Palkia como figuras religiosas), mas o principal mesmo é que a história é muito focada e auto-contida. Se você nunca viu um Pokémon na sua vida, o filme ainda sim funciona.


Você pode não fazer a menor ideia do que é um Ratata nem para salvar sua vida, mas você não precisa saber isso para entender que um lugar que tem ratos roxos do tamanho de um cachorro é um lugar sujo. Todas as referencias relevantes ao filme são auto-contidas: primeiro é mostrado um Torterra normal para que o espectador entenda quando ver o que é um não-normal. Ou, mesmo que o espectador não saiba de antemão o que é um Ditto, o que ele precisa saber é que o Ditto pode se transformar em qualquer coisa e o filme mostra isso.

O filme se esforça bastante para não overwhelming o espetactador com informações (algo que Warcraft poderia ter usado, diga-se de passagem), e o resultado é muito bom. Com quase oitocentos pokemons a disposição e mais de vinte anos de lore para usar, os criadores poderiam ter literalmente enlouquecido com qualquer coisa que quisessem fazer.

Quer dizer, eles literalmente poderiam fazer Arceus descer dos céus e batalhar contra um Klefki porque... bem, porque ele também achou a ideia de fazer um pokemon chaveiro muito idiota, tenha dó né Game Freak?

Não, sério gente ¬¬
Mas ao invés de fazer o décimo milhonésimo filme onde o herói salva o mundo de um raio azul que vai explodir o planeta porque é o que os aliens curtem fazer, o filme se foca numa aventura bem mais pé no chão sobre um garoto lidando com a perda e seu parceiro pokémon em um aventura.

Um executivo teria escolho o raio azul, alguém que tem a minima noção do porque Pokemon funciona escolheria a segunda. Isso mantém o filme simples de entender para quem não é fã, e mantém os personagens relacionaveis. Mesmo que você não saiba exatamente o que um Pikachu pode fazer em termos de poderes, você consegue entender os sentimentos, conflitos e dramas dos personagens enquanto personagens. ISSO é o que faz um filme funcionar, seja ele baseado em jogo ou não, não os poderzinhos.

O filme só não recebe um 10/10 porque não tem o melhor Pokémon. Mas eu te perdoo.
Detetive Pikachu se preocupa muito em ser um bom FILME em primeiro lugar, e ser um produto licenciado em segundo. Justin Smith e Ryan Reinolds fazem um bom filme de buddy cops, tem uma quimica realmente boa e seus conflitos e sentimentos parecem adequados e verdadeiros aquela realidade. Os protagonistas funcionam, os coadjuvantes funcionam (desde a blogueira loira e seu Psyduck até o Ken Watanabe e seu Snubull... taí algo que eu jamais achei que diria). As batidas emocionais funcionam e as piadas são engraçadas (a cena do Mr. Mime é uma obra prima).

Só eu que achei incomodamente perturbador ver um Octillery trabalhando em uma barraquinha de comida japonesa, que é basicamente 50% frutos do mar?
Se alguma coisa, o filme me lembrou bastante Zootopia onde a Disney se preocupou em fazer um bom filme de parceiros policiais com um bom misterio sendo investigado primeiro, e depois em colocar todos os gimmicks que ela achou importante. Pokemon funciona de uma forma muito parecida: o filme é um bom FILME com bons personagens e um bom mistério sendo investigado em primeiro lugar, e ser um produto licenciado é um plus muito bem vindo. É ASSIM que você faz adaptações, ser um produto licenciado não pode ser a atração principal e sim um adicional em cima de algo que já é bom por si só mesmo para quem não conhece a marca!

 Mesmo os vilões do filme funcionam, o que normalmente é o ponto baixo desse tipo de adaptação. Sim, os vilões são indescupavelmente maus como pica-paus, mas meio que é o que um filme tipo Sessão da Tarde como esse pede. E, incrivelmente, até isso é fiel aos jogos já que quase todos jogos de pokemon são sobre uma organização maligna querendo explorar os poderes de um pokemon lendário para adequar o mundo a sua visão.

Tipo os caras que acharam que ia dar super certo acordar o pokemon do diluvio para dominar o mundo. Pois é, né Team Aqua, o que poderia dar errado?
Agora, eu preciso realmente falar os vilões desse filme. Vê, durante os dois primeiros terços do filme eu estava me divertindo tanto quanto qualquer um ali. Boa trama policial, personagens legais, Ryan Reinolds sendo ele mesmo no corpo de uma criatura absolutamente fofinha, cenas de ação maneiras e tudo mais. Não tem Mimikyu, mas é um bom filme. E então entramos no ato final do filme e todo mundo meio que já espera o que vai acontecer, certo?

