Se tem algo que me interessa, é uma obra que necessariamente precisa ser contada na mídia para a qual ela foi pensada. Spec Ops: The Line, precisa ser um videogame para que funcione do jeito que precisa funcionar. Dracula de Bram Stoker da forma que foi pensado pelo autor tem necessariamente que ser um livro (embora você possa recontar os mesmos acontecimentos em outra midia, não será a mesma história). E Angel Beats! tem que ser necessariamente um anime.
Porque TEM que ser um anime? Ora, porque eu não consigo pensar em nenhuma outra mídia que seja tão complacente com uma mistura tão esquisita de música, ideias absolutamente retardadas e histórias de partir o coração. Não acho que outra midia alguma tenha o jogo de cintura e a flexibilidade necessária para contar essa história, de modo que Angel Beats! tem "anime" tatuado no seu DNA.
Alguns adolescentes quando morrem acabam acordando em um purgatório que acontece de ser exatamente como um colegial japones (quais as chances, hã?). Só que esse colegial tem uma pegadinha: se você se comportar como um aluno adequado, você desaparece.
Não é claro o que EXATAMENTE acontece com as pessoas que desaparecem, mas suponho que seja um pensamento válido supor que elas reencarnam ou vão para o próximo plano de existencia... ou apenas são desintegradas mesmo. Neste cenário, suponho que a reencarnação seja um dos mais possiveis (já que é o tema das religiões orientais e essa é uma escola oriental, afinal)... só que o budismo entende que, enquanto a reencarnação existe, ela não é exclusiva dos seres humanos. Então boas são as chances de que você reencarne como uma tatuíra ou uma craca do mar.
"Ah, mas eu não sou budista então...", ok, beleza Zé Roberto... mas você quer apostar a SUA PRÓXIMA INTEIRA VIDA nisso? Você tem tanta certeza que o budismo está errado ao risco de ser uma craca? Pois é, foi o que eu pensei. E não, eu não estou derivando, esse argumento é apresentado no anime.
Mas então, qual a alternativa? Ora, muito simples. Pegar em armas e lutar contra o sistema, sendo o "sistema" um anjo que quer colocar todo mundo na linha e despacha-los desse mundo. Por isso que o anime se chama "Angel Beats", pq aqui o negócio é fazer montinho no anjo!
Que obviamente é uma loli triste e waifuzavel because anime, é claro.
Então o anime é sobre esse novo cara que acabou de morrer, Otonashi, se integrando ao grupo de resistencia na luta contra o anjo. E é aqui que a parte absolutamente retardada entra, porque as "lutas" contra o anjo são... imbecis. Novamente, because anime and only anime.
Como estão todos no purgatório, não tem como ninguém morrer realmente. Nem matar o anjo. Então pelo que eles lutam? Por objetivos para minar o poder do anjo da escola e poderem ter uma vida de boa na lagoa.
Isso porque a escola não é composta apenas por adolescentes humanos mortos, mas também pelo que eles chamam de "NPCs", que não são pessoas de verdade e sim simulações de pessoas que estão ali apenas para fazer volume e se comportam como NPCs de videogame: seguem sua programação básica, mas ignoram eventos muito bizarros que acontecem ao seu redor. Isso quer dizer que os "alunos" da escola comparecem a uma apresentação do clube de música porque isso está na apresentação, mas ignoram tiroteios e explosões porque isso não está no programa (é uma escola japonesa, não americana, afinal).
Os membros da resistencia acreditam que se puderem destituir o poder do anjo (que nesse mundinho de fantasia é a presidente do conselho estundil) na ficção, vão bugar a Matrix e vai dar bom pra eles. Essa é meio que toda explicação que tem, não vai muito além disso realmente. Então os ataques ao anjo vão desde tiroteios (pq vai que funciona dessa vez, né?) até planos mais... exóticos, como sabotar as provas dela para ela perder o cargo de presidente do conselho estudantil
Depois de explicar a premissa mais anime que você ouvirá na sua vida, a pergunta que tem que ser feita é... e aí, é bom?
Sim e não. Angel Beats! faz algumas coisas muito boas, outras pavorosamente ruins. E como hoje é um bom dia, vamos começar falando de coisa boa sem fazer piadinha com a Tecpix porque ninguém mais lembra disso mesmo.
Em primeiro lugar, as histórias das vidas passadas dos personagens e de como eles morreram são boas. Eu quero dizer realmente boas ao ponto que o que mais me encomodou nesse anime é que nem todos os personagens tem suas histórias de vidas terrestres contadas, porque puta merda como são boas. É absolutamente absurdo como o anime consegue no mesmo bloco contar uma história belíssima de partir o coração e escorrer lágrimas... e na cena seguinte mostrar cenas de comédia fisica que parecem saídas dos Loney Toones. Tem coisas que só os animes fazem por você.
O padrão de escrita das vidas passadas dos personagens é bom mesmo, coisa nível The Last Odyssey de bom.
