Onde a magia acontece

[GAMES] Assassin's Creed IV: Black Flag (ou iohoho e uma garrafa de rum!)

| sexta-feira, 29 de março de 2019
... TO BE CONTINUED »

VERSÃO CURTA: o melhor jogo de piratas de todos os tempos estragado para se adequar a franquia anual Assassin's Creed

VERSÃO LONGA: Vou dividir a analise em dois jogos diferentes, porque é o que na prática acontece. Existe o Assassin's Creed  2013, e existe o Black Flag.

BLACK FLAG, SEUS CÃES SARNENTOS FILHOS DE PORCAS PRENHAS!

Piratas são bastante populares na cultura pop em geral quase tanto quanto robôs, ninjas, zumbis e dinossauros. Mas ao contrário destes, piratas não são exatamente não tão bem representados quanto poderiam ser. Claro, quando eles acertam vão grande (como Piratas do Caribe e One Piece, que são titãs em seus propositos), mas ocorre menos do que se esperaria. Em videojogos então, eu só consigo lembrar da série Monkey Island e de Pirates (de Sid Meyer).

Implicações morais e práticas deixadas de lado em nome da diversão, não tem como negar que tem um grande charme em navegar pelos oceanos podre de bêbado, comandando os homens mais cruéis e sem princípios da face da Terra apenas com sua macheza, caçar tesouros, cagar para leis tirânicas e mesquinhas, tem muita beleza e charme nisso tudo.

Certamente faltava um jogo que transmitisse essa sensação. E esse jogo é Black Flag.

Com seu navio pirata (o Gralha) e sua trupe de beberrões bucaneiros você controla o pirata Edward Kenway pelos mares do Caribe pilhando, saqueando e caçando aventuras e tesouros. Todas as mecânicas propostas a bordo do Gralha são muito bem executadas (muitas delas aprimoradas de Assassin's Creed 3) e gostosas de se fazer mesmo após muitas horas de jogo.


O combate naval é divertidíssimo, abordar e tomar navios inimigos é simplesmente yaarrr! Após danificar o suficiente um oponente você tem a opção de afunda-lo ou colocar sua espada na boca e se balançar em cordas para o outro barco e toma-lo (para isso você tem que cumprir algumas tarefas pertinentes, pode ser matar X tripulantes para eles se renderem, destruir a bandeira do navio inimigo, assassinar seus oficiais, ou uma combinação desses).

Teve uma vez que eu tinha a missão de afundar um man-o'war britanico. Quando eu encontrei o dito cujo, o mesmo (e sua escolta) estava engalfinhado em uma batalha contra uma frota espanhola. Durante uma tempestade tropical. Eu entrei no meio do furdunço fazendo chover fogo e pólvora, seus patifes piltres. Não obstante uma tromba d'água começou a se aproximar do combate. Foi épico pra caralho, a tempos eu não me divertia tanto jogando videogame.

Isso é Black Flag em sua essência, e é divertido pacas.


Ou então você pode caçar tesouros (e é caçar mesmo, algo raro nos jogos modernos já que o jogo não te dá marcado no mapa o local exato deles) em ilhas tropicais que não deixam nada a dever a nenhum Uncharted da vida, caçar tubarões e baleias (a PETA chegou a reclamar da partes do baleeiro em um jogo que se ambienta no século 18, o que torna muito difícil com que sejamos amigos) pode trabalhar para aprimorar o seu Gralha (gerenciar os recursos é uma atividade a parte), ou apenas navegar pelo oceano. 

"Apenas" navegar é uma das experiências mais legais do jogo porque o jogo é muito bonito (água é algo muito difícil de se reproduzir em videogames, o mais complicado de emular de todos os elementos, e a Ubisoft acertou muito bem), mas o mais legal de tudo é que enquanto você navega sua tripulação canta canções de piratas do século 18. Apenas você, o mar, e o único lar que um pirata conhece: seu navio e sua tripulação. Desde Shadow of the  Colossus viajar pelo mapa era tão gostoso e trazia uma experiência tão única. O jogo é tão feliz em seu clima que mesmo a pavorosa dublagem ruim brasileira acaba acertando porque você ouve coisas bobas que ficam muito adequadas ao clima de piratas cartunescos. 

Por um momento não tem como não querer ser um pirata e gritar com toda a força de seus pulmões "Cada pedacinho de pato ao vento!". Quando você vê no horizonte dois man-o'war emparelhados e sabe que provavelmente seu Gralha não tem equipamento suficiente para enfrenta-los, não tem nada melhor do que abrir todas as velas e partir para a glória ou morte cantando Derby Ram com toda sua vontade (e rum). Voltaremos para casa ricos ou jamais voltaremos, macacos-do-mar infernais!



Ou então após a dramática e sangrenta morte do Barba Negra (não é spoiler, abra um livro de história pelo amor da TARDIS) nada complementa melhor o clima do que navegar no silencio da noite caribenha tendo como guia apenas o luar refletindo na água e sua tripulação cantando Lowlands Away. Dá pra sentir em seus ossos o vazio de homens que não tem absolutamente nada neste mundo.

Eu não canso de repetir do quanto uma trilha sonora tem o poder de carregar ou afundar uma obra, e a de Black Flag não deixa nada a dever.


A mecânica, o espírito da coisa estavam no ponto para ser um dos maiores e mais memoráveis jogos de todos os tempos. Não fosse o fato que a Ubisoft dilacerou pedaço por pedaço para transformar apenas em um prato sem graça de sua franquia anual pois antes de ser Black Flag, o jogo primeiro é...

... ASSASSIN'S CREED IV

Assassin's Creed é uma das grandes franquias de nossos tempos e uma com uma premissa bastante criativa: desde o inicio dos tempos Templários e Assassinos lutam secretamente por legados de uma antiga e avançada civilização perdida para controlar o mundo (cada qual acreditando que o seu lado é o mocinho em defesa da humanidade e os outros são vilões). Como sabemos disso? Porque revivemos as memórias dos antepassados de Desmond Miles através de uma tecnologia que permite transformar seu DNA em um cenário interativo. Não pergunte, apenas aceite.

Essa cena é quase do final do jogo, e foi só nesse ponto que eu
entendi que esses deveriam ser grandes amigos do Kenway, embora
em nenhum momento o jogo passou essa sensação
Desmond é descendente de uma linhagem particularmente longa de Assassinos e através de suas memórias vivemos as aventuras de Altaïr Ibn-La’Ahad durante a época das cruzadas, Ezio Auditore de Firenze durante a renascença italiana e Connor Kenway durante a independência dos Estados Unidos. O problema é que claramente foi pensado para ser uma trilogia acabou se tornando em um cadáver morto vivo voltando da tumba ano a ano sem desejar ir a lugar algum.

Assassin's Creed 4 é na verdade o sétimo jogo da série em seis anos (atualmente estamos no décimo, com o lançamento de Assassin's Creed Syndicate em 2015) e isso contando apenas a série principal, porque temos jogos para celular, livros e um filme a caminho.

