[GAMES] ONESHOT (ou metagame também não é magia)

| quarta-feira, 27 de março de 2019
 

"Meta games" são um conceito relativamente recente que o mundo dos jogos está realmente começando a explorar. Estes jogos que são cientes que são um jogo sendo jogado, e mais cedo ou mais tarde vão usar isso como um elemento narrativo/gameplay que, quando bem feito, é bastante fantástico.

Às vezes esses jogos fazem do jogador um personagem no jogo, as vezes eles reconhecem que o personagem do jogador está sendo controlado por alguma entidade externa.

Undertale tem uma justificativa muito plausível para reciclar os sprites dos NPCs...
Undertale é a obra-prima desse "gênero", e com certeza é o melhor jogo para mostrar este conceito sendo executado quase sem falhas. Undertale é capaz de contar uma história incrível com personagens únicos que tem suas próprias motivações que permaneceram consistentes no mundo proposto. Tem jogabilidade envolvente e decisões que parecem importar. Além de tudo isso, eles construíram um mundo extremamente interessante com muitas camadas - literalmente as pessoas ainda estão encontrando novas coisas no jogo até hoje.

Todos esses aspectos juntos fazem dele um jogo extremamente memorável, e o fato de parte da experiência dele envolver manipular arquivos do seu computador e ele alterar a propria programação do jogo de acordo com o que você faz é uma cobertura de maravilha em um jogo que mesmo sem isso já é muito bom.



Outro grande exemplo que eu posso dar disso é Doki Doki Literature Club. O jogo é uma visual novel espetacularmente escrita - algo ao nível de Katawa Shoujo - que abre mão disso para se revelar um metajogo que sabe que é um jogo. Eu não tenho palavras para descrever o quanto isso é inteligente, bem feito e, novamente, acentua um jogo que mesmo sem isso já seria muito bom.

Então, você reparou em um padrão aqui? O "metajogo" funciona maravilhosamente bem para apimentar um jogo que já seria top de linha dentro do seu próprio genero. Única e exclusivamente como "o salvador da patria", ele não faz tanto milagre assim.

E é isso que Oneshot nos mostra.




OneShot é um jogo que tenta usar este aspecto meta para contar sua história. Ele se apresenta como um "jogo de aventura de meta-quebra-cabeça". Neste jogo, você controla o personagem Niko que é um garoto-gato muito visualmente adoravel.

O jogo começa com Niko acordando em uma casa abandonada. A partir daqui, você tem que levar Niko ao redor da casa para encontrar uma saída. É aqui que encontramos um controle remoto da televisão e somos apresentados ao sistema de inventário. Ao longo do jogo, você vai pegar vários itens para interagir com diferentes objetos que você pode encontrar no mundo do jogo. Neste menu de inventário, você também poderá combinar itens diferentes encontrados para criar novos itens. Todos esses itens serão usados para resolver os vários quebra-cabeças que você encontrará ao longo do jogo.

Depois de descobrir como o sistema de inventário funciona, você é capaz de usar o controle remoto da televisão na a janela do quarto onde Niko acordou para descobrir a senha de um computador encontrado na mesma sala. O login com sucesso no computador permite que o jogador seja apresentado ao lado meta do jogo. Você é informado que o mundo em que você está não vale a pena ser salvo, mas se você ainda quiser tentar, você deve ajudar Niko a voltar para casa. O jogo então avisa através de uma caixa de pop-up no computador que você só tem uma chance... te chamando pelo nome de usuário do Windows.



 Basicamente a história de Oneshot é que o sol do mundo apagou e agora a única esperança é colocar uma lampada que Niko achou no lugar dele, pois assim foi profetizado nas profecias e Niko é o profeta deste mundo pois é o único que pode falar diretamente com o Deus desse mundo - você, a pessoa jogando o jogo.

Isso é, de fato, muito interessante na teoria pois para todos os efeitos práticos você é de fato o deus de um jogo: você pode fecha-lo ou até mesmo deleta-lo a hora que quiser, pelos motivos que quiser - até por motivo nenhum se quiser, ou até altera-lo se souber alguma coisa de programação. O que de repente faz o antigo testamento fazer bem mais sentido agora, mas divago...

O problema é que a teoria não se traduz em uma prática muito interessante já que Oneshot é um jogo feito no RPG Maker e um não particularmente muito brilhante nisso. O problema dos jogos feitos no RPG Maker é que eles são absurdamente simplistas e os jogos que se destacam nessa plataforma compensam com a única coisa que pode ser compensada com valores de produção tão baratos: a escrita. "To the Moon" tem um texto maravilhoso que causa feelz genuínos, "Corpse Party" tem uma ideia muito bem executada para contar o que está acontecendo ali.



Só Oneshoot não é espetacularmente bem escrito. Não é ruim, mas nem de perto é suficiente para compensar ser um jogo primitivo do RPG Maker. Isso não quer dizer que OS não tenha ideias interessantes, só que elas nunca se juntam para passar a sensação de que uma grande história está sendo contada. Cada zona do mundo tem seu próprio feeling e tema, o que é legal, mas nunca parece evoluir muito além disso.