O humor fisico do anime é bastante bom, e o diretor Seiji Kishi (Persona 4: The Animation) tem um timing ótimo para fazer pancadas que são altamente satisfatórias de se ver em animação. Como os personagens são efetivamente imortais, ele tem carta branca para dirigir praticamente um episódio de Tom e Jerry, e não desperdiça isso. São trapalhadas muito gostosas de se assistir.
A música... é. Eu diria que definitivamente, é. Porque enquanto a música do anime é mais do que decente, parte de mim sentiu que foi um truque para tirar mais dinheiro do show. Alguns dos primeiros episódios focam em uma banda chamada Girls Dead Monster, que toca música como uma espécie de distração para os NPCs. No entanto, eles não são centrais para o enredo e fica muito na cara que estão ali apenas para lançar singles e vencer CDs, o que passa uma sensação de cash-in barato para aproveitar a onda de sucesso de K-ON que estava bombando um pouco antes disso.
Agora, a parte mais divisiva do anime é sobre a explicação do que REALMENTE está acontecendo ali, quem REALMENTE é o anjo e qual o verdadeiro proposito daquele purgatório.
Tematicamente, Angel Beats é um olhar fantástico sobre o que é ser um adolescente. A adolescência é aquela época terrível em que você acha que nunca vai morrer, mas também está em sua maior vulnerabilidade emocional. No caso de Angel Beats, isso é literalmente verdade. Os membros da resistencia não podem morrer e, portanto, o perigo físico significa pouco. No entanto, ao mesmo tempo, é a emoção crua que os impulsiona - a traição que eles sentem por ter levado uma vida tão terrível no passado e agora enfrentam a obliteração (na forma de reencarnação) no final dela. Além disso, como adolescentes, eles se rebelam contra a autoridade, convencidos de que não são apenas os mocinhos, mas também que eles sabem melhor do que a dita autoridade (neste caso, Deus, o Anjo e a escola do purgatório).
Conceitualmente, 10/10. Na execução, no entanto, o anime se atrapalha bastante.
O autor Jun Maeda (Air, Kanon e Clannad) tem como marca registrada suas históris sobre um bando de garotas do ensino médio mentalmente e/ou fisicamente quebradas que se apaixonam por um cara cuja única característica significativa é que ele está lá. E ao longo do caminho uma dessas garotas vai morrer de uma doença misteriosa. Para Angel Beats essa última parte foi adiantada, já que todo mundo começa a história tendo morrido, mas fora isso a formula esta lá.
O principal problema é que a história não fornece motivos muito sólidos para que um grupo de crianças atire nos joelhos de uma garotinha (no caso, o anjo). Nunca é dada uma explicação realmente boa para o porquê eles estão lutando contra o anjo e porque ninguém nunca tentou apenas falar com ela - porque quando o protagonista-kun decide fazer isso, os resultados são altamente positivos.
Sério, o grupo de resistencia tem tipo umas 30 crianças ali, NINGUÉM tentou apenas falar com ela e chegar a algum tipo de acordo ou mesmo explicar a verdadeira natureza da situação ali? Porra, aí é forçar a amizade, né Zé?
No começo essa premissa até funciona, e eles fazem com que ela seja praticamente uma versão loli do Exterminador do Futuro (eeeee Japão), mas tão logo o protagonista-kun começa a protagonizar com ela, todo o conflito parece tremendamente estúpido.
O conflito simplesmente não faz sentido depois de determinado ponto, ao que o anime parece ter ciencia porque substitui o inimigo por outro... e fica muito a impressão que eles estão inventando conforme vão gravando, porque o "novo inimigo" parece MUITO improsivado e corrido. Essa sendo uma produção original (e não uma adaptação de nada), tem bastante cara de que alguma coisa descarrilhou na reta final criativa para esse anime. É o velho problema da Netflix de querer substituir o vilão no meio do caminho (aha! Vocês não esperavam essa) e não dar certo então eles tentarem voltar mas não tentarem muito... enfim, é uma bagunça.
Então eu diria que enquanto as explicações sobre o que está acontecendo ali e quem é o anjo são, de fato, interessantes e te fazem querer assistir o anime para saber as respostas, ao mesmo tempo elas causam menos uma sensação de "uau, que boa sacada!" e mais de "não, espera, isso não tá fechando...". Não é a minha primeira escolha para uma reação, saiba você.
Angel Beats é uma série de 13 episódios que é difícil de recomendar, mas também não dá para dizer que é ruim. Tem cenas tristes genuinamente bem escritas, tem um elenco divertido de personagens, tem boa comédia fisica e lida com temas interessantes.
Não é sem falhas, entretanto. Além do anime não ter tempo para a maior parte do elenco (eu ralmente queria um episódio sobre o TK, "yo, sending kisses"), a execução do tema principal é problematica e te faz fazer as perguntas erradas para a proposta da série. Suponho que um formato de 24 episódios ou uma visual novel (que é a especialidade de Jun Maeda) teria sido mais adequado, mas enfim, 13 episódios é o que a casa oferece.
P.S. Eu não chorei.
P.P.S. Eu menti.
ANGEL BEATS!
13 episódios
2010