E a cada momento o jogo se esforça para te tirar da imersão de ser um pirata e te lembrar que você está numa franquia anual. Não é o almoço de domingo da sua mãe, você está no Mcdonnalds. Parece ser muito importante para o jogo te lembrar isso sempre que pode. Sempre.

Alias porque mesmo a Anne Bonnet virou uma personagem
de anime com voz de garotinha de 14 anos?
Ah sim, videogames...
Ao final de Assassin's Creed 3, Desmond morre e o ciclo se encerra. Sabe como a Ubisoft fez para continuar tirando leite dessa vaca? Nem ela sabe. Apenas jogou muito preguiçosamente qualquer coisa sobre você ser um empregado aleatório da Abstergo (a face moderna dos Templários) trabalhando no novo jogo de realidade virtual deles. Tem alguma coisa sobre um fiapo de trama que eles querem que você ache importante mas simplesmente não se importaram o bastante. Ou minimamente.

Então sim, de tempos em tempos o jogo te tira do animus e você dá umas voltas no escritório da Abstergo para senão outro propósito do que justificar o titulo "Assassin's Creed". Foi feito com tanta vontade que as motivações da Iris West no Flash parece Dostoievski.

Mas ok, as partes que você é interrompido do jogo para uma trama a qual ninguém poderia se importar menos até são curtas. O problema é o quanto de Assassin's Creed vaza para dentro de Black Flag. Trata-se de uma batalha para justificar o carimbo da franquia, no qual a diversão é a maior vitima.


Nada para ver aqui, apenas o arrebatamento rolando.
Circulando, circulando...

Edward Kenway (avô de Connor de AC3) é um marinheiro fracassado que por motivo nenhum é melhor que todos templários e assassinos juntos. Mesmo, o jogo sequer tenta explicar isso, sendo um marinheiro medíocre ele apenas é mais foda que qualquer assassino sem ter recebido nenhum treinamento ou ter motivo para isso.

As aventuras de nosso herói picaroso começam quando seu navio de merda afunda e ele acaba como sobrevivente em uma ilha com um dos passageiros que acontecia de ser um assassino se bandeando para o lado dos templários. Como Ed é muito foda, ele mata o cara apenas porque sim e resolve se passar por ele para tirar uma grana dos templários. O plano dá certo até certo ponto (até porque ele é mais foda que qualquer assassino ever), mas aí do nada por motivo nenhum os templários descobrem a fraude e resolvem... deixa-lo preso para ele escapar de uma forma muito idiota.

Kenwar toma para si o barco que o transportava como prisioneiro - o Gralha - numa cena que não faz sentido nenhum e toca o foda-se para tudo, pilhando e saqueando enquanto templários e assassinos poderiam explodir suas bundas até onde lhe interessasse. Ok, eu posso respeitar isso, de verdade.

Mas aí Kenway mete na cabeça que ele tem que achar o tesouro que esta gerando a treta entre templários e assassinos naquela região, o Observatório, para ficar rico. Ok, ainda seria uma boa trama de jogo de piratas, não fosse que isso é feito com a sutileza de um elefante com os testiculos imersos em ácido.

Eu vi vindo de longe a trama de que Edward aprenderia valores humanos, liberdade e tal, deixaria de ser um filho da puta egoísta e viraria um herói assassino. O que eu não imaginava é que a Ubisoft escreveria isso com tanta falta de vontade e apenas nos últimos 15% do jogo com uma qualidade narrativa que deixaria Malhação impressionada. Apenas apertaram um botão e catapimba, virou um homem com consciência matando "justamente" "caras maus" dos quais você não poderia se importar menos por motivos que você não poderia cagar mais.

Antes disso Kenway ajuda os assassinos mas por motivos tão porcos que você fica se perguntando como alguém pode ter sido pago para escrever isso em primeiro lugar. Por exemplo, Kenway instalou sua base na antiga residência de um templário lá e tem uma armadura que ele quer atrás de uma grade vagabunda de meia polegada. Para isso abrir a grade ele precisa de chaves obtidas assassinando templários em todo o Caribe e por isso ajuda os assassinos, por causa das tais das chaves.

Ou ele poderia simplesmente arrombar aquela gradezinha vagabunda e pegar o que ele quer, e que é o que o personagem totalmente faria se não fosse uma necessidade de plot device ali. E tudo é feito assim, sem vontade, sem tesão, sem lógica, apenas porque tanto faz mesmo.

Porque fazer direito alguém jogando
um jogo dentro de um jogo
era trabalho demais para a Ubisoft
Como a disputa entre assassinos é templários é focada na liberdade individual x o bem geral, acabam vazando discursos filosóficos de boteco para os personagens. Imagine os piratas mais sanguinários da fantasia como Barba Negra, James Kidd e Anne Bonny parando o que estão fazendo para soltar discursinhos que voce veria compartilhados no Facebook apenas porque é a agenda política da franquia.

Nem estou dizendo que era o caso de não ser realistas (eu não poderia cagar mais para a história real nesse caso), estou dizendo que é tão mal feito que dá pra ver claramente a hora que apertam o botão e eles mudam 100% para se adequar a necessidade narrativa. Isso se chama "Dissonancia Ludonarrativa", que é uma forma chique de dizer que os videogames cagam inteiramente para o jogo na hora das cutscenes e retratam outros personagens, como se estivesse contando outra história.

Tipo sabe Uncharted que é um jogo legal sobre um cara bacana e gente boa ... mas que entre uma cutscene e outra mata mais gente do que a febre amarela sem nenhum resquício de remorso. Então, AC4 dá uma aula de dissonancia ludonarrativa e isso é escrita ruim em tutorial. Tudo que é dito parece deslocado, brega e chato, como se fosse escrito para outro cenário e socado aqui a força. Mas olha só, é uma franquia, foi exatamente o que aconteceu.

SHUT THE FUCK UP!


Certo, eu poderia simplesmente ignorar as cutscenes. Empobrece muito a experiência (nada é legal apenas flutuando no vácuo), mas pode ser feito. Só o que vazamento de merda da franquia em cima de Black Flag vai além disso. O jogo é atulhado de missões de furtividade e tediosas missões de escuta apenas porque "hey, é assassin's creed!". Foda-se! Foda-se isso! Eu quero ser um pirata, eu quero chutar bundas e entrar no deck com uma pistola na mão, não seguir um fulano aleatório escondido por quinze minutos para ouvir uma conversa que não me importa para saber a localização de uma pessoa que eu não ligo afim de fazer algo com o qual eu não vejo razão.

Metade do jogo a Ubisoft apenas ligou o gerador aleatório de missões (embora o design das cidades seja muito otimizado para o parkour) como se o Kenway fosse apenas outro assassino e estamos de boa? Não, não estamos. Eu estou jogando o mesmo jogo desde Assassin's Creed 2 e a Ubisoft sequer se importa em tentar esconder isso.