Todas essas informações que você encontra sobre o mundo do jogo parecem que vão levar a uma revelação incrível, mas no final, essa revelação nunca chega. Os temas dos robôs domados ou que o mundo já não era lá essas coisas antes do sol apagar é interessante, mas honestamente não dá em muita coisa no fim das contas.



Em várias ocasiões, encontrei pessoas que NPCs que disseram que mesmo que o sol fosse substituído, o mundo ainda estava condenado. Olhando em retrospecto, eu sinto que isso é para ajudar a fazer a grande decisão no final do jogo parecer um pouco mais impactante, mas para mim, parecia que havia uma parte da história que eu estava perdendo.

Outro problema é que o gameplay em si funciona meio que como um point'n click: você tem que coletar itens e então usa-los nos lugares certos. O problema disso é que os mapas são desnecessariamente grandes (certamente muito maiores do que tem conteúdo para preenche-los) e as combinações de itens a serem usadas não são exatamente as mais imediatamente deduzíveis. Isso significa que na maior parte do tempo você vai estar andando de um lado para o outro em telas enormes tentando usar todos os itens que tem para ver o que funciona.

Tem uma hora, por exemplo, que você precisa usar um elevador mas ele está estragado. Como consertar? Bastante simples: basta fazer um botão novo para ele. E como se faz um botão? Ora, estou feliz que você tenha perguntado! Basta achar uma tesoura, usa-la em um pedaço muito especifico do chão para recortar o metal e fazer um botão, então usar imãs nele para criar um botão magnetizado e colocar ele no elevador, o que vai conserta-lo. Totalmente intuitivo, não?

QUE?! APENAS ... O QUE?!
 


E cada um desses itens fica a vários minutos de caminhada uns dos outros, então prepare-se para vagar muito aleatoriamente até dar a sorte de combinar tudo que pode ser tentado até conseguir resolver isso. Esse seria um problema menor se houvesse algo para fazer enquanto você vaga perdido de um lado a outro, mas o jogo apenas não tem outros elementos de gameplay e o texto, como eu já disse, não é tão bom assim para te manter interessado.

E é uma pena que o gameplay base seja tão simplista, porque os elementos de meta nos puzzles são realmente criativos. Não o suficiente para carregar o jogo nas costas, mas são muito interessantes. Em determinado momento Niko tem que andar por um piso apenas pisando nos tiles certos. Quais são os tiles certos? Bem, o jogo te diz para olhar no lugar mais acessível do seu computador. Não é que os safados mudam o seu papel de parede da area de trabalho para mostrar o esquema que tem que ser seguido? Isso é bem cool e quando você fecha o jogo ele muda de volta para o que estava, não se preocupe. Tem uns três ou quatro momentos assim que em um jogo já bom teriam sido uma experiencia excelente. Aqui eles parecem boas ideias desperdiçadas em um projeto não tão sólido assim.



O que, pelo menos, não pode ser dito do visual do jogo. Este jogo é absolutamente lindo. A pixel art é uma das melhores que já em muito tempo. Além disso, há momentos em que vemos arte desenhada à mão que é absolutamente fantástica. Durante o jogo, Niko lhe dirá que está se sentindo cansado e pergunta se ele pode se deitar um pouco. Quando Niko vai dormir, o jogo se fecha. Ao reiniciar o jogo, você descobre que está assistindo o sonho de Niko. Todas as sequências dos sonhos têm alguma arte desenhada à mão que são absolutamente fantásticas. Além disso, todos os designs dos personagens são fenomenais. Se este jogo fosse avaliado apenas na estética, seria um dez de dez.


No início deste review eu disse que Undertale dominou o conceito do meta-jogo. Ele executou sua história de forma magistral com personagens únicos e foi capaz de trazer o jogador para a história de uma forma fantástica. Eu mencionei isso porque parece que OneShot está tentando capturar a mesma sensação.

Infelizmente, eu simplesmente não sinto que ele é capaz de entregar isso. Eu acho que esta no caminho certo, mas apenas no começo do caminho. Tem uma estética linda, interações interessantes com o jogador, algumas metáforas intrigantes e momentos fofos, ele definitivamente acerta em algumas das partes certas da fórmula. Mas, por causa da falta de um senso de direção, os dialogos serem melhor escritos (muitos personagens parecem que estão ali apenas para ajudá-lo em sua missão e não tem vidas além disso) e uma história que parece incompleta, simplesmente a coisa não dá liga.



Outra ideia original que eu sinto desperdiçada é o nome do jogo: OneShot tem esse nome porque que você só tem uma chance para jogar o jogo. Depois de tomar a decisão final, o jogo acabou e você não pode voltar. Se você abrir o jogo depois de terminar ele, ele só vai ficar travado na ultima tela - o que seria uma coisa legal e impactante em um jogo sólido, mas aqui honestamente eu não faço a mais remota questão de querer jogar ele de novo mesmo...
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