O mundo dos JRPGs é construído em cima de uma premissa que nunca é dita em voz alta, porém todo gamer entende o que ela significa. A proposta é a seguinte: eu te darei algo interessante. Seja uma história que você lembrará, personagens marcantes, um bom sistema de combate ou uma trilha sonora que você carregará para toda vida. Ou todas essas coisas juntas, caso o qual o jogo se chamará Persona 5.
Isso não vem sem um preço, no entanto. Em contrapartida a essa experiencia o jogador tem que dar em troca dezenas de horas da sua vida e as vezes aprender a usar sistemas de combate que ele sequer sabe explicar direito como funcionam, jogando praticamente através de memória muscular. Esse é o pacto sagrado dos RPGs japoneses.
JRPGs são o tipo de jogo do qual pode se dizer "fica bom mesmo só depois de 30 horas de jogo" e isso não é hiperbole alguma. No tempo que você consegue finalmente andar em um mapa que não seja um corredor em Final Fantasy 13, você já poderia ter terminado Resident Evil 1 quinze vezes. Nenhum exagero aqui. Então, de certa forma, JRPGs tem uma leniencia por parte do seu publico que outro genero algum pode se orgulhar.
Então, usando dessa prerrogativa, os RPGs japoneses se dividem em duas categorias: os que realmente se esforçam para oferecer uma experiencia única e interessante, e os que vão no "ah, otaku compra qualquer merda, bota filler de anime genérico e fechamos o dia". Sim, Hyperdimension Neptunia, estou olhando pra você. E tem jogos como a série Disgaea que são um produto de qualidade esforçado E filler ruim de anime ao mesmo tempo. Vai entender.
Existe ainda uma terceira categoria para esses jogos: os que não são ruins, definitivamente, mas também não são bons o bastante para justificar 50-10 horas do seu tempo. E é aí que a série "Tales of" entra.
Dificilmente você pensaria em "Tale of" como um titulo popular, mas quando você considera que o jogo tem quase todos os seus titulos religiosamente lançados no ocidente - bem, isso é mais do que pode ser dito de qualquer RPG que não seja Final Fantasy ou Dragon Quest. Na verdade, Tales of tem mais jogos lançados no ocidente que a série principal de Final Fantasy!
Porque isso? Não porque ela faça nada particularmente espetacular ou brilhante, apenas é competente no que faz. Competencia não é genialidade, mas é regular o suficiente por tempo o suficiente. Pense na série "Tales of" como o Paul Verhoeven dos games.
QUEM?!
Paul Verhoeven não é um gênio da direção, ele não tem uma visão de mundo única ou um marca registrada característica. Mas ele é absolutamente competente no que faz. E o que ele faz é sentar com o roteirista e com quem está pagando a conta e perguntar "que tipo de história vocês estão querendo contar e para que público?" e bam, ele entrega. Sem firula, sem drama, sem stresse. Trabalho limpo, simples e eficiente.
PARECE SEM SAL...
Bem, se você considera Robocop, Vingador do Futuro, Instinto Selvagem e Tropas Estelares sem sal...
Então, "Tales of" é o Paul Verhoeven dos games. E, para ser justo, em nenhum momento tenta ser mais do que isso realmente.
Via de regra, o enredo de qualquer um dos dezesseis "Tales of" é geralmente anime genérico, o mesmo valendo para os personagens. Geralmente são quests de 60+ horas, normalmente envolvem dois mapas do mundo com algum tipo de grande evento primeira parte e quando você acha que você acabou de derrotar o grande mal alguma coisa ainda maior pior aparece.
A diferença entre eles fica na qualidade da escrita (isto é, o quão bem eles os clichés) e gameplay (alguns são muito esmagameto de botões, alguns tem elementos de estratégia interessante). E nesses aspectos, Tales of Symphonia não faz nada particularmente errado... embora não faça nada tão certo assim.
A primeira metade do jogo parece uma versão do homem pobre de Final Fantasy X. O mundo está correndo um perigo terrível, então uma moçoila precisa fazer uma peregrinação por templos cercada por seus guarda-costas para salvar o mundo, ao final da qual ela perecerá. O protagonista é um membro do entourage da mocinha.