Vai ter uma batalha épica de muita CGI entre o bem e o mal durante a qual você pode ir no banheiro, ter um AVC ou ficar arrumando as configurações de cor da sua televisão que não vai perder nada. Você sabe como cenas de ação decisivas são, certo?


Então... eles PODERIAM fazer isso, OU poderiam fazer um dos finais mais retardados e nonsense da história do cinema. E foi o que eles fizeram. E foi lindo. Cada segundo disso!

Deixa eu explicar o que acontece aqui: o vilão desse filme é esse cara rico super creepy que quer "evoluir a humanidade" usando os pokemons. E para isso ele usa essa substancia que ele extrai do Mewtwo, então ele usa essa substancia para colocar a sua mente no corpo do Mewtwo e usa os poderes do Mewtwo para fundir todo mundo com seus pokemons. Ao mesmo tempo é revelado que o filho do vilão na verdade era um Ditto o tempo todo e ele enche o Justin Smith de porrada com seus olhinhos de Ditto, que é uma das coisas mais perturbadoras que eu já vi, e ao mesmo tempo ainda o Pikachu com a voz do Ryan Reinolds luta contra o Mewtwo com a voz desse tiozinho vilanesco.

Isso é tão absurdo, é tanta coisa ridicula acontecendo ao mesmo tempo que é exatamente o tipo de ploto ridiculo que eu queria de um filme de Pokemon. O tempo todo que o vilão estava explicando o quanto eu queria evoluir a humanidade os transformando em pokemons aleatórios, eu só conseguia pensar nessa cena iconica do Homem-Aranha:


Eu esperei que a qualquer momento o Justin Smith dissesse que se ele podia fazer isso, ele podia curar o cancêr ou sei lá mais o que e o cara respondesse que ele não queria curar o cancêr, ele queria transformar as pessoas em pokemons!

Quer dizer, ele estava plenamente convencido que o futuro melhro para a humanidade seria transformar as pessoas em Vanilites...

Vanilite é um pokemon copinho de sorvete que evolui para casquinha, que evolui para casquinha de duas bolas. Sério.
... Trubbishes ...

Trubbish é um pokemon saco de lixo, que as orelhas dele são literalmente os nós que amarram o saco
... spoinks...

Spoink é um porquinho psiquico com uma mola no lugar das pernas, e cujo batimento do coração depende dele ficar saltando o tempo todo. Se o Spoink parar de pular ELE MORRE. Esta escrito isso na descrição dele do jogo. Sério.
... ou Lopunnys...

Uau, isso é um pokémon... desconfortavelmente sexy...
Sério cara, esse é o seu plano? Quer dizer, eu entendo a coisa da Lopunny, mas todo o resto... ESSA é a evolução da humanidade? Serio mesmo? Você pensou direitinho sobre isso, amigo? Mesmo?

Enfim, meu ponto é que eu não tenho palavras para descrever o quão feliz eu fiquei em ver um final tão absurdo, memoravel e ridiculo como esse. Porque ao invés de desligar meu cerebro e voltar dali a meia hora, como usualmente acontece em cenas de ação, eu realmente me diverti horrores com isso e suponho que esse seja o ponto da coisa toda.

É um filme sobre uma investigação noir com animais biologicamente impossiveis e que entende perfeitamente porque nós embarcamos nessa aventura a mais de vinte anos atrás. É um filme que entende sobre o que pokemon realmente deve ser, tanto que a coisa das batalhas é colocada de lado com um elegante:


Uma prova do quão os criadores estavam comprometidos em fazer um bom filme é que no final eles facilmente poderiam ter deixado um gancho aberto para emendar uma franquia e escolheram não fazer isso, eles preferiram fazer um filme com começo, meio e um final emocionalmente satisfatório. Se fosse um filme escrito por executivos certamente eles teriam cometido o mesmo erro que "A Mumia" de 2017 e e "Terminator Genesys" fizeram.

Eu posso dizer que vivi para ver o dia que um filme baseado em um jogo foi feito por gente que não apenas entende como gosta do material fonte e quando as pessoas disserem que não existem BONS filmes baseados em videogames você vai poder dizer "Pokémon: Detetive Pikachu" e elas vão ter que responder "É, ok, esse realmente é bom".


Aproposito, Daniel Hernandez disse que gostaria de escrever um musical para o Jigglypuff, ele até já tem até titulo: "Jigglypuff: A Star is Born". Minha opinião? Peguem o dinheiro do filme do Sonic, contratem a Lady Gaga para ser a protagonista e façam isso acontecer. Vocês vão me agradecer. Sério.
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