Um dia eu entenderei a utilidade do dardo de corda
mas esse dia não será hoje


Ao mesmo tempo o jogo se preocupa demais em nunca contrariar o jogador como se fosse uma criança mimada. Tipo em determinado momento do jogo Kenway perde seu navio, o que isso impacta no gameplay? Nada, basicamente o jogo diz "ok, aconteceu isso na cutscene, mas vamos ignorar isso para não atrapalhar seu joguinho". Sério, eu sei que o publico alvo dos videogames é uma molecada que nunca recebeu um não na vida, mas habilitar o god mode no jogo não é a solução também. Você sempre pode tudo que quiser na hora que quiser, o jogo nunca te diz não e em nenhum momento você se sente desafiado quando realizando as missões do jogo.

Não obstante ao final de cada missão o jogo te dá uma tela de avaliação da missão porque a Ubisoft quer um feedback para saber o que colocar nos próximos jogos da franquia.

Lindo, mas precisa fazer isso no meio do jogo? Imagina se a cada meia hora a Marvel botasse um teste para voce dar um feedback achando o que achou e moldar o proximo filme da série (o que praticamente define Vingadores 2). Puta merda, eu já sei que pra vocês isso não é uma obra com qualquer propósito, mas assim não tem suspensão da descrença que de jeito.


Quer fazer com que seja só um joguinho de piratas então me de um jogo de piratas completo e não me encha o saco com coisas que vocês não se importam mais e (talvez justamente por isso) ninguém se importa mais.

Exceto esse. Eu jogaria esse AC.
Por razões.
Quer fazer uma narrativa interessante então faça a porra da história e do universo interessante, então façam isso e não uma campanha single player inchada e reciclada apenas porque é assim que as coisas são.

Mas não essa farofa sem alma de trocentas horas de itens colecionáveis, crafting sem propósito, minigames aleatórios e qualquer coisa que der na telha (qualquer uma mesmo, as missões do navio de AC 3 são a coisa mais aleatória possível) apenas porque "é assim que Assassins Creed é".
 O fato da parte da pirataria que não envolve o script de missões ser tão boa só realça o quão ruim e desgastada a formula de Assassin's Creed é. Pra mim deu, eu realmente desisti dessa série. Um dia Assassin's Creed foi importante, hoje é apenas uma aula de U$60,00 todo ano sobre tudo que há de errado com os videogames.
O único sentido dessa série é arrancar seu dinheiro todo ano com o mínimo esforço possível. E a Ubisoft sequer tenta mais disfarçar isso (como pode ser visto na resenha do AC 2014)

Boa sorte pra quem continua, porque vai precisar.

Ah Dick Moe! Dick Moe!
(não, sério, eu me senti mal caçando baleias, elas são super gente fina)


(originalmente publicado em 08/11/2015)





[GAMES] Assassin's Creed IV: Black Flag (ou iohoho e uma garrafa de rum!)

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POSTADO EM:sexta-feira, 29 de março de 2019
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[GAMES] ONESHOT (ou metagame também não é magia)

| quarta-feira, 27 de março de 2019
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"Meta games" são um conceito relativamente recente que o mundo dos jogos está realmente começando a explorar. Estes jogos que são cientes que são um jogo sendo jogado, e mais cedo ou mais tarde vão usar isso como um elemento narrativo/gameplay que, quando bem feito, é bastante fantástico.

Às vezes esses jogos fazem do jogador um personagem no jogo, as vezes eles reconhecem que o personagem do jogador está sendo controlado por alguma entidade externa.

Undertale tem uma justificativa muito plausível para reciclar os sprites dos NPCs...
Undertale é a obra-prima desse "gênero", e com certeza é o melhor jogo para mostrar este conceito sendo executado quase sem falhas. Undertale é capaz de contar uma história incrível com personagens únicos que tem suas próprias motivações que permaneceram consistentes no mundo proposto. Tem jogabilidade envolvente e decisões que parecem importar. Além de tudo isso, eles construíram um mundo extremamente interessante com muitas camadas - literalmente as pessoas ainda estão encontrando novas coisas no jogo até hoje.

Todos esses aspectos juntos fazem dele um jogo extremamente memorável, e o fato de parte da experiência dele envolver manipular arquivos do seu computador e ele alterar a propria programação do jogo de acordo com o que você faz é uma cobertura de maravilha em um jogo que mesmo sem isso já é muito bom.



Outro grande exemplo que eu posso dar disso é Doki Doki Literature Club. O jogo é uma visual novel espetacularmente escrita - algo ao nível de Katawa Shoujo - que abre mão disso para se revelar um metajogo que sabe que é um jogo. Eu não tenho palavras para descrever o quanto isso é inteligente, bem feito e, novamente, acentua um jogo que mesmo sem isso já seria muito bom.

Então, você reparou em um padrão aqui? O "metajogo" funciona maravilhosamente bem para apimentar um jogo que já seria top de linha dentro do seu próprio genero. Única e exclusivamente como "o salvador da patria", ele não faz tanto milagre assim.

E é isso que Oneshot nos mostra.




OneShot é um jogo que tenta usar este aspecto meta para contar sua história. Ele se apresenta como um "jogo de aventura de meta-quebra-cabeça". Neste jogo, você controla o personagem Niko que é um garoto-gato muito visualmente adoravel.

O jogo começa com Niko acordando em uma casa abandonada. A partir daqui, você tem que levar Niko ao redor da casa para encontrar uma saída. É aqui que encontramos um controle remoto da televisão e somos apresentados ao sistema de inventário. Ao longo do jogo, você vai pegar vários itens para interagir com diferentes objetos que você pode encontrar no mundo do jogo. Neste menu de inventário, você também poderá combinar itens diferentes encontrados para criar novos itens. Todos esses itens serão usados para resolver os vários quebra-cabeças que você encontrará ao longo do jogo.

Depois de descobrir como o sistema de inventário funciona, você é capaz de usar o controle remoto da televisão na a janela do quarto onde Niko acordou para descobrir a senha de um computador encontrado na mesma sala. O login com sucesso no computador permite que o jogador seja apresentado ao lado meta do jogo. Você é informado que o mundo em que você está não vale a pena ser salvo, mas se você ainda quiser tentar, você deve ajudar Niko a voltar para casa. O jogo então avisa através de uma caixa de pop-up no computador que você só tem uma chance... te chamando pelo nome de usuário do Windows.



 Basicamente a história de Oneshot é que o sol do mundo apagou e agora a única esperança é colocar uma lampada que Niko achou no lugar dele, pois assim foi profetizado nas profecias e Niko é o profeta deste mundo pois é o único que pode falar diretamente com o Deus desse mundo - você, a pessoa jogando o jogo.

