[ANIMES] GOBLIN SLAYER (ou D&D raíz old school anti-nutella of doom)

| sábado, 23 de março de 2019
 

Desde 1964, quando Tolkien venceu a segunda guerra mundial e inventou o RPG porque estava cansado de contar a história de como foi, o mundo nunca mais foi o mesmo praticamente toda literatura, videogames e filmes foram inspirados de uma forma ou outra pela sublime arte de tentar colocar historinha em um board game.

Agora, se você acha que RPGs são populares (mesmo que não tenha jogado, todo mundo sabe ao menos o que é - com exceção dos reporteres da Record) por aqui, é porque não faz ideia do quão popular essa coisa é no Japão.

Os RPGs de mesa de popularizam pra valer na Terra do Sol Nascente nos anos 80, quando as empresas começaram a fazer os primeiros grandes sucessos de RPG em jogos eletronicos (como Dragon Quest e Final Fantasy), os japoneses pensaram "espera... então eu posso criar minhas proprias aventuras como essas no conforto do meu lar usando apenas imaginação e uma ficha combada de personagens?" e o resto, como dizem, é história. Até porque para um povo imensamente criativo como o japonês, dado na mão é vendaval.

Um dos grandes sucessos literarios do Japão nos anos 80 foi justamente um genero chamado de "Replay": sessões de RPG eram novelificadas e vendidas como livros. A primeira, e mais popular, Replay deu origem a um anime que todo nerd dos anos 90 já ouviu falar: Record of Lodoss War.



Ainda hoje os RPGs de mesa são incrivelmente populares, e é muito improvavel que você visite uma grande livraria ou biblioteca no Japão sem encontrar uma sessão inteira dedicada a eles. Bem mais popular no ocidente atualmente, na verdade, embora eu me pergunte se isso tem alguma coisa haver com as adaptações que eles fazem nas capas e artes do material...


E embora o RPG enquanto jogo seja imensamente popular e influente no Japão, os animes de RPG deram uma sumida de vista dando lugar aos isekai (genero que é sobre um loser da Terra que vai parar em um mundo de fantasia e usa o nosso conhecimento moderno para arrebanhar um harem de ppks novinhas). Isso, é claro, até que Kumo Kagyu decidiu que era hora de voltar as origens. Chega de nutellagem, hora de voltar a ser raíz!

Goblin Slayer não é um anime "inspirado" no RPG, não. Ele é, literalmente, uma sessão de RPG adaptada como história. E, honestamente, nem tão adaptada assim.

Você vai reparar, por exemplo, que a elfa desse anime não fala muito como você esperaria que uma elfa falasse. MAS ela fala totalmente como você esperaria que um jogador de RPG interpretando uma elfa falasse! Percebe o meu ponto aqui?


O anime é tão fiel a essa sensação de mesa de RPG que os personagens desse anime sequer tem nome! Eles são chamados pela sua raça ou pela sua classe quando são humanos, ou no máximo por algum titulo relevante no mundo do jogo - como o personagem título Goblin Slayer. Então a party do protagonista é formada pelo Anão, a elfa, o Homem-Largato, a sacerdotiza, além do próprio Goblin Slayer. E esses são os nomes deles mesmo e deu.

Mais uma vez, que atire o primeiro Tangamandápio quem nunca viu isso acontecer em uma mesa de RPG!

Então, conceitualmente, Goblin Slayer merece um 10/10 já que ele retrata tantas pequenas coisinhas que só quem já jogou RPG pode se identificar como pegar quests, gerenciar equipamento ou aventuras épicas que no fundo são bastante simplistas mas que naqueles dias era coisa boa, eu te digo. The good stuff.




O proprio Goblin Slayer é mais aquele jogador que é um excelente jogador taticamente, mas um pessimo ator para o roleplay (certamente você conhece, ou é, o tipo) e cuja motivação ou interesse podem ser resumidos em uma linha. O arco final, quando o Goblin Slayer precisa usar todos os recursos que adquiriu ao longo da campanha (NPCs que te devem favores e organizações com quem você conquistou reputação) para sobreviver foi extremamente nostalgico para mim.

Mas bem, concluimos que Goblin Slayer é um bom RPG, mas... é um bom anime?

A resposta curta é "sim, se você relevar algumas coisas".

Vamos lá: em primeiro lugar, Goblin Slayer não é o seu típico protagonista de anime shonen. Não espere gritaria, discursos sobre o poder da amizade ou essas coisas de anime. Ele veio para esse jogo com um objetivo e um objetivo apenas: matar goblins.


Como aqueeeele tipo de jogador, Goblin Slayer está sempre esperando ser atacado e nunca tira armadura. Você, sabe, o tipo de jogador que quando o mestre anuncia que vocês foram emboscados ele retruca que já estava esperando de armadura o tempo todo.

