Vou dizer algo que acho que todo mundo sabe, mas meio que ninguém quer meter o dedo nesse formigueiro: os anos 90 são dificeis de se gostar. Se você é fã de quadrinhos então, vish. Nessa época os quadrinhos atravessavam o período mais denso da sua puberdade e, como diz o manual de todo bom adolescente, tudo tinha que ser darkiiiiii, du mau e trevosoooo!!
Super-Homem? Morreu. Foi substituido por quatro caras mais badass e anos 90 impossíveis.
Batman? Ficou paraplégico. Foi substituido por um robo trevoso que matava geral.
Wolverine? Deixou de ser humano (bem, mutante) e virou um monstro que só matava. Literalmente, não é figura de linguagem.
Anos 90 foram dificeis, cara |
Aquaman? Perdeu um braço e ficou mais trevoso ainda. Boladão.
Homem-Aranha? Toda sua vida foi uma mentira, ele era um clone com memórias falsas.
Deus, sério. Se Naruto tivesse sido lançado nos anos 90 se chamaria Sasuke, eu juro. Os anos 90 nos quadrinhos foram como se o Zack Snyder e o Chris Chibinal tivessem se encontrado ao som de Careless Whisper e 9 meses depois esse fosse o resultado.
Mas talvez a coisa mais iconica, mais anos 90 a ter acontecido nos quadrinhos foi um boom de popularidade de um personagem que já existia desde 1988: Venom (criado por Todd Mcfarlane, um dos quadrinhistas mais edgelord até hoje)
A ideia era simples: E SE, veja bem, E SE o Homem-Aranha fosse trevoso e du mau? Claro que isso é dificil de imaginar para um herói cujo apelido é "o amigão da vizinhança", mas isso são os anos 90 e não são coisas como coerencia de personagem que nos impedirão agora! Assim, durante uma saga o cabeça de teia encontrou um uniforme negro que o deixou todo tunadão. Estranhamente, desde que começou a usar esse uniforme ele passou a ficar mais violento, irritado e usar frases como "Nova York acima de tudo, Deus acima de todos".
Venom tem o poder de enfurecer as passarinhas e deixa-las em chamas |
O resto da história todo mundo sabe: Peter Parker descobriu que sua roupinha muito louca era de fato muito louca, deu um pé na bunda dela e o simbionte alienigina cheio das maguas foi procurar alguém que o aceitava como ele era. E que não se importasse em matar uns caras no caminho, porque aqui é trevosidade manooooooooo!
E é claro que com base nesse conceito tinha tudo para dar errado. E deu. Mas também deu certo. Majoritariamente errado, mas não é ruim também. Ok, é confuso.
Venompool. Te desafio a achar alguma coisa mais anos 90 que isso. |
Mas o que é, afinal, um "filme ruim"? O que, objetivamente, o diferencia de um "filme bom"? Acho que essa é uma questão de conceitos que vale a pena ser estabelecida aqui. Digamos que um "filme bom" é um filme que te apresenta algo - ou mesmo para o genero que ele se estabelece - marcante, novo ou interessante. Algo que você vai levar para o resto da sua vida de uma forma ou de outra.
Não, espera, então eu estou dizendo que The Room é um filme bom? Isso não pode estar certo...
Ok, vou assumir que eu não sei explicar o que diferencia um filme bom de um ruim, mas sei dizer esse tanto: Venom é um filme mal feito. Terrivelmente mal feito, com furos de roteiro e escolha de tom que nem um aluno de segundo grau cometeria. Mas ainda sim, ele não é um filme ruim. Estranho, né?
Vou apenas deixar esse Venom com olhos aqui. |
Vamos lá: Venom tem um dos roteiros mais preguiçosos e mal escritos como eu não tinha visto desde o Quarteto Fantástico. As atitudes do vilão não fazem nenhum sentido senão pelo prazer de ser mau, as cenas são tão mal escritas que fariam a continuidade do Christopher Nolan chorar. Tem uma cena que uma cientista leva o Eddie Brock para dentro do laboratório, onde ele encontrará seu gelequico amigo. O problema é que ela faz isso levando ele pela porta da frente e passando pelo lobby da companhia. No dia seguinte o homem mau dono da porra toda fica todo "temos que achar quem esteve aqui!". Cara, sério, cameras de segurança? Alguém?
É uma coisa tão primaria e foi feita tão de qualquer jeito que eu tenho dificuldade em acreditar que isso não é algum tipo de mensagem oculta que passou desapercebido pelos meus sentidos rústicos. Mas não, o filme é repleto de cenas assim que nem Tommy Wiseau teria escrito.
Aliado a isso, o tom do filme está espalhado por toda parte - embora isso seja mais facil de entender. O diretor do filme é Ruben Fleischer, um cara conhecido por seus filmes bastante violentos com um humor negro bem cínico com Zumbilandia ou Santa Clarita Diet. Parecia uma escolha totalmente acertada para um filme do simbionte negro, não? Bastante violencia com humor cinico é um caminho totalmente aceitavel, oras!
Você tem um personagem ultraviolento com um diretor conhecido por acertar a mão em dark comedy... Então alguma coisa mudou no meio do caminho. É dificil dizer o que, exatamente, porque não houve vazamento de informações da parte da Sony. A versão oficial repetida por toda equipe é que esse filme foi pensado para ser censura 13 anos desde o começo, mas vendo o filme fica bastante claro que isso não é verdade.
