Como você pode imaginar, fazer animes não é exatamente o negócio mais lucrativo do mundo. Não é por pura malignidade que os salários do pessoal que faz animes é consideravelmente mais baixo que a média japonesa para profissionais com a mesma formação, é que realmente não tem muito dinheiro aí.
Isso sendo dito, existem algumas maneiras diferentes de levar um faz-me-rir para casa desenhando lolis de sutiã 44DD.
O mais tradicional e comum são os "animes-propaganda". Basicamente, você encomenda um anime para divulgar o seu manga, visual novel, light novel ou bonequinhos colecionaveis. Não raramente, uma combinação das anteriores. Normalmente esses animes são longos, se arrastam por várias temporadas - quando não mais de decadas.
Tem a opção também de fazer um anime curto, para fazer dinheiro com a coletanea de DVD. Normalmente quem compra esse tipo de coisa (no que é bem cara, mesmo para os padrões japoneses) são otakus e... bem, eu não colocaria minha mão fogo por algo feito para esse tipo de publico alvo.
Existe ainda uma terceira opção, uma mais ousada e que não é empregada com tanta frequencia assim que é fazer o caminho contrário: você faz um anime original na esperança que ele viralize e se ramifique em mangas, light novels, video games, travesseiros de waifu e garage kits. Foi justamente nesse modelo que o maior sucesso da história da industria aconteceu, então de vez em quando não custa tentar, né?
E foi essa estratégia ousada que o estúdio Jumonji escolheu para seu anime de estreia, com transformações feitas sob medida para virarem uma linha de brinquedos e um final que deixa o maior mistério da trama em aberto. Mas... funcionou?
Bem, eu diria que a premissa escolhida não é exatamente uma boa forma de começar - supondo que seu objetivo seja chamar atenção para que as pessoas assistam o seu anime. Cinco amigas do colegial seguem as instruções de uma lenda urbana (isso sempre dá bom, né?) e vão parar em dimensões paralelas onde ganham poderes para se transformar em magical girls e combater o que quer que exista de mal e abominavel nesse mundo.
Se você teve uma crise de narcolepsia antes de terminar de ler o paragrafo acima, eu não te culpo.
Porque é claro que elas se transformam usando uma fita cassete e um walkman. Como se tivesse outra forma, duh... |
A apresentação do anime não ajuda muito, a animação tem uma qualidade estranha que dá a impressão daqueles animes feitos na China que tem 1/3 do custo e 1/10 da qualidade. Eu não sei colocar meu dedo exatamente sobre qual seria o problema, talvez seja o abuso de uma CG de Playstation 2, talvez seja a saturação de cores (ok, eu entendi que o anime é "As Meninas do Crepusculo", mas tudo precisa ser sempre laranja e vermelho?!), eu não sei exceto que não é muito bom.
Adicione a isso alguns arquétipos de personalidade que você já viu em basicamente todo anime de magical girls e... bem, você já sabe quem são essas cinco amigas sem precisar explicar muito: a líder cabeça oca animada, a nerd que se distancia das pessoas, a garota fútil que no fundo tem um bom coração... você sabe como funciona.
Exceto que, usando todos os clichés do mundo e mais um pouco, Akanesatsu Shoujo faz algumas coisas interessantes com eles.
A grande coisa é que cada vez que as meninas vão para uma dimensão paralela, essa dimensão tem os mesmos personagens só que em realidades alternativas. Enquanto isso não é tão bem explorado porque o anime não tem tantos personagens nem faz nada espetacular com eles, as realidades paralelas que se passam as aventuras são surpreendentemente criativas.
Em uma das realidades paralelas, por exemplo, o conflito do dia é que nesse mundo existe uma lei que todas as meninas precisam obrigatoriamente casar ao completar 17 anos, e a menina futil do grupo vê nisso uma chance para se casar um cara que na realidade dela é um galã de cinema, tipo o Brad Pitt japones ou algo assim.
Claro que no fim elas sempre descobrem uma valiosa lição sobre si mesmas, além de poderes mágicos e derrotam um monstro do dia, porque é assim que nós rolamos. Mas mesmo isso é interessante, porque os poderes de transformação que elas descobrem são tematicamente associados a realidade onde elas estão - então no exemplo que eu dei acima, a menina ganha poderes de noiva tendo uma armadura-vestido-de-noiva com um buque de flores como canhão e uma aliança como escudo.
É criativo, você tem que dar isso a eles!
Mais interessante que isso, no entanto, é que conforme a história progride ela revela escolhas e conflitos pouco comuns para as meninas. A menina bonitinha e timida do grupo, por exemplo, adora filmes de faroeste e tokusatsu. e ela queria mesmo era ser uma ranger que mete bala em nome da justiça, mas como ela é fofinha e bonitinha todo mundo espera que ela seja só uma princesinha frágil e essa é a vida que ela tem. São conflitos interessantes e bem menos obvios do que você poderia esperar do seu tipico mahou shoujo.
Essa é a coisa de Akanesasu Shoujo, o anime apresenta uma premissa que nos dá muitas idéias óbvias do que vai acontecer, e então faz escolhas totalmente não obvias, mas legais; Eu não estou dizendo que o clichê não está presente, mas pelo contrário, Akanesasu Shoujo aproveita este recurso para nos fazer acreditar que o enredo é totamente previsivel, e depois acaba executando de uma forma criativa.
Os produtores do anime sabem que nós já assistimos mahou shoujos o suficiente para saber o que esperar, e usam isso a seu favor. Não é tão diferente do que Undertale faz, por exemplo, quando Toby Fox conhece de cor e salteado o cinismo dos gamers e usa isso como ferramenta narrativa. Não chega a ser uma desconstrução de genero já que ele ainda executa todos os clichés religiosamente, apenas que é inteligente a respeito disso.
Japão... Japão never changes |
Eu diria que chamar as personagens de "tridimensionais" seria um exagero, mas a escrita é boa o suficiente para ser um "bidimensional e meio" em termos de profundidade, va lá. O que ajuda, porque conforme a série progride os temas vão se tornando mais emocionalmente dramaticos e a este ponto você já se importa com as personagens o suficiente para se importar com os dramas e desafios emocionais que elas enfrentam.
Para um anime que eu não esperava absolutamente nada, é bastante impressionante.
Alias, falando em impressionante, eu não posso terminar essa review sem parabenizar as dubladoras do anime. Como o anime trabalha com realidades paralelas, muitos personagens são repetidos - só da protagonista existem três versões dela como personagem recorrente, isso sem contar as que existem nas realidades que elas visitam. O que poderia tornar o anime bastante confuso de se acompanhar, não fosse que as dubladoras fazem um trabalho fenomenal de diferenciar as personagens umas das outras ao ponto que você até esquece que é a mesma dubladora dublando duas versões da mesma personagem. É um trabalho impressionante.
Akanesasu Shoujo está longe de ser uma obra-prima, mas tenho certeza
que é uma das maiores surpresas desta temporada. Fora os momentos de
comédia, esta série leva em conta os pensamentos e sentimentos das
protagonistas, tem ideias criativas para os cenários e para as
motivações/backgrounds delas.
2018 foi um ano estranho para a animação, tendo como destaques animes antigos com nova roupagem, como Killing Bites que é um anime dos anos 80 feito em 2018. Bem, Akanesatsu Shoujo é basicamente o que Sailor Moon seria se fosse feito nos dias de hoje. O que falta inventar, Cavaleiros do Zodiaco 2018?
Oh boy...