Isso quer dizer que o Goblin Slayer é bastante calado e raramente fala sobre alguma coisa que não sejam goblins. O que, feito da forma errada, poderia nos dar outro Sasukinho edgelord da vida, só que aqui não. De alguma forma o Goblin Slayer é bastante carismático no seu jeitão monosilábico, ele tem aquele charme dos caras fodas que não tem interesse nas suas merdas como Saitama ou o John Wick. eu não sei, apesar do script dele ser composto por 90% de falas como "uhum" ou "é", de alguma forma ele é bastante gostavel em sua obsessão doentia e ao mesmo tempo inocente contra goblins.

O arco final do anime é particularmente satisfatório nesse sentido, com um feeling de "ele pode ser o maluco meio autista da vila que só fala de goblins e nunca tira a armadura, mas ele é o NOSSO maluco meio autista da vila que só fala de goblins e nunca tira a armadura!"



O talvez eu mais goste nesse anime é que, justamente, o Goblin Slayer não é nenhum tipo de guerreiro superpoderoso que tira poder da bunda para salvar o dia. Na verdade ele é um combatente apenas regular, e todas as vezes que ele teve que lutar em campo aberto contra inimigos mais fodas que ele (como ogros ou reis-goblins) ele tomou uma saranda. O diferencial é que ele é um cara que REALMENTE sabe o que está fazendo, e é bastante criativo e dedicado a aprender como caçar goblins cada vez melhor.

Talvez ficasse um pouco forçado ele entrar em um ninho de goblins e matar mais de uma centena sozinho, só que ele faz isso com estratégia e inteligencia e como espectador você realmente pode confiar que "ok, ele sabe o que está fazendo, então faz sentido".

O anime usa até o sistema de slots de magia/magias por dia de D&D. Good times...
Então temos um anime com uma temática com um alto apelo pessoal para mim, um personagem que funciona como protagonista e tem um arco de personagem bacana, um mundo que funciona na forma como é construído... só nos resta fazer a pergunta profana que sempre acaba sendo feita:

WHERE IS THE POOP, WHITE FOX?

Então... vamos lá... o ponto do anime todo é que goblins são criaturas inerentemente malignas e perigosas ao NPC comum, mas que aventureiros logo param de se importar com eles porque conforme você ganha nível vai procurar outras coisas para matar. Entra então o Goblin Slayer, nosso heroico personagem de nivel alto que continua matando goblins porque essas vilas não vão se impedir de serem saqueadas e queimadas por goblins sozinhas, né?

Inclusive eu lembro de uma campanha que, depois que nós eramos personagens de nível alto, nós apenas contratavamos personagens de nível mais baixo para defender vilas de ataques de goblins porque personagens de nível alto tem mais o que fazer, afinal.

Mas então, a coisa é que o anime precisa estabelecer que goblins são uma ameaça que ninguém leva muito a sério. E o problema é como ele faz isso.


Então nossa história começa com esse grupo de aventureiros de nível 1 que pega uma quest para matar alguns goblins em uma caverna. O possivelmente poderia dar errado?


Nossos jovens heróis então são, obviamente, dilacerados e estuprados por goblins. Não necessariamente nesta ordem. Embora as vezes nessa ordem, tem muito estupro aí. E embora não sejam cenas explicitas - não é um hentão, afinal - aparece o suficiente na tela para você ver algo que você realmente não quer ver.


Adicione isso que a cena se passa em uma caverna claustrofobica e os personagens tentando lutar por suas vidas (e suas bundas, literalmente) sem ter espaço para isso e com ondas e ondas de goblins vindo pra cima e temos material de pesadelo de primeira aqui.

Agora, o meu problema não é com essa cena em especifico. Se esse vai ser o nivel pesadão do anime, ok. Lance sua proposta na mesa e quem quiser assistir assista, quem não quiser não assista. Tudo bem, é a vida, segue o jogo.

O meu problema é que O ANIME NÃO É ASSIM! Tirando esse primeiro episódio e algumas coisas no segundo episódio, Goblin Slayer é totalmente de boas, super family friendly (para os padrões de anime, claro) e coisa e tal. São só esses dois episódios que são SUPER pesados e parece que isso foi feito só para atrair moleques que querem pagar de adultão.

Esses dois primeiros episódios são muito coisa pra adolescente que quer dizer que assiste animes "de adulto", e isso é uma pena. Você não precisa disso, Goblin Slayer! Você é melhor do que isso!


Então, GS é um bom anime. Tirando a DESNECESSAURIEDADE REX MASTER do primeiro episódio, eu realmente me interessei pelos episódios e queria ver onde isso iria dar. Dito isto, este anime tem alguns erros, mas nenhum que seja imperdoável. Para aqueles com estômagos fracos, ou que foram vítimas de abuso sexual no passado, eu infelizmente sou obrigado a recomendar a pelo menos pular os dois primeiros episódios (não é um anime muito complexo, não é como se você não fosse "entender a história" de qualquer jeito). Para o resto de vocês, é um anime de fantasia decente com desenvolvimento do personagem principal, batalhas incríveis e música legal.

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