EDDIE: Antes de atirarem em mim, eu gostaria de dizer que a culpa é do cara que mandou o reporter que ele sabia que ia fazer merda entrevistar o cara que paga as contas do jornal. Sério, não tinha um único outro reporter banana que obedeceria ordens sem problema?
VENOM: Chiiip chiiip chiiip chiiip!
Enfim, embora jamais saibamos os motivos, os resultados são claros. É um filme que não decide para que publico quer ser e na maior parte do tempo não agrada ninguém. É mais ou menos o equivalente a Yuri on Ice, sabe aquele anime que queria dar a entender que era gay sem ser gay para não incomodar os bolsominions japoneses? Venom faz algo bem parecido. No papel, tem cenas bem pesadas acontecendo como o Venom arrancando cabeças ou comendo pessoas inteiras... na tela a coisa é tão editada family friendly que você tem uma vaga ideia de que essas coisas aconteceram, mas é mais "eh, isso acabou de acontecer, né? Eh, meh".
Que desgraça.
Como ultimo prego no caixão, o filme faz outra coisa profundamente imbecil: ele arrasta sua melhor graça salvadora até metade do filme. Peguemos, por exemplo, Máquina Mortífera. Todo mundo concorda que a melhor coisa do filme é a interação entre o Riggs e o Murtaugh, certo? Então imagine se o filme decisse que Riggs e Murtaugh não vão se encontrar ANTES DA METADE DO FILME!
Mas puta merda, é sério isso? Deus, vocês ao menos assistiram o filme que vocês fizeram na hora de editar? Tipo, assistir mesmo, ver o que o funciona e o que não funciona e tal? Mas pelamor, é uma ideia de girico atrás da outra, taqueopareo, viu...
Mas então, eu disse que o filme não era ruim - porém nada do eu descrevi até aqui o qualificaria como qualquer coisa sequer como "médio". Então, qual é o truque aqui?
EDDIE: Mas nós não podemos comer melancia com uva! É loucura!
VENOM: Nós podemos fazer qualquer coisa!
Na primeira metade - até que vemos o Venom propriamente dito - este é um filme sem graça quase de terror que se arrasta apenas com a performance do Tom Hardy, que é o único realmente lutando para impedir esse filme de se afogar. A escrita é ruim, os personagens são instantaneamente esquecíveis e tudo se arrasta. No entanto - e este é um grande "no entanto", crianças - há um momento de revelação que vem quando Venom começa a mostrar suas garras e de repente Ruben Fleischer percebe que ele deveria estar fazendo um filme completamente diferente. Ele pega o manual How To Make Deadpool e pega o melhor do que aconteceu no primeiro filme do Ryan Reynolds, com elementos de "O Mascara" e "O Professor Aloprado". Tem alguma coisa de Clube da Luta lá também.
E, honestamente, essa segunda metade é ótima. Se você já tinha um ator puta talentoso como o Tom Hardy se esfalfando para salvar um filme ruim, imagine o quão bom isso fica quando o filme para de tentar lutar contra si mesmo.
É na dinâmica entre Brock e Venom que o filme realmente se salva. E apesar de quão pobre o roteiro pode ser em outras ocasiões, praticamente tudo que Venom diz - particularmente quando ele está mastigando alguém ou fazendo ameaças - são as melhores cenas do filme. Assim que o filme se assume como dark commedy - finalmente parecendo um filme do Ruben Fleischer - ele é muito bem sucedido com isso. Hardy discutindo consigo mesmo como Brock e Venom é gloriosamente engraçado e Venom sendo essencialmente o Tyler Durden de Brock e zombando dele quando não está preparado para ser seu anfitrião ideal também é muito bom. Se você de alguma forma não rir disso, você tem algo errado com você.
Oh Venom, sempre posso contar com você para ver verdades. |
Este filme é sobre Tom Hardy, e o quanto ele claramente se divertiu fazendo esse filme. Sua performances de duelo como Eddie Brock e Venom merecem muito mais do que o resto do filme oferece para ele. Há algo de bravata de Tyler Durden em seu Venom, algo da performance brilhante de Vincent D'Onofrio em Men In Black em seu Eddie Brock e uma coreografia brilhante que literalmente luta consigo mesmo às vezes. Ele é engraçado, charmoso e as vezes é um filho da puta egoista, as vezes tenta ser um cara legal.
O ponto é que você fica feliz por ele abraçar ser um perdedor e começar uma Banda de Perdedores com Venom. Se não houver uma sequência que dê a Hardy ainda mais controle sobre como essa história se desenrola - da mesma forma que Ryan Reynolds assumiu a sequência de Deadpool - a Sony vai estar rasgando dinheiro. Porque nós merecemos ver mais do show Tom Hardy/Venom o mais rápido possível. Só que sem todo o resto dolorosamente ruim do filme.
Um paralelo que pode ser feito com esse filme é com o filme de Ghost in the Shell, em que a Scarlet Johansson está tentando fazer algo bem mais sério e profundo do que todo o resto do filme parece interessado em focar. Aqui os resultados são muito melhores porque Tom Hardy, apesar de estar levando o filme sozinho, está tentando algo emocional e intelectualmente muito menos complicado - onde ele, literalmente, só precisa contracenar consigo mesmo para fazer a coisa funcionar.
Então, enquanto eu ainda não sei responder o que faz um filme ser bom ou não, seu dizer Venom é um filme muito ruim com um personagem muito bom. Se tirar todo o shitstorm ruim da volta dele em uma possível continuação, vamos ter algo 100% divertidaço aí!