Isso é, de fato, muito interessante na teoria pois para todos os efeitos práticos você é de fato o deus de um jogo: você pode fecha-lo ou até mesmo deleta-lo a hora que quiser, pelos motivos que quiser - até por motivo nenhum se quiser, ou até altera-lo se souber alguma coisa de programação. O que de repente faz o antigo testamento fazer bem mais sentido agora, mas divago...

O problema é que a teoria não se traduz em uma prática muito interessante já que Oneshot é um jogo feito no RPG Maker e um não particularmente muito brilhante nisso. O problema dos jogos feitos no RPG Maker é que eles são absurdamente simplistas e os jogos que se destacam nessa plataforma compensam com a única coisa que pode ser compensada com valores de produção tão baratos: a escrita. "To the Moon" tem um texto maravilhoso que causa feelz genuínos, "Corpse Party" tem uma ideia muito bem executada para contar o que está acontecendo ali.



Só Oneshoot não é espetacularmente bem escrito. Não é ruim, mas nem de perto é suficiente para compensar ser um jogo primitivo do RPG Maker. Isso não quer dizer que OS não tenha ideias interessantes, só que elas nunca se juntam para passar a sensação de que uma grande história está sendo contada. Cada zona do mundo tem seu próprio feeling e tema, o que é legal, mas nunca parece evoluir muito além disso.

Todas essas informações que você encontra sobre o mundo do jogo parecem que vão levar a uma revelação incrível, mas no final, essa revelação nunca chega. Os temas dos robôs domados ou que o mundo já não era lá essas coisas antes do sol apagar é interessante, mas honestamente não dá em muita coisa no fim das contas.



Em várias ocasiões, encontrei pessoas que NPCs que disseram que mesmo que o sol fosse substituído, o mundo ainda estava condenado. Olhando em retrospecto, eu sinto que isso é para ajudar a fazer a grande decisão no final do jogo parecer um pouco mais impactante, mas para mim, parecia que havia uma parte da história que eu estava perdendo.

Outro problema é que o gameplay em si funciona meio que como um point'n click: você tem que coletar itens e então usa-los nos lugares certos. O problema disso é que os mapas são desnecessariamente grandes (certamente muito maiores do que tem conteúdo para preenche-los) e as combinações de itens a serem usadas não são exatamente as mais imediatamente deduzíveis. Isso significa que na maior parte do tempo você vai estar andando de um lado para o outro em telas enormes tentando usar todos os itens que tem para ver o que funciona.

Tem uma hora, por exemplo, que você precisa usar um elevador mas ele está estragado. Como consertar? Bastante simples: basta fazer um botão novo para ele. E como se faz um botão? Ora, estou feliz que você tenha perguntado! Basta achar uma tesoura, usa-la em um pedaço muito especifico do chão para recortar o metal e fazer um botão, então usar imãs nele para criar um botão magnetizado e colocar ele no elevador, o que vai conserta-lo. Totalmente intuitivo, não?

QUE?! APENAS ... O QUE?!
 


E cada um desses itens fica a vários minutos de caminhada uns dos outros, então prepare-se para vagar muito aleatoriamente até dar a sorte de combinar tudo que pode ser tentado até conseguir resolver isso. Esse seria um problema menor se houvesse algo para fazer enquanto você vaga perdido de um lado a outro, mas o jogo apenas não tem outros elementos de gameplay e o texto, como eu já disse, não é tão bom assim para te manter interessado.

E é uma pena que o gameplay base seja tão simplista, porque os elementos de meta nos puzzles são realmente criativos. Não o suficiente para carregar o jogo nas costas, mas são muito interessantes. Em determinado momento Niko tem que andar por um piso apenas pisando nos tiles certos. Quais são os tiles certos? Bem, o jogo te diz para olhar no lugar mais acessível do seu computador. Não é que os safados mudam o seu papel de parede da area de trabalho para mostrar o esquema que tem que ser seguido? Isso é bem cool e quando você fecha o jogo ele muda de volta para o que estava, não se preocupe. Tem uns três ou quatro momentos assim que em um jogo já bom teriam sido uma experiencia excelente. Aqui eles parecem boas ideias desperdiçadas em um projeto não tão sólido assim.



O que, pelo menos, não pode ser dito do visual do jogo. Este jogo é absolutamente lindo. A pixel art é uma das melhores que já em muito tempo. Além disso, há momentos em que vemos arte desenhada à mão que é absolutamente fantástica. Durante o jogo, Niko lhe dirá que está se sentindo cansado e pergunta se ele pode se deitar um pouco. Quando Niko vai dormir, o jogo se fecha. Ao reiniciar o jogo, você descobre que está assistindo o sonho de Niko. Todas as sequências dos sonhos têm alguma arte desenhada à mão que são absolutamente fantásticas. Além disso, todos os designs dos personagens são fenomenais. Se este jogo fosse avaliado apenas na estética, seria um dez de dez.


No início deste review eu disse que Undertale dominou o conceito do meta-jogo. Ele executou sua história de forma magistral com personagens únicos e foi capaz de trazer o jogador para a história de uma forma fantástica. Eu mencionei isso porque parece que OneShot está tentando capturar a mesma sensação.

Infelizmente, eu simplesmente não sinto que ele é capaz de entregar isso. Eu acho que esta no caminho certo, mas apenas no começo do caminho. Tem uma estética linda, interações interessantes com o jogador, algumas metáforas intrigantes e momentos fofos, ele definitivamente acerta em algumas das partes certas da fórmula. Mas, por causa da falta de um senso de direção, os dialogos serem melhor escritos (muitos personagens parecem que estão ali apenas para ajudá-lo em sua missão e não tem vidas além disso) e uma história que parece incompleta, simplesmente a coisa não dá liga.



Outra ideia original que eu sinto desperdiçada é o nome do jogo: OneShot tem esse nome porque que você só tem uma chance para jogar o jogo. Depois de tomar a decisão final, o jogo acabou e você não pode voltar. Se você abrir o jogo depois de terminar ele, ele só vai ficar travado na ultima tela - o que seria uma coisa legal e impactante em um jogo sólido, mas aqui honestamente eu não faço a mais remota questão de querer jogar ele de novo mesmo...

[GAMES] ONESHOT (ou metagame também não é magia)

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POSTADO EM:quarta-feira, 27 de março de 2019
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[GAMES] ORWELL: Keeping an Eye on You (ou Dick Cheney Simulator 2018)

| segunda-feira, 25 de março de 2019
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Em novembro de 2016, o governo britânico aprovou o Regulation of Investigatory Powers Act (RIPA) que, resumidamente, é uma série de poderes intrusivos de espionagem que vão muito além de colocar cameras das ruas monitorar os cidadões. Resumidamente, o governo britanico se deu carta branca para grampear, seguir, hackear, fazer vigilancia policial em qualquer um que eles considerassem ameaça nacional. E os termos do que constituem uma "ameaça nacional" são beeeeeem vagos. Pouco surpreendentemente, por exemplo, o governo usou isso para rastrear e identificar fontes dos jornalistas que tinham opiniões... pouco amigaveis ao governo. Reviravolta inesperada, huh?