Bitch, please |
Obviamente que Tales of Symphonia não tem 1/10 do orçamento de Final Fantasy X, sendo apenas... funcionais na sua execução - apesar de que poderia facilmente ter cortado umas 10 horas de conteúdo sem prejuízo algum. Eu não faço ideia se o port para PC é ruim, se o Gamecube não tinha capacidade ou o que aconteceu, mas o jogo contar a história com apenas um personagem conseguindo se mover de cada vez nas cutscenes é algo bem tosquinho.
Normalmente em uma cutscene de ToS, um personagem fala e depois que terminou a sua fala ele faz o movimento, passando então a vez. O que gera cenas involuntariamente hilárias como: só depois de terminar de falar ele vira o rosto na direção de com quem ele estava falando, que responde da mesma maneira.
Sheena, a summoner ninja da vila oculta da "peitos tão grandes que ela não consegue fechar o shinobi shizoku dela" |
Os personagens não são nada que você já não tenha visto em dezenas de animes antes disso, mas não são ruins. Você consegue simpatizar com a Colette lentamente ir perdendo a sua humanidade sem nunca reclamar disso, e com o Lloyd sendo tapado como uma porta porém esperto o suficiente para perceber que o intelecto não é exatamente o seu ponto forte.
Não espere nenhum desenvolvimento de personagem aqui, embora o jogo diga mais de uma vez que Lloyd se torna algum tipo de lider, ele é basicamente o mesmo personagem do começo até o fim do jogo - assim como todo mundo que aparece na primeira metade do jogo. Não ter desenvolvimento de personagem não é um problema per se, porém quando o seu protagonista é apenas um protagonista de shonen genérico que não vai além de "vou proteger meus amigos e fazer o que é certo", eu acho que isso ajudaria a engolir a pilula.
A segunda metade do jogo é bem mais interessante, com os heróis indo para outro mundo e descobrindo porque existe um outro mundo em primeiro lugar. Esse outro mundo também tem tramas politicas/sociais e personagens bem mais interessantes do que o original - tendo, estes sim algum desenvolvimento de personagem. Presea recupera sua personalidade, Sheena supera seu trauma do passado, Regal se perdoa pela morte da sua noiva, e com Zelos sendo o personagem mais interessante e complexo do jogo.
O que também não quer dizer tanta coisa assim... |
Nada espetacularmente genial, mas competente. Em especial, a história de Mythos e sua party terem se tornado os vilões de hoje para salvar o mundo dele mesmo é legal, mas novamente, o jogo enrola colocando tanta agua nesse chope para fazer volume que até isso se perde um pouco.
Por exemplo, tem uma hora que você precisa fazer um crest especial. Para isso você tem que fazer uma quest para achar o material, então tem que fazer outra quest para achar o cara, então tem que fazer outra quest para ele te ajudar... e nada disso é rápido, fazendo com que o ritmo do jogo seja excessivamente burocrático. Não chega a ficar ruim, mas definitivamente é menos interessante do que poderia ter sido.
O sistema de combate é uma bagunça e eu terminei o jogo sem entender exatamente como usar ele otimizadamente... porém o fato de eu ter conseguido terminar mesmo assim não depõe tanto a favor do jogo, afinal. Também não existe nenhuma complexidade na evolução do personagem, você aprende novas tecnicas subindo de nível ou usando as antigas... eu não tenho certeza exatamente de como funciona (novamente, eu terminei o jogo sem entender isso!), mas com certeza é um desses dois.
Então o que temos até aqui? Um sistema de combate que não é bom, mas não impede que você termine o jogo. Personagens que são gostaveis, embora não memoraveis. Uma história que é boa, mesmo que esticada demais para o que precisava ser.
Ou seja, para cada passo certo que ToS dá, ele recua um passo na direção errada - o que deixa o jogo levemente acima de "mediano" apenas. O que é meio que até onde os jogos da série "Tales of" vão. A maioria deles são medianos, os jogos ruins são apenas levemente mais ruins do que um jogo ruim é esperado ser (em nenhum deles você tem que pintar uma parede, por exemplo), e os bons são normalmente mais "acima da média" do que incríveis.
O que nos leva a pergunta realmente importante aqui: enquanto o jogo não é ruim, ser "apenas ok" vale 60 horas do seu tempo ou mais? Pessoalmente, eu escolheria apenas ficar com a adaptação em anime e economizar 58 horas da sua vida para ter os mesmos resultados.