Essa lei passou logo depois da série de ataques terroristas em Nova York, Madri, Londres e em outros lugares no começo dos anos 2000, como parte de uma onda em que muitos países usaram os atentados terroristas como desculpa para se dar carta branca para fazer o que bem entendessem. Claro, o ato executivo de Tony Blair ainda é brincadeira de criança perto do Patriot Act de Dick Chenney, que foi o mestre em usar o terrorismo a seu favor, mas ainda sim foi uma grande coisa para a população britanica.

Orwell é um jogo fortemente inspirado na RIPA e nesse admirável mundo novo em que governos podem tudo e ninguém liga mesmo. Os nomes dos lugares, o diálogo e as estruturas governamentais em Orwell são uma clara sensação de que o jogo se passa na Inglaterra (no jogo o país é chamado apenas de "The Nation") - inclusive o líder do país é um homem chamado "Blaine" (referencia ao primeiro ministro Tony Blair).


Neste jogo você é o operador do programa experimental do governo chamado "Orwell", um sistema operacional capaz de acessar qualquer coisa que o governo possa legalmente por as mãos - o que vai desde o seu perfil no Facebook a sua conta bancária, ou mesmo sua conta no Par Perfeito se o governo estiver se sentindo com vontade. Todo o jogo se passa operando o sistema Orwell, então como jogo ele é um simulador de sistema operacional.

Mas como isso funciona?

Se ouvindo uma conversa de Whatsapp de duas pessoas, uma dela menciona que a outra usava o nick "batatinhadoida2013", você pode mandar o sistema Orwell varrer a rede em busca de referencias a esse nick e achar uma pagina dela no MSN Space de 2003 em que ela disse (quando tinha 14 anos) que odiava o governo e que todos os politicos tinham que ir para o inferno. Se você quiser, isso pode ser uploadado no sistema como uma "prova que possui sentimentos antigovernamentais".

Só pode dar bom, né?



Entretanto, a pegadinha aqui é que você precisa usar essa ferramenta maligna para o bem (ou não, se você não quiser não é obrigado). O jogo abre com um atentado a bomba no meio de uma praça e é sua missão investigar a célula terrorista que causou isso e evitar possiveis mais mortes.

Sua única pista inicial é que na cena do crime foi filmada pelas cameras de segurança uma mulher com ficha policial de protestos contra o governo. Investigar a ficha policial dela leva ao perfil dela nas redes sociais, seu histórico de emprego e por aí vai. Cada uma dessas pesquisas vai abrindo mais perfis para serem investigados, que podem ou não estar ligados ao atentado.

Em pouco tempo você vai estar o Orwell para ouvir suas conversas telefônicas e mensagens de texto. Eu descobri que ela está ligada a um grupo de ativistas chamado Pensamento, que estão preocupados com a erosão das liberdades representadas pelos governos que espionam as pessoas que deveriam servir.  Mas eles estão tão preocupados a ponto de explodir pessoas?

Tudo isso é apresentado como uma série telas nas quais os principais snippets são destacados. Seu trabalho é decidir quais trechos de dados serão enviados para Orwell. Por exemplo, o advogado (e namorado) da nossa primeira suspeita possui uma conta bancária que registra doações frequentes. Dependendo de quais informações eu uploado ao sistema, eu posso fazer o governo pensar que essas doações são para pessoas suspeitas... ou eu posso fazer upload do certificado de doações a causas humanitárias que eu achei hackeando o computador dele.

Obviamente ele é um cara legal... mas por outro lado mete-lo em cana vai abalar emocionalmente nossa suspeita numero um e talvez ela se torne mais "cooperativa" no interrogatório. Pode não ser justo (e não é), mas fazer isso pode fazer a diferença entre uma bomba ser detonada em um shopping lotado ou não. Não são escolhas tão faceis assim. Como Dick Chenney diz ao fim de "O Vice", meus metodos "anti-éticos" salvaram a bunda da família de todos vocês. De nada.

Vamos hackear esse Par Perfeito para ver com quem essa novinha anda tretando...


Nesse jogo você vasculha muitos dados, le e-mails, ouve telefonemas, lê blogs, comentários de redes sociais, comentários em paginas de jornais (sim, tem até a versão britanica dos comentaristas de G1). Se você quiser, pode ser pulado muito do texto. Os dados relevantes são sempre fáceis de acessar, desbloqueando novos documentos e novos caminhos. Mas ajuda muito que isso não seja necessário, porque bisbilhotar a vida dessas pessoas é uma tarefa gratificante enquanto narrativa. Felizmente, Orwell é um dos jogos mais bem escritos que eu joguei. Seu texto é interessante, envolvente e realista. Parece um thriller de espionagem cativante e complexo, no qual você nunca tem plena certeza de em quem você pode confiar - você não pode sequer desconsiderar a possibilidade que o governo armou os atentados para ter uma desculpa para se dar poderes ilimitados.

Todas as conversas e pistas oferecem pistas narrativas em potencial que me levaram a teorias e conspirações sobre o que realmente esta acontecendo aqui.


Mas chega de falar de flores, vamos falar de uma coisa que me incomodou bastante e o principal defeito de Orwell é um bem estranho. Tão incomum que eu achei que fosse só burrice minha, mas lendo a respeito percebi que é um problema bem recorrente: o jogo não explica direito a sua mecanica.

Inicialmente o jogo passa a sensação que seu trabalho é só fazer upload de todos os datachunks que puder encontrar e ver onde a história vai, como um tipo de walking simulator só que com um sistema operacional. Foi só bem mais tarde que eu percebi que você não apenas não precisa fazer upload de tudo, como o que você faz upload faz diferença.

Pode parecer idiota, mas para quem joga o jogo sem se informar antes a respeito (como eu normalmente faço, eu prefiro julgar o jogo pelo que ele se propõe e como ele me ensina a jogar), é fácil passar da metade do jogo antes de perceber que você não está seguindo um trilho e sim fazendo escolhas.

O que é uma pena, porque as escolhas que você faz são muito inteligentes. Quando eu descobri que o alvo inicial das investigações tomava remédios para a ansiedade, eu uploadei essa informação no sentido de que essa pessoa não seria muito interessada em se envolver em tretas na vida real, certo? Bem, o governo interpretou minha informação como o fato que essa pessoa é mentalmente instável.

Esse jogo de equilibrio entre atropelar as liberdades civis e a decência básica e fazer o seu trabalho como investigador do governo tentando evitar um ataque terrorista é o que torna o gameplay interessante, e é realmente um crime que o jogo não explique muito bem isso.



Durante o meu jogo, eu descobri uma conspiração terrorista e fui laureado como herói. Mas também tomei uma série de decisões que causaram a morte de uma pessoa inocente. Você não controla como o governo vai interpretar suas ação e, como na vida real a respeito de tudo que envolve o governo, você só pode trincar os dentes e esperar pelo pior. Sistemas como Orwell são uma panela de pressão repleta de merda esperando para estourar.

O cerne do problema moral é que a escolha entre intrusão e liberdade não é simples. Se fosse, o tema central do jogo não seria nem de perto tão interessante. Os escritores da Osmotic Studios são obviamente hostis aos níveis crescentes de vigilância e aos argumentos usados ​​para apoiar essas intrusões, mas eles não são cegos aos resultados desses sistemas - acredite, nunca mais aconteceu um atentado terrorista em solo americano não foi porque os terroristas pensaram "ah, ta bom assim, deixa pra lá...".

Funcionar o sistema funciona... mas a que preço?



Na vida real, os governos insistem que a bisbilhotagem nos protege, que não temos nada a temer enquanto não tivermos nada a esconder e este é um argumento que muitas pessoas acreditam ser verdade. Eles estão abertamente dispostos a aceitar a possibilidade de suas mensagens no Facebook serem assistidas, se isso ajudar a pegar os bandidos ou evitar apenas uma atrocidade. O que parece fazer muito sentido... até pessoas começarem a perder empregos, serem despejadas ou simplesmente desaparecerem no meio da noite por expressar sua opinião discordante do que o governo entende como "dos interesses da nação".

Teoria conspiratória demais? Parece mesmo. Exceto que foi exatamente o que aconteceu nos Estados Unidos, aconteceu na fucking SUÉCIA e é o que esta acontecendo hoje na Venezuela. Foi o que aconteceu no Brasil nos anos 70 e esta sempre apenas a uma eleição infeliz de voltar a acontecer. Porque a fome do camarada Estado nunca diminui, e você é um prato delicioso.

[GAMES] ORWELL: Keeping an Eye on You (ou Dick Cheney Simulator 2018)

THE STORY SO FAR: Em novembro de 2016, o governo britânico aprovou o Regulation of Investigatory Powers Act (RIPA) que, resumidamente, é uma série de p...
POSTADO EM:segunda-feira, 25 de março de 2019
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[ANIMES] GOBLIN SLAYER (ou D&D raíz old school anti-nutella of doom)

| sábado, 23 de março de 2019
... TO BE CONTINUED »
 

Desde 1964, quando Tolkien venceu a segunda guerra mundial e inventou o RPG porque estava cansado de contar a história de como foi, o mundo nunca mais foi o mesmo praticamente toda literatura, videogames e filmes foram inspirados de uma forma ou outra pela sublime arte de tentar colocar historinha em um board game.

Agora, se você acha que RPGs são populares (mesmo que não tenha jogado, todo mundo sabe ao menos o que é - com exceção dos reporteres da Record) por aqui, é porque não faz ideia do quão popular essa coisa é no Japão.

[ANIMES] GOBLIN SLAYER (ou D&D raíz old school anti-nutella of doom)

THE STORY SO FAR:   Desde 1964, quando Tolkien venceu a segunda guerra mundial e inventou o RPG porque estava cansado de contar a história de como foi, o ...
POSTADO EM:sábado, 23 de março de 2019
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[FILMES] HOMEM-ARANHA NO ARANHAVERSO (ou somos todos Pedro)

| quinta-feira, 21 de março de 2019
... TO BE CONTINUED »


Existem muitas coisas que eu poderia falar sobre Homem-Aranha no Aranhaverso, diversas mesmo. Eu poderia falar sobre a direção de arte fenomenal da animação que consegue misturar animação 3D, 2D, cartoon, cel-shading, stop motion e grafite com uma fluídez nunca antes vista na história dos desenhos animados. Apenas por isso já leva fácil os prêmios de melhor animação do ano.

Não há um único momento ocioso para os animadores desse longa, ao mesmo tempo que ele não é poluído visualmente. Não importa o quão trivial sejam as ações dos personagens na tela, sempre tem algo interessante para se ver nesse filme.

Mas não é disso que eu quero falar, assim como não quero falar sobre os personagens também. Mesmo que eu precise dizer que necessitamos de mais Homem-Aranha Noir nas nossas vidas e que a quantidade de hentão da Spider-Loli que devem existir a essa altura passa de 9mil, também não é disso que eu quero falar.

Eu quero falar sobre o maior herói que a Marvel dispõe em seu rol: o Homem-Aranha.

Melhor cartoon dos anos 60


Eu sei que a Marvel criou um rol imenso de heróis extremamente populares nos últimos anos, mesmo caras que mesmo os fãs mais hardcore de quadrinhos tinham dificuldade em lembrar deles tem lá o seu fandom - personagens como os Guardiões da Galaxia ou o Hawkeye. Alguns que já eram conhecidos como heróis de segunda linha se tornaram super estrelas, como o Thor, Homem de Ferro ou o Pantera Negra. Mesmo o Venom é relativamente popular hoje em dia ao ponto que você não precisa explicar quem ele é. Mas o cabeça-de-teia continua a ser o herói mais importante da Casa das Ideias.

Alias, estatisticamente, o homem-aranha é o super-herói mais rentável de todos os tempos. Do ponto de vista financeiro, nenhum outro super-herói é financeiramente tão bem sucedido mundialmente como Homem-aranha. Amazing Spider-Man 2 é comumente considerado como um fracasso financeiro por fazer "apenas" fazer mais de $700000000 dólares (graças em parte a ser uma bagunça que estouro o orçamento, mas enfim). Brinquedos, jogos e (sim) quadrinhos vendem uma tonelada. Consistentemente ao longo dos últimos quarenta anos.

Mas não é só do financeiro que eu estou falando. Até hoje, o homem-aranha continua sendo um dos personagens mais amados de todos os tempos. Seus altos são lendários (eu tenho até hoje a "Última Caçada de Kraven"). Seus baixos são lendários (sim, eu li a Saga do Clone).

Eu mantenho que nenhum dos filmes de live action são realmente ruins. Não, nem mesmo Amazing Spider-Man 2 ou Homem-aranha 3. Podem ser ruins perto do que poderiam ser, mas eu nunca saí do cinema desejando duas horas da minha vida de volta. Quando o Capitão América: Guerra Civil saiu, toda a discussão sobre o filme ficou pela mera presença de Peter Parker em uma cena.

Agora com a chegada do Homem-aranha no Aranhaverso, temos então que fazer a pergunta inevitável: porque o homem-aranha é tão popular?

Meu palpite pessoal é que ele tem um apelo universal. A razão pela qual o homem-aranha é amado em todo o mundo é porque todo mundo, não importa onde você vive ou qual a cor da sua pele, pode ser o homem-aranha. Na verdade, você não precisa nem ser homem para ser o Homem-Aranha.



PARA ENTENDER O QUE É O HOMEM-ARANHA, É PRECISO ENTENDER O QUE ELE NÃO É

Toda história de super-herói lida com conflito. Um super-herói de sucesso sempre capta um componente da vida e da cultura humana. É inevitável que uma história bem escrita desenvolva um tema central, ou uma ideia que informe e influencie os acontecimentos da narrativa. Pode ser sutil ou obtuso, mas um bom tema empurra e direciona uma boa narrativa.

Assim sendo, certos temas são influenciados pelo tempo em que vivemos. Alguns conceitos e histórias tornam-se mais relevantes em determinados períodos de tempo do que outros.

Um exemplo óbvio disso são os X-Men, que usa a ficção para discutor a discriminação e a intolerância pela ficção cientifica. X-Men aborda as questões do mundo real: a paz pode ser conquistada pela tolerância e debate ou a humanidade é apenas um bando de filhos da puta que só resolvem as coisas na porrada. É uma mensagem que a cada época é contada de uma forma diferente, ainda que a mesma.

Originalmente, os X-men eram uma metafora para a guerra fria (tanto que no começo eles eram chamados de "os filhos do átomo"). Nos anos 90, X-Men era uma metafora para o desespero mundial que foi a epidemia da AIDS. A maioria de vocês crianças não sabe disso, mas na época AIDS era tratada como se fosse lepra. Mais de uma pessoa perdeu o emprego, a família ou mesmo a vida devido a superstição e falta de informação.



Ainda que hoje a AIDS ainda seja um problema bem sério (felizmente em poucos anos uma vacina para isso já deve estar disponível), ela não é tratada da forma que foi nos anos 90.

Hoje em dia, X-Men é frequentemente associado a discriminação da sociedades LGBT. Em um mundo onde é totalmente aceitavel que mais de 40 mil pessoas cantem que o presidente eleito "vai matar viado", não é dificil entender a importancia disso.

Por outro lado, alguns personagens podem mudar ao longo do tempo. Superman nasceu como uma fantasia de poder que hoje consideraríamos infantil (ele é melhor em tudo, e voa, e bate em todo mundo e nunca perde e zaz!), de modo que atualmente ele incorpora dois temas principais: esperança e imigração. O que torna o Super-Homem tão grande para mim é que ele representa a ideia de que a humanidade é capaz de grandeza. Nós podemos ser bons, podemos fazer a coisa certa mesmo quando isso não é fácil ou vantajoso.

Outra forma de contar sua história é também a do ponto de vista do imigrante, que chega em um novo mundo que não o compreende, onde ele traz seus talentos exclusivos para tornar este mundo um lugar melhor.



Nos últimos anos, no entanto, a esperança tornou-se mais difícil de encontrar (tanto porque é difícil de escrever uma história sobre isso, quanto porque somos cada dia mais cínicos e amargos do que nunca), e por isso tantos escritores tendem a enfatizar a coisa do imigrante. Mais frequentemente sim do que não, as histórias do Homem do Amanhã se concentram nos temas de isolamento que um imigrante pode sentir — o que é absolutamente válido. No entanto, o isolamento e a ansiedade muitas vezes ofuscam os temas do Superman de esperança e escolhas, que turva o tema geral do personagem. Zack Snyder que o diga.

Não que os temas mudarem para se adaptar ao ambiente atual sejam uma coisa ruim, pelo contrário! O Capitão América começou como a personificação da liberdade americana, mas, desde os anos 60 que o ideal se revelou ser uma falsa promessa feita por um Estado inchado e super controlador da vida dos cidadãos comuns em níveis que nem mesmo Orwell sonharia. Ao invés de espalhar os interesses do governo, o Capitão América rejeitou a América para lutar pelo seu próprio sonho americano - o sonho de um país realmente livre que a realidade a muito tempo engoliu.






O Capitão América hoje é muito menos sobre socar comunistas, nazistas ou marcianos e mais sobre o sonho americano (que é a expressão utilizada para definir a ideia de que qualquer um pode ter sucesso com trabalho duro e dedicação, independente do seu sobrenome ou lugar de origem) ter falhado. O que não impede de continuar lutando para fazer as coisas serem certas.

E alguns heróis são apenas o Batman, que é rico e luta contra o crime.

Mas em todos os limites, um personagem permaneceu universalmente amado, em parte devido a um tema que transcende as limitações do tempo: Homem-Aranha.

O TEMA DO HOMEM-ARANHA



A frase "com grande poder vem grande responsabilidade" é uma fala do narrador em Amazing Fantasy #15 (e transformada em fala do Tio Ben por Sam Raimi), mas continua a ser uma das mensagens mais poderosas na literatura indiscutivelmente. Um conceito muito simples destilado em algumas palavras.

É também um dos dois temas centrais do Homem-Aranha que o mantêm eternamente relevante. A frase envia uma mensagem implícita: se você tem o poder de fazer o que é certo, é melhor fazê-lo. Se não, haverá consequências. 

Só que mesmo às vezes você pode fazer tudo certo (porque você tem poder suficiente para isso), mas isso não é garantia de que coisas não vão dar errado.

Os momentos que exemplificam isso são famosos. A morte do tio Ben. Seu fracasso em salvar Gwen Stacy. Mesmo a criação de Venom. Todos giram em torno do tema central. Quando se tem poder, você têm a responsabilidade de usar esse poder direito. Mesmo quando você faz tudo certo, às vezes esse poder resultará em alguma coisa terrível acontecendo porque assim é a vida.



E como não poderia deixar de ser, os vilões de Pedro uma versão distorcida do seu conceito. A maioria dos vilões de Spidey também fizeram uma escolha. Eles usam seus poderes, mas não assumem nenhuma grande responsabilidade. Eles escolhem fazer suas próprias vidas melhores, mas a que custo para o mundo ao seu redor?

Ao olhar para a galeria de vilões do teioso, três vilões destacam-se entre todos que encarnam isso. Duende verde, Doc Ock, e Venom. O Duende Verde poderia ser o próximo Tony Stark (embora a coisa dele seja mais química do que mecanica, mas enfim), só que ele usa seu brilho e poder para o ganho pessoal ao custo de arruinar as vidas de todos ao redor. De fato, tem um período que o Normam Osborn decide fazer o mesmo que o Tony Stark faz e se torna o Patriota de Ferro, mas não dura muito.

 O Doc Ock é um gênio, mas usa suas invenções para atender apenas aos seus próprios caprichos egoístas sem pensar nas consequencias. Venom/Eddie Brock se sente traído pelo mundo, e usa seu poder para aplicar uma forma distorcida de justiça sem pensar nas consequências ou quem pode sair machucado.



O equilíbrio entre Peter, seus entes queridos, e seus adversários cria este belo tema que é universalmente compreensível. Não importa o que está acontecendo no mundo, não importa que época você esteja, todo mundo consegue se relacionar com este conflito: "Qual é a coisa certa a fazer e qual é a coisa mais fácil de fazer? Temos a responsabilidade de tornar o mundo melhor? E se não agirmos para com essa responsabilidade, o mundo vai ficar pior?"

O Homem-Aranha escolhe a responsabilidade, e sua vida é pior por conta disso. Ele é pobre, tem um emprego merda e seu casamento mais frequentemente sim do que não está se esfacelando. E ainda sim, ele não trocaria ser o Homem-Aranha por nada neste mundo.

O que é o segundo tema principal do Homem-Aranha: a vida é uma filha da puta.



Como eu disse, Peter Parker é um fodido. Sua vida é uma série miserável de eventos ruins quebrados por bons momentos que servem como apenas represas antes da próxima tragédia.Quando Peter finalmente conheceu uma garota meio-nerd que o aceitava como ele era (embora frequentemente esquecido no meio de genios como Tony Stark, Hawk Pym e a princesa Shuri de Wakanda, Peter Parker é um rapaz muito inteligente tendo criado tecnologias no seu porão com as quais nem a NASA sonha, como as teias do Homem-Aranha) e uma época que isso não era uma coisa, ela morreu.

Quando ele ganhou super poderes, isso foi ao custo de perder metade de toda família que lhe restava.

Quando ele se tornou um super-herói, o jornal local tratou de garantir que ele jamais receba o crédito que merece. E assim vai.

Não importa realmente o quanto você se esforce, nem o quanto você faça as coisas certas, a vida não vai te dar arrego por conta disso. Porque, como disse sabiamente o velho que sabia lutar, a vida não é sobre o quanto você bate mas o quanto você consegue aguentar.

O homem aranha não é o herói mais forte (embora ele tenha a capacidade das aranhas que conseguem levantar seis vezes o peso do próprio corpo, isso não é nada para os padrões Marvel), ele não é o mais inteligente, nem o que tem os poderes mais estravagantes, ou mesmo os mais criativos (esse vai para o "Dollar Todo-Poderoso", que tem o poder de disparar moedas de 1 centavo). Mas o Homem-Aranha é o que mais se levanta depois de apanhar. O Homem-Aranha sempre se levanta.




O que nos leva a algo mais importante ainda, algo que Stan Lee sempre disse desde os anos 70 e as pessoas nunca assimilaram direito porque sempre associaram o Homem-Aranha com Peter Parker, e é justamente algo que Homem-Aranha no Aranhaverso faz tão bem em ilustrar. E é isso:

TODO MUNDO PODE SER O HOMEM-ARANHA


Houveram duas decisões feitas no início do Homem-aranha que fez do Homem-aranha um personagem tão perfeito, e ambos têm a ver com o co-criador do personagem, Steve Ditko. 

Na época, o principal desenhista da Marvel era Jack Kirby, criador do Thor, do Hulk e dos Vingadores. Mas Stan Lee não o escolheu para desenhar esse novo personagem, o Homem-Aranha. Lee disse, muitos anos depois, que o estilo de Jack Kirby não era o que Peter Parker precisava porque Kirby sempre foi o melhor fazer esses personagens tão grandes quanto a vida. O Hulk é o personagem mais (fisicamente) forte do mundo, o Thor é um deus, o Senhor Fantástico é o homem mais inteligente da Terra, e por aí vai.



Peter precisava ser vulnerável, e por isso Stan Lee pediu para esse garoto novo na empresa desenhar ele. Esse garoto estranho que se importava mais com os defeitos dos personagens do que seus poderes. Ele pediu a Steve Ditko que o Homem-Aranha tinha que ser alguém que pudesse ficar doente as vezes. Ele tinha que cuidar da tia idosa. Tinha que pagar as contas no fim do mês. A ideia de fazer Peter como um personagem mais fragil, mais desajeitado, fêz crível que a vida pudesse dar umas porradas nele.

Se alguém matar um parente do Thor, ele terá uma vingança épica em uma batalha que destroçará mundos. Se alguém passar a perna no Capitão América, grandes são as chances que ele revidará expondo e derrubando um governo corrupto. Mas se o Homem-Aranha perder alguém, não tem muito que ele possa fazer a respeito disso senão sentar e chorar. Como qualquer um de nós. 

Spider-Man into Spider-verse: Homem Aranha do cartoon dos anos 60 vs Homem Aranha dos filmes da Marvel


 A outra decisão que o torna tão humano é esta: a fantasia de corpo inteiro. Nem um centímetro de pele ou cabelo é exposto, o que tem esse resultado possivelmente não intencional: o homem-aranha pode ser qualquer um. Isso não quer dizer que é o uniforme do homem-aranha que o torna carismático. Sua caracterização e histórias fazem isso por ele. 

Não, o que eu quero dizer é: suponha que você está vendo o Homem-aranha pela primeira vez. Você não sabe quem é Peter Parker. Você não sabe sobre o tio Ben ou o grande poder e grande responsabilidade ou qualquer coisa assim. Você só está vendo esse cara de fantasia. Até agora, cada super-herói mostrava alguma coisa. Você tinha máscaras estilo zorro, ou talvez nenhuma máscara. 

O Homem de ferro viria anos mais tarde, mas, novamente, você sabe que ele é ou um cara super-rico ou é um gênio porque ele tem uma fucking armadura voadora que dispara lasers (no caso, Tony Stark é os dois). Você tem uma ideia de quem ele é só de olhar a sua armadura.

Por muito tempo (acho que até o Deadpool, na verdade), nenhum outro super-herói mainstream tinha um traje de corpo inteiro como esse. Vilões tinham, mas não realmente heróis das revistas principais. Aí surge o Homem-aranha. Quem é esse cara? Ele é mesmo um cara? De que raça é essa pessoa? Como ele é? De que grupo social ele vem? 

A verdade é... que não importa. Qualquer um pode estar usando essa roupa. Não importa se ele é negro, branco ou lilás. Não importa se o Homem-Aranha é uma mulher, se é trans ou um garoto de 14 anos. Não importa se ele é rico, se foi criado no Harlem ou em Uganda. Nada disso importa. O Homem-Aranha é Peter Parker. O Homem-Aranha é Miles Morales. É Miguel o' Hara. Takuya Yamashiro. Peny Parker. Gwen Stacy. Tom Holland. O Homem-Aranha é você. O Homem-Aranha sou eu. Isso é tudo que importa.

Mas acima de tudo, o Homem-Aranha é apenas o amigão da vizinhança tentando fazer a coisa certa não porque ele vai ganhar dinheiro, fama ou lolis. E sim porque é o certo a se fazer. 

Porque ele é o espetacular Homem-Aranha.

[FILMES] HOMEM-ARANHA NO ARANHAVERSO (ou somos todos Pedro)

THE STORY SO FAR: Existem muitas coisas que eu poderia falar sobre Homem-Aranha no Aranhaverso, diversas mesmo. Eu poderia falar sobre a direção de arte ...
POSTADO EM:quinta-feira, 21 de março de 2019
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